sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Bonjardim 


1.

Uma janela de guilhotina
golfava na rua, vozes
de barítono rouco e contralto
agreste, num vibrato de raivas
do libreto diário, onde há muito
ou há pouco, se teriam amado.

2.

Ao entrar no quiosque
nesta tarde de névoa, para
comprar um jornal qualquer, uma criança
pediu algo que não entendi. Seria
uma moeda para um chiclet? Perguntei
ao homem sentado atrás das
revistas do coração e dos diários
da bola, de quem seria a criança, como
se pudesse ser de alguém, um ser
tão súbito, nascido da genealogia
indecifrável da tarde.

3.

Vindo do Marquês, o autocarro
chiava na curva estreita, soltando
os seus vapores de gasóleo, e
num portal surgia um gato pardo
para o qual me inclinei, sabendo
que fugiria ao contacto
da minha mão, ou apenas ao
esboço de carícia, como fazem
os gatos, tão fugidios na presença
de estranhos. Mas o animal no
instante do recuo, aceitou o
deslizar dos meus dedos,
em troca de amáveis energias. E
uma longa saudade subiu-me pelo
braço, no arquear festivo
daquele pequeno tigre.


Post-Card 
(os velhos, os pombos, os gatos)


Alguns habitantes queixam-se dos pombos. Do mal
que fazem às fachadas, às estátuas, à pintura
dos automóveis. Os pombos não voam a gasolina
e têm humaníssimos hábitos como a gula, as
rivalidades do cio, a sede e a urgência
de defecar. Detestam coleiras, gaiolas, amparos
de casota, ausência de jardins
e adornos de penas alheias. E por este divino
despojamento recebem, às vezes,
algum milho displicente dádiva
de crianças para a fotografia, ou de benignos
velhos reformados. Algumas mulheres continuam
a socorrer os antiquíssimos (e terrestres) gatos 
vadios. Gatos da minha infância. Dos muros,
das traseiras, dos quintais - o Sindbad, a Pardoca - com
restos de arroz em papéis engordurados. Carinhosas
velhas, atentas à famélica e materna condição
das ninhadas, enquanto os pombos e os velhos
debicam espaços de pedra onde levavam asas
e entre todos assoma, por instantes,
a decaída aliança entre o Céu e a Terra.


Ária

É belo o tempo de Inverno,
no silêncio, a lenha húmida
das maternas canções da chuva.
Na lentidão de Janeiro
fica mais longe a morte. As aves
habitam nos beirais
como príncipes destronados.



Glenn Gould 
a Thomas Bernhard

Procuras o som, a morte de ti mesmo,
centro do teu corpo a percussão que sonhas
límpida,
respiras como as cordas vibram
nessa invenção de vozes
mutuamente perseguidora.


Célere e luminoso expulsas da pauta
os ornatos falsos, os amantes fáceis,
desapossado estás de ti e possuído
pela audível construção impossivelmente perfeita
Steinway Glenn, Glenn Steinway só para Bach.
Vítimas 

O gato reinava no terraço
entre hidrângeas, sardinheiras e
muros, silencioso e súbito
na ferida que rasgaria
algum gorjeio. Muitas mortes de asa
incauta, na cobiça de larvas ou insectos
em sucessivos Maios, justificaram
o fulgor das garras, o espinho
certeiro entre veludos. Agora
que se foi o vivaz caçador, na garra
letal dos anos, novos bandos
de pardias inundam
o terraço sem gato.



Cantiga

O gosto irrecuperável dos frutos secos nos invernos da infância,
o estalido das cascas
quando partíamos
aquelas pulsações de madeira,
sarcófagos mais que perfeitos
arrancados a
algum coração de árvore.



Remorso

Durante a leitura nocturna
descia, às vezes, as escadas
e procurava no escuro, dentro
de um cesto, uma forma 
redonda. Na quadra iluminada
do quarto, mordia depois a maçã
vermelha escura. Era enorme o ruído
dos dentes, no silêncio dessa hora
tardia e irremediável a culpa
de ter destruído aquela polpa húmida
de onde pendia o descarnado pé
no íntimo saber de pequenas sementes
que podia perfeitamente
ter apodrecido em paz.


