quarta-feira, 23 de abril de 2014
''engate que comece com negas é de morte.''
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 175
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impulsos de destruição
«E o tipo é da opinião que o major sofria daquilo a que podemos chamar impulsos de destruição e que por causa dos impulsos de destruição é que lhe vinham as tais bravuras. (...)
Este complexo de destruição, continua o inspector Otero, manifestava-se por uma arrogância ( o advogado chamou-lhe obsessão) que oscilava entre a dedicação e a crueldade mais lixada.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 173
Este complexo de destruição, continua o inspector Otero, manifestava-se por uma arrogância ( o advogado chamou-lhe obsessão) que oscilava entre a dedicação e a crueldade mais lixada.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 173
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terça-feira, 22 de abril de 2014
«As lágrimas de sereia e o corno compreensivo; errare humanum est.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 170
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«um filho é o vértice do orgulho da mulher só»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 163
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«Estou farta de liberdade», gritava ela para quem a quisesse ouvir, «toda a gente me quer dar liberdade e eu quero que a liberdade se foda». (Se cosa, disse a galinheira, perdoe-se a expressão).
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 163
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 163
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ANGÚSTIA DA EXACTIDÃO
by Victor Gonçalves in Analítica da Actualidade
Próxima das neuroses obsessivas, de que todos os génios produtivos sofrem (em graus e intensidades diferentes), a angústia da exactidão alimenta-se de uma profunda paixão pela ordem (feita exclusivamente de leis cósmicas, bem para lá da condição humana), jogo de escrúpulos irrazoáveis, mania de auto-correcção permanente. Creio que todos os grandes criadores, quer se exponham na música, na literatura, na filosofia, na pintura, na dança, ou noutro qualquer exercício de pensamento lógico-criativo (onde se situam também os cientistas inovadores) foram, de uma ou de outra forma, obsessivos e tendencialmente compulsivos. Quando, por exemplo, Lobo Antunes diz que não pode viver sem escrever, mas que demora mais tempo, muito mais, a corrigir do que a criar a primeira versão, vive, à sua medida, na angústia da exactidão.
Mas a patologia é apenas uma possibilidade, embora a mais extrema. Noutros termos, a neurose obsessiva não é necessariamente o culminar de um processo, onde aconteceria a exaustão de um indivíduo. Na verdade, é o produto da obsessão que vai ditar em que campo ela se inscreve, a obsessão é um pharmakon (remédio e veneno). Se a linha de fuga for a física quântica ou um tratado de filosofia medieval, uma sinfonia completa ou uma instalação minimalista plena de mundo, um romance polifónico de 400 páginas..., isto é, se o produto dessa dedicação integral, dessa fidelidade sem fissuras for uma obra que encerra riqueza suficiente para conjurar a extrema focalização do sujeito num processo criativo, então a patologia habitual dos obsessivos – destruidora de afectos, de ligações emotivas e racionais, da lucidez poética inventiva – não emergirá, ou melhor, dificilmente emergirá. Nos génios (chamemos-lhe assim para facilitar) a produção de obras é a cura homeopática dos impulsos obsessivos negativos.
Noutros registos de vida, menos intensivos, sem a força ou a sorte para fazer nascer algo de extraordinário, também existe esta angústia que ensombra com dúvidas (anti-cartesianas) as coisas que vamos fazendo: aquela vírgula mal colocada que potencia insónias; o conceito que escapou à censura lógica e agora corrompe a felicidade que pensávamos retirar do ensaio publicado; a metáfora gasta, vulgarizada que dissemos nunca mais usar mas que se introduziu furtivamente no poema, impossível de rasurar porque outras exactidões seriam destruídas; um personagem, a quem demos a honra de conduzir a história, incapaz de encaixar na narrativa sem minar o equilíbrio perspectivista; uma nota deslocada, dissonante na partitura, que recusa silenciar-se e corrompe a arquitectura melódica; ou o facto, esse velho evangelho da objectividade, cortado pelo relativismo de uma análise incoerente.
