sexta-feira, 25 de março de 2016

«Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.»

Fernando Pessoa. O rosto e as máscaras. 2ª Edição. Ática. Lisboa, 1978., p. 55
"Quando duas pessoas se encontram há, na verdade, três pessoas presentes: cada pessoa como se vê a si mesma, cada pessoa como a outra a vê e cada pessoa como realmente é."

William James, filósofo e psicólogo norte-americano.
“Gente triste nem é cristão nem é escuteiro nem é coisa nenhuma. Gente triste anda no mundo pensando em entristecer os outros. Quaisquer que sejam as nossas dificuldades, os nossos problemas e as nossas agruras, a nossa obrigação é tratar disso de noite, enquanto dormimos e enquanto os outros dormem, e todas as manhãs aparecer tendo lançado fora todos os problemas que nos podem afligir, para chegarmos aos outros e lhes dar a maior esmola e o maior amparo que efectivamente podemos dar, que é o amparo da nossa própria alegria e do nosso entusiasmo ao ver aquele dia que rompe.”


Agostinho da Silva, Baden-Powell, Pedagogia e Personalidade, 1961



« ANÍBAL - Estás a falar sozinho?


EDUARDO  - O que será a verdade?

ANÍBAL - Já o Pôncio Pilatos fez a mesma pergunta e não lhe responderam. A Verdade encontra-se entre os bichos. Quando têm fome, manifestam-na. Quando querem amar, não estão com meias-medidas...Quando têm medo, fogem...Se lhes dói, gritam...Se estão zangados, rugem, silvam, rosnam - conforme a sua qualidade. (...)»

Ramada Curto. Teatro Escolhido. Vol. II Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2004., p. 54/55
«O ciúme, por exemplo, precisa do amor para existir...Ora o amor é um sentimento em desuso, bom para a literatura...»


Ramada Curto. Teatro Escolhido. Vol. II Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2004., p. 54

«CARLOTINHA - Fiquei solteira porque quis...não estive para aturar qualquer exemplar como o senhor, que não sabe dizer a uma senhora senão brutalidades e grosserias...A uma senhora, entenda.»

Ramada Curto. Teatro Escolhido. Vol. II Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2004., p. 23

fronteiras existencias

«JÚLIA - Ó menina, tu com esses arzinhos estás uma antipatia de pequena...»

Ramada Curto. Teatro Escolhido. Vol. II Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2004., p. 15

« CANDINHA - A miséria social é muito grande...Estas coisas são paliativos...

MARIA JOSÉ - Ó Candinha, diz lá isso outra vez.

CANDINHA - Digo e repito, se tu queres...A miséria social é enorme. Os nossos auxílios são uma gota de água.

JÚLIA -Então é melhor cruzar os braços?

CANDINHA - Não... Mas o dever das pessoas cultas é estudar as causas do mal e depois dar-lhe remédio. O mundo está mal organizado e é preciso organizá-lo melhor...

MARIA JOSÉ - Ai que a pequena é bolchevista!»



Ramada Curto. Teatro Escolhido. Vol. II Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2004., p. 15

«Ouvem-se, na sala que já nem existe, compassos de danças e risinhos de sedas.
   Aquelas ruínas são o túmulo sagrado de um beijo adormecido - cartas lacradas com ligas azuis de fechos de oiro e armas reais e lisos.
    Pobres velhinhas da cor do luar, sem terço nem nada, e sempre a rezar...»


Almada Negreiros. Obras Completas. Vol. I-Poesia. Biblioteca de Autores Portugueses. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1985., p. 72

''Se eu fosse cego amava toda a gente.''


Almada Negreiros. Obras Completas. Vol. I-Poesia. Biblioteca de Autores Portugueses. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1985., p. 71


tangerineira



«Tristes por  seus silêncios convidavam-se a uma para longos passeios na margem do rio, no bosque, na floresta; e os longos passeios davam-lhe apenas longos silêncios que lhes não consentiam sequer darem os braços. Não se olhavam. Apenas ele, como mais velho, depois de longas horas mudas começava a dizer-lhe das estrelas bonitas. Ela respondia-lhe nas canções da águas nas fontes.»