As Tristes Claridades 
O Verão expulsa o húmido alento
das casas. Desertas desfazem
o tépido novelo que as habita
em refúgio. Pastoras dos sentidos
estão agora de olhos cerrados. Ficará
algum pequeno insecto, predador
de ausências, até que alguma
lâmpada, de súbito acesa
lhe ilumine o corpo ressequido. Cinzas
que não voltam ao mar.


Prado do Repouso

Adoece os olhos este bric-à-brac marmóreo, os
esmaltes, as jarras, a caótica
cenografia dos jazigos, hoje
que todos garantem a sua última
propriedade horizontal. Habitamos
um corpo, tão fácil de ferir, túnica
de sangue, escudo de água, para
o fulgor da vida foi-nos dada
esta veste, não se sabe
para que perecível eternidade.



Réalisé par Arnaud Selignac

I Will kiss thy mouth 

Do fundo da cisterna
a tua voz eleva-se e nenhuma
masmorra abafa este ardor 
por ela aceso, no derradeiro véu,
a minha pele.  Nem as proféticas
maldições, nem o teu repúdio,
nem a luxúria do tetrarca
me impedem de cumprir
o mandamento primeiro
da paixão: a colheita
da tua face.


Última véspera

Agora que um longo inverno se aproxima
com os seus labirintos de sombra, 
regresso àquela véspera
de onde se parte sempre,
acesos os afluentes da espera
ou as fulvas crateras da guerrilha. 


Agora que as asas do silêncio
se insinuam, na crescente mancha
dos espelhos, recebo os teus olhos
como um recém-nascido, vulnerável
e  combalido pela luz recente, recebe
a água do seu primeiro banho.



Miramar

Acender um cigarro na praia, proteger
o difícil estertor da pequena chama. Anular
o vento na manga do teu casaco. Reter
preso entre os dedos o princípio breve
dessa efémera combustão.



Vagas

A colcha da cama desfeita é agora mais leve e mais clara.
As sandálias brancas enviaram
ao armário, a sombra
impermeável das botas. No lugar
do gorro de lã, demora-se hoje
um leve chapéu de palha. Algumas
plantas secaram, mas o calor dos
corpos libertou os lençóis
da sua humilde tarefa, lançando-os
longe como vagas de Agosto.





Rua de Camões

A minha infância 
cheira a soalho esfregado a piaçaba
aos chocolates do meu pai aos Domingos
à camisa de noite de flanela
da minha mãe


Ao fogão a carvão
à máquina a petróleo
ao zinco da bacia de banho


Soa a janelas de guilhotina
a desvendar meia rua
surgia sempre o telhado
sustentáculo da mansarda
obstáculo da perspectiva


Nele a chuva acontecia
aspergindo ocres mais vivos
empapando ervas esquecidas
cantando com as telhas liquidamente
percutindo folhetas e caleiras
criando manchas tão incoerentes nas paredes
de onde podia emergir qualquer objecto


E havia a Dona Laura
senhora distinta
e a sua criada Rosa
que ao nosso menor salto
lesta vinha avisar
que estavam lá em baixo
as pratas a abanar no guarda-louça


O caruncho repicava nas frinchas
alongava as pernas
a casa envelhecia


Na rua das traseiras havia um catavento
veloz nas turbulências de Inverno
e eu rejeitava da boneca
a imutável expressão


A minha mãe fazia-me as tranças
antes de ir para a escola
e dizia-me muitas vezes


Não olhes para os rapazes
que é feio.




Estendais


Em alguns invernos mais chuvosos,
em Miragaia que foi a Madragoa de
Pedro Homem de Mello, o Douro
salta a margem e entra pelos arcos
onde se demora no rés-do-chão
das casas, por duas madrugadas.

Mas são os estendais, à janela
agitados pelo vento nas abertas da chuva,
que nos trazem a urgência e a constância 
dos corpos, nas mangas pendentes
de camisas, camisolas ou na roupa

interior, última margem dos íntimos rios,
onde os poliesteres aboliram os felpos, os linhos
as cambraias. Só a cor branca dos lençóis teima
lá no alto, a abrir velas ao desejo do sol
e à memória de obscuras lavadeiras, que faziam
heróicas barrelas na espuma inocente do sabão.


Ícaro 


Um cão pertence mais á Terra,
aos seus limites, até ao  último
rio. Mas ao que vive na casa
em frente, foi dado este nome
volátil. Quando só, ele constrói,
como quase todos os cães,
aquele  som agudo de sobrevoar
ausências, que faz do regresso
de qualquer lazarento dono,
o latido solar da alegria.


