domingo, 11 de fevereiro de 2024
REZAR
Rezo sempre pelos animais e pelas pessoas que estão a pensar em se suicidar.
13/9/15
Deus é a Nossa Mulher-a-Dias
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a vida
porque achamos
que não presta
Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a fé
porque achamos
que é pirosa
Adília Lopes, in 'Florbela Espanca Espanca'
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024
''Não sei ir para a rua sem a máquina fotográfica. Isso está fora de questão. Não sei viver sem as fotografias. O que deixei foi o jornalismo. Isso para mim acabou.
Em 2012 deixou o jornalismo.
"Não há reportagens, não há nada. É aturar patrões imbecis, aturar pessoas que pagam indemnizações com dinheiro emprestado pelo banco e que depois não pagam ao banco…"
(...)
O que é que está a faltar?
''Falta não deturpar o jornalismo, ou seja, não é pôr toda a gente a trabalhar para todo o lado. O que se deve comercializar é o remanescente, não é estar a comercializar antes. Porque os jornais têm de ter a sua identidade, as suas equipas, os seus jornalistas e competirem entre si.
Se se normaliza, fica tudo igual. Dizem todos a mesma coisa, a agenda mediática é andarem todos uns atrás dos outros sucessivamente.''
Alfredo Cunha
Fonte: https://observador.pt/especiais/alfredo-cunha-acho-que-nao-fotografei-muito-bem-o-25-de-abril/
Uma anciã é violada por um jovem, depois de ter alertado a polícia de que o rapaz andava a rondá-la, sem que ninguém a acreditasse.
Um actor e um futebolista, amantes sucessivos da mesma jovem, actriz do teatro de revista, tornam-se amigos e organizam-se para a espancar e torturar selvaticamente.
Um rapaz português aparece morto numa cadeia de Espanha.
Uma menina de três anos é morta a pontapé pelo companheiro da mãe.
Uma mulher mata o filho recém-nascido.
Um pensionato onde se amontoam e maltratam crianças e jovens.
O suicídio de um rapaz de dezoito anos, escravizado pela família.
Um juiz do Tribunal de Família que reconhece a um homem o direito de gastar em vinho o dinheiro que devia entregar aos filhos.
Uma mulher que, cansada de maus-tratos, envenena o marido.
A união e a luta das juvenilíssimas operárias de uma fábrica têxtil por melhores condições de vida, em plena revolução de Abril.
O julgamento de uma jovem, por crime de aborto, em 1979.
A condenação súbita de uma mulher à solidão de um lar de idosos, quando deixa de fazer falta à família que criou.
A vitória sobre a violação e a fome de uma cabo-verdiana emigrada em Portugal.
Maria Antónia Palla, Só Acontece aos Outros. Histórias de Violência
''Os Bijagós - um laboratório onde se podia estudar o colonialismo
Em 1973, o etnólogo Victor Bandeira falou-me sobre os Bijagós, e sobre a sua hipotética sociedade matriarcal. Pensei imediatamente: “Tenho de ir aos Bijagós”.
Depois de 68, um tema que se discutia muito era a questão da felicidade, e se a felicidade tinha a ver com o consumo, com a possibilidade de aquisição de coisas. Como os Bijagós tinham uma cultura muito primitiva e muito pobre, fui ter com o proprietário d' O Século e disse-lhe que queria ir aos Bijagós. Ele perguntou-me o que é que eu queria ir lá fazer. “Olhe, vou à procura da felicidade”, respondi-lhe. Ele olhou para mim, não tendo percebido nada, e aconselhou-me a “ter cuidado com os tubarões”. O Século era isto. Davam-nos muito pouco dinheiro, pagavam-nos mal, mas faziam de nós uns reis. Não nos podiam tratar melhor. Davam-nos uma liberdade que eu não encontrei em mais parte nenhuma. E tinham um enorme respeito pelo nosso trabalho.''
Maria Antónia Palla
"Queria ver o meu corpo enquanto objeto de desejo."
como te abres, de que cor tens as pétalas,
quantos pistilos tens, que truques usas
para espalhar o teu pólen e te repetires,
se a tua floração é lânguida ou violenta,
que porte tens, para onde inclinas,
se ao morrer apodreces ou murchas,
vamos então, eu olho, e tu floresces.
