domingo, 2 de fevereiro de 2014
LIMOS DO DESPREZO
Se pudesse olhar-me na sede dos teus olhos
em nenhum território perderia os meus vestígios.
Os segredos mais ácidos secariam
as suas ocultas raízes destruidoras,
as sílabas clementes do perdão
voltariam a ouvir-me comovidas
sob as grandes asas de uma luz aprazível.
Mas a cabeça assegura o seu erro no delírio.
Sente elevar-se a sombra que o desprezo derrama,
onde só ressurge a impiedade
de uma tribo de espectros dilacerantes.
Ainda continuo contigo, meu desolado corpo,
incapaz de morrer, vislumbrando os dois
terríveis abandonos: a morte sem repouso
e a vida que morre sem viver nem se extinguir.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 60
TANTA ORFANDADE
No seu tremor medroso desenvolve-se
a sombria linhagem do desamparado.
Tanta orfandade abrupta sob os dias do silêncio,
tanta velha injustiça persistente
sem querer ter piedade do destino do homem.
Se pudesse cumprir o desejo supremo,
seria a impiedade que livremente se rebelasse
contra a servidão dos humilhados.
Se das minhas sementes podres pudesse crescer o meu valor
até fazer parar o sangue assassinado
e, ainda, pudesse recuperar a necessária força
para enfrentar a legião de sombras,
então apagaria os poços de dor,
rasgaria o sossego da sua aguarela aracnídea
cegando a altivez do perene culpado,
para que prisioneiro desapareça
no seu mortal e ubíquo labirinto.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 56
ESSA IDADE
Cheguei a essa idade em que os dias
são o pulsar cansado que antecede a morte,
e a vida espreita por detrás de um vidro embaciado
como se não soubesse já o caminho,
nem forças tivesse para continuar às escuras
dissimulando perante a dor que a ameaça.
A paisagem está tão quieta, as árvores não agitam
memórias, tudo pesa no fastio
da alma, que tão lentamente se consome.
Fatigado, sem ímpeto nem voz,
o vento de Outono agita-se no horizonte.
Uma agitação longínua aproxima-se
com a sua tromba de sombra e infortúnio.
Nas pupilas arde um súbito soluçar,
e a melancolia, ainda que vencida, pugna
por surgir novamente com a sede do que é vivo.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 55
INDÍCIOS DE CRUELDADE
Somente que na crueldade a morte sorri-nos
com a sua primeira rosa queimada entre os dedos.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 54
O CEGO
«(...)
Aqui, ouvindo as paredes da minha sepultura,
falo continuamente com os meus mortos.
Sinto na escuridão o soar dos seus passos,
os meus vacilantes passos, no negro deserto.»
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 53
Aqui, ouvindo as paredes da minha sepultura,
falo continuamente com os meus mortos.
Sinto na escuridão o soar dos seus passos,
os meus vacilantes passos, no negro deserto.»
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 53
JAULAS
A noite simplifica a derrota.
Calada sensação de hirta medula
no hostil fastio do relento.
Os instantes são jaulas fechadas
que escondem as memórias guardadas.
Não compreende a enorme deterioração
que foi transformando a sua existência.
Lenta maturação até à morte.
Recebida esta velhice fustigadora.
Lição constantemente exercitada
da lucidez da consciência.
A quem há-de servir esta renúncia,
esta ânsia que labora e que resiste
à miséria das suas reencarnações?
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 52
Calada sensação de hirta medula
no hostil fastio do relento.
Os instantes são jaulas fechadas
que escondem as memórias guardadas.
Não compreende a enorme deterioração
que foi transformando a sua existência.
Lenta maturação até à morte.
Recebida esta velhice fustigadora.
Lição constantemente exercitada
da lucidez da consciência.