Satélite 


Os meus olhos acolhem um bando
de reflexos, invisíveis a horas
mais sombrias, na luz aberta
deste fim de Junho. Vêm ao meu
encontro os grandes plátanos do
jardim, ameaçados pelas
 prováveis escavações do Metro.
Por ora ainda matizam os  rostos
dos passantes e a penumbra das
janelas. No passeio das paragens
de autocarro para Ermesinde, 
Areosa e outros debruns urbanos,
o volume dos corpos recorta-se
quadriculado pela luz. Seios e
estômagos transferem-me para
um estranho país de aleitamento e
digestões. Sigo num culpado
exílio a dobrar a esquina e inclino
os passos para o Satélite,onde 
regresso ao aroma navegável
do cimbalino.


Guilhermina Suggia 
(variações sobre um retrato)

1.

No escarlate do vestido
entre os joelhos avulta
o versátil companheiro
que em voz grave lhe responde
desde esse Porto marítimo
da infância, muito antes
da era dos petroleiros e
da boçalidade dos banhistas.

2.

O arco descreve
o intenso itinerário
de Leipzig a Paris,
de Berlim a Varsóvia,
o fascínio dos palcos, o
secretismo dos camarins,
na arritmia do pulso
que o fulgor persegue.

3.

Num crescendo vibrátil
desenha o andamento,
seus motivos ascendentes de
harmónica tensão. E na pausa
final, que um ímpeto antecede
o arco se suspende
augúrio e êxtase.


4.

No atelier londrino
de Mallord Street,
o pintor fixa o instante
de uma metamorfose.
Na tela cresce a silhueta
unida ao Stradivarius,
num corpo mútuo
de exótica mariposa,
olhos cerrados no meridional
abraço. Nem Pablo,
o virtuoso, nem qualquer outro
amante, desatará jamais
esse abraço sem fim.


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

« - sangue nas mãos duma estátua, a emoção da história duma tortura antiga -,  o dar ou tirar sangue no acto da cópula.»

John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 185

«Isso tudo são palavras para vestir uma coisa nua; e essa coisa, vestida, torna-se ridícula.»

John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 184

'' o mar andou escuro e danado''

John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 181
“[…] tanto na religião como no amor, o crente aspirará a uma beatitude sem limites; devora-o uma apetência de imortalidade, queima-o uma ânsia de fusão total unificadora, de transformação ou liquefacção do amante no amado. 
Ambos os amorosos vivem alheios de si próprios, “mortos” para eles mesmos porque “vivos” respectivamente um no outro. O amor religioso acompanha-se dos mesmos sacrifícios ascéticos que o amor profano, e crepita nos mesmos transportes extáticos. A expressão verbal ou literária dum é a expressão verbal ou literária do outro”



Sílvio Lima, O Amor Místico (noção e valor da experiência religiosa) (1935), in Obras Completas, I, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, pp.558-559.

«Querias-me?», perguntou ele.

   «Queria, sim querido. Não dormi o bastante, mas queria falar contigo antes de tornar a adormecer. Podia esquecer-me do que te quero dizer. Tens de te lembrar por mim.»

John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 128

domingo, 23 de agosto de 2015

Born To Die



Feet don't fail me now
Take me to the finish line
All my heart it breaks every step that I take
But I'm hoping that the gates
They'll tell me that you're mine

Walking through the city streets
Is it by mistake or desire?
I feel so alone on a friday night
Can you make it feel like home
If I tell you you're mine

It's like I told you honey

Don't make me sad, don't make me cry
Sometimes love's not enough
When the road gets tough
I don't know why
Keep making me laugh,
Let's go get high
Road's long, we carry on
Try to have fun in the meantime

Come and take a walk on the wild side
Let me kiss you hard in the pouring rain
You like your girls insane
Choose your last words
This is the last time
Cause you and I

We were born to die

Lost but now I am found
I can see but once I was blind
I was so confused as a little child
Tried to take what I could get
Scared that I couldn't find
All the answers honey

Don't make me sad, don't make me cry
Sometimes love's not enough
When the road gets tough
I don't know why
Keep making me laugh
Let's go get high
Road's long, we carry on
Try to have fun in the meantime

Come and take a walk on the wild side
Let me kiss you hard in the pouring rain
You like your girls insane
Choose your last words,
This is the last time
Cause you and I

We were born to die
We were born to die
We were born to die

Come and take a walk on the wild side
Let me kiss you hard in the pouring rain
You like your girls insane

Don't make me sad, don't make me cry
Sometimes love's not enough
When the road gets tough
I don't know why
Keep making me laugh,
Let's go get high
Road's long, we carry on
Try to have fun in the meantime

Come and take a walk on the wild side
Let me kiss you hard in the pouring rain
You like your girls insane
Choose your last words
This is the last time
Cause You and I

We were born to die

We were born to die

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O CAÇADOR

(...)

