quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Para que venham

Uma vela, mais não. A sua luz ténue
é mais adequada, mais brando te assombras
quando vierem do Amor, quando vierem as Sombras.

Uma vela, mais não. Para não ter hoje à noite
a alcova grande iluminação. Dentro do enleio inteiro
e da sugestão, e com a pouca luz -
assim no enleio hei-de ter visões
para que venham do Amor, para que venham as Sombras.


Konstandinos Kavafis
in Poemas e Prosas
Relógio d´Água, 1994
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães
e Nikos Pratsinis

Teatro de Sídon (400 d.C.)

Filho de cidadão íntegro - sobretudo, formoso
adolescente de teatro, apreciado de vários modos,
às vezes componho em língua grega
versos assaz audaciosos, que faço circular
muito às escondidas, claro - deuses! para que não os vejam
os vestidos de pardo, os parlantes de moral -
versos do prazer excelente, encaminhado
para amor estéril e desaprovado.


Konstandinos Kavafis
in Poemas e Prosas
Relógio d´Água, 1994
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães
e Nikos Pratsinis

terça-feira, 13 de outubro de 2009


«Um tão inexplicável excesso de mágoa absurda, uma dor tão desolada, tão órfã, tão/metafisicamente/minha, (...)»

Fernando Pessoa
«O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar. Viver a vida decorrentemente, exteriormente, como um gato ou um cão - assim fazem os homens gerais, e assim se deve viver a vida para que possa contar a satisfação do gato e do cão.


Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é compor. Se os homens soubessem meditar no mistério da vida, se soubessem sentir as mil complexidades que espiam a alma em cada pormenor da acção, não agiriam nunca, não viveriam até. Matar-se-iam de assustados, como os que se suicidam para não ser guilhotinados no dia seguinte.»

Fernando Pessoa
in Livro do Desassossego, 1ª parte
Livros de bolso europa-améria

Penumbra



É com saudade que te (re)lembro ó mestre!

Tantas foram as manhãs de sol, a voz, o acorde dessas aprendizagens que não tinham fim, mesmo quando, terminava o tempo de aula no anfiteatro.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

«Não sei o que quero ou o que não quero. Deixei de saber querer, de saber como se quer, de saber as emoções ou os pensamentos com que ordinariamente se conhece que estamos querendo, ou querendo querer. Não sei quem sou ou o que sou. Como alguém soterrado sob um muro que se desmoronasse, jazo sob a vacuidade tombada do universo inteiro. E assim, vou, na esteira de mim mesmo, até que a noite entre e um pouco do afago de ser diferente ondule, como uma brisa, pelo começo da minha impaciência de mim.

Ah, e a lua alta e maior destas noites plácidas, mornas de angústia e desassossego! A paz sinistra da beleza celeste, ironia fria do ar quente, azul negro enevoado de luar e tímido de estrelas.»

Fernando Pessoa
in Livro do Desassossego 1ª parte
Livros de bolso europa américa

Antes de Começar*

O BONECO - Já por várias vezes fomos os dois juntos dentro da mesma algibeira!...
A BONECA - É verdade!...Nesse tempo não sabia que tu eras como eu...
O BONECO - É verdade!...nem eu!...e podíamos ter falado tanto, dentro da algibeira!...Fartei-
me de puxar por ti!...
A BONECA - Eu não sabia que eras tu!
O BONECO - Era eu!
A BONECA - Porque não me disseste ao ouvido?
O BONECO - Eu não sabia que tu ouvias!
A BONECA - Pois ouvia!
O BONECO - E tu nunca te aborrecias de estar sempre na posição em que o Homem te tinha dei-
xado?
A BONECA - Punha-me a pensar...Pensei muito! Pus por ordem todas as coisas que aconteceram
comigo...Sei tudo de cor...
O BONECO - Conta, conta o que sabes!...
A BONECA - Só há uma coisa que eu não sei e que também aconteceu comigo...
O BONECO - O que foi?
A BONECA - Não sei explicar a razão por que são tão pequenas as pessoas que vêm todas as
noites ver o espectáculo!...
O BONECO - (Ri.) São assim tão pequenas porque ainda não chegaram a grandes...As pessoas pequenas chamam-se crianças.
A BONECA - Isso não sabia eu...Era a única coisa que eu não tinha sido capaz de compreender!...Via umas pessoas maiores e outras mais pequenas, e não sabia a razão.
O BONECO - Ah! Ah! Ah!
A BONECA - Naturalmente estás-me a enganar?...
O BONECO - Não te estou a enganar, não...estou a rir-me do que terás para contar se não sabias
que as pessoas antes de serem grandes começam por ser pequeninas!...(Ri.)

