quinta-feira, 6 de março de 2014
torvar
verbo transitivo
1. irritar; inquietar; perturbar
2. antiquado impedir
verbo intransitivo
tornar-se carrancudo; irritar-se; perturbar-se
(Do latim turbāre, «idem»)
«Pareceu-lhe de repente que alguma coisa acabava de passar por diante da janela, do lado de fora.
''Quem é? Será o feitor?...'', pensou o velho, ouvindo os passos no vestíbulo.'' Talvez a minha velha não tivesse fechado bem a porta.''
O cão ladrou no pátio; ele atravessou o vestíbulo, em seguida, como depois contou o velho, procurou a porta, transpôs o limiar, pôs-se a caminhar ao longo da parede, às apalpadelas, topou com um barril e, novamente hesitante, parecia procurar o ferrolho.
Eis que o encontrara. O velho sente um calafrio por todo o corpo. O espírito mau entra com cara de homem.
Dutlov sabia já que era ele. Quer fazer um sinal da cruz, mas não o consegue. Ele aproxima-se da mesa, coberta com um tapete, tira-o, lança-o ao chão e precipita-se para o fogão.
Então o velho reconheceu que o espírito mau tinha tomado a figura de Polikuchka. Mostrava os dentes, as suas mãos balouçavam; subiu ao fogão, caiu sobre Dutlov e tentou estrangulá-lo.
-É o meu dinheiro! - disse Ilicht.
''Deixa-me!'', quis Semen articular, mas sem o poder fazer.
Polikey oprimia-lhe o peito com todo o peso de uma montanha. Dutlov sabia que uma oração o obrigaria a largar a presa, sabia qual era, mas não a podia sequer murmurar.»
Leão Tolstoi. Polikuchka. Livros de bolso Europa-América., p. 104/5
-É o meu dinheiro! - disse Ilicht.
''Deixa-me!'', quis Semen articular, mas sem o poder fazer.
Polikey oprimia-lhe o peito com todo o peso de uma montanha. Dutlov sabia que uma oração o obrigaria a largar a presa, sabia qual era, mas não a podia sequer murmurar.»
Leão Tolstoi. Polikuchka. Livros de bolso Europa-América., p. 104/5
quarta-feira, 5 de março de 2014
terça-feira, 4 de março de 2014
História de Inverno
A mulher de água
traz limos nas espáduas
Tem olhos de lagoa
e o corpo como um rio.
Traz musgo sobre os seios
e a sua voz dá frio,
o seu olhar magoa.
Mas não lhe sei o nome.
Estende os cabelos de água
no inverno dos meus olhos,
dorme na minha sorte
por toda a noite insone.
Faz um rumor de chuva,
tem um sabor de morte.
Mas não lhe sei o nome.
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 73
traz limos nas espáduas
Tem olhos de lagoa
e o corpo como um rio.
Traz musgo sobre os seios
e a sua voz dá frio,
o seu olhar magoa.
Mas não lhe sei o nome.
Estende os cabelos de água
no inverno dos meus olhos,
dorme na minha sorte
por toda a noite insone.
Faz um rumor de chuva,
tem um sabor de morte.
Mas não lhe sei o nome.
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 73
Etiquetas:
Carlos de Oliveira,
poesia,
poetas portugueses
«Filha: tendes escutado
quanto deixo convencido
esse tão tirano estado
de viver com um marido
cruel e mal inclinado.
Não vos fieis de propostas
nem das suas aparências.
Por não darmos más respostas,
nos propõem mil conveniências:
depois quebram-nos as costas.
Sempre foi o mais perfeito
o estado de celibato.»
Paula da Graça. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 76
quanto deixo convencido
esse tão tirano estado
de viver com um marido
cruel e mal inclinado.
Não vos fieis de propostas
nem das suas aparências.
Por não darmos más respostas,
nos propõem mil conveniências:
depois quebram-nos as costas.
Sempre foi o mais perfeito
o estado de celibato.»
Paula da Graça. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 76
Etiquetas:
excerto,
poesia,
poetas portugueses,
poetisas
«SE POR DAR LUSTRE...»
Se por dar lustre aos pesares
Vossas lágrimas teimosas
Correm por margens de rosas,
Porque não cabem nos mares,
A submergir esses ares
Subiram rios crescendo,
E certo o naufrágio sendo,
A fineza deslustrais,
Porque podendo amar mais,
Deixareis de amar morrendo.
Deixai que o mar se dilate,
Que o rio se precipite,
Que o vento se fortifique,
Que em água a nuvem desate,
Sem que vós neste combate
Balas de neve esgrimindo,
Que as estrelas vão ferindo,
De neve e fogo tomeis
As armas com que ofendeis,
De amor os raios cobrindo.