«E até reles serventes torna os cães.»

António Osório. A ignorância da morte. Colecção forma.Editorial Presença, Lisboa., p. 33
É-me doloroso falar, mas calar-me também
o é; quer fale, quer me cale, para mim só
há dor.

Prometeu agrilhoado, Esquilo

DIZERES

Apodrecer é simples: basta
ceder do coração apenas
a parte mais sombria.

Guardar o resto para inúteis
coisas que não acontecem.


Alberto Soares. Escrito para a noite. Gota de Água. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 25

Adágio

«Não é tranquilo o coração dos lobos
fazem mau uso da morte e da ternura.»


Alberto Soares. Escrito para a noite. Gota de Água. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 21

«La joie n'est pas un sentiment poétique.»

E. M. Cioran

FRACTURA

Difícil
é recordar todas as palavras
de outro modo. Ou reflectir
a noite.


Alberto Soares. Escrito para a noite. Gota de Água. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 9

«Os loucos da casa exageram no volume de seus discos,
                                                                  gritam para além dos sacos
                                                                   de lixo, esbofeteiam-se, fun-
                                                                   dam paralelos lares de com-
                                                                   panheiros sós e felizes.
Telefonam-se a altas horas, marcam encontros impos-
                                                                   síveis, roem-se tranquila-
                                                                   mente as unhas.
Mas o mar os conhece como ninguém, embate contra
                                                                  seus quadris, fica sereno, e
                                                                  é a noite acampada à beira
                                                                   das marés.
Entre esmagar conchas ou beijar um pescoço húmido de
                                                                  suor, só a história fica des-
                                                                  ses, vomitando nos lugares
                                                                  públicos as públicas e de
                                                                  pasta mulheres dos profis-
                                                                  sionais livres: virginsíssimas.»

Mário Cláudio. Terra Sigillata. Edição & etc, Lisboa., p. 31

«Passas, é o corredor demasiado estreito. Tocas-me o 
                                                                                              peito de tuas mamas: mo-
                                                                                              mento do limão espremido,
                                                                                              sulcos acabados de rasgar.

O túnel, agora.»

Mário Cláudio. Terra Sigillata. Edição & etc, Lisboa., p. 24/5

«Criança que era, descia às caves da casa, procurava
                                                        as lâminas, incindia com
                                                        elas a cana do nariz.
Retrocedia às escadas, erguia-se ensanguentada, tin-
                                                        gindo de si a maçaneta das
                                                        portas, o papel das pare-
                                                        des, as toalhas de linho.
Era a morte primeira, o lívido oásis da dor.» 


Mário Cláudio. Terra Sigillata. Edição & etc, Lisboa., p. 20
«Nada se vende já na Rua dos Arménios, nem o medo.
Só alguns azulejos se compõem e descompõem, um
                                            poeta nasce, o teatro arde
                                            pela madrugada.»



Mário Cláudio. Terra Sigillata. Edição & etc, Lisboa., p. 15

''madrugar o pensamento''


Esquecemos a sombra que movíamos
e a em que, movendo-nos, era
madrugar desde o princípio
de sermos fonte duma fonte velha.
E madrugar a sombra dessa fonte
da nossa sombra esquecida madrugava,
acendendo-se espelho fundo e onde
o espelho se esquecesse, e a madrugada.


Fernando Echevarria. A base e o timbre. Círculo de Poesia, Moraes Editores., p. 55
«Iluminarmo-nos ilumina
outros iluminar-se.»


Fernando Echevarria. A base e o timbre. Círculo de Poesia, Moraes Editores., p. 43

quinta-feira, 20 de agosto de 2015


“não é a última gota que esvazia a clepsidra, mas toda a água que anteriormente foi escorrendo”

Séneca
«A morte é um processo intrínseco à própria vida, de tal forma que viver é sempre, ao mesmo tempo, morrer.»