A quem há-de servir esta renúncia,
esta ânsia que labora e que resiste
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 52
falam sempre mais feroz
os que mudam de sentidos
ganham olhos quando sós
metamorfose
e já são bestas pelo medo
buscam nomes escondidos
estão escondidos desde cedo
assassinos
ficou
deitado pelo chão
o corpo do último deus
e se o tocar
mil vozes falará
e se o tocar
mil rostos mudará
e se o tocar
morrerá
por fim
quatro patas a correr
quantas caçam o inimigo
e mais patas a nascer
resistindo
tantas feridas aqui florindo
quais jardins à flor da pele
como hienas já sorrindo
infinitas
ficou
deitado pelo chão
o corpo do último deus
e se o tocar
mil vozes falará
e se o tocar
mil rostos mudará
e se o tocar
morrerá
por fim
metamorfose
metamorfose
metamorfose
AUSCHWITZ
Lá em baixo, em Auschwitz, longe do Vístola,
amor, ao longo da planície nórdica,
num campo de morte: fria, fúnebre,
a chuva na ferrugem dos postes
e os enredos de ferro dos recintos:
e não há árvore ou pássaros no ar cinzento
ou acima do nosso pensamento, mas inércia
e dor que a memória deixa
ao seu silêncio sem ironia ou ira.
Tu não queres elegias, idílios: só
razões da nossa sorte, aqui,
tu, branda aos contrastes da mente,
incerta a uma presença
clara da vida. E a vida está aqui,
em cada não que parece uma certeza:
aqui escutaremos chorar o anjo o monstro
as nossas horas futuras
badalar o além, que é aqui, em eterno
e em movimento, não numa imagem
de sonhos, de possível piedade.
E aqui as metamorfoses, aqui os mitos.
Sem nome de símbolos ou de um deus,
são crónica, lugares da terra,
são Auschwitz, amor. Como de súbito
se esfumou em sombra
o querido corpo de Alfeu e de Aretusa!
Daquele inferno aberto por uma inscrição
branca: «O trabalho vos libertará»
saiu o fumo contínuo
de centos de mulheres empurradas fora
dos canis ao amanhecer contra o muro
do tiro ao alvo ou sufocadas gritando
misericórdia à água com a boca
de esqueleto sob os chuveiros a gás.
Encontrá-las-ás tu, soldado, na tua
história em formas de rios, de animais,
ou és também tu cinzas de Auschwitz,
medalha de silêncio?
Ficam longas tranças fechadas em urnas
de vidro ainda cerradas por amuletos
e infinitas sombras de pequenos sapatos
e de xales de hebreus: são relíquias
de um tempo de sageza, de sapiência
do homem que se faz medida de pelas armas,
são os mitos, as nossas metamorfoses.
Nas planícies onde amor e pranto
apodreceram e piedade, debaixo da chuva,
lá em baixo, pulsava um não dentro de nós,
um não à morte, morta em Auschwitz,
para não repetir, daquela cova
de cinzas, a morte.
amor, ao longo da planície nórdica,
num campo de morte: fria, fúnebre,
a chuva na ferrugem dos postes
e os enredos de ferro dos recintos:
e não há árvore ou pássaros no ar cinzento
ou acima do nosso pensamento, mas inércia
e dor que a memória deixa
ao seu silêncio sem ironia ou ira.
Tu não queres elegias, idílios: só
razões da nossa sorte, aqui,
tu, branda aos contrastes da mente,
incerta a uma presença
clara da vida. E a vida está aqui,
em cada não que parece uma certeza:
aqui escutaremos chorar o anjo o monstro
as nossas horas futuras
badalar o além, que é aqui, em eterno
e em movimento, não numa imagem
de sonhos, de possível piedade.
E aqui as metamorfoses, aqui os mitos.
Sem nome de símbolos ou de um deus,
são crónica, lugares da terra,
são Auschwitz, amor. Como de súbito
se esfumou em sombra
o querido corpo de Alfeu e de Aretusa!
Daquele inferno aberto por uma inscrição
branca: «O trabalho vos libertará»
saiu o fumo contínuo
de centos de mulheres empurradas fora
dos canis ao amanhecer contra o muro
do tiro ao alvo ou sufocadas gritando
misericórdia à água com a boca
de esqueleto sob os chuveiros a gás.
