sábado, 15 de janeiro de 2011


94
Mas um velho, de aspecto venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
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- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
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- "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!

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- "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?

 
Luís Vaz de Camões .Os Lusíadas, Canto IV, 94-97
«Matavam e matavam-se, sem respeitar a sua vida nem a dos outros. Amavam e desprezavam, com a mesma prodigalidade desdenhosa, a vida e a morte.»



Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 20
«Diz-se que o Sol por vezes pára no caminho para ouvir cantar uma rapariga.»


Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 20

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

«Perguntamo-nos se a criança tem necessidade de evasão como as criaturas de idade e batidas pelo uniforme pesadume das coisas. Por minha parte quero crer que o mundo gravita em sonho e em mistério. Cada partícula da vida encerra um conto de fadas. Não é preciso inventá-las. Os brinquedos de Nuremberga são de resto tanto mais apreciados pelos meninos quanto melhor reproduzem o real; ursos de feltro, cavalos de pau, pintainhos de lata que andam e vão bicando um imaginável grão de painço.»
 
 
 
 
Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 174/5

Sobre o sector da vida literária

« - Estou pouco ao corrente do que se passa neste sector da vida literária. Mas a avaliar pelas montras dos livreiros e pelos anúncios, temos messe grada. Suponho que há duas ilusões a considerar às espaldas desta actividade: que seja rendosa e que seja tarefa fácil


Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 171
«Os contos de fadas, a meu ver, representam um perigo, neste nosso mundo de hoje, tão realista. Prefiro predispor as crianças para a vida da luta que para o sonho e a idealidade abstracta, sem ramo em que a ave azul ponha o pé.»



Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 171




*Acho que uma mulher deve acalentar ser mãe, tomando para si, primeiro, estes ensinamentos da vida. Conhecer o seu sangue, antes de o fazer germinar em corpo que não se torna árvore, ou sequer, animal consciente.

Quando escreve para crianças, tem a preocupação da idade delas?

« (...) Se escrevêssemos apenas as palavras que a criança emprega e de que sabe o significado, medíocre seria o nosso modo de expressão. A leitura duma página é um aprendizado. A criança vai-se recreando e aprendendo. Uma palavra que ignora, desde que pertença, bem entendido, ao nosso glossário quotidiano, é um obstáculo que vence penetrando-lhe o sentido por intuição natural.»


Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 169

melífluo

'diz-se da voz, do gesto, da atitude de doçura de quem pretende insinuar-se'
« (...) O podre sendeiro estava escondido num giestal, a arfar, coberto de sangue, dizendo cobras e lagartos da sua má sorte.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 140/1
« - Ouça o conselho duma tola e aceite se bem achar. A água não é muita; são duas odradas, se tanto. Se nós a bebêssemos?! Tirávamos, depois, o queijo a seco...


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 136

« - Então isso é que é a peste, sua grande saca de mentiras?
   -Foi um anjo que me viu a morrer e me trouxe esta hostiazinha...
   -Também quero...
   -Se tens o coração puro, come...Mas vê lá!
   A Patifina pôs-se, sem vergonha, a manducar e, enquanto enchia o fole, reparou nos montes de ossos que havia pelos cantos, ossos velhos, brancos como a cal, ossos ainda vermelhos de sangue, ossos mal esburgados, tantos que parecia haver ali a indústria de cabos de faca e canivete. (...)»


 
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 131/2
Uma grécia secreta dorme em cada coração
na noite que precede a inevitável manhã


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 83

To Helena

Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais corrente
A vida enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de se ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 75/6
Mãos humanas aqui matam a morte


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 70

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

«Estou desesperado como um rato, torturado por dores de cabeça e insónia; a maneira como passo os meus dias ultrapassa qualquer descrição. »


Franz Kafka

A metamorfose

Entende-se no enredo kafkiano, a metamorfose, não como uma transformação de ordem física ou metáfora de estados do ser, mas, sim, como uma representação de uma situação limite que coloca o corpo social sujeito à desumanização, aniquilamento, um desaparecimento bárbaro, que também no limite, retrata a família numa face trágica e desoladora. 

A necessidade de um quarto.

Nas suas cartas a Felice, Kafka, falava da sua absoluta necessidade do silêncio para o exercício da escrita; o de fechar-se no seu quarto, pela altas horas da madrugada, quando já não se ouvem numa casa habitada por pessoas, os barulhos monótomos e comuns, sendo que, à medida que a noite avança eles diminuem até se apagarem totalmente no silêncio.
Por instantes sou eu ninguém morreu aqui
 
 
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 32

Súplica

O outono demora-se no mundo
A juventude há muito despediu
a primavera da primeira ave
Respiro as lágrimas das raparigas
recordo-me do seu odor nocturno
Escuto o movimento lento da ramada
esqueci a escada habitual do dia-a-dia
a cortina da chuva corre-se de novo
Nesta manhã de outono alviões da vida
murmuram-nos mulheres minuciosas
O ombro da colina ergue o nevoeiro
na madrugada não cantaram os melros
A areia bebe cheia a chuva enquanto
nós infinitamente nos distanciamos
de quanto - diz a santa - desejamos
Aonde está a mãe da minha infância?
Talvez com ela tudo começasse
É nos fins do verão alguém morreu
foi-se a ferocidade das cigarras
no caminho das tílias percorridas
Deixo cair as mãos pois nem sempre me restam essas
aves do mar que a tempestade impele
em tempo de equinócio para a costa
É o cabo do mundo é o fim do ano
a era perfeita da culpabilidade
Respiro já os meus últimos dias
Sobre este céu nenhuma ave adeja
Que a terra humedecida me proteja



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 27

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Não comia a eito as espigas

«Não comia a eito as espigas, não; apenas aquelas que mais gradas se mostrassem; também não as comia vestidas como se vêem na haste, mas depois de as descamisar, operação em que era mais hábil e mais ligeira que as raparigas nas esfolhadas. E voltava sempre a lamber o beiço, que gostoso para ela como o milho em verde nem ginjas, uvas maduras, ou passas caídas ao chão das cerejeiras.»



Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 120
«-Ora lá vem esta minha princesa com as suas birras. Sempre queria saber que mal lhe fiz eu?
-A mim, nenhum; mas o traste que você é, sabe-o este mundo e o outro.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 114

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

«Entardecia. O sol tombava por trás dos cabeços, e era como rosa amarela a emurchecer depois duma batalha de flores.



Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 97

Se queres, ensino-te...

«-Ná, ná, que vossemecê faz-me alguma das suas...
-Ó filho, varre-me tão negras ideias do entendimento. Não faço mal a uma mosca. Tomara eu que me deixassem!


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 95
«Mas não há bem que sempre dure e tristemente acabou aquela fartura de sangue morno e carne fresca a palpitar.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 88

VI

«Estava a romper o dia. A névoa que pousava sobre a ribeira esfarrapava-se, e pela planície iam flutuando fiapos, brancos e mansos como gansos a voejar à flor dum lago. Já se ouvia o canto madrugador da cotovia, mas no céu, para bandas do Norte, faiscava ainda a estrela da manhã, como dália de oiro num açafate de prata.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 77

“Numa mão sempre a espada e noutra a pena”

"a Arte é longa, o Tempo é curto."

Charles Baudelaire
Doente o espírito que carrega a escuridão da seara
"O tédio", escreve Benjamin, "é o lado externo dos acontecimentos inconscientes''.


Walter Benjamin. ''O Tédio, Eterno retorno". Passagens. Op. cit.: 146.

"antes a barbárie que o tédio"

Gautier
«Ao escrever, mato-me e mato.»


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
«Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me.»


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
«Mas, ao escrever, dou à terra, que para mim é tudo, um pouco do que é da terra. Nesse sentido, escrever é para mim morrer um pouco, antecipar um regresso definitivo à terra.»


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19

Je brûle avec mon âme et mon sang rougissant

Je brûle avec mon âme et mon sang rougissant
Cent amoureux sonnets donnés pour mon martyre,
Si peu de mes langueurs qu'il m'est permis d'écrire
Soupirant un Hécate, et mon mal gémissant.

Pour ces justes raisons, j'ai observé les cent :
A moins de cent taureaux on ne fait cesser l'ire
De Diane en courroux, et Diane retire
Cent ans hors de l'enfer les corps sans monument.

Mais quoi ? puis-je connaître au creux de mes hosties,
A leurs boyaux fumants, à leurs rouges parties
Ou l'ire, ou la pitié de ma divinité ?

Ma vie est à sa vie, et mon âme à la sienne,
Mon coeur souffre en son coeur. La Tauroscytienne
Eût son désir de sang de mon sang contenté.

Théodore Agrippa d' Aubigné

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A l'éclair violent de ta face divine

A l'éclair violent de ta face divine,
N'étant qu'homme mortel, ta céleste beauté
Me fit goûter la mort, la mort et la ruine
Pour de nouveau venir à l'immortalité.

Ton feu divin brûla mon essence mortelle,
Ton céleste m'éprit et me ravit aux Cieux,
Ton âme était divine et la mienne fut telle :
Déesse, tu me mis au rang des autres dieux.

Ma bouche osa toucher la bouche cramoisie
Pour cueillir, sans la mort, l'immortelle beauté,
J'ai vécu de nectar, j'ai sucé l'ambroisie,
Savourant le plus doux de la divinité.

Aux yeux des Dieux jaloux, remplis de frénésie,
J'ai des autels fumants comme les autres dieux,
Et pour moi, Dieu secret, rougit la jalousie
Quand mon astre inconnu a déguisé les Cieux.

Même un Dieu contrefait, refusé de la bouche,
Venge à coups de marteaux son impuissant courroux,
Tandis que j'ai cueilli le baiser et la couche
Et le cinquième fruit du nectar le plus doux.

Ces humains aveuglés envieux me font guerre,
Dressant contre le ciel l'échelle, ils ont monté,
Mais de mon paradis je méprise leur terre
Et le ciel ne m'est rien au prix de ta beauté.


Théodore Agrippa d' Aubigné

Vous qui avez écrit qu'il n'y a plus en terre

Vous qui avez écrit qu'il n'y a plus en terre
De nymphe porte-flèche errante par les bois,
De Diane chassante, ainsi comme autrefois
Elle avait fait aux cerfs une ordinaire guerre,

Voyez qui tient l'épieu ou échauffe l'enferre ?
Mon aveugle fureur, voyez qui sont ces doigts
D'albâtre ensanglantés, marquez bien le carquois,
L'arc et le dard meurtrier, et le coup qui m'atterre,

Ce maintien chaste et brave, un cheminer accort.
Vous diriez à son pas, à sa suite, à son port,
A la face, à l'habit, au croissant qu'elle porte,

A son oeil qui domptant est toujours indompté,
A sa beauté sévère, à sa douce beauté,
Que Diane me tue et qu'elle n'est pas morte.


Théodore Agrippa d' Aubigné

Les princes n'ont point d'yeux pour voir ces grand's merveilles,
Leurs mains ne servent plus qu' à nous persécuter . . .


(Agrippa D' Aubigné: À Dieu)
«Mas agora, sob as torturas da sede, até as próprias recordações lhe pesavam.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 60
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