When I do interviews people ask me about music, music, music, music, music.
And I say no, no, no, no. Music is second; The Human Being is first.
Wayne Shorte
sábado, 20 de agosto de 2016
hoje é um dia tremendo na força das margens
um dia cheio de lama e de pedras nos bolsos
um dia de ver os órgãos na montra do talho
é um dia feito de garrotes para conter a luz
os pássaros trocaram o canto pela trovoada
a brisa anuncia-se num ranger de dentes
transformaram o horizonte num desfiladeiro
um abismo perpétuo onde morrem a luz e a voz
hoje é um dia ao contrário do solstício
um parede de ferro onde desaguamos em carne
não se pode viver num dia assim não se pode morrer
não é habitável não tem relação com o sangue
é uma verruga no lábio por cima do beijo
um escarro de física imprevisível regressando
um dia como a casa em ruínas onde dormem crianças
Valério Romão
um dia cheio de lama e de pedras nos bolsos
um dia de ver os órgãos na montra do talho
é um dia feito de garrotes para conter a luz
os pássaros trocaram o canto pela trovoada
a brisa anuncia-se num ranger de dentes
transformaram o horizonte num desfiladeiro
um abismo perpétuo onde morrem a luz e a voz
hoje é um dia ao contrário do solstício
um parede de ferro onde desaguamos em carne
não se pode viver num dia assim não se pode morrer
não é habitável não tem relação com o sangue
é uma verruga no lábio por cima do beijo
um escarro de física imprevisível regressando
um dia como a casa em ruínas onde dormem crianças
Valério Romão
domingo, 14 de agosto de 2016
''cheiro de envelhecer as mortes''
Carlos Nejar. A Idade da Eternidade. Poesia Reunida. Escritores dos Países de Língua Portuguesa. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001., p. 62
«Amor, se é verde, dói.»
Carlos Nejar. A Idade da Eternidade. Poesia Reunida. Escritores dos Países de Língua Portuguesa. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001., p. 62
«O que é a palavra, antes de envelhecer o vento.»
Carlos Nejar. A Idade da Eternidade. Poesia Reunida. Escritores dos Países de Língua Portuguesa. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001., p. 61
Por tua culpa, amor
Jofre Rocha in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 116
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«Trazias tanto mar na pele dos dedos»
Manuel Rui in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 113
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Sempre mar
para a Antonieta
Mar vezes quando o sol nos enche os olhos
e nos promete mais vezes no olhar
fecham-se os olhos no rolar do tempo
de ver andar o antes e o depois
numa miragem que se chama mar
Mar prometendo mais vezes de vermelho
luz transformada num redondo
esquivo
um sol de devagar como descendo
da guerra sem estrondo
na lúcida mutação
de sempre mar.
E a tarde é todo um fim
um beijo tão molhado despenteado
como uma boca a tua boca à beira-
-mar depois das ondas e diferente
princípio de um começo como a noite
antes de o sol se adormecer aquático
formam-se linhas como os pensamentos
linhas carícias que nos fazem ver
que entre os passos da areia e os nossos movimentos
há sempre um pôr-do-sol
de um sol para nascer.
(1977)
Cinco vezes onze poemas em novembro, 1984
Manuel Rui in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 112
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«Poema que se faz e nunca
feito
poema para amar e nunca
amado»
Manuel Rui in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 108
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« o teu gesto de adeus a perder-se na distância»
João Abel in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 92
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«Não existe traição alguma que mereça um verso»
Costa Andrade in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 80
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«Olhámo-nos como se nunca despertados
pressagiando corvos à distância.»
Costa Andrade in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 79
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Talvez fossem homens bons os que caíram
mas cumpriam estranhamente o crime
de assassinar a pátria alheia que pisavam.
Poesia com armas, 1975
Costa Andrade in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 79
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Atrás de ti sem te falar
só a querer-te.
M. António in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 69
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(Sou todo uma ilha de suor e sal...)
António Cardoso in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 63
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sábado, 13 de agosto de 2016
''morte industrial''
Jean-Paul Sartre. Os Sequestrados de Altona. Livros de bolso Europa-América. p., 15
Criar
Criar criar
criar no espírito no músculo criar no nervo
criar no homem criar na massa
criar
criar com os olhos secos
Criar criar
sobre a profanação da floresta
sobre a fortaleza impúdica do chicote
criar sobre o perfume dos troncos serrados
criar
criar com os olhos secos
Criar criar
gargalhadas sobre o escárnio da palmatória
coragem nas pontas das botas do roceiro
força no esfrangalhado das portas violentadas
firmeza no vermelho sangue da insegurança
criar
criar com os olhos secos
Criar criar
estrelas sobre o camartelo guerreiro
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato
paz sobre o ódio
criar
criar paz com os olhos secos.
Criar criar
criar liberdade nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados do amor
sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas simuladas
criar
criar amor com olhos secos.
Sagrada esperança, 1974
Agostinho Neto in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 31
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
ILUSÕES
Recordação da minha terra (ao amigo João Gourgel)
Outrora, quando criança, as ilusões
que conservo qual herança valiosa,
guardava-as no coração de minha mãe
e minh'alma voava rindo, tão vaidosa...
Anos depois, pelas margens do Zaire
nos palmares, sentia a brisa dolente;
ansioso, lhe ouvia seus tristes cantos
e nas meigas relvas ficava dormente.
...........................................................
Mais tarde, as alvoradas eram para mim
ternos idílios, e então já pensava
horas esquecidas e o Zaire correndo,
na carreira, pensamentos me levava...
Um dia, depois vestiram-me um fato novo
e consultei o Zaire com o meu olhar
- «Vão-te levar» - pareceu-me ouvir dizer-te
num sussurro com uma alma a soluçar!
Hoje, depois de tão prolongada ausência
aí repousa a minh'alma sem um abrigo.
Muita vez de minha mãe pergunto ao Zaire.
Soluçando diz: - morreu ... sou teu amigo!
Lourenço do Carmo Ferreira in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 22
Recordação da minha terra (ao amigo João Gourgel)
Outrora, quando criança, as ilusões
que conservo qual herança valiosa,
guardava-as no coração de minha mãe
e minh'alma voava rindo, tão vaidosa...
Anos depois, pelas margens do Zaire
nos palmares, sentia a brisa dolente;
ansioso, lhe ouvia seus tristes cantos
e nas meigas relvas ficava dormente.
...........................................................
Mais tarde, as alvoradas eram para mim
ternos idílios, e então já pensava
horas esquecidas e o Zaire correndo,
na carreira, pensamentos me levava...
Um dia, depois vestiram-me um fato novo
e consultei o Zaire com o meu olhar
- «Vão-te levar» - pareceu-me ouvir dizer-te
num sussurro com uma alma a soluçar!
Hoje, depois de tão prolongada ausência
aí repousa a minh'alma sem um abrigo.
Muita vez de minha mãe pergunto ao Zaire.
Soluçando diz: - morreu ... sou teu amigo!
(Dos «Termos e Idílios»)
Luanda, 28 de Maio de 1900
Luz e Crença. n.º 2, 1903
Lourenço do Carmo Ferreira in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 22
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« o bem-estar imenso do amor satisfeito.»
Lourenço do Carmo Ferreira in 50 Poetas Africanos. Plátano Editora, 1ª Edição, Lisboa., p. 21
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quinta-feira, 11 de agosto de 2016
ASFÓDELO, ESSA FLOR ESVERDEADA
O asfódelo, essa flor esverdeada,
como um ranúnculo amarelo
sobre o seu caule ramificado —
só que verde e lenhoso —
venho, minha bela,
cantar-te.
Vivemos muito tempo juntos
uma vida repleta,
dir-se-ia,
de flores. Tanto que
me alegrei
assim que soube
que também no inferno
havia flores.
Hoje
invade-me a memória esmaecida dessas flores
que ambos amávamos,
inclusive esta pobre
coisa descolorida —
que eu vi
em pequeno —
pouco apreciada entre os vivos
mas que os mortos vêem,
interrogando-se entre si:
Será que recordo algo
cuja forma
fosse a forma desta coisa?
enquanto os nossos olhos se enchem
de lágrimas.
Do amor, do amor duradouro
será reveladora
embora um finíssimo banho carmim
lhe confira cor
tornando-a inteiramente credível.
Tenho algo
algo urgente
a dizer-te
e a ti apenas
embora tenha de esperar
enquanto me deleito
com o gozo da tua chegada,
quiçá pela última vez.
E assim
de coração receoso
vou-me alongando
e continuo a falar
por não me atrever a parar.
Ouve-me enquanto falo
contra o tempo.
Não demorará
muito.
Esqueci
e porém vejo com bastante nitidez
algo
central no céu
que em volta o abrange.
Uma fragrância
que brota!
Uma fragrância agradabilíssima!
Madressilva! E eis
que surge o zumbido de uma abelha!
e toda uma enxurrada
de memórias irmãs!
Só te peço algum tempo,
algum tempo para as recordar
antes de falar com franqueza.
Peço-te algum tempo,
algum tempo.
Em miúdo
tive um livro
ao qual, de vez
em quando,
acrescentava flores espalmadas
até que, daí a algum tempo,
me vi com uma bela colecção.