Encontrá-las-ás tu, soldado, na tua
história em formas de rios, de animais,
ou és também tu cinzas de Auschwitz,
medalha de silêncio?
Ficam longas tranças fechadas em urnas
de vidro ainda cerradas por amuletos
e infinitas sombras de pequenos sapatos
e de xales de hebreus: são relíquias
de um tempo de sageza, de sapiência
do homem que se faz medida de pelas armas,
são os mitos, as nossas metamorfoses.
Nas planícies onde amor e pranto
apodreceram e piedade, debaixo da chuva,
lá em baixo, pulsava um não dentro de nós,
um não à morte, morta em Auschwitz,
para não repetir, daquela cova
de cinzas, a morte.
AUSCHWITZ
Laggiù, ad Auschwitz, lontano dalla Vistola,
amore, lungo la pianura nordica,
in un campo di morte: fredda, funebre,
la pioggia sulla ruggine dei pali
e i grovigli di ferro dei recinti:
e non albero o uccelli nell’aria grigia
o su dal nostro pensiero, ma inerzia
e dolore che la memoria lascia
al suo silenzio senza ironia o ira.
Tu non vuoi elegie, idilli: solo
ragioni della nostra sorte, qui,
tu, tenera ai contrasti della mente,
incerta a una presenza
chiara della vita. E la vita è qui,
in ogni no che pare una certezza:
qui udremo piangere l'angelo il mostro
le nostre ore future
battere l'al di là, che è qui, in eterno
e in movimento, non in un'immagine
di sogni, di possibile pietà.
E qui le metamorfosi, qui i miti.
Senza nome di simboli o d'un dio,
sono cronaca, luoghi della terra,
sono Auschwitz, amore. Come subito
si mutò in fumo d'ombra
il caro corpo d'Alfeo e d'Aretusa!
Da quell’inferno aperto da una scritta
bianca: " Il lavoro vi renderà liberi "
uscì continuo il fumo
di migliaia di donne spinte fuori
all’alba dai canili contro il muro
del tiro a segno o soffocate urlando
misericordia all’acqua con la bocca
di scheletro sotto le doccie a gas.
Le troverai tu, soldato, nella tua
storia in forme di fiumi, d’animali,
o sei tu pure cenere d’Auschwitz,
medaglia di silenzio?
Restano lunghe trecce chiuse in urne
di vetro ancora strette da amuleti
e ombre infinite di piccole scarpe
e di sciarpe d’ebrei: sono reliquie
d’un tempo di saggezza, di sapienza
dell’uomo che si fa misura d’armi,
sono i miti, le nostre metamorfosi.
Sulle distese dove amore e pianto
marcirono e pietà, sotto la pioggia,
laggiù, batteva un no dentro di noi,
un no alla morte, morta ad Auschwitz,
per non ripetere, da quella buca
di cenere, la morte.
amore, lungo la pianura nordica,
in un campo di morte: fredda, funebre,
la pioggia sulla ruggine dei pali
e i grovigli di ferro dei recinti:
e non albero o uccelli nell’aria grigia
o su dal nostro pensiero, ma inerzia
e dolore che la memoria lascia
al suo silenzio senza ironia o ira.
Tu non vuoi elegie, idilli: solo
ragioni della nostra sorte, qui,
tu, tenera ai contrasti della mente,
incerta a una presenza
chiara della vita. E la vita è qui,
in ogni no che pare una certezza:
qui udremo piangere l'angelo il mostro
le nostre ore future
battere l'al di là, che è qui, in eterno
e in movimento, non in un'immagine
di sogni, di possibile pietà.
E qui le metamorfosi, qui i miti.
Senza nome di simboli o d'un dio,
sono cronaca, luoghi della terra,
sono Auschwitz, amore. Come subito
si mutò in fumo d'ombra
il caro corpo d'Alfeo e d'Aretusa!
