O BONECO - Já por várias vezes fomos os dois juntos dentro da mesma algibeira!...
A BONECA - É verdade!...Nesse tempo não sabia que tu eras como eu...
O BONECO - É verdade!...nem eu!...e podíamos ter falado tanto, dentro da algibeira!...Fartei-
me de puxar por ti!...
A BONECA - Eu não sabia que eras tu!
O BONECO - Era eu!
A BONECA - Porque não me disseste ao ouvido?
O BONECO - Eu não sabia que tu ouvias!
A BONECA - Pois ouvia!
O BONECO - E tu nunca te aborrecias de estar sempre na posição em que o Homem te tinha dei-
xado?
A BONECA - Punha-me a pensar...Pensei muito! Pus por ordem todas as coisas que aconteceram
comigo...Sei tudo de cor...
O BONECO - Conta, conta o que sabes!...
A BONECA - Só há uma coisa que eu não sei e que também aconteceu comigo...
O BONECO - O que foi?
A BONECA - Não sei explicar a razão por que são tão pequenas as pessoas que vêm todas as
noites ver o espectáculo!...
O BONECO - (Ri.) São assim tão pequenas porque ainda não chegaram a grandes...As pessoas pequenas chamam-se crianças.
A BONECA - Isso não sabia eu...Era a única coisa que eu não tinha sido capaz de compreender!...Via umas pessoas maiores e outras mais pequenas, e não sabia a razão.
O BONECO - Ah! Ah! Ah!
A BONECA - Naturalmente estás-me a enganar?...
O BONECO - Não te estou a enganar, não...estou a rir-me do que terás para contar se não sabias
que as pessoas antes de serem grandes começam por ser pequeninas!...(Ri.)
Almada Negreiros
in Antes de Começar
Colecção Baratinha, Raiz Editora, 1995
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