sábado, 9 de maio de 2015

acinte


nome masculino

ação praticada com a intenção de contrariar, irritar ou provocar alguém; teima; pirraça

advérbio
intencionalmente

por acinte
de propósito, de caso pensado


«Escreveu a alguns, para endereços antigos, e como a via sofrer de tal modo com a desiludida expectativa de lhes receber uma resposta, proibi-a rudemente de persistir na tolice.»


Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 242

«Sentia uma súbita fome. E um vazio em todas as vísceras.»


Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 239

''alforge de excentricidades''

''lábios desbotados''


''apagar-lhe da memória as nódoas que tinham ficado para trás.''


Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 214

«Do seu verdadeiro tamanho: uma pobre coisa exposta às ressacas do meu pensamento.»

Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 214

«O seu olhar, então, quando lhe sacudia o mutismo, pousava, suave e indiferente, sobre a minha contida saturação.
-Que tal passaste a noite?
-Bem.
Fechava-se, um muro em volta, obrigando-me a ficar de fora.»


Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 209

«Não pude, contudo, deixar de sorrir. E esse sorriso foi o bastante para que a pobre Lúcia se sentisse ameigada como uma cadela sem dono.»

Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 201

''dança sonâmbula''

"The Red Shoes" , 1948




«(...), tal como eu, não queria confessar que a solidão nos deixa as mãos estendidas e apavoradas dentro de um quarto escuro; daí, as suas fugas, o seu arzinho de bicho que se prepara para arranhar enquanto não está certo se deve confiar nos dedos que se estendem para o afago.»



Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 189


«Desejei muitas vezes ter alguém ( e só então reparava, com azeda amargura, quanto tinha sido até aí desastrado nas relações humanas, quanto conduzira as pessoas a respeitarem-me por entre uma gélida terra-de-ninguém, a temer-me e nunca a ter estima por mim), um amigo que interpretasse as incongruências do meu procedimento, humanizando-as  a meus olhos, ajustando-as, se fosse possível, à espécie de pessoa que eu julgava ser. Eu, por mim, de modo algum as poderia ajustar.»



Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 188
«Durante as minhas vigílias de cigarros trespassava-me o eco de longínquas vozes.»


Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 188
«...Pedia-me aqueles nadas que reanimam uma vida. Enfim: a torpe ilusão de que poderia haver um erro ou uma possibilidade.»


Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 187
"Tudo cresce no silêncio. Tudo cresce em silêncio. Desde o ácer até à vulgar tradescância. Mas quem melhor se adapta, sem dúvida, os miosótis. Depois de alguns minutos em silêncio já não te consegues mexer, com receio de os pisares."
-"Poeta Nu"
- Jorge de Sousa Braga

sexta-feira, 8 de maio de 2015



«Se aqueles breves raios de loucura passavam por Clarisse, se o mórbido desvario a conduzia a atitudes extremas é porque as patologias as previam, as regulamentavam. E se assim não fosse?
   Clarisse, ao reparar no meu silêncio taciturno, fez um sorriso de astúcia.
   -Nunca julguei que uma simples beliscadura te afectasse tanto...»

Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 183

«Que eram as pessoas? Ilhas. Ilhas isoladas e um braço estendido, a fazer de ponte, por onde se esperava que passasse alguém.»

Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 183

humorismo sombrio


« - Como  vês, não me devo queixar: passou por mim muita coisa, menos bolor...Aconteceu-me um pouco de tudo. Até a morte marcada por um despertador que, uma vez que lhe foi dada corda, ninguém o fará parar.»

Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 180
«Nunca a sentira tão longe de mim. Tão desapegada. As suas palavras não me eram dirigidas. Era uma sensação desagradável. Achei-me a estimulá-la ao diálogo, numa tentativa ciumenta de a recuperar.»

Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 178
«No entanto, Clarisse tinha de falar do passado. Arrumá-lo (tal como eu tentava arrumar o meu presente, unir o que fazia ao que sentia, sem, porém, o conseguir), esclarecê-lo para se libertar melhor. Ou então, era-lhe necessário, por orgulho, talvez, justificar certos aspectos contraditórios que se farejavam na sua vida.»

Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 175

quinta-feira, 7 de maio de 2015


Quando o amor morrer dentro de ti,


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 82

Mostrar-vos-ei quão mais profundo é o grito


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 82

4


A tua felicidade foi como um sorriso aberto numa manhã de sol,
Raiando sobre a terra numa alegria imensa.
E os teus olhos demoravam o voo das aves e alegravam-se,
Surpresos e meditativos como o olhar dos séculos
Ante o límpido acordar da paisagem.
Porém, rapidamente baixando sobre o brilho da tua alma,
Veio o sonho ajoelhar os teus joelhos,
A sombra do teu destino duro,
Da tua nudez pesada e triste.



Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 81

«Dejadme en este campo llorando.»

F.G.Lorca

estrelas húmidas

4


Tomar nas minhas mãos o sopro suave
Que aflora à tua boca.
Levá-lo aos meus lábios e beijá-lo
Como quem, timidamente,
Se debruça e escuta
o fluir do orvalho
Sobre as flores da aurora.



Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 75

ANOITECENDO, A VIDA RECOMEÇA

(1942)


«Haveis de voltar, eu sei, deuses tutelares da adolescência;
-Quantos e quantos corações bateram,
Por ti, Justiça
Por ti, Direito,
Por ti, retórica da liberdade plena,
Por ti, cadáver de vermes exaltados;
Vozes enganadoras, vozes que ninguém esquece,
Vozes de animais, se eles um dia falassem,
Vozes de revolta, não compreendidas por aqueles que as proferem,
Vozes de hálito bafiento, de lirismo doce,
Vozes de um futuro condenado à morte,
Para que se cumpra a Tua palavra, Senhor!,
Para que sejam os mortos a enterrar os mortos.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 69
«E o perdão vinha, não em vozes, não em falas,
Mas em trovoadas, em chuva de sangue, em vermelhos poentes, em
                                                                                   [ clamores famintos.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 69

«Vivo eu estava e não dormia,
Ou sonhava, ou pensava, rememorando os tempos idos.»

Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 69

«E eu procurava arrancar de mim aquela máscara
Que em mim polarizava o desespero;
Era falso o tormento, a alma que eu sentia
Não me pertencia.
E eu disfarçava aquele momento,
Falando de mim mesmo a alguém que, ausente,
Abria sobre mim as represas da angústia.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 67


«Serão minhas:
Minhas a dor e o amor que em mim se esconde.
Então regressarei »


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 63

«É ainda a dor esmagada que vos prende
Que em nós torna saudável a loucura.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 61

«É por isso que não sonhamos com nada, e a culpa não é tua nem minha; somos mal nascidos e pronto.»


Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 54
«Fak diz que tens razão, ele tem sempre razão, tu tens sempre razão. Deve ser por falares pouco e esconderes os teus segredos. Assim, é natural que não te enganes muito.»



Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 52/3

''A noite soprou sobre ele, soprou suavemente...»

FAULKNER


«CHARLES
Não me deixes pensar.

CÉCILE
Pára de pensar e responde-me.

CHARLES
Ou se fala, ou se pensa. Não se pode fazer tudo ao mesmo tempo.»



Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 47

«CÉCILE
Pára de dormir e responde-me primeiro.

CHARLES
Não estou a dormir.

CÉCILE
Estás sempre a dormir quando te faço uma pergunta.

CHARLES
Não; estou a pensar na resposta.»


Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 46

«Cheiras tanto a dinheiro que até me vêm as lágrimas aos olhos. Porque te queres matar?»


Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 30

«O caso é que já não tenho idade, nem vontade, de recomeçar, refazer a minha vida.»


Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 27

«CHARLES
Então, que vieste aqui fazer?

KOCH
Vim morrer. Estou aqui para morrer.

CHARLES
(baixo) Quem deseja a tua morte?

KOCH
Ninguém. Eu.»


Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 27

quarta-feira, 6 de maio de 2015

The fall dance


1

                                                      Ao Francisco Stilwell

Porque os caminhos são longos
E os carreiros que a eles vão dar são misteriosos,
A razão atraiçoou-nos.
Pensámos que Deus dera o dever de desprezarmos;
A noite sem estrelas cobriu-nos
Enquanto o Senhor se mostrava a cada esquina,
Misterioso como príncipe encantado.

As noivas vendidas abriram a janela,
Com inocência abriram, e entre si ouviram,
O Senhor das almas,
Mas nós, que no leito vivíamos a sordidez da imagem,
Em sobressalto orámos;
Então o raiar da aurora descobriu-nos a nudez do corpo,
E uma outra espécie de anjos se acolheu  aos nossos braços.

É esta a minha verdade.
E a Verdade aparecerá sem ser sentida
Quando cairmos humilhados.

E aqueles que baptizados, ainda suplicam
Serão longamente atormentados
Até que Deus acabe de falar aos esquecidos
E os erga com ternura ao seu Amor!

Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 59

«Bebei os soluços, »


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 55

«Faz-me sofrer por não saber dar mais.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 55

«Toda a minha tristeza é feita de carícias.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 55


«Mas tu não ouves...
Só tu sobrevives e rasgas no abismo
Os véus castos do sonho!»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 54

«À proa, assinalando o meu desejo,
Perigoso no aspecto,
Passeavas, Irmão a quem, um dia,
Raptaram sem deixares de estar presente
A doçura imperturbada.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 53

«Fechados os caminhos,
Ficamo-nos olhando, indiferentes
Ao túmulo verde,
Pesado até nas flores mais belas,
Silencioso sobre águas dormentes.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 53