Da quell’inferno aperto da una scritta
bianca: " Il lavoro vi renderà liberi "
uscì continuo il fumo
di migliaia di donne spinte fuori
all’alba dai canili contro il muro
del tiro a segno o soffocate urlando
misericordia all’acqua con la bocca
di scheletro sotto le doccie a gas.
Le troverai tu, soldato, nella tua
storia in forme di fiumi, d’animali,
o sei tu pure cenere d’Auschwitz,
medaglia di silenzio?
Restano lunghe trecce chiuse in urne
di vetro ancora strette da amuleti
e ombre infinite di piccole scarpe
e di sciarpe d’ebrei: sono reliquie
d’un tempo di saggezza, di sapienza
dell’uomo che si fa misura d’armi,
sono i miti, le nostre metamorfosi.
Sulle distese dove amore e pianto
marcirono e pietà, sotto la pioggia,
laggiù, batteva un no dentro di noi,
un no alla morte, morta ad Auschwitz,
per non ripetere, da quella buca
di cenere, la morte.
Salvatore Quasimodo
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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
TEMPO DE BAIXA-MAR
«Apaga-se a certeza de me ter enganado
em tudo o que mais amei e em tudo aquilo
onde pude enraizar-me plenamente.
Tempo de baixa-mar, cuja ondulação
perdeu o seu feitiço entre as rochas.
Em que se deve apostar na vida quando a vida é só
a saudade que aproxima o tédio de estar morto?»
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 51
caligem
nome feminino
1. nevoeiro denso
2. escuridão
3. névoa nos olhos
4. catarata
(Do latim caligĭne-, «fumo negro; nevoeiro cerrado»)
NA FECHADA CELA DE PAPEL
«Já não quer insistir porque sabe que o amado
há-de ser, rapidamente, a imagem da dor.
E sonha, consola-se com maltratadas memórias
na fechada cela de papel.»
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 43
CRUEL TESTEMUNHO
O vento da dor,
cegando-lhe os olhos,
agitado areal que se move
insone e sem perguntas.
A sua indiferença cala,
enche de sombria luz
o sonolento abraço
de uma cruel desmemória,
ali, onde se extinguem
latidos e desejos,
o vínculo impossível
que faz mover o mundo.
E aperta-se na sua cabeça
uma garra de pedra,
irrespirável boçal,
arduamente enquistados
no longo horizonte
das horas, fazendo-o descer
à sua perversa prisão.
E uma voz, a mais verdadeiramente sua,
sobre outras se amotina,
com o seu nome de fogo,
eleva-o, reclama-o.
E continua e não se rende,
um dia e outro dia
insiste obstinadamente
mas não para viver,
somente para dar
o seu cruel testemunho.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 41
cegando-lhe os olhos,
agitado areal que se move
insone e sem perguntas.
A sua indiferença cala,
enche de sombria luz
o sonolento abraço
de uma cruel desmemória,
ali, onde se extinguem
latidos e desejos,
o vínculo impossível
que faz mover o mundo.
E aperta-se na sua cabeça
uma garra de pedra,
irrespirável boçal,
arduamente enquistados
no longo horizonte
das horas, fazendo-o descer
à sua perversa prisão.
E uma voz, a mais verdadeiramente sua,
sobre outras se amotina,
com o seu nome de fogo,
eleva-o, reclama-o.
E continua e não se rende,
um dia e outro dia
insiste obstinadamente
mas não para viver,
somente para dar
o seu cruel testemunho.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 41
A Arte Contemporânea é uma farsa: Avelina Lésper
Com a finalidade de dar a conhecer seus argumentos sobre os porquês da arte contemporânea ser uma “arte falsa“, a crítica de arte Avelina Lésper apresentou a conferência “El Arte Contemporáneo- El dogma incuestionable” na Escuela Nacional de Artes Plásticas (ENAP), sendo ovacionada pelos estudantes na ocasião.