O asfódelo,
agoirento,
entre elas.
Trago-te,
ressuscitada,
uma memória dessas flores.
Eram perfumadas
quando as espalmava,
conservando
um quê desse seu perfume
por muito tempo.
Trata-se de uma fragrância curiosa,
uma fragrância moral,
a qual me transporta
para junto de ti.
A cor
era a primeira a desaparecer.
Deparara-se-me
um desafio,
o teu querido ser,
mortal como eu,
o pescoço do lírio
diante do colibri!
Uma riqueza infinita,
pensei eu,
estendeu-me os seus braços.
Mil trópicos
numa flor de macieira.
A própria terra generosa
deu-nos de bom grado.
O mundo inteiro
tornou-se o meu jardim!
Mas o mar
que ninguém cultiva
é também um jardim
quando nele incide o sol
despertando
as ondas.
Já o vi
e tu também
a cobrir de vergonha
todas as flores.
Existem ainda a estrela-do-mar
endurecida pelo sol
e demais sargaços
e algas. Era algo que conhecíamos
a par de tudo o mais
pois nascêramos junto do mar,
conhecíamos as suas sebes de rosas
que vinham até à beira da água.
É aí que cresce a malva-rosa
e quando está na época
os morangos
e foi aí que, mais tarde,
fomos apanhar
a ameixa silvestre.
Não posso dizer
que fui ao inferno
pelo teu amor
mas foi lá
que muitas vezes dei por mim
à tua procura.
Não me agrada
e deu-me vontade de
estar no céu. Ouve-me.
Não vires costas.
Aprendi muito ao longo da vida
em livros
e fora deles
sobre o amor.
A morte
não é o seu final.
Há uma hierarquia
que pode ser alcançada,
julgo eu,
ao seu serviço.
A sua recompensa
é uma flor mágica;
um gato de vinte vidas.
Se ninguém o tentasse
o mundo
ficaria a perder.
Tem sido
para ti e para mim
como alguém que observa uma tempestade
a aproximar-se sobre as águas.
Estivemos
ano após ano
diante do espectáculo das nossas vidas
de mão dada.
A tempestade desenvolve-se.
Os relâmpagos
brincam na orla das nuvens.
O céu a norte
está plácido,
resplandece azul
com o adensar-se da tempestade.
É uma flor
que chegará em breve
ao auge do seu florir.
Dançávamos,
em pensamento,
e líamos juntos um livro.
Lembras-te?
Era um livro sério.
E foi assim que os livros
entraram nas nossas vidas.
O mar! O mar!
Sempre
que penso no mar
vem-me à ideia
a Ilíada
e a falta pública de Helena
que a engendrou.
Não fosse isso
e não teria existido
poema e o mundo,
se tivéssemos recordado
aquelas pétalas carmins
derramadas entre pedras,
ter-lhe-ia chamado simplesmente
assassínio.
A orquídea sexual que então floresceu
lançando tantos homens
desinteressados
para o túmulo
deixou a sua memória
a uma raça de loucos
de heróis
se for uma virtude o silêncio.
Só o mar
na sua multiplicidade
encerra alguma esperança.
A tempestade
revelou-se um fracasso
mas sobramos nós
após os pensamentos que ela despertou
para
cimentarmos de novo as nossas vidas.
É a mente
a mente
que há que curar
antes da intervenção
da morte,
e a vontade torna-se novamente
um jardim. O poema
é complexo e o espaço aberto
nas nossas vidas
para o poema.
O silêncio também pode ser complexo,
mas não se vai longe
com o silêncio.
Recomecemos.
É como o inventário
de navios de Homero:
serve para fazer tempo.
Falo através de figuras,
em certa medida, os vestidos
que pões são figuras também,
de outro modo não nos
encontraríamos. Quando falo
de flores
é para lembrar
que em dado momento
fomos novos.
Nem todas as mulheres são Helena,
bem sei,
mas trazem Helena nos seus corações.
Minha bela,
também tu a trazes, e é por isso
que eu te amo
e não poderia amar-te de outro modo.
Imagina que vias
um campo cheio de mulheres
de um branco prateado.
O que haveria a fazer
senão amá-las?
A tempestade rebenta
ou esmorece! não é
o fim do mundo.
O amor é outra coisa,
ou assim pensava eu,
jardim que se expande,
embora eu te tivesse conhecido como mulher
e nunca tenha achado outra coisa,
até ocupar
todo o mar
e todos os seus jardins.
Foi o amor do amor,
o amor que engole tudo o mais,
um amor agradecido,
um amor da natureza, das pessoas,
dos animais,
um amor que gera
a amabilidade e a bondade
que me animou
e que vi em ti.
Eu deveria saber,
embora não soubesse,
que o lírio do vale
é uma flor que adoece muitos
daqueles que a sopram.
Tivemos os nossos filhos,
adversários na chacina geral.
Ponho-os de lado
embora tenha cuidado deles
como qualquer homem cuidaria
dos seus filhos
no meu entender.
Compreendes
que tinha de te encontrar
após o sucedido
e que ainda tenho de te encontrar.
O amor
perante o qual te curvarás
ao meu lado —
uma flor
uma flor fragilíssima
será a nossa aliança
e não que sejamos
demasiado fracos
para agirmos de outro modo
mas porque
do alto das minhas forças
arrisquei aquilo que tinha de fazer,
para assim provar
que nos amamos
enquanto os meus próprios ossos suavam
para que eu não to gritasse
em flagrante.
O asfódelo, essa flor esverdeada,
venho, minha bela,
cantar-te!
O meu coração exalta-se
ao pensar em trazer-te notícia
de algo
que diz respeito a ti
e diz respeito a muitos homens. Repara
no que passa por novidade.
Não o encontrarás aí mas nos
poemas desprezados.
É difícil
obter notícias dos poemas
embora os homens morram miseravelmente todos os dias
à falta
do que aí se encontra.
Ouve-me
pois também a mim diz respeito
bem como a qualquer homem
que deseje morrer em paz na sua cama
de resto.
como um ranúnculo amarelo
sobre o seu caule ramificado —
só que verde e lenhoso —
venho, minha bela,
cantar-te.
Vivemos muito tempo juntos
uma vida repleta,
dir-se-ia,
de flores. Tanto que
me alegrei
assim que soube
que também no inferno
havia flores.
Hoje
invade-me a memória esmaecida dessas flores
que ambos amávamos,
inclusive esta pobre
coisa descolorida —
que eu vi
em pequeno —
pouco apreciada entre os vivos
mas que os mortos vêem,
interrogando-se entre si:
Será que recordo algo
cuja forma
fosse a forma desta coisa?
enquanto os nossos olhos se enchem
de lágrimas.
Do amor, do amor duradouro
será reveladora
embora um finíssimo banho carmim
lhe confira cor
tornando-a inteiramente credível.
Tenho algo
algo urgente
a dizer-te
e a ti apenas
embora tenha de esperar
enquanto me deleito
com o gozo da tua chegada,
quiçá pela última vez.
E assim
de coração receoso
vou-me alongando
e continuo a falar
por não me atrever a parar.
Ouve-me enquanto falo
contra o tempo.
Não demorará
muito.
Esqueci
e porém vejo com bastante nitidez
algo
central no céu
que em volta o abrange.
Uma fragrância
que brota!
Uma fragrância agradabilíssima!
Madressilva! E eis
que surge o zumbido de uma abelha!
e toda uma enxurrada
de memórias irmãs!
Só te peço algum tempo,
algum tempo para as recordar
antes de falar com franqueza.
Peço-te algum tempo,
algum tempo.
Em miúdo
tive um livro
ao qual, de vez
em quando,
acrescentava flores espalmadas
até que, daí a algum tempo,
me vi com uma bela colecção.
O asfódelo,
agoirento,
entre elas.
Trago-te,
ressuscitada,
uma memória dessas flores.
Eram perfumadas
quando as espalmava,
conservando
um quê desse seu perfume
por muito tempo.
Trata-se de uma fragrância curiosa,
uma fragrância moral,
a qual me transporta
para junto de ti.
A cor
era a primeira a desaparecer.
Deparara-se-me
um desafio,
o teu querido ser,
mortal como eu,
o pescoço do lírio
diante do colibri!
Uma riqueza infinita,
pensei eu,
estendeu-me os seus braços.
Mil trópicos
numa flor de macieira.
A própria terra generosa
deu-nos de bom grado.
O mundo inteiro
tornou-se o meu jardim!
Mas o mar
que ninguém cultiva
é também um jardim
quando nele incide o sol
despertando
as ondas.
Já o vi
e tu também
a cobrir de vergonha
todas as flores.
Existem ainda a estrela-do-mar
endurecida pelo sol
e demais sargaços
e algas. Era algo que conhecíamos
a par de tudo o mais
pois nascêramos junto do mar,
conhecíamos as suas sebes de rosas
que vinham até à beira da água.
É aí que cresce a malva-rosa
e quando está na época
os morangos
e foi aí que, mais tarde,
fomos apanhar
a ameixa silvestre.
Não posso dizer
que fui ao inferno
pelo teu amor
mas foi lá
que muitas vezes dei por mim
à tua procura.