Mas também aqui o resultado feliz, num belo produto, das preocupações exageradas transforma o que destrói no que salva e faz crescer, conduz a uma plenitude que jamais será alcançada através dos gestos codificados da vidinha.
II
Há umas semanas lia uma pequena entrevista de Jorge Silva Melo a propósito de O Regresso a Casa de Harol Pinter para o D. Maria II. Aí pronunciava um magnífico elogio aos seus actores, apelidando-os de “actores exactos” (João Perry, Rúben Gomes, Maria João Pinho, Elmano Sancho, João Pedro Mamede e Jorge Silva Melo). Mas aqui percebe-se que não se trata da “angústia da exactidão”, antes do perfeito domínio de uma arte onde se improvisa pelo menos tanto quanto se representa (repetir um modelo, voltar a apresentá-lo). É a exactidão da criação, como quando Gilles Deleuze no diz que o sentido de um acontecimento não o precede, ele surge à medida que o próprio acontecimento se desenrola. Por isso, este pensador francês prefere ao termo “exacto” o de “anexacto”, um outro tipo de rigor: do estilo e do gosto mais do que da adequação entre o empírico e o ideal, o modelo e a cópia. Também Ludwig Wittgenstein quis nasInvestigações Filosóficas, com o conceito de “jogos de linguagem”, mostrar que “o significado de uma palavra está no seu uso”. Neste sentido, a verdade de algo resulta do seu funcionamento dentro de um determinado jogo de linguagem (Mendel não podia estar certo mesmo estando-o, porque o jogo de linguagem dominante da sua época não podia aceitar a sua linguagem quase privada sobre a hereditariedade. Que hoje, num volte-face de thriller, é a que domina). Foucault falará ainda mais claramente em “jogos de verdade”, relativizando com isso a exactidão, visto que a verdade é relativa ao que uma época/cultura considera como verdadeiro. Mas talvez seja mais clara ainda a afirmação de Jean-Luc Godard (brilhante Pierrot le fou), cito de memória: “não tenhais ideias justas, mas somente uma ideia”. Como se desconfiasse, até politicamente, da exactidão das ideias, instrumento várias vezes utilizado ao longo da história para impor a servidão, a quem percorreu a via-sacra para as encontrar e a quem as recebe e se vê obrigado a abdicar da liberdade de as recusar, porque, finalmente, sempre são “ideias exactas”.
Tenhamos, pois, uma ideia, anexacta ou rebelde, excêntrica em relação ao nosso verdadeiro, aos jogos de linguagem da opinião, mais ou menos erudita, deixemo-la emergir evitando as angústias estéreis. É que talvez toda a metafísica do mundo se esgote quando acolhemos o sol sentados numa esplanada à beira-mar.
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baratinar
verbo transitivo
1. coloquial seduzir com palavras falsas; enganar; intrujar
2. coloquial confundir, desorientar
sábado, 19 de abril de 2014
«De que serviriam as Artes, se não fossem o desdobramento e a contra-prova da existência? Eh! Bom Deus! À nossa volta só vemos em demasia a triste e desencantadora realidade; o tédio insuportável dos meios-caracteres, os amores indecisos, os esboços da virtude e de vícios, os ódios mitigados, as amizades fraquejantes, as doutrinas contraditórias, as fidelidades que têm os seus altos e baixos, as opiniões que se evaporam. Deixemo-nos, pois, sonhar que por vezes parecemos homens mais fortes e maiores, que seremos bons e mais, mas sempre resolutos. Isso faz-nos bem. Se a palidez da nossa verdade nos perseguir nas Artes, aboliremos de um só golpe o teatro e o livro, a fim de a não termos que enfrentar duas vezes. O que se deseja nas obras que fazem movimentar os fantasmas dos homens é, repito-o, o espectáculo filosófico do homem profundamente estigmatizado pelas paixões do seu carácter e dos seus tempos. É portanto a verdade desse homem e desses tempos, mas ambos elevados a um poder superior e ideal, que concentra em si todas as forças. Reconhecemo-la, a essa verdade, nas obras do pensamento, tanto quanto nos recreamos acerca das semelhanças de um quadro cujo original nunca vimos, pois um bom talento pinta a vida, de preferência aos vivos.»