A arte falsa e o vazio criativo
“A carência de rigor (nas obras) permitiu que o vazio de criação, o acaso e a falta de inteligência passassem a ser os valores desta arte falsa, entrando qualquer coisa para ser exposta nos museus “
A crítica explica que os objetos e valores estéticos que se apresentam como arte são aceites em completa submissão aos princípios deuma autoridade impositora. Isto faz com que, a cada dia, formem-se sociedades menos inteligentes e aproximando-nos da barbárie.
O Ready Made
Lésper aborda também o tema do Ready Made, expressando perante esta corrente “artística” uma regressão ao mais elementar e irracional do pensamento humano, um retorno ao pensamento mágico que nega a realidade. A arte foi reduzida a uma crençafantasiosa e sua presença em um mero significado. “Necesitamos de arte e não de crenças”.
Génio artístico
Da mesma maneira, a crítica afirma que a figura do “génio”, artista com obras insubstituíveis, já não tem possibilidade de manifestar-se na atualidade. “Hoje em dia, com a superpopulação de artistas, estes deixam de ser prescindíveis e qualquer obra substitui-se por outraqualquer, uma vez que cada uma delas carece de singularidade“.
O status de artista
A substituição constante de artistas dá-se pela fraca qualidade de seus trabalhos, “tudo aquilo que o artista realiza está predestinado a ser arte, excremento, objetos e fotografias pessoais, imitações, mensagens de internet, brinquedos, etc. Atualmente, fazer arte é umexercício ególatra; as performances, os vídeos, as instalações estão feitas de maneira tão óbvia que subjuga a simplicidade criativa, além de serem peças que, em sua grande maioria, apelam ao mínimo esforço e cuja acessibilidade criativa revela tratar-se de uma realidade que poderia ter sido alcançada por qualquer um“.
Neste sentido, Lésper afirma que, ao conceder o status de artista a qualquer um, todo o mérito é-lhe dissolvido e ocorre umabanalização. “Cada vez que alguém sem qualquer mérito e sem trabalho realmente excepcional expõe, a arte deprecia-se em sua presença e concepção. Quanto mais artistas existirem, piores são as obras. A quantidade não reflete a qualidade“.
Que cada trabalho fale pelo artista
“O artista do ready made atinge a todas as dimensões, mas as atinge com pouco profissionalismo; se faz vídeo, não alcança os padrões requeridos pelo cinema ou pela publicidade; se faz obras eletrónicas, manda-as fazer, sem ser capaz de alcançar os padrões de um técnico mediano; se envolve-se com sons, não chega à experiência proporcionada por um DJ; assume que, por tratar-se de uma obra dearte contemporânea, não tem porquê alcançar um mínimo rigor de qualidade em sua realização.
Os artistas fazem coisas extraordinárias e demonstram em cada trabalho sua condição de criadores. Nem Damien Hirst, nem Gabriel Orozco, nem Teresa Margolles, nem a já imensa e crescente lista de artistas o são de fato. E isto não o digo eu, dizem suas obras por eles“.
Para os Estudantes
Como conselho aos estudantes, Avelina diz que deixem que suas obras falem por eles, não um curador, um sistema ou um dogma. “Suaobra dirá se são ou não artistas e, se produzem esta falsa arte, repito, não são artistas”.
O público ignorante
Lésper assegura que, nos dias que correm, a arte deixou de ser inclusiva, pelo que voltou-se contra seus próprios princípios dogmáticos e, caso não agrade ao espectador, acusa-o de “ignorante, estúpido e diz-lhe com grande arrogância que, se não agrada é por que não apercebe“.
“O espectador, para evitar ser chamado ignorante, não pode dizer aquilo que pensa, uma vez que, para esta arte, todo público que não submete-se a ela é imbecil, ignorante e nunca estará a altura da peça exposta ou do artista por trás dela.Desta maneira, o espectador deixa de presenciar obras que demonstrem inteligência”.