Não me agrada
e deu-me vontade de
estar no céu. Ouve-me.
Não vires costas.
Aprendi muito ao longo da vida
em livros
e fora deles
sobre o amor.
A morte
não é o seu final.
Há uma hierarquia
que pode ser alcançada,
julgo eu,
ao seu serviço.
A sua recompensa
é uma flor mágica;
um gato de vinte vidas.
Se ninguém o tentasse
o mundo
ficaria a perder.
Tem sido
para ti e para mim
como alguém que observa uma tempestade
a aproximar-se sobre as águas.
Estivemos
ano após ano
diante do espectáculo das nossas vidas
de mão dada.
A tempestade desenvolve-se.
Os relâmpagos
brincam na orla das nuvens.
O céu a norte
está plácido,
resplandece azul
com o adensar-se da tempestade.
É uma flor
que chegará em breve
ao auge do seu florir.
Dançávamos,
em pensamento,
e líamos juntos um livro.
Lembras-te?
Era um livro sério.
E foi assim que os livros
entraram nas nossas vidas.
O mar! O mar!
Sempre
que penso no mar
vem-me à ideia
a Ilíada
e a falta pública de Helena
que a engendrou.
Não fosse isso
e não teria existido
poema e o mundo,
se tivéssemos recordado
aquelas pétalas carmins
derramadas entre pedras,
ter-lhe-ia chamado simplesmente
assassínio.
A orquídea sexual que então floresceu
lançando tantos homens
desinteressados
para o túmulo
deixou a sua memória
a uma raça de loucos
de heróis
se for uma virtude o silêncio.
Só o mar
na sua multiplicidade
encerra alguma esperança.
A tempestade
revelou-se um fracasso
mas sobramos nós
após os pensamentos que ela despertou
para
cimentarmos de novo as nossas vidas.
É a mente
a mente
que há que curar
antes da intervenção
da morte,
e a vontade torna-se novamente
um jardim. O poema
é complexo e o espaço aberto
nas nossas vidas
para o poema.
O silêncio também pode ser complexo,
mas não se vai longe
com o silêncio.
Recomecemos.
É como o inventário
de navios de Homero:
serve para fazer tempo.
Falo através de figuras,
em certa medida, os vestidos
que pões são figuras também,
de outro modo não nos
encontraríamos. Quando falo
de flores
é para lembrar
que em dado momento
fomos novos.
Nem todas as mulheres são Helena,
bem sei,
mas trazem Helena nos seus corações.
Minha bela,
também tu a trazes, e é por isso
que eu te amo
e não poderia amar-te de outro modo.
Imagina que vias
um campo cheio de mulheres
de um branco prateado.
O que haveria a fazer
senão amá-las?
A tempestade rebenta
ou esmorece! não é
o fim do mundo.
O amor é outra coisa,
ou assim pensava eu,
jardim que se expande,
embora eu te tivesse conhecido como mulher
e nunca tenha achado outra coisa,
até ocupar
todo o mar
e todos os seus jardins.
Foi o amor do amor,
o amor que engole tudo o mais,
um amor agradecido,
um amor da natureza, das pessoas,
dos animais,
um amor que gera
a amabilidade e a bondade
que me animou
e que vi em ti.
Eu deveria saber,
embora não soubesse,
que o lírio do vale
é uma flor que adoece muitos
daqueles que a sopram.
Tivemos os nossos filhos,
adversários na chacina geral.
Ponho-os de lado
embora tenha cuidado deles
como qualquer homem cuidaria
dos seus filhos
no meu entender.
Compreendes
que tinha de te encontrar
após o sucedido
e que ainda tenho de te encontrar.
O amor
perante o qual te curvarás
ao meu lado —
uma flor
uma flor fragilíssima
será a nossa aliança
e não que sejamos
demasiado fracos
para agirmos de outro modo
mas porque
do alto das minhas forças
arrisquei aquilo que tinha de fazer,
para assim provar
que nos amamos
enquanto os meus próprios ossos suavam
para que eu não to gritasse
em flagrante.
O asfódelo, essa flor esverdeada,
venho, minha bela,
cantar-te!
O meu coração exalta-se
ao pensar em trazer-te notícia
de algo
que diz respeito a ti
e diz respeito a muitos homens. Repara
no que passa por novidade.
Não o encontrarás aí mas nos
poemas desprezados.
É difícil
obter notícias dos poemas
embora os homens morram miseravelmente todos os dias
à falta
do que aí se encontra.
Ouve-me
pois também a mim diz respeito
bem como a qualquer homem
que deseje morrer em paz na sua cama
de resto.
William Carlos Williams
(tradução de Vasco Gato)
(tradução de Vasco Gato)
Etiquetas:
poema,
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William Carlos Williams
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
Dona Rute, 62 anos, diagnóstico de Demência Mista e história de doença psiquiátrica
“Só pintei as unhas duas vezes na vida. Das duas vezes em que me casei”
''A Dona Rute lembra-se perfeitamente que no primeiro casamento foi de vestido branco. No segundo, não. Do que não se lembra mesmo é de quantos anos tem hoje. “A gente em miúda conta, agora já não faço assim muitas contas.” Solta umas gargalhadas.''
Come In Alone
Come in alone, you will love to let go
And I'll turn you around
When your hopes gave me doubts
(Ohh)
Run and hide
Why I don't need to believe
What you see to look up and around
You were gone, words came out to a sound
Feel, I'm alive
You will see why I'm alive
Felt like crying over her I will go to
The wall
(Ohh)
Run from some
Come in alone, you will love to let go
And I'll turn you around
When your hopes gave me doubts
(Ohh)
Run and hide
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My Bloody Valentine
when God created love he didn't help most
when God created dogs He didn't help dogs
when God created plants that was average
when God created hate we had a standard utility
when God created me He created me
when God created the monkey He was asleep
when He created the giraffe He was drunk
when He created narcotics He was high
and when He created suicide He was low
when God created dogs He didn't help dogs
when God created plants that was average
when God created hate we had a standard utility
when God created me He created me
when God created the monkey He was asleep
when He created the giraffe He was drunk
when He created narcotics He was high
and when He created suicide He was low
when He created you lying in bed
He knew what He was doing
He was drunk and He was high
and He created the mountians and the sea and fire at the same time
He knew what He was doing
He was drunk and He was high
and He created the mountians and the sea and fire at the same time
He made some mistakes
but when He created you lying in bed
He came all over His Blessed Universe.
but when He created you lying in bed
He came all over His Blessed Universe.
«yes yes», Charles Bukowski
terça-feira, 9 de agosto de 2016
a granel
em montes, sem conta nem peso, à mistura, sem embalagem
em montes, sem conta nem peso, à mistura, sem embalagem
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expressões,
língua portuguesa
apaniguado
adjetivo, nome masculino
1. mantido por outrem
2. protegido; favorito
3. partidário
1. mantido por outrem
2. protegido; favorito
3. partidário
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língua portuguesa,
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segunda-feira, 8 de agosto de 2016
VIOLÊNCIA E PAIXÃO
Quando se percorre a poesia escrita por mulheres ao longo do século XX português, o nome de Natália Correia continua a surgir como um dos que causaram uma repercussão mais duradoura, quer pela sua personalidade forte e polémica, quer pelo alcance da sua obra literária, na qual sempre se manifestou uma vocação poderosamente dionisíaca e por isso excessiva, capaz de apreender magicamente a realidade e de a transfigurar mediante uma rica imaginação metafórica, sobretudo a partir de "Dimensão Encontrada" (1957), já que os seus primeiros livros ("Rio de Nuvens", de 1947, e "Poemas", de 1955) exprimiam ainda uma atitude lírica mais tradicional.
É antiga a questão de saber até que ponto Natália Correia poderá ou não considerar-se uma escritora surrealista, embora nunca tenha pertencido a qualquer movimento com esse nome: definida algures por Claude Roy como «la violence surréaliste faite femme», a própria Autora terá admitido alguma proximidade com a visão surrealista do mundo, essencialmente no que toca a uma «identificação entre a poesia e a magia», na medida em que ambas procuram o acesso a uma alquimia libertadora. Trata-se, no fundo, de uma radical vontade criadora, de um desejo de libertar a linguagem de todos os constrangimentos e de dar livre curso à imaginação, como podemos sentir num texto que nos fala de uma ressurreição apta a transformar a morte em vida e a tristeza em alegria: «A harpa do vento / e os meus dedos de ventania / compuseram uma canção / da mais fantástica alegria. // (...) // É uma onda de magia / onde se enrolam os mortos / erguidos da terra fria / dum rosto que lhes pintou / a nossa melancolia.»