Alfred De Vigny. Cinq-Mars ou uma Conjura no Reinado de Luís XIII. Os grandes romances históricos. Tradução revista por Pedro Reis. Amigos do Livro, Editores, Lisboa., p. 8
«Mena acorda sempre de ressaca como ele pode ver pelo balde cheio de pontas de cigarro, e arrasta-se para a casa de banho embrutecida pelo valium. Primeiro que tudo diluir a insónia, depois é que vinha a maquilhagem, o envelhecer-se, e a peruca e os óculos sem graduação.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 155
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Com a outra mão, esmaga pensativamente o cigarro no prato da folha.
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 153
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protegida pela sua solidão
«Vira-a apenas a ela. Reconhecera as longas pernas queimadas pelo sol, o sorriso a nascer e a morrer na doçura profunda, aquela maneira de ser, aqueles olhos semicerrados, ela protegida pela sua solidão.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 158
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 158
«Eu disse-lhe que o amava. Você nunca respondia a essa espécie de insânia.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 150
«Olho para si. Você pergunta-me o que se passa, sempre algo alarmado quando eu o olho. Eu digo-lhe que não se passa nada, que olhava para si pelo prazer de olhar:
-Não sei se o amor é um sentimento. Às vezes penso que amar é ver. É vê-lo.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 147
-Não sei se o amor é um sentimento. Às vezes penso que amar é ver. É vê-lo.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 147
«Esqueci as palavras adequadas. Sabia-as e esqueci-as, e aqui falo-lhe com o esquecimento dessas palavras. Contrariamente a todas as aparências, eu não sou mulher que se entregue de corpo e alma ao amor de uma só pessoa, mesmo que ela fosse o ser mais adorado da sua vida. Sou uma pessoa infiel. Bem gostaria de reencontrar as palavras que tinha reservado para lhe dizer isto. Eis que relembro algumas delas. Queria dizer-lhe aquilo em que creio, é que seria preciso conservar sempre adiante de nós, aqui está, reencontro a palavra, um lugar, uma espécie de lugar pessoal, é isso, para nele estar só e para amar. Para amar não se sabe o quê, nem quem, nem como, nem por quanto tempo. Para amar, eis que todas as palavras me voltam à memória, de repente... para conservarmos o lugar de uma espera, nunca se sabe, da espera de um amor, de um amor sem ninguém ainda, talvez, mas disso e só disso, do amor. »
«Ela aproxima-se dele, pousa os lábios nos seus olhos fechados. Ela diz:
-Gostava muito de ficar aqui consigo até à noite.
Levanta-se, inclina-se para ele e pousa os seus lábios nos dele, demoradamente. Ficam assim, imóveis, o tempo necessário para se conhecerem para sempre. Depois ela afasta os lábios dos dele. E ele fica como ela o deixou, com o rosto entre as mãos, de olhos fechados.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 124
-Gostava muito de ficar aqui consigo até à noite.
Levanta-se, inclina-se para ele e pousa os seus lábios nos dele, demoradamente. Ficam assim, imóveis, o tempo necessário para se conhecerem para sempre. Depois ela afasta os lábios dos dele. E ele fica como ela o deixou, com o rosto entre as mãos, de olhos fechados.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 124
«Ela quer morrer. That's the point.É isso que ela quer, um capricho como outro qualquer.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 112
«Ele, o Captain, olha para ela a cada instante; ela não, já não olha para ninguém. Ele, na realidade, não a larga dos olhos, nunca. Ama-a ainda com todo o seu vigor sexual. Ela não. Ela já está noutras paragens, um pouco na morte, um pouco no riso também, e sabe Deus em que outros sítios. Assim, já nem tem força para escolher por si um homem. Mas todas as noites ela o consente em si.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 101
« - Olá, mais linda.