Almada Negreiros. Obras Completas. Vol. I-Poesia. Biblioteca de Autores Portugueses. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1985., p. 67
“Não há paixão mais egoísta do que a luxúria.” Marquês de Sade

''Quando descoberta, a mentira provoca mais dor que a verdade. ''


Oração humilde do dia: "Kafka, Hemingway, García Márquez, Cortázar, Faulkner, Rulfo''

quinta-feira, 24 de março de 2016

''A vida ri-se das probabilidades e põe palavras onde imaginamos silêncios e súbitos regressos quando pensávamos que não nos voltaríamos a encontrar.''

José Saramago

quarta-feira, 23 de março de 2016

"Deve-se estar atento às ideias novas que vêm dos outros. Nunca julgar que aquilo em que se acredita é efectivamente a verdade. Fujo da verdade como tudo, porque acho que quem tem a verdade num bolso tem sempre uma inquisição do outro lado pronta para atacar alguém; então livro-me de toda a espécie de poder - isso sobretudo."


Agostinho da Silva, Entrevista

terça-feira, 22 de março de 2016

MAYA DEREN


''O dia mundial da poesia veio e passou''

''Faltam, na verdade, os amantes. Os leitores.''

Sapiossexualidade

''é a atracão sexual que uma pessoa sente pela inteligência , visão de mundo e toda a bagagem cultural de outra, independentemente do seu sexo.''

Arte Poética II


''A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.


Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha paiticipação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.

É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato.

É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética. Todo o poeta, todo o artista é artesão de uma linguagem. Mas o artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma matéria, como nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da própria poesia a qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz «obscuro», «amplo», «barco», «pedra» é porque estas palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o «obstinado rigor» do poema. O verso é denso, tenso como um arco, exactamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos, exactamente vividos. O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos entre si.

E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.''

Sophia de Mello Breyner Andresen

''ceia-fadiga''

«Sou apenas o Mendigo de Mim-Próprio,»


Almada Negreiros. Obras Completas. Vol. I-Poesia. Biblioteca de Autores Portugueses. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1985., p 51
(...)

« e que nunca descobriste que eras bruto,
e que nunca inventaste a maneira de o não seres...
Tu consegues ser cada vez mais besta
e a este progresso chamas Civilização!»



Almada Negreiros. Obras Completas. Vol. I-Poesia. Biblioteca de Autores Portugueses. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1985., p49

Anedota célebre das conversações de Goethe com Eckermann

«Eckermann estava uma vez a conversar com o velho Goethe e disse-lhe assim: «O senhor lembra-se que o seu romance Werther teve uma importância muito grande na sensibilidade alemã? Na altura que esse livro saiu, isso deu uma crise enorme e houve inúmeras pessoas que se suicidaram!». E Goethe, com aquela raposice que ele tinha, disse: « Ah, sim, é curioso, e eu que escrevi esse livro para não me suicidar!»

Jorge de Sena

''dois pólos que se entredevoram e que se destroem''

domingo, 20 de março de 2016

''Acho que a missão da mulher é assombrar, espantar. Se a mulher não espanta...
De resto, não é só a mulher, todos os seres humanos têm que deslumbrar os seus semelhantes para serem um acontecimento. Temos que ser um acontecimento uns para os outros. Então a pessoa tem que fazer o possível para deslumbrar o seu semelhante, para que a vida seja um motivo de deslumbramento. Se chama a isso sedução, cumpri aquilo que me era forçoso fazer. O meu primeiro contacto com as pessoas é de uma grande afabilidade. Quando as pessoas recusam essa afabilidade, então eu dou-lhes o que elas me pedem: irascibilidade. Volto-lhes as costas irascivelmente, mais nada. Se é isso mau génio, talvez seja.''