Foi sob o efeito do irresistível impulso dessa «onda de magia» que se construiu o essencial da escrita de Natália, em que um dos traços mais flagrantes consiste numa posição (sempre reafirmada) de rebeldia diante das instituições e dos poderes estabelecidos ou de quaisquer regras impostas pela força. Até certo ponto, é como um sinal dessa rebeldia que se compreendem as incursões da Autora no campo da poesia satírica e humorística, dirigida contra figuras ou acontecimentos da esfera política, como sucede na sequência das «Cantigas de Risadilha» — composta por poemas que ridicularizam episódios da vida parlamentar que Natália acompanhou enquanto foi deputada —, assim como em toda a "Epístola aos Iamitas" (1976), cujos sonetos constituem reflexões ora entusiásticas, ora sobretudo corrosivas, a respeito do Portugal pós-25 de Abril e disso a que na altura se chamou o P.R.E.C. (Processo Revolucionário Em Curso), perante o qual se manifesta por vezes uma dolorosa desilusão: «E veio Abril: cravos camonianos / aparelharam da liberdade as barcas. / Do verde pinho as flores foram-me enganos, / as tecelãs do sonho eram as parcas. // Da podridão variam os estados: / magicamente os nomes são mudados; / intacto o pasto vil das varejeiras.»
A mesma faceta surge igualmente em certos poemas isolados, como a célebre «Queixa das Almas Jovens Censuradas», fazendo eco de um profundo grito de revolta que preza, acima de tudo, a liberdade do poeta contra todas as formas de sujeição. E é também isso a estar em jogo num outro texto muito conhecido («A Defesa do Poeta»), aliás escrito com a intenção de ser lido no Tribunal Plenário que no tempo da ditadura acusou Natália Correia: «Senhores juízes sou um poeta / um multipétalo uivo um defeito / e ando com uma camisa de vento / ao contrário do esqueleto. // (...) // Sou (...) / uma avaria cantante / na maquineta dos felizes. / (...) // Sou uma impudência a mesa posta / de um verso onde o possa escrever. / Ó subalimentados do sonho! / A poesia é para comer.»
A mesma faceta surge igualmente em certos poemas isolados, como a célebre «Queixa das Almas Jovens Censuradas», fazendo eco de um profundo grito de revolta que preza, acima de tudo, a liberdade do poeta contra todas as formas de sujeição. E é também isso a estar em jogo num outro texto muito conhecido («A Defesa do Poeta»), aliás escrito com a intenção de ser lido no Tribunal Plenário que no tempo da ditadura acusou Natália Correia: «Senhores juízes sou um poeta / um multipétalo uivo um defeito / e ando com uma camisa de vento / ao contrário do esqueleto. // (...) // Sou (...) / uma avaria cantante / na maquineta dos felizes. / (...) // Sou uma impudência a mesa posta / de um verso onde o possa escrever. / Ó subalimentados do sonho! / A poesia é para comer.»
Lido este excerto, convirá atender a dois aspectos: por um lado, mesmo levando em conta o intuito profundamente afirmativo do texto (que desenvolve a vigorosa declaração: «sou um poeta»), o lugar de quem escreve poesia surge relacionado com uma excepcionalidade inquietante ou perturbadora, já que se identifica com um «defeito» ou uma «avaria cantante / na maquineta dos felizes», que corresponderiam à cinzenta maioria; por outro lado (e refiro-me agora aos dois últimos versos), acentua-se a dimensão gustativa, sensorial ou carnal da poesia, inscrevendo-se num entendimento global do mundo em que «o espírito é tão real como uma árvore», pressupondo uma integração harmoniosa na natureza. Ficamos, portanto, dentro de uma unidade fundamental entre todas as coisas humanas e cósmicas, naturais e divinas: «Vem das estrelas o sangue que nos guia / E na amorosa perfeição da carne / Está toda a eternidade resumida.»
Perante versos como estes, pode dizer-se sem grande exagero que Natália Correia nos deu, do princípio ao fim da sua obra, uma visão religiosa da existência, alicerçada não em qualquer adoração de um Deus ou num rito eclesiástico específico, mas numa espécie de comunhão pagã entre o eu e tudo o que o rodeia, religando-se a um universo do qual pretende auscultar os sinais, como se estivesse diante de um segredo que só a alguns é permitido desvendar e que a poesia aguarda, como se esperasse «o romper da manhã na noite mística». De facto, na escrita de Natália o conhecimento quase nunca se produz pela via intelectual e corresponde, acima de tudo, ao amor: fiel à tradição lírica portuguesa e à sua predilecção por temas amorosos, a Autora convoca sentimentos simultaneamente carnais e espirituais, porque neste caso é a partir dos sentidos que se intui a hipótese (ou a certeza?) de um sentido que os excede — veja-se o início do poema «Pórtico»: «Corpo, alma, razão, já os cantei, / estreme, sem me isentar em pseudónimos. / Antífrases de mim as assinei. / Contrários indaguei: eram sinónimos. // O Espírito agora cantarei. / Corpo, alma, razão lhe são compósitos.»
Também enquadrado no mesmo propósito de união e ampla comunhão universais está um politeísmo estrutural que leva a poesia desta «feiticeira cotovia» a celebrar a beleza do mundo, conotando-a com a presença do sagrado que o povoa e assim reflecte os poderes de uma pluralidade de deuses e deusas cujo culto, em vez de exigir submissão — «Os deuses não nos querem de joelhos» —, nos convida, pelo contrário, a um esfusiante cântico da vida e do amor, do qual podem ser emblemas os Jardins de Adónis, onde se recusam os labirintos da racionalidade e se declara a superioridade das sensações, tornadas elas mesmas divinas: «Sentir nos baste. Ideias são reveses. / Da vida, as naturais disposições, / Sigamos, Flávio. Até que sejam deuses / As nossas sensações.»
Perto das sensações mais vibrantes se encontram, aliás, todos os elementos de uma natureza cujo incognoscível daimon feminino se condensa na famosa imagem da «Mátria», nem sequer demasiadamente erotizada no sentido mais comum que atribuímos à sexualidade humana, mas sobretudo transmissora de paz, de bem-estar e de reconciliação com um estado primitivo, maternal ou genesíaco do universo: «E se o mundo em ti principiava, / No teu mistério entre astros absortos, / Suavemente, ó mãe, tudo termina.» Também o Amor (com maiúscula) ultrapassa, deste modo, as habituais fronteiras que limitam a consciência individual, elevando-se ao mais alto grau de gnose mística e adquirindo o estatuto de uma sabedoria esotérica comparável à de uma verdadeira alquimia: «Indemne atravessei as labaredas / porque o Amor faz a Obra / e o fogo faz o Amor.»
Para concluir, digamos que toda a poesia de Natália Correia configura um «ofício das trevas», mergulhando nas águas de mistérios que não ousa decifrar e assentando numa ideia (surrealista) de libertação total do ser, num processo de comunhão iniciática. Trata-se de um ritual posto em jogo não apenas graças aos já mencionados poderes alquímicos da escrita, mas também por uma abertura à «Saudade» portuguesa que sempre fascinou a Autora — essa «retráctil flor da ausência», cujo místico perfil se recorta sobre o passado e sobre o futuro, parecendo conferir ao conjunto da obra de Natália Correia uma indestrutível crença em qualquer coisa que extravasa os mesquinhos limites da razão humana. Na esteira dos românticos ou dos seus herdeiros surrealistas, é sempre muito para lá de tais limites que esta poesia nos deseja convocar, arrastando-nos para uma dimensão soberanamente libertadora da realidade e da linguagem — como se lê no texto final dos "Sonetos Românticos", que funciona como um «credo»:
Perto das sensações mais vibrantes se encontram, aliás, todos os elementos de uma natureza cujo incognoscível daimon feminino se condensa na famosa imagem da «Mátria», nem sequer demasiadamente erotizada no sentido mais comum que atribuímos à sexualidade humana, mas sobretudo transmissora de paz, de bem-estar e de reconciliação com um estado primitivo, maternal ou genesíaco do universo: «E se o mundo em ti principiava, / No teu mistério entre astros absortos, / Suavemente, ó mãe, tudo termina.» Também o Amor (com maiúscula) ultrapassa, deste modo, as habituais fronteiras que limitam a consciência individual, elevando-se ao mais alto grau de gnose mística e adquirindo o estatuto de uma sabedoria esotérica comparável à de uma verdadeira alquimia: «Indemne atravessei as labaredas / porque o Amor faz a Obra / e o fogo faz o Amor.»
Para concluir, digamos que toda a poesia de Natália Correia configura um «ofício das trevas», mergulhando nas águas de mistérios que não ousa decifrar e assentando numa ideia (surrealista) de libertação total do ser, num processo de comunhão iniciática. Trata-se de um ritual posto em jogo não apenas graças aos já mencionados poderes alquímicos da escrita, mas também por uma abertura à «Saudade» portuguesa que sempre fascinou a Autora — essa «retráctil flor da ausência», cujo místico perfil se recorta sobre o passado e sobre o futuro, parecendo conferir ao conjunto da obra de Natália Correia uma indestrutível crença em qualquer coisa que extravasa os mesquinhos limites da razão humana. Na esteira dos românticos ou dos seus herdeiros surrealistas, é sempre muito para lá de tais limites que esta poesia nos deseja convocar, arrastando-nos para uma dimensão soberanamente libertadora da realidade e da linguagem — como se lê no texto final dos "Sonetos Românticos", que funciona como um «credo»:
«Creio nos anjos que andam pelo mundo, / Creio na Deusa com olhos de diamantes, / Creio em amores lunares com piano ao fundo, / Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes, // Creio num engenho que falta mais fecundo / De harmonizar as partes dissonantes, / Creio que tudo é eterno num segundo, / Creio num céu futuro que houve dantes, // Creio nos deuses de um astral mais puro, / Na flor humilde que se encosta ao muro, / Creio na carne que enfeitiça o além, // Creio no incrível, nas coisas assombrosas, / Na ocupação do mundo pelas rosas, / Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen».