Soror Madalena da Glória. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 63-64
Vossas lágrimas teimosas
Correm por margens de rosas,
Porque não cabem nos mares,
A submergir esses ares
Subiram rios crescendo,
E certo o naufrágio sendo,
A fineza deslustrais,
Porque podendo amar mais,
Deixareis de amar morrendo.
Deixai que o mar se dilate,
Que o rio se precipite,
Que o vento se fortifique,
Que em água a nuvem desate,
Sem que vós neste combate
Balas de neve esgrimindo,
Que as estrelas vão ferindo,
De neve e fogo tomeis
As armas com que ofendeis,
De amor os raios cobrindo.
Soror Madalena da Glória. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 63-64
Tenho amor, sem ter amores.
Soror Madalena da Glória. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 59
«Ó morte, aonde estás? Tu me socorre,
Que um infeliz descansa quando morre.»
Soror Madalena da Glória. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 57
Que um infeliz descansa quando morre.»
Soror Madalena da Glória. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 57
Etiquetas:
Morte,
poetas portugueses,
poetisas,
versos soltos
Que a dor só vive em mim, que eu já não vivo.
Soror Madalena da Glória. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 57
Quero morrer de esquecida.
Soror Violante do Céu. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 39
Razão
Se achásseis paciência
teríeis consolação;
deitai fora a paixão,
agasalhai a prudência:
muitas voltas dá o tempo
no que impossível parece:
dar-vos-á contentamento
no que vos entristece.
Joana da Gama. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 23
teríeis consolação;
deitai fora a paixão,
agasalhai a prudência:
muitas voltas dá o tempo
no que impossível parece:
dar-vos-á contentamento
no que vos entristece.
Joana da Gama. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 23
Não condenemos os pensamentos de ninguém, antes de os examinar de raiz.
«Não condenemos os pensamentos de ninguém, antes de os examinar de raiz.
Olhemos antes para o céu daquele dia 26 de Março de 1828.
Que formoso nascia o sol! Que chilreado de aves, e perfumado das auras pernoitadas nas urnas das flores!
Se há-de cuidar-se que o Criador daquela manhã tinha sido o mesmo que fizera as trevas e os homens da noite passada!»
Camilo Castelo Branco. O Retrato de ricardina. Livros do bolso europa américa, Lisboa, 1971., p. 117
Olhemos antes para o céu daquele dia 26 de Março de 1828.
Que formoso nascia o sol! Que chilreado de aves, e perfumado das auras pernoitadas nas urnas das flores!
Se há-de cuidar-se que o Criador daquela manhã tinha sido o mesmo que fizera as trevas e os homens da noite passada!»
Camilo Castelo Branco. O Retrato de ricardina. Livros do bolso europa américa, Lisboa, 1971., p. 117
«Duniacha aquecia cera amarela e deitava-a em água fria. Para que faria ela spusk*? Não sei, mas faziam-na todas as vezes que a barina se achava indisposta, e àquela hora estava quase doente.
*Esta preparação de azeite e de cera amarela quente e deitada em água fria é considerada pelo povo como um específico contra a enxaqueca e as nevralgias. Espalha-se sobre a cabeça do doente.
Leão Tolstoi. Polikuchka. Livros de bolso Europa-América., p. 86
Elegia de Coimbra
Gela a lua de março nos telhados
e à luz adormecida
choram as casas e os homens
nas colinas da vida.
Correm as lágrimas ao rio,
a esse vale das dores passadas,
mas choram as paredes e as almas
outra dores que não foram perdoadas.
Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra herança:
o oiro depositado
nas margens da lembrança.
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 57
Etiquetas:
Carlos de Oliveira,
poema,
poesia,
poetas portugueses
3
Fosse outro o mundo e outra a comum fortuna,
nunca as lágrimas comprado o pão da vida
e no estrume do coração colhida
fosse por fim achada a flor da sina:
seios, irmãos da concha dos dedos,
seria então a cor da minha oca o roxo em teus
[mamilos.
Mas assim, meu amor, pra que degredos
gerarias em carne a nossos filhos?
pra que fome de sonhos e ínvios trilhos?
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 55
Etiquetas:
Carlos de Oliveira,
poesia,
poetas portugueses
«vem, lume perdido
florir-me os olhos.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 49
Etiquetas:
Carlos de Oliveira,
poetas portugueses,
versos soltos
Cantiga do Ódio
O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 47
Etiquetas:
Carlos de Oliveira,
poesia,
poetas portugueses
3
Quem soprou na gândara
a última chama?