-Vá bardamerda.
-Estava a pensar em ti.
-Largue-me mas é da mão, já lhe disse que sou uma senhora casada.
Há meses que isto é assim. Vez por outra, quando o corpo lhe amorna em solidões, Elias marca o número-mistério e entra em linha.
-Olha, vi-te ontem.
-Eu também, tem piada.
-Ias com o teu namorado.
-Ai que mentira. Qual deles?
-Aquele que te pregou o esquentamento.
-Ordinário.
Som de desligar. Elias, sempre de boca descaída, repete a marcação do número.
-Isso faz-se? Desligar ao querido?
-Já lhe disse que sou uma senhora casada.
-Então estás lavadinha por baixo.
-Ai toda, meu querido. Estou todinha. E tu? Sabes uma coisa, hoje não estou nada-nada para chatices.
-Nem eu. Estou doentinho. (Elias mira uma unha gigante.)
-Com quê, meu querido? Foram-te ao rabo?
-Mais ou menos.
-Logo vi, mas, sabes, com chantilly, filho, com chantilly.
-Costumas pôr chantilly, é?
-Sempre, filho. Com muitas natas. Olha vou desligar que o meu marido já chegou.
-Chama-o lá.
-O quê?
-Chama-o lá, o teu marido.
-O quê?
-Pergunta-lhe se o gajo quer uma ajuda.
-Ai, quer, querido, vem depressa. Sabes como é que eu estou? Olha, estou em cima da cama, que é assim no estilo de queen anne, mas, tu sabes, amor, tu já cá estiveste, não te lembras?
-Daquela vez em que te comi de gatas, atão não me lembro.
-Pois olha eu cá não.
-Lembras, pois.
-Comida de gatas? Adoro. Deves ter sido muito desajeitadinho para eu não me lembrar.
-Até estavas com um robe castanho transparente.
-Robe castanho deve ser confusão. A menina é muito prò moreno, o castanho não lhe cai bem. Não faz mal, foi como tu dizes.
-Tinhas umas ligas com argolas que davam cá um tilintar que nem queiras saber.
-Ah, foi de ligas?
- E agora como é que tu estás?
-Perdão?
-Agora como é que tu estás, minha puta.
-Ah, agora a puta está com o Sheik nas perninhas, o Sheik é o meu bassé.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 148-150
-Vá bardamerda.
-Estava a pensar em ti.
-Largue-me mas é da mão, já lhe disse que sou uma senhora casada.
Há meses que isto é assim. Vez por outra, quando o corpo lhe amorna em solidões, Elias marca o número-mistério e entra em linha.
-Olha, vi-te ontem.
-Eu também, tem piada.
-Ias com o teu namorado.
-Ai que mentira. Qual deles?
-Aquele que te pregou o esquentamento.
-Ordinário.
Som de desligar. Elias, sempre de boca descaída, repete a marcação do número.
-Isso faz-se? Desligar ao querido?
-Já lhe disse que sou uma senhora casada.
-Então estás lavadinha por baixo.
-Ai toda, meu querido. Estou todinha. E tu? Sabes uma coisa, hoje não estou nada-nada para chatices.
-Nem eu. Estou doentinho. (Elias mira uma unha gigante.)
-Com quê, meu querido? Foram-te ao rabo?
-Mais ou menos.
-Logo vi, mas, sabes, com chantilly, filho, com chantilly.
-Costumas pôr chantilly, é?
-Sempre, filho. Com muitas natas. Olha vou desligar que o meu marido já chegou.