Finalizando
Finalmente, Lésper sinaliza que a arte contemporánea é endogámica, elitista; com vocação segregacionista, é realizada para suaprópria estrutura burocrática, favorecendo apenas às instituições e seus patrocinadores. “A obsessão pedagógica, a necesidade de explicar cada obra, cada exposição gera a sobre-produção de textos que nada mais é do que uma encenação implícita de critérios, uma negação à experiência estética livre, uma sobre-intelectualização da obra para sobrevalorizá-la e impedir que a sua percepção seja exercida com naturalidade“.
A criação é livre, no entanto a contemplação não é. “Estamos diante da ditadura do mais medíocre”
fonte: Vanguardia
A arte falsa e o vazio criativo
“A carência de rigor (nas obras) permitiu que o vazio de criação, o acaso e a falta de inteligência passassem a ser os valores desta arte falsa, entrando qualquer coisa para ser exposta nos museus “
A crítica explica que os objetos e valores estéticos que se apresentam como arte são aceites em completa submissão aos princípios deuma autoridade impositora. Isto faz com que, a cada dia, formem-se sociedades menos inteligentes e aproximando-nos da barbárie.
O Ready Made
Lésper aborda também o tema do Ready Made, expressando perante esta corrente “artística” uma regressão ao mais elementar e irracional do pensamento humano, um retorno ao pensamento mágico que nega a realidade. A arte foi reduzida a uma crençafantasiosa e sua presença em um mero significado. “Necesitamos de arte e não de crenças”.
Génio artístico
Da mesma maneira, a crítica afirma que a figura do “génio”, artista com obras insubstituíveis, já não tem possibilidade de manifestar-se na atualidade. “Hoje em dia, com a superpopulação de artistas, estes deixam de ser prescindíveis e qualquer obra substitui-se por outraqualquer, uma vez que cada uma delas carece de singularidade“.
O status de artista
A substituição constante de artistas dá-se pela fraca qualidade de seus trabalhos, “tudo aquilo que o artista realiza está predestinado a ser arte, excremento, objetos e fotografias pessoais, imitações, mensagens de internet, brinquedos, etc. Atualmente, fazer arte é umexercício ególatra; as performances, os vídeos, as instalações estão feitas de maneira tão óbvia que subjuga a simplicidade criativa, além de serem peças que, em sua grande maioria, apelam ao mínimo esforço e cuja acessibilidade criativa revela tratar-se de uma realidade que poderia ter sido alcançada por qualquer um“.
Neste sentido, Lésper afirma que, ao conceder o status de artista a qualquer um, todo o mérito é-lhe dissolvido e ocorre umabanalização. “Cada vez que alguém sem qualquer mérito e sem trabalho realmente excepcional expõe, a arte deprecia-se em sua presença e concepção. Quanto mais artistas existirem, piores são as obras. A quantidade não reflete a qualidade“.
Que cada trabalho fale pelo artista
“O artista do ready made atinge a todas as dimensões, mas as atinge com pouco profissionalismo; se faz vídeo, não alcança os padrões requeridos pelo cinema ou pela publicidade; se faz obras eletrónicas, manda-as fazer, sem ser capaz de alcançar os padrões de um técnico mediano; se envolve-se com sons, não chega à experiência proporcionada por um DJ; assume que, por tratar-se de uma obra dearte contemporânea, não tem porquê alcançar um mínimo rigor de qualidade em sua realização.
Os artistas fazem coisas extraordinárias e demonstram em cada trabalho sua condição de criadores. Nem Damien Hirst, nem Gabriel Orozco, nem Teresa Margolles, nem a já imensa e crescente lista de artistas o são de fato. E isto não o digo eu, dizem suas obras por eles“.
Para os Estudantes
Como conselho aos estudantes, Avelina diz que deixem que suas obras falem por eles, não um curador, um sistema ou um dogma. “Suaobra dirá se são ou não artistas e, se produzem esta falsa arte, repito, não são artistas”.
O público ignorante
Lésper assegura que, nos dias que correm, a arte deixou de ser inclusiva, pelo que voltou-se contra seus próprios princípios dogmáticos e, caso não agrade ao espectador, acusa-o de “ignorante, estúpido e diz-lhe com grande arrogância que, se não agrada é por que não apercebe“.