Almada Negreiros
in Antes de Começar
Colecção Baratinha, Raiz Editora, 1995

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Conto

Aborrecia-se um Príncipe porque apenas se dedicara ao aperfeiçoamento das
generosidades vulgares. Do amor, ele esperava espantosas revoluções, e suspei-
tava de que as suas mulheres podiam dar-lhe mais do que uma complacência
coroada de céu e luxo. Queria ver a verdade, a hora do desejo e da satisfação
essenciais. Fosse ou não fosse, isto, uma aberração mística, ele assim o quis.
Dispunha, pelo menos, de largos poderes humanos.

Todas as mulheres que possuíra foram assassinadas. Que estrago no jardim da
beleza! Sob o sabre, elas abençoaram-no. Não encomendou novas mulheres. - As
mulheres reapareceram.

Matou todos aqueles que o seguiam quando vinha da caça ou das libações . -
Todos o seguiam.

Divertiu-se a degolar animais raros. Mandava incendiar os palácios. Precipi-
tava-se sobre as pessoas e cortava-as às postas. - A multidão, os tectos de ouro,
os belos animais subsistiam.

Podemos extasiar-nos na destruição, rejuvenescer na crueldade! O povo não
murmurou. Ninguém ofereceu o concurso de uma opinião.

Uma noite, galopava ele altivamente, saiu-lhe ao caminho um Génio de uma
beleza inefável, inconfessável, até!Da sua fisionomia e do seu porte nascia a
promessa de um amor complexo e múltiplo, de uma felicidade inexprimível,
insuportável, até! O Príncipe e o Génio aniquilaram-se provavelmente na saú-
de primordial. Como poderiam ter sobrevivido? Juntos, tiveram de morrer.

Mas o Príncipe faleceu no seu palácio, muitos anos depois. O Príncipe era o
Génio. O Génio era o Príncipe.

Falta ao nosso desejo música sábia.

Jean-Arthur Rimbaud
in Iluminações
Estúdios Cor

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ce grand malheur, de ne pouvoir être seul. (La Bruyère)

O que poderia o teu sorriso impor-me
que a Noite me não desse, ela que aqui quase com

[começo tímido na minha face

começa e acaba - onde? onde? Em ti eu cessaria;
mas assim esforço o coração, corro torrencial, e nunca
o espaço tem bastante.

[ Paris, Março de 1913.] (392)

Rainer Maria Rilke
in Esboços, Fragmentos e Primeiras
Versões das Elegias de Duíno
Editorial Inova Limitada


terça-feira, 22 de setembro de 2009

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Frases

Quando o mundo estiver reduzido a
um só bosque negro para os nossos quatro
olhos espantados - a uma praia para duas
crianças fiéis - a uma casa musical para
a nossa clara simpatia - encontrar-vos-ei.

Quando só haja aqui um velho solitário,
belo e calmo, rodeado de um «luxo
inaudito» - a vossos pés estarei.

Quando eu assumir a vossa ânsia
toda - seja eu aquela que vos estran-
gula - e estrangular-vos-ei.

------

Quando somos muito fortes - quem
foge?muito alegres - quem cai no ridí-
culo? Quando somos muito maus, que
fariam de nós?

Alindai-vos, dançai, desatai a rir.- Eu
nunca poderia atirar o Amor pela janela.

(...)

Jean-Arthur Rimbaud
in Iluminações
Estúdios Cor
Tradução Mário Cesariny

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

18

Água apressada que corre - sem memória -,
que a terra distraída bebe,
duvida, só por um instante, na minha mão vazia,
lembra-te!