Fernando Pinto Do Amaral, "Violência e Paixão", prefácio a Antologia Poética. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2002.
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POESIA COMPLETA | O SOL NAS NOITES E O LUAR NOS DIAS (Introdução)
INTRODUÇÃO | NATÁLIA CORREIA
Perturba-me escrever sobre a minha poesia como me solicitam os que aqui a dão a conhecer numa amplitude próxima do seu conjunto (ficam ainda de fora alguns inéditos) porque, ao fazê-lo, das duas uma: ou, tara que não me seduz, indulgiria em entregar-me ao onanismo de uma autoapreciação irremediavelmente atada ao cordão umbilical que me liga aos meus poemas; ou, baforando fumaças de objetividade, só por um factício prodígio poderia transmigrar de autora para teorizadora desse meu íntimo assunto poético em que além de mim age um ignotus que ainda estou para saber o que é. Mas se não alcanço esse «outro» que entre as minhas intrínsecas pluralidades me provoca com palavras a ordená-las em imagens que libertem a linguagem escondida no silêncio, nem por isso cairei na cilada que, logo no raiar das Artes Poéticas, Platão no Ion armou aos poetas dizendo serem os deuses que põem a inspiração nas suas palavras. Não que ache isso impossível, pois recusa-se-me a mente a achar impossível seja o que for, mas lá perigoso é. Porque, a ser assim, o poeta toma-se por um ser excecional. O que, dando lugar à sua arrogância, o expõe ao ridículo de não ter razão para a ostentar visto que os versos que faz nem sequer são dele mas de uma entidade sobrenatural que fala pela sua boca, reduzindo-o à função de microfone. Ora um microfone vaidoso é um absurdo hilariante que retira toda a credibilidade ao poeta. O que não convém para que neste nosso tempo de chiqueiro dos dejetos de uma civilização atarantada pelo cerco de ameaças catastróficas possa a vida respirar o ar limpo de um começo que na poesia diz que quer emergir. Neste ponto seria tentada a enredar-me no fio que uma nova ciência nos estende para nos conduzir ao postulado de uma conexão cósmica da poesia com uma linguagem englobante da música e das matemáticas em que está estruturado o Universo. Nas matemáticas, o número de sílabas e de acentos regulado nas formas métricas. Na música, não só a simples melodia produzida por esse arranjo métrico mas a que na lógica encantatória da linguagem poética é essencial ao poema (Mallarmé). É nesta cosmicidade do idioma poético que surge a tentação remissiva que nos convida a revisitar Velhos Tratados Espirituais em que cada letra do alfabeto corresponde a um número numa relação significativa de um constituinte do Universo.
Envolvida nos feitiços destas meditações que por vezes me sobressaltam sobre o porquê da minha poesia, não sei se dela me distanciei ou aproximei. Sinto, isso sim, que a última alternativa é a mais idêntica a um puro relâmpago da minha recôndita disponibilidade para receber a mercê que me é dada em palavras de olhar as coisas de uma outra forma, alinhando-as num ritmo que corre para um ponto onde tudo está abrangido. Mera sensação? Como saber se até ignoro se sou eu que convoco essa dádiva em poesia ou se é ela que se convoca a si mesma em mim. Para quê? Para me mostrar o não ser do que julgo ser e o ser do que julgo não ser? Quantas perguntas! Esta, por exemplo: não será cada poema um pouco da biografia de todos? E esta ainda que é corolário da precedente: será que a poesia se manifesta no poeta porque é obra de todos? Fixo-me nesta velha questão porque nela encontro pistas abonatórias do que na vivência do meu fazer poético me surge como uma evidência: o brotar da poesia numa linguagem construída na esfera psíquica de fatores transpessoais que atuam como uma força unificadora. Eis porque nada é isolável em poesia, pelo que não pode ela furtar-se a nenhum modo de expressão, vivendo o poeta em cada um deles os diversos heterónimos do estar sendo em situação interior ou exterior. O tal drama em gente que o anglo-saxonizado Fernando Pessoa resolveu com pragmatismo metódico em sistematizada heteronímia.
Ora situando-se na faceta exterior da totalidade do sentir poético, logo ressalta o interesse geral em que o poeta partilha os sofrimentos e as esperanças dos outros. Chega o momento de a sociedade arder na alma do poeta em chamas de revolta contra a Medusa das prepotências que petrifica as almas? Inexoravelmente volve-se então a sua poesia em disparo de fulminantes recusas e subversões contra o olho dos Ciclopes da Ordem Absoluta que pintam com as cores da liberdade (política: hoje hospitalizada na clínica psiquiátrica dos Mastodontes do Gamanço Universal do Dinheiro), da abundância (atual pretexto para o voraz canibalismo economocrata) e das prebendas num deleitoso além canonicamente mobilado (igreja: à beira de ser inócua por anemia) o convite dirigido à incapacidade de ter de se escolher uma destas servidões.
Mas neste passo cumpre-me esclarecer: não sendo escassas as balas que, em poemas, disparei contra a univisualidade do mostrengo das coações fascio-puritano-pirosas, não me faltando também no arsenal as que estavam a pedir certas peneiras autoritárias com cravos de Abril na fala, não foi pelo manual de um neorrealismo, com o qual aliás sempre embirrou o meu duende libertário, que me fiz atiradora. Do que eu me livrei em não ter caído nessa esparrela que pode ter um desenlace trágico. Vejam o Maiakowski. Nem mesmo o seu génio tão vitalista quanto o seu agitado panfletarismo revolucionário sugeria o safou de seguir o pst do anjo fatal dos suicidas russos ao ver, entre o Cubofuturismo da LEF e o retorno aparente às práticas burguesas da NEP, o seu grito «… burguês, chegou o teu último dia!» afundar-se no apodrecimento da revolução.
Mas, prosseguindo nessa via comum, percorrida por todos os outros que são o poeta, forçoso é dar relevo ao magno momento: o encontro com a justiça. Distingamos. Refiro-me a Astreia, a Iustitia que vivia em harmonia com os mortais até que os delitos da humanidade a puseram em fuga para o céu onde lá está a cintilar na constelação da Virgem. Não à dadura lex, Témis, conselheira de Zeus, o Pater que subvertendo com o regime conflitual da fragmentação o indiviso da ordem materna que o precedera, reforçou a expansão falocrática, instauradora da competição instigadora de crimes que geraram a lei. Exercício espiritual, sempre mas nunca convictamente malogrado, para o retorno (a) ou progresso para a plenitude de uma comunhão universal prometida no mito de uma idade de ouro, a poesia, em sua pureza acrática identifica-se com a Iustitia. Daí a justiça poética, termo que no século XVII por fim dá o nome à moral da vida verdadeira que participa da vida do Universo, moral congénita à poesia que, por isso mesmo, pune a falsificação da vida submetida às leis de moralismos utilitários.
Volto-me agora para a face interna da totalidade que a poesia desespera por abranger fazendo -se a arte de ampliar a alma a tudo quanto existe por obra do mistério que o véu da Sabedoria encobre. Por outras palavras: é chegado o momento espiritualmente crucial do poeta fazer sua a ira de Shlegel: «Já são horas de rasgar o véu de Ísis e revelar-lhe o mistério. Quem não suportar a visão da deusa, fuja ou pereça.» Mas para lá chegar há que passar pela prova do abandono à atração da «gravidade metafisica» do Amor em que é demonstrado que a amada só no amante existe e vice-versa, fundamento da gnose inerente à poesia que nos diz: as coisas só se revelam inteiramente no seu oposto, visto que com ele são unas.
Com esta consabida receita contra a doença da homogeneidade, me desembaraço de ser nesta minha obra poética não omnia, subestimado aquilo que nela mais prezo por autêntico testemunho das várias almas que se unem na minha alma. Uma mobilidade dadivosamente passiva às solicitações dos correlatas que em matizes líricos de sacralidade do amor terreno, ou da terrealidade do divino
e outras coisas luminosas tiradas do inferno, tensão dialógica sob forma mesmo estruturalmente dramática, ode, sátira ou humor que, cito-me, como a poesia, surge onde não há solução (O Surrealismo na Poesia Portuguesa), pediram a palavra ao meu léxico poético. Fontes de analogia sem as quais nunca subiria ao miradouro do Espírito de onde o poeta, por fim, enxerga (Sonetos Românticos) o futuro causador do começo. Operação de reversibilidade de causa e efeito a que é devido chamar-se poesia. Pelo que assiste toda a razão aos poetas de pesquisarem o ouro de um futuro vedado pela ordem artificial das ideias caminhando para um passado mítico. É-lhes pois irrecusável a competência para restabelecer as relações do homem com a natureza. Ou seja: consigo mesmo.
Finalmente uma satisfação que, dando aos leitores, também dou a mim mesma.