Tradução de Tomás Sottomayor
domingo, 4 de fevereiro de 2024
DUAS INTRUJONAS
uma médica psiquiatra não percebeu nada do que eu lhe disse,
não trabalhou, mandou-me tomar Surmontil, um remédio para
não ter pesadelos.
Uma vez uma cabeleireira impingiu-me um spray para o ca-
belo para eu pôr quando estava na praia. Eu nunca ia à praia.
Adília Lopes. Bandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 102
A DONA NAZARÉ
portuguesa que falava bem português. Essa é que sim. O profes-
sor Emídio Guerreiro, que vivia no bairro e era freguês da pada-
ria da Dona Nazaré, ofereceu à Dona Nazaré uma fotobiografia
dele com uma dedicatória em que elogiava « o franc-parler» da
Dona Nazaré.
Quando aparecia alguma freguesa a lamentar-se dos manho-
sos e das manhosas deste mundo, a Dona Nazaré dizia:
-Dar ao desprezo.
É o que há a dizer. Mais nada.
BLUE VELVET
um vestido de veludo azul na Rampa, uma loja que havia no
Chiado que tinha uma rampa. A provar o vestido, apanhei uma
pneumonia.
Adília Lopes. Bandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 101
ESPANQUEMOS OS POBRES
bajo el que tengo que ganar dinero»
Claudio Rodriguez, « Un brindis por el seis de enero»
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
ERVA DAS BRUXAS
indesejada chega ao mundo
e chama por desordem, desordem -
Se me odeias assim,
porque cuidas em me dar
um nome? Precisas
de acrescentar uma calúnia
à tua língua, de encontrar outra
forma de culpar
uma tribo por tudo -
como sabemos ambos,
''Não há desespero como o meu ''
Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 45
'' flores azuis na janela da varanda ''
Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 23
domingo, 28 de janeiro de 2024
Esgotei o meu mal
Esgotei o meu mal, agora
Queria tudo esquecer, tudo abandonar
Caminhar pela noite fora
Num barco em pleno mar.
Mergulhar as mãos nas ondas escuras
Até que elas fossem essas mãos
Solitárias e puras
Que eu sonhei ter.
Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 06/11/1919 – Lisboa, 02/07/2004)
Poetisa, contista, autora de literatura infantil e tradutora, a 1.ª mulher portuguesa a receber o prémio Camões (1999)
sábado, 27 de janeiro de 2024
O nosso mundo é este
O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.
Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.
Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…
Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…
Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.
Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…
O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.
E se soubessem, dariam flor?
Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.
O nosso mundo é este….
( Mas há-de ser outro.)
Viver sempre também cansa (1931)
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens não se transformam
Não cai neve vermelha
Não há flores que voem,
A lua não tem olhos
Ninguém vai pintar olhos à lua
Tudo é igual, mecânico e exato
Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis sempre os mesmos
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à morte!
Pois não era mais humano
Morrer por um bocadinho
De vez em quando
E recomeçar depois
Achando tudo mais novo?
Ah! Se eu pudesse suicidar-me por seis meses
Morrer em cima dum divã
Com a cabeça sobre uma almofada
Confiante e sereno por saber
Que tu velavas, meu amor do norte.
Quando viessem perguntar por mim
Havias de dizer com teu sorriso
Onde arde um coração em melodia
Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
Por uma bagatela
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo.
NÃO, NÃO QUEREMOS CANTAR
HERÓICAS
Recuso-me a ter mais de vinte anos.)
as canções azuis
dos pássaros moribundos.
Preferimos andar aos gritos
para que os homens nos entendam
na escuridão das raízes.
Aos gritos como os pescadores quando puxam as redes
em tardes de fome pitoresca para quadros de exposição.
Aos gritos como os fogueiros que se lançam vivos nas fornalhas
para que os navios cheguem intactos aos destinos dos outros.
Aos gritos como os escravos que arrastaram as pedras no Deserto
para o grande monumento à Dor Humana do Egipto.
Aos gritos como o idílio dum operário e duma operária
a falarem de amor
ao pé duma máquina de tempestade
a soluçar cidades de fome
na cólera dos ruídos...
Aos gritos, sim, aos gritos.