«Aqui começa o reino de Cham:
Florestas e desertos, aragens assassinas
E uma humanidade que se desloca desde o nascer do mundo
Com os mesmos gestos, iguais farsas,
A mesma preguiça pensativa, a mesma despreocupação
E uma alegria feita de sorrisos imperceptíveis;
Tal como sacerdotes que, uma vez sacrificada a vítima,
Monologam com Deus num cântico cerrado, feito mais de sons que de palavras,
E depois repousam sob o céu estrelado
Num grande sono de paz e de assombrado recolhimento;
Tal como as árvores da floresta em perpétuo movimento.
Oh!, ninguém sabe o drama que vai lá por dentro:
Somente a verdura se espalha em largas superfícies
Ondulantes, aveludadas, existentes;
Tal como animais que, refeitos no pasto diário,
Se dirigem ao rio mais próximo.
E aí, bebia a água, levantam o olhar límpido
E aspiram os perfumes da noite
Com a candura de gente surpreendida pelo inevitável
E ainda duvidosa de que o maravilhoso possa descer sobre os seus crimes
Como noite estrelada,
Tal como tu, terra sagrada e nua, e secreta,
Couraçada de desertos e florestas,
De rios e pântanos: nevoeiros frios
Sobre a cálida terra genesíaca.
Tuas estradas estão juncadas de cadáveres:
São mesmo os cadáveres que indicam as estradas
Onde o homem passou sem se encontrar.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 52

«E o pão não se azedava nas entranhas.»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 51

amurada

POEMAS DA VIAGEM


I

Abro o meu diário de viagem:
«Há cinco anos» - dizia - «há cinco anos...»
-Ah!, quanto o coração e as mãos me tremem -
«Há cinco anos» - diria - «há cinco anos...
Eu viajava».

E eu escuto a ver se as páginas me falam.

Como sonho noutros mundos vida,
Renasce a ilusão e trémulo sinto
Todo aquele abandono e branda aragem
Da partida.

Doce e amarga vida -
Ó navio da aventura!
No livro abrem-se abismos de um segredo
Que eu canto de pé, de olhos em frente.

Há cinco anos seria de alma alevantada.

«Acima, acima gajeiro,
Capitão das águas idas;
Vê se vez o mar inteiro
De lágrimas...
Perdidas...»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 48

Uma angústia suave nas almas nostálgicas.


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 46

«Não sejas a morte,
Sê ainda amor!»

Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p.43

« - O tempo, era o dos lírios - .»


Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa  Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p.40

Nós Não Somos Deste Mundo

1941

terça-feira, 5 de maio de 2015

Perto dele, pássaros levantam vôo ruidosamente.

Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 21

DREAMING OF YOU


"De súbito
como do alto do estio
nós estamos no aqui.
Cada coisa que vemos é feliz
e nós somos o seu silêncio
ou o seu nome.
O clamor tornou-se voz
e o silêncio claro
equivalente a um fundo azul liso.
Luz lúcida
excepcional
sobre as errantes raízes
lenta portadora de uma água visível."
-"Horizonte a Ocidente"
- António Ramos Rosa

segunda-feira, 4 de maio de 2015


desejo de matar

«Não tenho vontade de arriscar a pele por causa dos seus caprichos.»


Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia.
''Pára. Precisa de se orientar.
De repente olha a seus pés.
Os pés desapareceram.''

VICTOR HUGO

''Veio-me à ideia o fim de toda a carne.''

GÉNESIS
I would like to see the shade and tree
where I can rest my head.

Burning Spear

Na solidão dos campos de algodão, 1987

gratuitidades cosmopolitas

''Captar a variação existente entre cinismo e afectividade, perceber qual é o seu jogo de proporções. Não há nada mais cínico do que os filmes sentimentais; eu prefiro o cinismo manifesto.»

Bernard-Marie Koltès

solilóquio La nuit avant les forêts

A bondade absoluta não existe

«A bondade absoluta não existe, a não ser em algumas criaturas tão excepcionais que não contam para efeitos estatísticos. As relações que os seres humanos vão estabelecendo uns com os outros estão impregnadas da ideologia mortal deste tempo: são cínicas, mas não dispensam, sobretudo nos que ainda não estão de todo desesperados (por razões de sorte ou de fortuna), uns toques de afectividade.»

Bernard-Marie Koltès

Aparição fulminante

“Doublefaced No. 58” by Sebastian Bieniek 30.04.2014.From the serial of photographs “Doublefaced”.


A NOITE QUE ME TRESPASSA O CORAÇÃO
"Meu irmão, tu nada sabes da noite,
nada sabes deste tormento que inteiramente me prostrou,
do mesmo modo que a poesia, que transportou a minha alma,
nada sabes destes mil crepúsculos mil espelhos,
que me hão-de precipitar no abismo.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
que eu tive de vadear como o rio,
cujas almas foram há muito estranguladas pelos mares,
e nada sabes da fórmula de esconjuro
que a nossa Lua me abriu entre os ramos secos
como um fruto da Primavera.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
que me impeliu através das sepulturas do meu pai,
que me impeliu através de florestas maiores do a Terra,
que me ensinou a ver nascer e pôr o Sol
nas trevas doentes do meu trabalho diário."

Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno.
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