Logo no primeiro volume dos meus poemas Rio de Nuvens, que vieram a público anos depois de neles ter timidamente debutado por volta dos meus dezassete anos, agora integrados nesta compilação, serão notados cortes e correções pelos raros que os leram . Ou antes, raríssimos. Vai a razão:
Uma autoexigência insatisfeita com a escolha feita pelo poeta hoje esquecido mas então encartado e amigo da família que, empenhado na sua publicação, deles expurgou os poemas que me eram mais caros por considerá-los metafísicos e de grandiloquência dramática levou-me a bloquear a sua distribuição. Em abono da coerência do selecionador, autor do respetivo prefácio em que exagera a tónica de passar por meu mestre, direi que era seu vade mecum a arte poética postulante da poesia quase sem palavras. Princípio que aplicou ao exame dos meus poemas. Apenas já então me era intolerável aceitar que o valor da poesia consistisse na procura de se abolir no silêncio pois já intuía que a palavra vinha à poesia para tomar audível o que fala no silêncio.
Enfim, tal foi o choque que, durante anos, me encerrei num mutismo hostil à Musa tentadora até que a sua teimosia acabou por libertar em oito dias um caudal de poemas com amigos à volta a aturdirem-me mais o estonteamento: este sim... este não... Resultado, o livro Poemas, cuja releitura a dezenas de anos de distância me forçou a meter nele o bisturi.
Só vos digo que o mal foi começar. Porque se não me contenho em alterações, ia muita coisa a eito. Até ao ponto em que me pareceu mais fidedigno o testemunho em livro dos trechos do primeiro ciclo do meu pecúlio poético. Tolheu-me a gana cirúrgica o imperativo de não serem esses poemas desfigurados por corretivos verbais oriundos de entusiasmos pretéritos que sonegariam aos leitores interessados em seguirem essa evolução ou involução a que se dá o nome de obra poética, a autenticidade da sua génese e colocação nopoiétikós que aqui se desenrola.
Quanto aos inéditos que desdenhei em prol da preferência dada aos publicados, falem eles por si. Como todos, de resto. O que vos dirão não sei. A mim dizem-me que são uma urgência do Espírito. Urgência de quê? Da poesia ser praticada. É por isso que cada poema, por mais elevado, evanescente ou injetado de virulentas ou mesmo fesceninas invetivas, é uma lição de moral. Não da moralidade que expira com a religião que a procriou, mas de uma ética espiritualizada que já neste kairos da roda das metamorfoses, em que o fantasma do Deus morto só aparece para passar o testemunho a uma nova legitimação sacral, dá sinais de querer ser objetivada. Apenas se o fatum do poeta o recruta para ser agente da fundação de uma nova história da mente, a fantasmagoria das potências do caos ambiental social e mental paralisam-no numa desresponsabilização que se socorre da narcísica anestesia dos outros que o poeta é. Ou, caso o atormente a insistência da lembrança de um futuro inscrito na mais elevada categoria do espírito que os proxenetas da prostituição da vida esconjuram com vade retros de poderio económico, resta-lhe desencantar, em penosa solidão, o engenho de fazer ouvir o sopro da AIma Universal na palavra em que se incuba a transformação da alma da humanidade.
Natália Correia
Lisboa, 28 de outubro de 1992.
Lisboa, 28 de outubro de 1992.
«O livro é como um rio. Tem a sua nascente e a sua foz. E assim como o rio se mistura na vastidão oceânica, funde-se o livro na massa do saber universal. A sua nascente é o autor. A foz, o leitor.»
Alocução proferida por Natália Correia, na inauguração da Livraria Nove Estrelas,
em Ponta Delgada, em 7.12.1981, dirigida por José de Almeida.
em Ponta Delgada, em 7.12.1981, dirigida por José de Almeida.
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RETRATO DE NATÁLIA
Hierática cromática socrática
passas branca de neve pela sala
nebulosa da pele via láctea
do único percurso que nos falta.
No teu andar há ventres há tecidos
de leve lã circuitos do brocado
duma seda tecida na manhã
dos raios dos teus olhos deslumbrados.
Nos teus quadris há cisnes há pescoços
de virgens degoladas há indícios
do alabastro quente dos teus ossos
iluminando claros precipícios.
É isso. Uma vestal iluminada
uma deusa rangendo uma secreta
porta barroca aberta para o nada
que é o docel da cama do poeta
Ali deitas crianças animais
gemidos e maçãs vagidos e atletas
pois que amas as coisas naturais
com a tua carne impúbere e erecta.
Porém tu acalentas tu alentas
nossa senhora lenta mãe do escândalo
ave de carne lírio de placenta
com aroma de nardos e de sândalo.
Desinfectante e amante eis que transformas
em teus olhos de cânfora as orgias
e o teu corpo ânfora é a forma
em que a lira da noite vaza o dia.
José Carlos Ary dos Santos, Fotos-Grafias, 1970.
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O NASCIMENTO DO POETA
Ora foi num dia treze
que em seu bíblico lugar de dor
minha mãe deu por completas
as letras de meu teor
Porque para acabar o mundo
era precisa a minha mão
do azul calafetado
caí nas facas do chão
Machucada de nascida,
da minha sofrida região
pus-me a levantar o mapa
em ponto de exclamação
Assim na câmara escura
de cada privada saliência
meus olhos se revelaram
negativos da ausência
Soube que o tempo é uma luva
antissética que o infinito
calça para joeirar
sem contágio o nosso trigo
daí o amor ser o meio
do homem dividido em dois
e a pior metade é estarmos
à espera de sermos depois
Soube que quando a amargura
nos gasta a pintura aparece
a cor que teriam os olhos
de um deus apócrifo se viesse
não refulgente ou teologal
tampouco suspensa espada
mas ocasional como vestir
uma camisa lavada
porque a vida é a ocupação
do único espaço disponível
para o possível amanhã
da nossa véspera impossível
e o sidéreo, adeus mistério
é um queijo de paciência
para a gulodice da terra
(e não perdi a inocência)
Soube coisas que sabê-las
foi eu ir ficando nua
como no apocalipse uma última
pedra vestida de lua
como no fim do mundo um lírico
verme a recomeçá-lo
a beber estrelas e peixes
pelo seu estreito gargalo
Como eu em amorosa
posição de cana ereta
a pescar no indizível
o sinónimo de poeta
Natália Correia, A mosca iluminada, 1972
[…] em “O nascimento do poeta” (1993, v. 1, p. 416-417), o eu lírico apresenta uma relação tensa entre o nascimento e o facto de ser poeta, construindo uma afirmação intensamente narcisista do eu.
Contido em “Fragmentos de um itinerário” (1993, v. 1, p. 411-444), que, juntamente com “As aparições” (1993, p. 445-475), é uma das duas secções da obra A mosca iluminada, publicada em 1972 e recolhida ao primeiro dos dois volumes da poesia completa de Natália, esse poema expressa a ideia de uma consubstanciação entre eu lírico e poeta, não somente pela reflexão da entidade feminina6 sobre ela mesma como criadora e, como tal, sobre seu poder de criticar o mundo e reordená-lo às suas aspirações, mas também pela data mencionada logo no primeiro verso, dia 13, que remete a 13 de setembro de 1923, nascimento de Natália. Autoafirmando-se pela voz em primeira pessoa, o eu lírico narcisista faz transbordar uma intensa preocupação com o ser que nasce e as relações por ele estabelecidas com o mundo, remetendo o leitor, inclusive, ao “Poema de sete faces” (1967, p. 53) de Carlos Drummond de Andrade.
No entanto, em uma entrevista da poeta incluída no livro Palavra de poeta - Portugal (1994, p. 79), de Denira Rozário, Natália chama a atenção para o universo da poesia, da escrita poética (da ficção, da criação, da simulação, do fingimento), e não propriamente para a realidade biográfica, acreditando que “o autorretrato do poeta, se é que ele é confiável na sua totalidade, está na sua poesia”. Tal afirmação articula-se com a de Domin (Para qué la lírica hoy? Barcelona: Alfa, 1986, p. 22), segundo a qual “para o autor, [...] o poema segue sendo uma parte de sua biografia, como o momento da suprema identidade consigo mesmo que é, ao mesmo tempo, a suprema autodespossessão”. Autodespossessão porque, no texto poético, há um jogo instituído pela ficção, que, pela construção de um simulacro, adquire um estatuto sígnico, mediatizando ou “transpessoalizando” a imagem da poeta.
A preocupação com a escrita poética torna-se mais clara no prefácio a O sol nas noites e o luar nos dias (1993, v. 1, p. II):
“[...] fixo-me nesta velha questão porque nela encontro pistas abonatórias do que na vivência do meu fazer poético me surge como uma evidência: o brotar da poesia numa linguagem construída na esfera psíquica de fatores transpessoais que atuam como uma força unificadora.”