-Chama-o lá.
-O quê?
-Chama-o lá, o teu marido.
-O quê?
-Pergunta-lhe se o gajo quer uma ajuda.
-Ai, quer, querido, vem depressa. Sabes como é que eu estou? Olha, estou em cima da cama, que é assim no estilo de queen anne, mas, tu sabes, amor, tu já cá estiveste, não te lembras?
-Daquela vez em que te comi de gatas, atão não me lembro.
-Pois olha eu cá não.
-Lembras, pois.
-Comida de gatas? Adoro. Deves ter sido muito desajeitadinho para eu não me lembrar.
-Até estavas com um robe castanho transparente.
-Robe castanho deve ser confusão. A menina é muito prò moreno, o castanho não lhe cai bem. Não faz mal, foi como tu dizes.
-Tinhas umas ligas com argolas que davam cá um tilintar que nem queiras saber.
-Ah, foi de ligas?
- E agora como é que tu estás?
-Perdão?
-Agora como é que tu estás, minha puta.
-Ah, agora a puta está com o Sheik nas perninhas, o Sheik é o meu bassé.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 148-150
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«Entram dois loucos mansos do hospital Miguel Bombarda, ali ao pé. Reconhecem-se pelas cabeças rapadas, pela palidez escaveirada e pela roupa de internados; as calças estão-lhe sempre curtas, mal chegam às canelas, e usam cordéis a fazerem de cinto. Os loucos mansos dão uma volta pelas mesas acenando com os dois dedos à frente da boca. Pedem cigarros.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 146
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E ria, o velhaco.
«Este velho da estátua era um dos seus fantasmas de menino, achava-o igual a um bruxo desdentado que havia em Elvas, um que chamavam o Esplérido e que tinha o corpo por dentro todo a bulir em lagartas. Não são lagartas, é sebo, sossegava-o o pai. Mas o Esplérido quando a garotada o espreitava à distância e de cara franzida, espremia as asas do nariz com duas unhas e começava a deitar pelos poros fios brancos como vermes retorcidos. E ria, o velhaco. Tinha o mesmo riso carcomido do velho de bronze.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 144
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«Pecador que me ignoras em breve te juntarás a mim e então é que eu me hei-de rir, Pax Tecum.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 143
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 143
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sexta-feira, 18 de abril de 2014
CINÉSIAS
É preciso andar depressa! A minha vida tem sido uma tristeza desde que Mírrina saiu de casa. Cada vez que lá entro, dá-me para chorar. Tudo parece vazio, foi-se-me a vontade de comer. Só que tenho é tesão!
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 93
É preciso andar depressa! A minha vida tem sido uma tristeza desde que Mírrina saiu de casa. Cada vez que lá entro, dá-me para chorar. Tudo parece vazio, foi-se-me a vontade de comer. Só que tenho é tesão!
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 93
“Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo o que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e disfrutaria de um bom gelado de chocolate. Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida vestiria simplesmente, jorgar-me-ia de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como também a minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saisse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Mário Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo das suas pétalas. Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida!… Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas: amo-te, amo-te. Convenceria cada mulher e cada homem de que são os meus favoritos e viveria apaixonado pelo amor. Aos homens, provar-lhes-ia como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança, daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha. Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendi com vocês, os homens… Aprendi que todos querem viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a rampa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta, com sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do pai, tem-no prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se. São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, a mim não poderão servir muito, porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer.”
quinta-feira, 17 de abril de 2014
“Nos primeiros doze anos da minha vida, fui continuamente sujeito a quase todo o tipo de torturas
físicas e psicológicas que se possam imaginar. Devia ter morrido. Depois de ter sido salvo da minha
mãe alcoólica e de ter tido a felicidade de ser entregue aos cuidados de outros, houve quem
afirmasse com presunção que, dada a minha situação extrema, acabaria morto ou na prisão – as
desvantagens com quem lutava eram inultrapassáveis. Nunca vi as coisas assim. Se alguma coisa
aprendi com a minha infância desgraçada, foi que não há nada que possa dominar ou vencer o
espírito humano.”