Natália Correia, Entrevista (1983)

''A procissão dos livros: performance de leitura ritualizada''

A Sociedade do Cansaço (recensão)

Texto na Enfermaria 6
Com A Sociedade do Cansaço (Müdigkeitsgesellschaft, 2010), tradução de Gilda Lopes Encarnação para a Relógio D’Água, 2014, Byung-Chul Han (sul coreano, estudante de metalurgia, formando-se depois em filosofia na velha Alemanha, com um doutoramento sobre Martin Heidegger) veio abanar o meio filosófico alemão (quase medusado pela áurea oceânica de Peter Sloterdijk). Estranha-se que um livro tão curto (60 pp. na tradução portuguesa) tenha tido um impacto tão grande (apesar do autor ser desconhecido, vendeu quase imediatamente 2000 exemplares na Alemanha, está traduzido em várias línguas e tem recensões prolíficas em francês e inglês). Talvez a palavra “cansaço – dentro da tese de Byung-Chul Han de que somos a civilização do cansaço (mau), uma doença, epidémica, sem verdadeiro antídoto – tenha despertado o interesse do grande público.
Porquê? Porque na nossa época (alucinada pela performance, cujo imperativo económico-moral poderia ser: “que as regras da tua conduta sirvam como modelo universal de performatividade!”) não há reais inimigos exteriores.[1] Nas doenças bacterianas, e nas sociedades da disciplina, era preciso combater as bactérias, ou as ordens, nas viroses, os vírus, era a cena tradicional das patologias modernas. Mas na tardomodernidade (aposta da tradutora para postmodern) a imunização já não trabalha com os meios defensivos normais: fechar ou dificultar o acesso da doença e construir anticorpos. Na época bacteriana, os amigos e inimigos estavam claramente definidos, princípio da Guerra Fria e da oposição proletariado/capitalistas. Esta polarização simplista tornou-se anacrónica, o estrangeiro e o estranho já não são inimigos, mas coisas diferentes, e a simples diferença não possibilita reacções imunitárias. Tanto mais que “O paradigma imunológico não é compatível com o processo de globalização.” (p. 12) A verdadeira ameaça não vem agora de outrem, mas do próprio, cheio de positividade, alimentada, e alimentando, uma sobre-produção e uma sobre-comunicação histriónicas, contra às quais, por serem da mesmidade, não se consegue realmente reagir (dinâmica cancerígena). Por excesso de positividade, a revolta tornou-se impossível, gozamos de uma infinita liberdade de escolha para produzir, consumir e comunicar até ao esgotamento, na vaga esperança de “nos realizarmos”. Segundo Byung-Chul Han, a actual omnipresença da performance demonstra o declínio das sociedades da disciplina e da obrigação descritas por Michel Foucault, hoje o sujeito modelo é o sujeito performativo, arredado de qualquer combate por princípios de justiça. Autodefinindo-se dentro dos limites que ele próprio escolheu para agir e ser. Sujeito pós-colectivo, o seu estilo de vida extrema o individualismo. Senhor e escravo de si mesmo, não se submete a ninguém, excepto a si e à ilusão de uma liberdade benigna sem limites. Em boa verdade, esta liberdade é paradoxal porque exige solidão (“o Eu tardomoderno está totalmente isolado”, p. 34), quando para Han a liberdade é sempre a liberdade com os outros. E este paradoxo acaba por manifestar as linhas patológicas do cansaço: “A sociedade de trabalho e de produção não é uma sociedade livre. A dialéctica do amo e do escravo não desemboca, afinal, numa sociedade em que cada homem que seja capaz de se entregar ao ócio é um ser livre. Ela conduz antes a uma sociedade de trabalho em que o próprio amo se tornou escravo do trabalho.” (p. 35) Por outro lado, a ausência de crenças, o despojamento narrativo do mundo, reforça o isolamento e “o sentimento de efemeridade, tornando a vida nua.” (p. 34)
A “sociedade disciplinar” de Foucault (fabricada em instituições como os hospitais, manicómios, prisões, fábricas, escolas...) foi revogada, “A analítica do poder de Foucault já não é capaz de descrever as mudanças psíquicas e topológicas que aconteceram com a transformação da sociedade disciplinar em sociedade de produção.” (p. 19) Na “sociedade disciplinar” dominava o não, uma negatividade que produzia loucos e criminosos. “A sociedade da produção gera, em contrapartida, deprimidos e frustrados.” (p. 20) É por isso que Han relê o Bartleby de Melville para além das interpretações metafísicas ou teológicas (sobretudo Gilles Deleuze em Critique et clinique), realçando o seu fundo patológico: “Esta ‘história de Wall Street’ apresenta-nos um mundo de trabalho desumano, habitado por pessoas reduzidas, todas elas, a animal laborans.” (p. 45) Mas não se pense que este animal tardomoderno entrou, como transparece em algumas leituras de Bartleby (Deleuze, Agambem...), em negação ou passividade (“I would prefer not to”, Bartleby), ele “é dotado de um Ego tão grande que quase transborda. E é tudo menos passivo.” (p. 33) Só que a sua positividade é patológica, alimenta um sem número de doenças neurológicas e aprofunda o individualismo.