“O espectador, para evitar ser chamado ignorante, não pode dizer aquilo que pensa, uma vez que, para esta arte, todo público que não submete-se a ela é imbecil, ignorante e nunca estará a altura da peça exposta ou do artista por trás dela.Desta maneira, o espectador deixa de presenciar obras que demonstrem inteligência”.
Finalizando
Finalmente, Lésper sinaliza que a arte contemporánea é endogámica, elitista; com vocação segregacionista, é realizada para suaprópria estrutura burocrática, favorecendo apenas às instituições e seus patrocinadores. “A obsessão pedagógica, a necesidade de explicar cada obra, cada exposição gera a sobre-produção de textos que nada mais é do que uma encenação implícita de critérios, uma negação à experiência estética livre, uma sobre-intelectualização da obra para sobrevalorizá-la e impedir que a sua percepção seja exercida com naturalidade“.
A criação é livre, no entanto a contemplação não é. “Estamos diante da ditadura do mais medíocre”
fonte: Vanguardia
Conferência proferida por Avelina Lésper:
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crítica,
vídeos
domingo, 26 de janeiro de 2014
''Corrói-te e persegue-te o espectro da angústia''
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 35
O TEU PULSAR É O MEU
E lutei contra o sono e contra a fadiga,
contra a ira sem fim e contra o desenraizamento.
Esquadrinhei e esgaravatei sem hesitação,
por entre as débeis e cegas fagulhas
da minha memória por encontrar durante um ano,
um solitário dia, apenas um instante
em que pude dizer: jamais te amei;
mas não encontrei qualquer resquício para, sozinho, mentir-me,
para sequer afirmar a mais pequena negação.
O teu pulsar é o meu. Ali, onde começa
esse desejo intenso em que nomeamos a vida,
ali, resplandecendo nos diferentes dias,
na ardente espessura do meu assombro,
com o sim e com o não do abismo ou da sorte,
esperas-me silenciosa como árvore de fogo
que sustém essa fruta lustral da esperança.
O meu olhar invoca-te agora,
no rumo indeciso de qualquer distância
desse mar que me canta e seduz
com os olhos impetuosos do relâmpago.
És a sede do Éden que eu não entendo
e, nos profundos acordes da tua voz,
permaneces perene, com a tensa
música da alma e da audaz Primavera,
em todas as palavras do sangue.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 33
É TÃO RARO O AMOR POR SI PRÓPRIO
Sigo na escuridão sem rosto. Sofre
a criança solitária que palpita nos meus olhos,
perdida na espiral da angústia.
Ela nada pede, escuta um futuro despido.
Está sombria e ausente e já não me sorri.
Não sei como conduzi-la à alegria.
Com as minhas lágrimas silencia e não pode dormir.
Sou parte da bruma que não me ama.
Um pequeno pulsar une-me a tudo o que vivo,
já não se sabe se sou o que ainda sou
ou sou o que me nega obstinadamente.
É tão raro o amor por si mesmo
que na sua fronteira treme com o seu contrário
e por vezes se troca ou se suprime.
Como entender então a súbita piedade,
a injustiça de um ódio que por vezes se comove
mostrando-me a sua gelada transparência?
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 31
DESVANECES-TE AO AMANHECER
Desvaneces-te ao amanhecer.
Só fica a tua sombra entre as minhas mãos,
uma presença de ar, desejo e sonho e riso
que dissipa o seu incêndio consumido
(...)
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 29
RITUAL DOS ESCRAVOS
Dá-me o que não tens, mas que é a tua essência,
acaso esse desejo tão íntimo e proibido,
o que mais te pertence: a tua entrega e a tua renúncia.
Tudo o que serás quando a tua plenitude
alcance o futuro que tenha amadurecido
como um dourado fruto pela luz do Outono.