Pelzer (2003, pag. 13)
quarta-feira, 16 de abril de 2014
«Não é por ser mulher que não sou digna de apresentar propostas mais sensatas do que as dos homens que nos governam. Além do mais, pago a minha dízima, pago-a sempre que dou filhos à luz.»
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 70
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 70
«tratei sempre a espada oculta num ramalhete de mirto.»
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 70
Lisímaco
nome próprio: significa etimologicamente «aquele que põe fim à guerra.»
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 64
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 64
coribantes
MITOLOGIA sacerdotes da deusa Cíbele que cantavam e bailavam desordenadamente durante a celebração dos seus mistérios.
(Do grego korýbantes, plural de korýbas, -antos, «sacerdote de Cíbele», pelo latim corybantes, «idem»)
«Nenhum homem aprecia o prazer se a mulher não o sentir também.»
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 30
LISÍSTRATA
Teríamos de nos limitar, como diz Ferécrates, a esfolar o perro esfolado*.
_______________
* Mais uma alusão obscena, desta vez ao prazer solitário, único recurso das mulheres sem homem.
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 30
Teríamos de nos limitar, como diz Ferécrates, a esfolar o perro esfolado*.
_______________
* Mais uma alusão obscena, desta vez ao prazer solitário, único recurso das mulheres sem homem.
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 30
«Tão sós estavam no mundo, que já nada sabiam da solidão.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 95
terça-feira, 15 de abril de 2014
Uma luz de um amarelo de iodo, sangrenta.
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 74/5
Ela voltara a olhar para o chão, com vergonha de ter de morrer.
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 71
«-Estou-me completamente nas tintas para o que você escreve, isso é lá consigo.
-Sim, é comigo, só comigo. Seja como for, farei o que quiser.
-Sim, seja como for, Você só faz aquilo que decide, tem esse defeito.
-Não tenho outra saída. Você não me deixa outra saída. Eu também não.
-Menos. Você deixa-me ainda menos.
-Também é verdade.
Continuámos a falar assim. E depois você disse:
- O que nós preferimos é escrever livros, um acerca do outro - e rimo-nos.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 62/3
-Sim, é comigo, só comigo. Seja como for, farei o que quiser.
-Sim, seja como for, Você só faz aquilo que decide, tem esse defeito.
-Não tenho outra saída. Você não me deixa outra saída. Eu também não.
-Menos. Você deixa-me ainda menos.
-Também é verdade.
Continuámos a falar assim. E depois você disse:
- O que nós preferimos é escrever livros, um acerca do outro - e rimo-nos.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 62/3
« - O que me impede de escrever, é você. Você é muito infeliz por isso. Porque não escreve. Você não escreve porque sabe tudo acerca dessa coisa, essa coisa trágica que é escrever, fazê-lo ou não, não escrever, não conseguir fazê-lo, você sabe tudo. Você, é por ser um escritor que não escreve. Pode acontecer.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 58
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 58
«Não percebo bem o que quer saber de mim. Eu digo o que sei, que certas histórias são inapreensíveis, que são feitas de estados sucessivos sem conexão entre eles. Que são as histórias mais terríveis, aquelas que nunca se confessam, que vivem sem qualquer certeza, nunca.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
Como de costume, chorei.
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55
«Falo-lhe ainda sobre o medo. Tento explicar-lhe. Não consigo. Digo: Está em mim. Segregado por mim. Vive de uma vida paradoxal, simultaneamente genética e celular. Está em mim. Sem linguagem para se manifestar. Visto de mais perto, é uma crueldade nua, muda, de mim para mim, alojada na minha cabeça, no calabouço mental. Estanque. Com surtidas para a razão, a verosimilhança, a clareza.