Se quiseres, ó morte,
abro-te os lençóis
e dou-te a minha cama.
Vai meu coração
pelas aldeias moiras
onde pena e erra,
peregrinação
ao tojo da terra.
Caminheiro cansado
sem nenhum bordão,
onde houver um sonho
para ser sonhado
está meu coração.
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 43
a última chama?
Se quiseres, ó morte,
abro-te os lençóis
e dou-te a minha cama.
Vai meu coração
pelas aldeias moiras
onde pena e erra,
peregrinação
ao tojo da terra.
Caminheiro cansado
sem nenhum bordão,
onde houver um sonho
para ser sonhado
está meu coração.
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 43
Etiquetas:
Carlos de Oliveira,
poesia,
poetas portugueses
Ao luar, à boca da caverna funda.
Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 67
«Da última dança vivida...
Que eu não sinta o coração!»
Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 64
Etiquetas:
adolfo Casais Monteiro,
amor e ódio,
autores portugueses,
excerto,
poesia,
versos soltos
«Doo-me até onde penso,
E a dor é já de pensar,»
Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 63
E a dor é já de pensar,»
Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 63
Etiquetas:
adolfo Casais Monteiro,
excerto,
versos soltos
«O amante sem amante,
Ora amado, ora traído...»
Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 61
Ora amado, ora traído...»
Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 61
Etiquetas:
adolfo Casais Monteiro,
excerto,
versos soltos
domingo, 2 de março de 2014
«Maria Adelaide não chegara ao estado de adulta, talvez pelo muito amor que tinha pelo pai e que julgava inspirar pelo facto de ser criança. As crianças têm com frequência a nostalgia de serem nómadas e, como consequência disso, quando adultas, o sonho de levar uma vida amorosa sem peias e com um toque incestuoso faz com que sejam atraídas pela renúncia ao conforto e ao bem-estar. Depois havia outro motivo, que os alienistas não suspeitaram. Foi o da ascensão social da família numa época em que a sua natureza sexual não estava plenamente desenvolvido, Nem estaria nunca. É uma mulher-menina e nisto está a sua força de atracção: o seu estado virginal comove com a maior das seduções.
Tudo isto fez o processo da sua neurose obsessiva. Quando o pai se torna rico e bem sucedido na sociedade, Maria Adelaide, adolescente ou criança ainda, sente essa elevação social como uma perda. Desfaz-se em graças domésticas, é incansável, carinhosa, bem educada. Casa-se com o rapaz com futuro que lhe é destinado e que a obriga a viver de maneira elegante e refinada. Mudam-se para o palácio de São Vicente, onde ela se torna na mulher mais invejada e querida de Lisboa. Mas a sua impotência manifesta-se nas crises de mau-humor e fechando-se às escuras no salão, donde despede os amigos e os admiradores. A segurança que demonstrava, desaparece. E, de repente, Maria Adelaide sofre uma crise de exuberância infantil, com a sua fase de sexualidade sem controlo, com um ódio profundo a qualquer convenção social que trave a sua expansão. Um pouco como Julieta, mas sem a idade de Julieta. Não é amor, é o arrastamento do ideal que o nosso ambiente de cultura e estilo pomposo só serve para despistar. Volta-se contra o marido e a gente dele, os amigos bem colocados, bem sucedidos. Durante um período que podia ter sido longo, ela sofre do complexo do convite; sai muito, é vista na ópera, nos chás, no teatro, com uma vulgaridade de exibição que se diria a partir dum sentimento de inferioridade. Torna-se susceptível, odienta, passa à acção quanto no seu inconsciente está à mercê de múltiplas excitações.
Foi nessa altura que, numa noite em que recebiam, em Santa Comba, Manuel cantou o fado. Era o que se chama um bom rapaz, não muito inteligente, sem estudos nem propensões. Uma nova escala de valores desencadeia o conflito entre a pessoa educada e sensível e o desejo que não completamente recusa o instinto de morte. Amar o Manuel, fugir de casa, cortar com a família, é uma forma de suicídio. Ela própria pede que a considerem morta. Escreve isso numa cartinha graciosa, pequenina, com uma ilustração dum par que tanto pode ser de camaradas de escola como namorados muito jovens. É a carta duma criança de dez anos.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 219
Etiquetas:
Agustina Bessa-Luís,
doidos e amantes,
mulheres,
romancista,
saúde mental
«Uma mulher, quando começa a perceber que é infalível, como o Papa, torna-se um instrumento de tortura.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 219
Subscrever:
Mensagens (Atom)