O tom agressivo do eu lírico de Natália reclama um olhar atento e cuidadoso para compreender o posicionamento filosófico predominante de tensão entre opostos que coexistem, interpenetram-se e se complementam, como: vida e morte, origem e não origem, génese e apocalipse, revelação e ocultamento, dor e exclamação, sagrado e profano, possível e impossível, céu e terra, pureza e impureza, simples e complexo, antissético e contágio, banalidade do mundo e valorização do “eu”. Esse posicionamento admite correspondências com a lógica dos contrários lançada noManifesto surrealista (1924) de André Breton e mostra a rebeldia no poema de Natália. A síntese desses elementos em oposição ao longo de “O nascimento do poeta” recupera e atualiza o aspeto fundamental da imagem surrealista como fruto da fusão de realidades imprevistas em uma imagem síntese, enigma que se faz representação cifrada do desejo de encontrar na vida a subversão capaz de afrontar o mundo reificado e propor um novo princípio de realidade. Os dois primeiros versos da segunda estrofe (“Porque para acabar o mundo/ era precisa a minha mão”) e toda a penúltima estrofe, por exemplo, permitem identificar a subversão poética de Natália com o estatuto da beleza surrealista como aquele que se mostra na irradiação revolucionária das imagens, na embriaguez dessa vida “a perder de fôlego”.
A inscrição reiterada do ser poético de Natália, na dinâmica da contestação, pode ser entendida no âmbito de que a investigação dos conflitos da subjetividade é signo de resistência, história apreendida por meio do êxtase da imagem surrealista. A possibilidade de emancipação humana por meio da arte foi o grito mais alto e mais revolucionário da aventura surrealista.
Ainda no que concerne às oposições, também no prefácio, página IV, a autora esclarece o seu sentido: “as coisas só se revelam inteiramente no seu oposto, visto que com ele são unas”. Tal posicionamento faz lembrar as filosofias de Heráclito, baseada na tese de que o universo é uma eterna transformação, na qual os contrários equilibram-se, constituindo a razão universal (“logos”) a reger os planos cósmico e humano, e de Hegel (1770-1831), defensor da oposição entre ser e pensamento, em um primeiro nível, para depois ser superada por uma síntese ideal, fundamentando a “dialética” – problemática vinda de Platão – não como um método a supor a exterioridade do entendimento em relação ao objeto, mas como o próprio movimento do Conceito (a manifestação da essência ou substância do mundo real), a própria vida do sistema, pois o Absoluto, o nível do discurso (a verdade plena, simultaneamente ideia e realidade concreta), é o sujeito, o conhecimento racional, a razão.
Se, por um lado, a voz em primeira pessoa está presente não só como objeto do assunto, mas como enunciador, por outro lado, de acordo com Domin (1986, p. 40), “enquanto o poema ajuda o homem a ser ele mesmo, enquanto o ajuda a denominar e comunicar a própria experiência, ajuda-o a dominar a realidade que ameaça extingui-lo”, pois, no ato de escrever, o poeta permite a si mesmo expressar melhor a diferença entre a realidade empírica e a literária, criada no poema, e, deste modo, perceber a ilusão promovida nos leitores pela realidade extraliterária de levar a confundir desmedidamente poeta e eu lírico.
Em redondilha maior, quase todas as 13 quadras apresentam o traço de desconexões semânticas em uma estrutura sintática regular, levando o leitor a desenredar as várias metáforas construídas por meio das oposições citadas. A aproximação formal com a cantiga popular acaba se opondo à complexidade do conteúdo, indicando, em mais uma dualidade opositiva, o caráter provocador da poesia de Natália. A atividade do poeta é, para ela, demiúrgica, porque, ao possibilitar uma mistura entre concreto e abstrato, tornando opaca a compreensão do texto, confere poder a quem escreve, que passa a ser o detentor do saber quase inalcançável, compondo mais uma vez a imagem da feiticeira ou da poeta-feiticeira na poesia de Natália.
Ganhando corpo em um enfrentamento com o leitor, o poema se enreda em tensões dialéticas entre semântica e sintaxe, ampliando o hermetismo das associações: por exemplo, na terceira estrofe, a relação entre o nascimento dolorido e o fato de o eu poético colocar-se a levantar o mapa em ponto de exclamação chega a ser surreal, pois as realidades associadas são consideravelmente díspares no âmbito empírico. Trata-se de um recurso poético para desfazer a impressão de que a atividade do poeta é simples, puramente sentimentalismo.
Para Natália, a poesia deve provocar o leitor, perturbando o seu entendimento, por meio de uma intensificação das abstrações, uma herança das vanguardas poéticas, em especial a surrealista. No caso da terceira estrofe, a abstração se dá quando se percebe que a aproximação surreal passa a ter um sentido: a celebração do nascimento reverte-se para uma sensação de descontentamento por causa das dores, manifestada na escrita poética na atitude do eu lírico de rebelar-se contra esse acontecimento, ao recorrer, por referência semântica, à funcionalidade do ponto de exclamação. Portanto, a desconexão semântica ocorre como uma tentativa de intensificar a abstração da reflexão poética.
As ambiguidades, as passagens obscuras, as antíteses, as repetições, o perspetivismo, o pessimismo, a melancolia quanto à vida terrena, o descontentamento cósmico, o sentimento trágico referente à existência, o exagero da individualidade e do engenho pessoal, o refúgio na “torre de marfim” da arte obscura, o gosto pela grandiosidade e magnificência traduzido na riqueza de imagens, a atração pela violência e pelos sentimentos fortes manifestados em traços estilísticos intensivos como hipérboles (“para acabar o mundo/ era precisa a minha mão”, “como no fim do mundo um lírico/ verme a recomeçá-lo”, “beber estrelas e peixes/ pelo seu estreito gargalo”) induzem a enxergar uma escrita barroca na poesia de Natália. Não é à toa que, naAntologia da poesia do período barroco (1982, p. 38), organizada em 1970 pela própria Natália, ela defende ser a poesia barroca “aquela em que o poeta deixa de ser objeto da poesia para ser sujeito de uma ação poética reveladora”. Essa tentativa de o eu poético afirmar-se de modo intenso é justamente o que se verifica em forte tom em “O nascimento do poeta”.
As repetições de afirmações metafóricas em tons incontestáveis, o uso do pretérito perfeito do indicativo para intensificar as certezas, as repetições de determinadas estruturas, por exemplo, com o verbo “saber” também no pretérito reforçam o tom agressivo e presentificam, na escrita, o narcisismo. Tais realizações poéticas retomam a conceção de Valéry (1999, p. 200) de que um poema é essencialmente feito de palavras, destacando o plano formal, e não somente de ideias.
Tendo em vista os traços de difícil depreensão na poesia, é necessário compreender a noção de estilhaçamento inerente à arte literária, que, mesmo em uma estrutura de enredamento ou envolvimento entre partes do texto, ocorre, em “O nascimento do poeta”, especialmente em nível semântico, para que haja uma interação entre as categorias sémicas do objeto. Ou seja, em um poema, as associações não se dão unicamente de maneira monológica, linear, mas por sincretismo, promovendo associações plurissignificativas, conforme as relações verificadas anteriormente. Daí existir uma abertura semântica no fechamento discursivo. Um exemplo é o da sexta estrofe: o que significa “o amor ser o meio /do homem dividido em dois /e a pior metade é estarmos/ à espera de sermos depois”? Como se percebe, há uma abertura plurissignificativa no “enredamento” entre os quatro versos, permitindo concordar com Bartolomeu Campos de Queirós (2006): “todo escritor configura um texto, mas é a abertura em sua construção que vai conduzir o leitor a reconhecê-lo como literário ou não”.
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[…] em “O nascimento do poeta”, […] a relação sintático-semântica não apresenta completamente uma harmonia, mas também uma tensão dialética que instaura ironia, porque as sete sílabas, estrutura das cantigas populares, contrastam com a complexidade das associações imagéticas. O plano cósmico, a noção de tempo, o apocalipse e a ocasionalidade da ocupação do espaço, equivalente ao facto de nascer, são aspetos recolhidos figurativamente pelo eu lírico na dimensão que ele chama de “indizível”, para apresentar o nascimento e, conforme a última estrofe, o sinónimo de poeta.
O poema constitui-se de versos com seis, sete, oito e nove sílabas, cada número simbolicamente relacionado a uma determinada questão: versos de seis sílabas referem-se à suavidade do Amor; de sete, à poesia; de oito, a uma disforia relacionada a sofrimento e ao facto de estar no mundo; de nove, a Deus, ao cosmos e ao fim de um ciclo. Por exemplo, a sétima estrofe contém um verso de sete, dois de oito e um de nove sílabas, sendo este último relacionado a um “deus apócrifo”, o que revela uma espécie de senso crítico do eu lírico de Natália, por correlacionar, pela perspetiva da ocasionalidade, a amargura do nascimento ao aparecimento de um deus falso. Mas as relações de sentido dessa estrofe não terminam e desenrolam-se na próxima, também iniciada por um verso com nove sílabas e remetendo ao elemento divino. Forma-se, então, pela ironia e pelo senso crítico, um “enredamento” no poema.