E não há melhor orgulho
do que o nosso destino
de nascer em todas as bocas...
...Nós, os poetas viris
que trazemos nos olhos
as lágrimas dos outros.
segunda-feira, 22 de janeiro de 2024
domingo, 21 de janeiro de 2024
No Bico Do Mamilo
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
Um ovinho de codorna inteiro
Só pra ver se preenchia
Estomacal
Meu sistema estomacal
Estomacal
(Meu sistema estomacal)
Sabão e veja
Suicídio pirata
Espelho manchado
Sabão e veja
Suicídio piratas
Espelho manchado
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
Um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
''As pessoas dão importância a umas coisas que não valem um caracol.''
Adília Lopes. Bandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 53
BICHOS
A minha mãe era bióloga. Dizia «O que mata bichos mata pessoas.» As pessoas esquecem-se de que são bichos.
19/5/15
Adília Lopes. Bandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 32
sábado, 20 de janeiro de 2024
Sérgio Godinho - Etelvina
Etelvina com seis meses já se tinha de pé
Com um recado na lapela que dizia assim
Quem tomar conta de mim
Quem tomar conta de mim
Saiba que fui vacinada
Saiba que sou malcriada
Todos os reformatórios da terra onde vivia
Entregaram-na a uma velha que ralhava assim
Ai menina sem juizo
Nem mereces um sorriso
Vais acabar num bueiro
Sem futuro nem dinheiro
Vou dormir à beira rio à noite, à noite
Acocorada com o frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite"
Sua cama era um caixote sem paredes nem tampo
Sua janela uma ponte que dizia assim:
Dentro das minhas cidades
Já não sei quem é ladrão
Se um que anda fora de grades
Se outro que está na prisão
A semear desacatos e a colher tempestades
A meter-se c'os ricaços, a dizer assim:
Você que passa de carro
Ferre aqui a ver se eu deixo
Venha cá que eu já o agarro
Dou-lhe um pontapé no queixo
Vou dormir à beira rio à noite, à noite
Acocorada com o frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite"
A não ser de vez em quando amores de vai e vem
Pôs um anúncio no jornal que dizia assim:
Mulher desembaraçada
Quer viver com alma irmã
De quem não seja criada
De quem não seja mamã
Nem um príncipe encantado nem um lobo do mar
Só alguém com quem pudesse dizer assim:
O amor já não é cego
Abre os olhinhos à gente
Faz lutar com mais apego
A quem quer vida diferente
A dormir à beira rio, à noite, à noite
Acocorado com frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite
De Coração E Raça
Canção de Sergio Godinho
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Em vez de andar para alugar
Com escritos na camisa
E o dinheiro que desliza do salário prá despesa
Compro cama vendo mesa deito contas à pobreza
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Em vez de ter que partir
Com escritos numa mala e a idade que resvala
Do nascimento pra morte
Vou pra leste perco o norte e o meu corpo é passaporte
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Em vez de andar para alugar
Com escritos na camisa
E o dinheiro que desliza do salário prá despesa
Compro cama vendo mesa deito contas à pobreza
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha-cha-cha-cha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Assim Como Um Postal Para O Canadá
Canção de Sergio Godinho
E a falta de alguém
Que me trouxe ao consolo
De quem o tem
Se o despertador tocar
Estarei contigo ao jantar
De compreender
Teu palácio onde a chuva
Não tem dizer
E a roupa a secar no forno
E os lábios num caldo morno
Trouxe um embrulho
Agitei-o para ver
Se fazia barulho
E um metro de um bom riscado
Estou pronto para o noivado
Dentro da cidade
Segue a multa por excesso
De velocidade
Esmagando as moscas de verão
Com o corpo a dizer que não
Que estás atrasada
Foi a sede que me fez
Voltar para a estrada
Fica aqui no gravador
O medo, a alegria e a dor
Liberdade
Saúde e educação
Abaixo o pão, habitação
Saúde e educação
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério
Quando houver
Saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir
E quando pertencer ao povo o que o povo produzir
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério
Quando houver
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir
E quando pertencer ao povo o que o povo produzir
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério
Quando houver
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir
E quando pertencer ao povo o que o povo produzir