Na época da performance, há uma “violência da positividade, resultante da sobre-produção, sobre-rendimento e sobre-comunicação” (p. 14), e “O esgotamento, a fadiga e a sensação de sufoco perante o excesso não são também […] reacções imunológicas.” (p. 15) Sem uma verdadeira auto-reacção, “A comunicação generalizada e a sobre-informação ameaçam todas as defesas do ser humano.” (p. 14) Já não há sequer gestos impulsivos, primitivos, capazes de desenvolver uma destruição redentora, “A dispersão generalizada, marca da sociedade dos nossos dias, não permite que a ênfase ou a energia da fúria emirjam verdadeiramente. A fúria desenvolve a capacidade de interromper um estado e de fazer nascer um estado novo.” (p. 41) Por isso, as doenças neurológicas alastram, o burnout ou a hiperactividade, por exemplo, retratam bem a dispersão e a positividade, “O prefixohiper da hiperactividade não é uma categoria imunológica. Representa, pura e simplesmente, uma massificação do positivo.” (p. 17) A relação humana com o tempo alterou-se radicalmente, vive-se em multifuncionalismo (multitasking), dispersão e velocidade, mas isto não representa qualquer progresso civilizacional, “O multifuncionalismo é, com efeito, amplamente praticado pelos animais em estado selvagem. Trata-se de uma técnica de atenção indispensável à sobrevivência dos animais na selva.” (p. 25)
Han foca-se no mundo do trabalho, na vita activa do homo laborans (convocando e desviando-se de Hannah Arendt), este mundo impõe a violência da positividade que forma a nossa interioridade. A sociedade disciplinar, com excesso de regras e fronteiras, de negatividade, foi substituída pela da performance, do sucesso individual, onde cada um se condiciona a si mesmo, na lógica do empreendedor singular. A motivação pessoal, o espírito de iniciativa e a responsabilidade pessoal são agora a linhas de orientação desta sociedade atomizada e sobre-positiva. A negatividade do “dever” foi substituída pela positividade do “poder fazer”, sintetizada no slogan de Obama: “Yes we can!”. As pessoas já não são exploradas por patrões ou instituições, exploram-se a elas mesmas, tornando-se simultaneamente senhores e escravos. Estamos em guerra contra nós mesmos, uma guerra que desemboca num cansaço estéril.
Contra esta vita activa, suicidária, Han elogia a vita contemplativa, o tempo gasto gratuitamente. Por falta de contemplação e de repouso, a nossa civilização dirige-se para uma nova barbárie, a sociedade da performance é patológica. E esta mudança de paradigma acontece de forma invisível, a sociedade da negatividade cede quase secretamente o seu lugar a uma sociedade que tem excesso de positividade, com as suas doenças neuronais, como a depressão, o défice de atenção/hiperactividade ou o burnout. Não se trata, como disse, de nenhuma infecção vinda do exterior, mas de um enfarte da alma, devido a um excesso de positividade. Por isso escapa a qualquer profilaxia imunológica.
No último capítulo, “A sociedade do cansaço”, relativamente redentor, Byung-Chul Han refere que “Enquanto sociedade activa, a sociedade da produção evolui progressivamente para uma sociedade do doping.” (51) Um doping que entretanto foi traduzido pela expressão mais aceitável de neuro-enhancement, e que todos aceitam desde que permita mais rendimento no trabalho, com a única preocupação de se garantir uma certa equidade no acesso a esses fármacos para que isto degenere numa concorrência farmacêutica sem controlo. Mas este produtivismo pobre em negatividade “produz um cansaço e esgotamento excessivos.” (52) Cansaço patológico, porque individualiza, “separa e isola”. Cansaço violento, porque “destrói tudo o que possa haver em comum, tudo o que se possa fazer em conjunto, aniquilando qualquer proximidade e a própria linguagem”. (52)
De onde vem, pois, a “redenção” de que falámos há pouco? Byung-Chul Han remete-nos para Peter Handke e o seu Versuch über die Müdigkeit (1992), onde se  fala de “cansaço alienante” mas também de um bom cansaço, iluminante (que, aliás, ocupa grande parte deste capítulo, como se Han quisesse terminar com uma nota conciliadora), que dá a ver e a pensar, que se situa entre, favorecendo por isso a coexistência. É, diz Han, um “cansaço que habilita o homem para uma serenidade especial, para um não-fazer sereno.” (54) Pelo contrário, “O cansaço associado ao esgotamento é um cansaço da potência positiva. Torna o homem incapaz de fazeralguma coisa.” (55) O cansaço associado ao esgotamento potencia a acção na comunhão, impulsiona para a realização de alguma coisa: “O cansaço de Handke não é o cansaço do Eu esgotado, do Eu exausto […], Handke concebe uma religião imanente do cansaço.” (pp. 55-56)
Vem talvez a propósito convocar Fernando Pessoa e o seu Cansaço, do metrónomo modernista Álvaro de Campos: “O que há em mim é sobretudo cansaço – / Não disto nem daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada: / Cansaço assim mesmo, ele mesmo, / Cansaço. […]” Antevisão do cansaço do “Eu esgotado” de Byung-Chul Han, mas que a mim sempre me insuflou uma melancolia produtiva.