Joaquim Mateus Paulo Serra. O Suicídio considerado como uma das Belas Artes. Universidade da Beira Interior. Artigos LusoSofia, Covilhã, 2008., p. 15
“é precisa a vida inteira para aprender a viver e – o que talvez vos surpreenda mais – é precisa a
vida inteira para aprender a morrer.”

Séneca, in pequeno ensaio intitulado Acerca da Brevidade da Vida

Carta 77

“na vida é como no teatro: não interessa a duração da peça, mas a qualidade da representação. Em que ponto tu vais parar, é questão sem a mínima importância. Pára onde quiseres, mas dá à tua vida um fecho condigno.”

Séneca, op. cit., 77, 20, p. 328.

“É muito mais difícil [do que na morte na sequência de doença] encontrar ou criar um significado na morte súbita resultante do suicídio ou da injúria autoinfligida. Para o indivíduo que escolheu cometer suicídio, parece que a vida se tornou uma luta sem sentido, ou um terror para o qual a morte é a única saída. O único factor comum ao suicídio ou à injúria auto-infligida é o fazer-se mal a si próprio; a questão comum deixada aos que ficam é ‘Porquê’?” 


Stella Ridley, “Sudden death from suicide”, in Donna Dickenson, Malcolm Johnson, Jeanne
Samson Katz (org.), Death, Dying and Bereavement, London, Sage Publications, 2000, p. 55
Em Fédon de Platão, Sócrates afirma acerca dos filósofos que “eles não têm outra ocupação senão a de morrer e estarem mortos”, acrescentando, ainda, que os filósofos “se exercitam a morrer e que não há homens que tenham menos medo do que eles em estarem mortos”.

“Morrer jovem, sobreviver heroicamente”.

(Cf. Jean-Pierre Vernant, O Universo, os Deuses, os Homens, Lisboa, D. Quixote, 2000, p. 95-99).
«De acordo com um autor antigo, a lei em Atenas diria o seguinte: “Que aquele que não quer viver mais tempo exponha as suas razões ao Senado e deixe a vida se o Senado lhe der autorização para partir. Se a existência te é odiosa, morre; se o destino te é opressivo, bebe a cicuta. Se o peso da dor te faz andar curvado, abandona a vida. Que o infeliz relate os seus infortúnios, que o magistrado lhe forneça o remédio e a miséria cessará.”

(Libanius, citado por Durkheim, ibidem, p. 329).
«Em Atenas – mas também em Esparta, Tebas e Chipre –, não só estavam vedadas as honras de sepultura ao homem que se suicidava sem autorização do Estado, como se cortava uma mão ao cadáver para ser enterrada à parte.»

Joaquim Mateus Paulo Serra. O Suicídio considerado como uma das Belas Artes. Universidade da Beira Interior. Artigos LusoSofia, Covilhã, 2008., p. 6

a “estética da existência”


“Talvez o verdadeiro estádio do espelho antropiano: contemplar-se num duplo, alter ego, e, no visível próximo, ver outro que o visível. E o nada em si, ‘este não-sei-quê que não tem nome em nenhuma língua’. Traumatismo suficientemente siderante para desencadear, desde logo, uma contra-medida: fazer uma imagem do inominável, um duplo do morto para o manter em vida, e, por contragolpe, não ver esse não-sei-quê em si, não se ver a si mesmo como quase nada.” 

Régis Débray, Vie et Mort de l’Image, Paris, Gallimard, 2000, p. 37
“Quando aparece o sapiens [Homem de Neanderthal], o homem já é socius, faber, loquens. Portanto, a novidade que o sapiens traz ao mundo não consiste, como se julgava, na sociedade, na técnica, na lógica, na cultura. Consiste, pelo contrário, naquilo que até agora se considerava como epifenomenal, ou que imbecilmente se saudava como sinal de espiritualidade: a sepultura e a pintura.”

Edgar Morin, O Paradigma Perdido. A natureza humana, Lisboa, Europa-América, 1975, p. 93.
«Pelo sofrimento e pela angústia que provoca, aos que partem e aos que ficam, a morte dá que pensar leva o homem a tornar-se pensante.»

Joaquim Mateus Paulo Serra. O Suicídio considerado como uma das Belas Artes. Universidade da Beira Interior. Artigos LusoSofia, Covilhã, 2008., p. 4
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