Claro e rápido amor, indiferença,
quase ausência que corre,
entre teu excesso de ficar e de partir,
tem arrepios de permanência.

Rainer Maria Rilke
in Frutos e Apontamentos
Relógio D´Água, 1996

Jardim da ESTRELA

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

(a influência da poesia sobre a nossa vida interior)

"Ela pode nos tornar de tempos em tempos mais conscientes dos sentimentos profundos e anónimos que constituem o substrato de nosso ser no qual penetramos raramente, porque nossas vidas são sobretudo, uma evasão constante de nós mesmos."

Thomas Stearns Eliot

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A Máscara

«Tira essa máscara de ouro ardente
E olhos de esmeralda.»
«Oh não, meu amor, atreves-te demasiado
A ver se um coração é selvagem e sábio,
Sem ser frio.»

«Só quero ver o que houver para ver,
O amor ou o engano.»
«Foi a máscara o que ocupou a tua mente,
E fez bater o teu coração,
Não o que está por detrás.»

«Mas a não ser que sejas minha inimiga
Devo inquirir.»
«Oh não, meu amor, deixa tudo ser como é;
Que importa, se entretanto houver fogo
Em ti e em mim?»

W. B. Yeats
in Uma Antologia
Assírio & Alvim, 1996

Princípios de Novembro de 1910

«Mas esquecer não é a palavra que convém aqui...A memória deste homem não sofreu mais do que a sua força de imaginação. Quanto a remover montanhas, nem a sua memória nem a sua imaginação o podem; este homem, é necessário reconhecê-lo, mantém-se fora do nosso povo, fora da nossa humanidade, não cessa de ser esfomeado, só o instante lhe pertence, o instante ininterrupto da calamidade, instante que não é seguido de nenhuma faísca, de nenhum momento de reconforto;há apenas sempre uma mesma coisa: as suas dores, mas no mundo inteiro nenhuma outra coisa que se possa fazer passar por remédio, não há mais solo do que aquele que podem cobrir as suas mãos, tem portanto menos do que o trapezista do Music- Hall, para o qual se tomou o cuidado de estender uma rede acima do solo».

Franz Kafka
in Antologias De Páginas Íntimas
Guimarães Editores

sábado, 12 de setembro de 2009

Depeche Mode - Personal Jesus

O meu olhar escurece sempre que fechas a porta,
a mais sombria partida que o meu coração não aguenta.
Desço o Oriente até encontrar o poente do sol nos teus olhos,
bordo a febre que me habita o coração, perco os dias só neste cansaço.

[ A minha mão que escreve começou a tremer há dias...]

Descrente e enforcado no meu corpo doente,
tornei-me poeta sonâmbulo, e, aqui tenho notado que já não espero alento.
Tudo o que me rodeia entristece o meu peito, e o revólver que aperto entre os dedos
é um desassossego dentro do meu monólogo de acesos tambores


espero...

por uma certa quantidade de atrito.

Ocupo-me com o absurdo das horas vagas.
Não mudo o braço direito para o meu lado esquerdo
onde o chá de barbas de milho arrefece ao pé da lareira
quase apagada - e, diz-me quem sabe, que o tempo
é uma aragem: passa e só tardiamente damos conta que passou.

Acendo o cigarro que se alimenta do fumo dessas comédias dos mortos vivos.
Oiço no café, as explosões da segunda guerra mundial, cristalizada nos olhos dentados de vazio -
negrume aflição - e, são tantas as estátuas de mármore sentadas à espera de movimento;

por dentro, quem sabe o que choram, o que dizem,
o que gritam? Sabê-lo arruinaria a minha alma cansada de aspirar cansaço...

Deito-me na nuvem da noite e finjo encontrar a luz saciada de lugares.

No estreito desfiladeiro, analiso os homens miseráveis até ao fundo
e, por isso, a minha mão que escreve começou a tremer há dias...

caiu o lenço que conhecia a lágrima de esperança.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

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