Etelvina com seis meses já se tinha de pé
Foi deixada num cinema depois da matuinéeCom um recado na lapela que dizia assimQuem tomar conta de mimQuem tomar conta de mimSaiba que fui vacinadaSaiba que sou malcriada
Etelvina com dezasseis anos já conheciaTodos os reformatórios da terra onde viviaEntregaram-na a uma velha que ralhava assimAi menina sem juizoNem mereces um sorrisoVais acabar num bueiroSem futuro nem dinheiro
"Eu durmo sozinha à noiteVou dormir à beira rio à noite, à noiteAcocorada com o frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite"
Etelvina era da rua como outros são do campoSua cama era um caixote sem paredes nem tampoSua janela uma ponte que dizia assim:Dentro das minhas cidadesJá não sei quem é ladrãoSe um que anda fora de gradesSe outro que está na prisão
Etelvina só gostava era de andar pela cidadeA semear desacatos e a colher tempestadesA meter-se c'os ricaços, a dizer assim:Você que passa de carroFerre aqui a ver se eu deixoVenha cá que eu já o agarroDou-lhe um pontapé no queixo
"Eu durmo sozinha à noiteVou dormir à beira rio à noite, à noiteAcocorada com o frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite"
Etelvina já cansada de viver sem ninguémA não ser de vez em quando amores de vai e vemPôs um anúncio no jornal que dizia assim:Mulher desembaraçadaQuer viver com alma irmãDe quem não seja criadaDe quem não seja mamã
Etelvina já sabia que não ia encontrarNem um príncipe encantado nem um lobo do marSó alguém com quem pudesse dizer assim:O amor já não é cegoAbre os olhinhos à genteFaz lutar com mais apegoA quem quer vida diferente
O seu homem encontro-o à noiteA dormir à beira rio, à noite, à noiteAcocorado com frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite
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