Você olha-me e deixa-me falar. Olha para mais longe. Diz:
-É o medo. O que acaba de descrever é o medo. É isso, não há outra definição.
-Una cousa mentale.
Você não me responde. E a seguir diz que é assim com toda a espécie de medo.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 52
Você olha-me e deixa-me falar. Olha para mais longe. Diz:
-É o medo. O que acaba de descrever é o medo. É isso, não há outra definição.
-Una cousa mentale.
Você não me responde. E a seguir diz que é assim com toda a espécie de medo.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 52
«A morte está posta a nu sob o vestido, a pele sob os olhos também, sob o seu olhar ferido e puro. De quando em quando o riso encobre o olhar, e ela recompõe-se desse riso, apavorada por tê-lo ousado. Olha então para o Captain, para saber. É então que o seu rosto se desnorteia e nos faz pensar.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
«O amor estava demasiado perto, ou demasiado longe, já não sabíamos, era fatal que um dia aquilo acontecesse, já não saber.Íamos a Quillebeuf também por causa disso, para não ficarmos juntos fechados numa casa, com o desespero.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 27/8
« - Não escreva mais.
-Quando escrevo, já não o amo.
Olhamo-nos. Deixamos de olhar-nos. Eu digo:
- São palavras que metem medo.
-Sim.
-É de loucura, o desespero que se aproxima...Quando falamos, quero eu dizer.
-Sim.
Você sorri. Empalideceu de novo, apenas, outra vez, acima dos lábios, mas mesmo assim empalideceu. Eu digo-lhe:
-Já não o amo. Você é que me ama. Você não o sabe.
Vamos até à amurada. Contemplamos o rio.
-É complicado.
-Pois é.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 26/7
-Quando escrevo, já não o amo.
Olhamo-nos. Deixamos de olhar-nos. Eu digo:
- São palavras que metem medo.
-Sim.
-É de loucura, o desespero que se aproxima...Quando falamos, quero eu dizer.
-Sim.
Você sorri. Empalideceu de novo, apenas, outra vez, acima dos lábios, mas mesmo assim empalideceu. Eu digo-lhe:
-Já não o amo. Você é que me ama. Você não o sabe.
Vamos até à amurada. Contemplamos o rio.
-É complicado.
-Pois é.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 26/7
« - Não há nada que contar. Nunca houve.
Eu respondo-lhe com certo atraso:
-Por vezes, falarmos os dois é tão difícil como morrer.
-É verdade.
-Parece-me que quando estiver em livro isso já não fará sofrer...já não será nada. Estará apagado. Descubro isso na história que tenho consigo: escrever, é também isso, sem dúvida, é apagar. Substituir.
-É verdade que a morte nada apaga. Quando você morrer, a história tornar-se-á fabulosa, evidente...»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 22/23
Eu respondo-lhe com certo atraso:
-Por vezes, falarmos os dois é tão difícil como morrer.
-É verdade.
-Parece-me que quando estiver em livro isso já não fará sofrer...já não será nada. Estará apagado. Descubro isso na história que tenho consigo: escrever, é também isso, sem dúvida, é apagar. Substituir.
-É verdade que a morte nada apaga. Quando você morrer, a história tornar-se-á fabulosa, evidente...»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 22/23
«Não se consegue saber que idade eles têm. O que se vê é que ela é sensivelmente mais velha que ele. Mas que ele alcançou o andamento lento dela. Que recusa avançar mais do que ela pode, isto há anos. Que para ela acabou e que no entanto ela ainda ali está, nas paragens daquele homem, que o seu corpo está ainda ao alcance do seu, das suas mãos, em toda a parte, de noite, de dia.
Via-se que tinha acabado e ao mesmo tempo que ela ainda ali estava. Via-se do mesmo modo. Que, se ele a abandonasse, ela morreria no seu próprio lugar onde a abandonara, isso também se via.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 19/20
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