Essa denominação foi escolhida entre várias outras – “trama”, “enovelamento”, “intrincamento”, “entrelaçamento”, “enlaçamento”, “desdobramento”, “encadeamento” – porque é a mais próxima da ideia de que há em um poema uma funcionalidade interna que requer a contemplação do leitor para o conjunto dinâmico do texto, ou seja, configura-se uma trama que não deixa ler isoladamente partes do poema. Trata-se de uma valorização do corpo poético em sua totalidade, na qual as associações insólitas (tempo - luva antissética calçada pelo infinito, amargura - desgaste da pintura, aparecimento de um deus apócrifo - ato de vestir uma camisa lavada, vida - ocupação de um espaço, sidéreo - queijo de paciência para a gulodice da terra) em uma sintaxe narrativo-discursiva, próprias do estilo de Natália, que prima pelo excesso, pela magia encantatória do verbo, remetem a traços do barroco: jogos de luz e sombra com ângulos das inclinações mais diversas; procura do movimento e da ilusão que leva a obra a não permitir uma visão privilegiada (frontal, definida), mas induza o observador a deslocar-se continuamente para compreendê-la sob aspetos sempre inusitados, como se ela estivesse em contínua mutação.
O tipo de escrita de Natália remete às instabilidades criadas nas obras barrocas, nas quais o tratamento temático se dá por meio de conflitos, de tensões, de modo a não haver questões absolutas no equilíbrio entre forma e conteúdo. Assim como no estilo barroco, em “O nascimento do poeta” a multiplicidade de detalhes converge para a unidade alcançada pela interpenetração entre as partes, projetando a atenção para o todo […]. Relaciona-se à tensão observada na obra de Natália a observação de Haroldo de Campos (1975, p. 92) de que a poesia “faz-se dialética não para o conforto de alguma síntese ideal, hipostasiada no absoluto, mas pela guerra permanente que engendra entre os elementos em conflito, à busca de conciliação, e onde o possível se substitui normativamente ao eterno”.
Nessa trama interna do poema, manifesta-se um aspeto universal correspondente à força centrípeta da linguagem literária, questão problematizada por vários críticos, como Northrop Frye, Umberto Eco e Melo e Castro. O crítico português, na obra O fim visual do século XX (1993, p. 17), explica o fato de a obra de arte possuir uma força centrípeta que atrai o espectador, transformando-o em participante no sentido de comunicar-se consigo próprio, na obra de arte. O leitor reage, assim, ao complexo das perceções que lhe são possíveis. Pensando, neste momento, no título da seção em que está incluído “O nascimento do poeta”, “Fragmentos de um itinerário”, um detalhe não deve ser deixado de lado quanto à construção desse poema: a “eloquência” é incoerente com uma estrutura poética fragmentária, levando a pensar que os fragmentos só existem no título da seção e nas respetivas implicações semânticas que agrupam os textos dela integrantes.
Trata-se de um conjunto de poemas precedidos cada um por um texto em prosa centrado no mesmo núcleo temático do poema: “Num dia demasiadamente raivoso” e “O nascimento do poeta”, “No sítio em que os Transparentes” e “Árvore géniológica”, “Na fossa dos mais acreditados dicionários” e “Mãe ilha”, “Os outros seriam menos estúpidos” e “A casa do poeta”, “O quarto é o homem elevado ao quadrado” e “Quarto”, “O casamento é um soneto” e “Tríptico do amor conjugal”, “O meu perfil é a última esperança” e “De perfil”, “O sonho é o homem a três quartos” e “Sonho a três quartos”, “Alguém liga-se à corrente poética” e “A defesa do poeta”.
Para estarem agrupados em uma obra particular e ainda receberem um subtítulo, certamente que deve haver algo a conduzir esses textos: é a voz de um ser feminino exaltando, principalmente, o “eu”, a poesia, o espaço de criação literária e o poeta. Se os textos constituem um “itinerário”, tal percurso se demarca pela voz de um ser feminino, o eu “em amorosa posição de cana erecta”, a focalizar o próprio eu, a figura do poeta. Fica patente, portanto, o princípio de composição de uma poesia marcada, sobretudo, pelo signo da intertextualidade, à medida que se estabelece uma inevitável relação de um texto com os demais, sem que isso queira dizer que eles fazem referência entre si.
Embora esteja sendo usado em um nível semântico intertextual, o termo “fragmentos” permite uma discussão a respeito da imagem de “enredamento”, por indicar que, até quando se trata de fragmentos ou, na verdade, textos, a poesia de Natália desenvolve-se no âmbito da ligação entre as partes que a escrita e leitura realiza. Quando até os fragmentos são considerados textos, é porque a perspetiva poética da autora é, realmente, a de um envolvimento que, para ela, é mais significativo entre as partes da obra do que se recorresse a espaços em branco ao longo do objeto, lembrando Mallarmé.
A já mencionada epígrafe escrita por Natália ao poema “Ode ao agravo geral” (1993, v. 1, p. 169) de que “o valor das palavras na poesia é o de nos conduzirem ao ponto onde nos esquecemos delas” e “o ponto onde nos esquecemos delas é onde nunca mais se pode ter repouso”, ao conceber uma especificidade para a relação entre as palavras e as ideias por elas suscitadas, na poesia, traz uma noção válida para o enredamento: a de que existe uma ligação entre as partes do poema capaz de provocar um “borbulhar” de sentidos, os quais, não se fixando em um ponto determinado (um verso, uma estrofe) do texto, enviam a outra parte, construindo um “enredamento”, uma teia. Essa tecedura poética impede a leitura isolada de um fragmento do poema, forçando o leitor a circular pelo texto e entre os textos, para que não se perca o recurso impulsionador do tom rebelde da linguagem adotado por Natália. É preciso mergulhar nesse espaço “onde nunca mais se pode ter repouso”. Portanto, o enredamento torna-se uma forma de impulsionar o tom rebelde da linguagem na poesia de Natália, conforme se pode notar em “Num dia demasiadamente raivoso”, antecedente a “O nascimento do poeta”:
“Num dia demasiadamente raivoso para caber no Zodíaco nasci a metade de um endecassílabo quebrado em dois. Tambor de ossos delirantes espalhei na cidade a notícia de que um planeta puro como o hálito de muitas flores reunidas preparava um dilúvio de sonhos para desnudar as estrelas jacentes nas criptas dos nomes. Era a loucura de não nascer comigo. Sentados no sumptuoso aposento da morte, os homens trocavam entre si as navalhas em códigos dos assassinos especialistas na vida. Tinham todos nascido pontualmente à hora da certidão de idade. Ou estavam pelo menos convencidos disso. Uma certeza que na caça aos fogos fátuos do alfabeto atribui a cada um o mérito de pendurar à cintura o significado esperneante da vida. Uma cabeleira em acento circunflexo amortecia os sons pertencentes a outra idade que levavam aos sepulcros, salas de dança horrível das vogais sepultadas vivas. Constelada de calafrios recolhi-me à minha flor provocada pelos dias intensos em que me alcanço na radiosa capital dos inascidos: a luz da minha pele iluminada por dentro para gravar um canto. A educação musical dos girassóis que dá o meu hectare de realidade entre o ser e o estar põe a minha memória ao serviço da metade que eu fiquei por nascer. Trabalho urbanístico de esponja embebida na luz de um lugar achado pela técnica suavíssima do marfim de todos.
Alguns, por cardíaca aceitação do policiamento da porta que um cão de turquesas abre para o sítio onde vai ser a vida, chamam a isso poesia.”
Ao longo de todo o texto “Num dia demasiadamente raivoso”, não por acaso em forma de prosa, tendo em vista o estilo por enredamento, a poeta é associada a um bebê que nasce. Há várias correlações, entre as quais a primeira é de tom erótico, ao metaforizar (identificar semanticamente dois conjuntos, no caso, o bebé e a poeta, por meio de um processo de intersecção sémica entre eles) a chegada do eu lírico por um canal dividido em dois. Como se pode observar, o próprio texto poético em análise é dividido em dois parágrafos, sendo que, na segunda parte, tem-se a finalização da chegada da poesia.
Outra correlação é quanto ao sofrimento: tanto no nascimento do bebé quanto no do eu lírico, há um “esperneamento”, que acaba sendo o significado da vida. Para a voz do poema de Natália, espernear é, pois, uma insatisfação permanente trazida pelo nascimento.
Uma especificidade do enredamento em “Num dia demasiadamente raivoso” encontra-se não somente nas imagens correlacionadas, mas na maneira como elas são associadas, intersecionadamente, fundindo uma realidade (o nascimento de um bebê) a outra (o nascimento da poeta). Por exemplo, em “nascer a metade de um hendecassílabo dividido em dois”, há um ser que nasce, mas o nascimento torna-se estranho quando ocorre em um hendecassílabo. No próximo período, há quatro entidades cuja associação leva a vários pontos de referência, configurando a fusão de realidades: o ser que nasceu, “planeta puro”, “dilúvio de sonhos” e “criptas dos nomes”. Tal forma de construir a linguagem poética é amparada pela horizontalidade da prosa, em que se constroem períodos longos, principalmente o último.
O mergulho no espaço do nascimento emerge em signos cujas materialidades sonoras demonstram um impulso efervescente de criação poética: “ossos delirantes”, “loucura”, “suntuoso”, “esperneante”, “técnica suavíssima do marfim”. A escolha lexical e o arranjo das palavras conferem à linguagem um tom rebelde sendo impulsionado pela continuidade de tal estilo.
Discurso crítico e posicionamento lírico em Orides Fontela e Natália Correia, Priscila Pereira Paschoa.
São José do Rio Preto, Universidade Estadual Paulista -
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, 2006, pp. 118-126, 160-166.
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