[1] Alain Ehrenberg em La fatigue d’être soi. Dépression et société, 1998, defendia, num tom mais sócio-psicanalítico, que o cansaço provinha da obrigação de se ser si mesmo, de uma realização pessoal assumindo aquilo que se é, tarefa muito mais exigente do que a da velha obediência e respeito pelos interditos, onde a identidade se construía essencialmente pelo género, a classe social e o grupo profissional. Tudo isto enquadrado pelas lógicas disciplinares e de autoridade. Mas Ehrenberg avançava já com o mito do empreendedorismo, com poucos vencedores e muitos vencidos, sem nenhum exterior para responsabilizar, o falhanço na idade neoliberal deve-se exclusivamente a quem tentou mal ou não tentou, em vez de agressividade social fica-se com a vergonha de si mesmo. Tudo isto, diz Ehrenberg, aumenta exponencialmente os distúrbios de personalidade. 
"A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos."

Agostinho da Silva, Diário de Alcestes

'' o meu olhar fixo colado às tuas asas.''


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 69

Ilse Bing - Maya Deren



«Os cães estão deitados à tua espera.
Ninguém tocou nas tuas roupas ou mudou
o sítio dos teus parcos objectos.
A tua falta é uma clareira aberta
no coração dos dias. Eu retorno à escrita,
vacilante, animal atordoado pelo estio,
agastado por um desespero grave e incolor.
Os cães ladram à espera que regresses,
percorrem a noite de extremo a extremo
com o seu passo miúdo, e eu fico de pé
com o sal das lágrimas a arder nos lábios.
Não te demores, que há uma incandescente
flor azul no lugar onde te sentavas,
um livro ilegível à míngua de enredo,
uma concha de murmúrios em que te digo:
a tua voz continua a iluminar os quartos.»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 63

«A morte era agora um nervo tenso,
uma luz bruscamente apagada, um corpo
arqueado sobre a terra. Aquele que sofria
cobriu o rosto com as mãos e chorou.»

José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 61

«Porfias, e tens-me onde me queres,
ao lado da cama, junto ao parapeito
da janela que dá para o rio.
Acomodo-me. Podia ser de todos os lugares.
Mas é aqui que fico ancorado,
com a ausência suspensa nos braços
e a ternura proscrita dos lábios.
O meu exílio é um coração fendido
pelo metal da voz que o desengana,
é uma borboleta de pano
esvoaçando, aflita, entre dois lumes.
Aguardo a sentença da noite
para saber se permaneço ou se parto.
Todos os dias me deixo enlanguescer
com a ilusão de que serei livre.»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 45

Amanda and her Cousin Amy


«Eu sou de onde me amam, grito-lhes, »

José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 35

«A propósito de nada se pode escrever tudo.»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 33

«tudo o que de ti em mim permanece
é um incêndio e uma dúvida.»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 31

«O medo escreve-me nos dedos,»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 30
Powered By Blogger