Talvez a noite límpida nos reúna
para que conheçamos o mal do difícil,
o mail indivisível do amor,
onde por fim possamos existir
no ténue esplendor com que a vida
nos escolhe e fatalmente nos mistura.
Por isso peço-te que com firmeza cumpras
o rigoroso ritual dos escravos:
mudar a liberdade da esperança
pela ânsia que juntos nos aprisiona.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 28
RESSURREIÇÃO
A meio da tarde sou um morto qualquer,
e o desejo uma duna que se estende
no seu próprio deserto, no seu pântano sem ondas.
Por não querer saber não sonho nem com a paisagem,
deixo de ouvir o território que disseca o rio
como se fosse o esqueleto em funga
da miragem, pedra que ancorou sob o silêncio.
Tudo se altera na noite. As estrelas ressurgem
de poliedros fulgurantes. São despertos os felinos
que rasgam com veemência um sol que se fez sombra.
A sede põe-se em pé, com metáforas cresce
no alto arvoredo do coração profundo.
Aqui canta o enigma dos bosques,
o círculo que aquece o teu corpo no meu:
bela praia-mar dos sentidos plenos,
ebriedade e delírio da ressurreição.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 27
Give me your eyes
That I might see the blind man kissing my hands
The sun is humming
My head turns to dust as he plays on his knees
As he plays on his knees
And the sand
And the sea grows
I close my eyes
Move slowly through drowning waves
Going away on a strange day
And I laugh as I drift in the wind
Blind
Dancing on a beach of stone
Cherish the faces as they wait for the end
Sudden hush across the water
And we're here again
And the sand
And the sea grows
I close my eyes
Move slowly through drowning waves
Going away
On a strange day
My head falls back
And the walls crash down
And the sky
And the impossible
Explode
Held for one moment I remember a song
An impression of sound
Then everything is gone
Forever
A strange day
Um dia olhou para o céu e disse a palavra mãe, e caiu morto.
«Em 1919, o famoso bailarino Nijinsky era fechado num manicómio. Ao longo de trinta anos a sua loucura foi motivo de experiências dolorosas, algumas de carácter quase torcionário. Um dia olhou para o céu e disse a palavra mãe, e caiu morto. A ordem psíquica, que é um acto de criação no tempo, nem sempre, ou muito raramente, tem sentido para os psiquiatras.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 71
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«Viver em Lisboa, para Maria Adelaide, aos dezoito anos, é pior do que sofrer duma deformidade, ter seis dedos nas mãos. Não é o bastante para ser um fenómeno de circo e, no entanto, impede que se dê o sincronismo entre ela e os outros.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 67
«Aquilino Ribeiro publicava A Via Sinuosa, e ele retratava a mulher cuja ''carne era uma harpa de inefáveis melodias''. O melhor que uma mulher de espírito podia aspirar era ser chamada «privilegiada senhora».
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 66
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Maria Adelaide
«(...) o seu estado depressivo que faz com que se vista pobremente e se recuse a ter relações conjugais, tendo crises de irritação e de isolamento.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 62
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 62
sábado, 25 de janeiro de 2014
« De pé, no meio da sala, vacilante, atordoado, fiquei a pensar na minha vida, a ver o que ela foi. Não, não é fácil vencer tal corrente de lama. Fui um homem tão horrível que não tive um único amigo. Mas, pensava eu, não seria porque sempre fui incapaz de disfarçar? (...)
Eu não teria sido tão desprezado se não me tivesse mostrado tanto, se não fosse tão aberto, tão nu.»
François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 134
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«Nem os melhores aprendem a amar sozinhos. Para ultrapassar o ridículo, os vícios e, sobretudo, as asneiras dos seres humanos é preciso conhecer o segredo de um amor que não encontramos no mundo.»
François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 133
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
«Não amava o marido, ou parecia-lhe que ele não a merecia, rica como era, bonita e submissa como uma freira ao seu apostolado. (...) Que prazeres tivera, que compensações, que esperanças? São perguntas que as mulheres fazem a si próprias quando o espelho as desengana.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 48
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