domingo, 28 de fevereiro de 2021

Amália Rodrigues - Versos

 Ai Esta Pena de Mim


Ai esta angústia sem fim
Ai este meu coração
Ai esta pena de mim
Ai a minha solidão

Ai a minha infância dorida
Ai o meu bem que não foi
Ai minha vida perdida
Ai lucidez que me dói

Ai esta grande ansiedade
Ai este não ter sossego
Ai passado sem saudade
Ai a minha falta de aprego

Ai de mim que vou vivendo
Em meu grande desespero
Ai tudo o que não entendo
Ai o que entendo e não quero


Gostava de Ser Quem Era

Tinha alegria nos olhos
Tinha sorrisos na boca
Tinha uma saia de folhos
Tinha uma cabeça louca

Tinha uma louca esperança
Tinha fé no meu destino
Tinha sonhos de criança
Tinha um mundo pequenino

Tinha toda a minha rua
Tinha as outras raparigas
Tinha estrelas tinha a lua
Tinha rodas de cantigas

Gostava de ser quem era
Pois quando eu era menina
Tinha toda a Primavera
Só numa flor pequenina


Tive Um Coração Perdi-o

Tive um coração perdi-o
Ai quem mo dera encontrar
Preso no fundo do rio
Ou afogado no mar

Quem me dera ir embora
Ir embora sem voltar
A morte que me namora já me pode vir buscar

Tive um coração perdi-o
Ainda o vou encontrar
Preso no lodo do rio
Ou afogado no mar


Trago Fados Nos Sentidos

Trago fados nos sentidos
Tristezas no coração
Trago os meus sonhos perdidos
Em noites de solidão

Trago versos trago sons
Duma grande sinfonia
Tocada em todos os tons
Da tristeza e da agonia

Trago amarguras aos molhos
Lucidez e desatinos
Trago secos os meus olhos
Que choram desde meninos

Trago noites de luar
Trago planícies de flores
Trago o céu e trago o mar
Trago dores ainda maiores


Quando Se Gosta de Alguém

Quando se gosta de alguém
Sente-se dentro da gente
Ainda não percebi bem
Ao certo o que é que se sente

Quando alguém gosta d'alguém
É de nós que não gostamos
Perde-se o sono por quem
Perdidos de amores andamos

Quando alguém gosta de alguém
Anda assim como ando eu
Que não anda nada bem
Com este mal que me deu

Quando se gosta de alguém
É como estar-se doente
Quanto mais amor se tem
Pior a gente se sente

Quando se gosta de alguém
Como eu gosto de quem gosto
O desgosto que se tem
É desgosto que dá gosto


Lágrima

Cheia de penas
Cheia de penas me deito
E com mais penas
Com mais penas me levanto
No meu peito
Já me ficou no meu peito
Este jeito
O jeito de te querer tanto

Desespero
Tenho por meu desespero
Dentro de mim
Dentro de mim um castigo
Não te quero
Eu digo que não te quero....
E de noite
De noite sonho contigo

Se considero
Que um dia hei-de morrer
No desespero
Que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile
Estendo o meu xaile no chão
Estendo o meu xaile
E deixo-me adormecer

Se eu soubesse
Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias
Tu me havias de chorar
Uma lágrima
Por uma lágrima tua
Que alegria
Me deixaria matar


Ai Minha Doce Loucura

Ai minha doce loucura
Ai minha loucura doce
Meu amor se assim não fosse
Seria a noite mais escura
Meu amor se assim não fosse

Se eu dantes tinha fome
Meu amor anda faminto
Com os beijos que te dei
O que sinto eu já não sei
Eu já nem sei o que sinto

Seria a noite mais noite
Meu amor se assim não fosse
Seria a noite mais escura
Ai minha doce loucura
Ai minha loucura doce

Ai minha loucura doce
Ai minha doce loucura
Ai minha loucura louca
Eu hei-de achar a tua boca
Mesmo na noite mais escura
Se minha alma não ousa
Meu coração que se afoite
Eu hei-de achar tua boca
Ai minha loucura louca
Mesmo na noite mais noite

Meu amor se assim não fosse
Seria a noite mais escura
Ai minha loucura doce
Ai minha loucura louca
Ai minha doce loucura


O Fado Chora-se Bem

Moram numa rua escura
A tristeza e a amargura
A angústia e a solidão
No mesmo quarto fechado
Também la mora o meu fado
E mora meu coração

Tantos passos temos dado
Nós as três de braço dado
Eu a tristeza e a amargura
À noite um fado chorado
Sai deste quarto fechado
E enche esta rua tão escura

Somos vizinhos do tédio
Senhor que não tem remédio
Na persistência que tem
Vem p'ró meu quarto fechado
Senta-se ali a meu lado
Não deixa entrar mais ninguém

Nesta risonha morada
Não há lugar p'ra mais nada
Não cabe lá mais ninguém
Só lá cabe mais um fado
Que neste quarto fechado
O fado chora-se bem


Amor de Mel Amor de Fel

Tenho um amor
Que não posso confessar
Mas posso chorar

Amor pecado
Amor de amor
Amor de mel
Amor de flor
Amor de fel
Amor maior
Amor amado

Tenho um amor
Amor de dor
Amor maior
Amor chorado
Em tom menor
Em tom menor
Maior o fado

Choro a chorar
Tornando maior o mar
Não posso deixar de amar
O meu amor em pecado
Foi andorinha
Que chegou na Primavera
E eu era quem era

Fado maior
Cantado em tom de menor
Chorando um amor de dor
Dor de um bem e mal amado


Grito

Silêncio
Do silêncio faço um grito
E o corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco
De sombra a sombra
Há um céu tão recolhido
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido
Ao céu
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive atrás d'ela
E eu
A quem o céu esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora

Solidão
Que nem mesmo é inteira
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura
Ai solidão
Quem fora escorpião
Ai solidão
E se mordera a cabeça
Adeus
Já fui p'r'além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a uma parede
Adeus
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai como dói
A solidão quase loucura


Horas de Vida Perdida

Horas de vida perdida
À procura de viver
Vai-se á procura da vida
Não a encontra quem quer

Quem sou eu para dizer
Quem sou eu para o saber
Nem sei se sou ou não sou
Ninguém pode conhecer
Isto de ser e não ser

Sem saber sei entender
Assim sei o que não sei
Sinto que sou e não sou
Entre o que sei e não sei
A minha vida gastei
Sem conseguir entender

Ai quem me dera encontrar
As rimas da poesia
Ai se eu soubesse rimar
Tantas coisas que eu dizia


O Tempo Dantes Corria

O tempo dantes corria
E eu ainda corria mais
Mas vi-te e desde esse dia
Que correm mais os meus ais

O tempo dantes corria
E com ele meus folguedos
Mas vi-te e desde esse dia
Correm p'ra ti meus segredos

O tempo dantes corria
E eu corria para a vida
Mas vi-te e desde esse dia
Fiquei de vida perdida

O tempo dantes corria
E eu vivia a correr
Mas vi-te e desde esse dia
Que corro só p'ra te ver


Por Que Voltas De Que Lei

Por que voltas de que lei
Vem este sentir profundo
Por te ver como sei
Me sinto dona do mundo

Por que espada de que rei
Meu amor é fogo posto
És tanto de quanto amei
Que és tudo de quanto gosto

Por este amor que te tenho
Por ser assim como sou
És inferno de onde venho
És o céu para onde vou

Por que voltas de que lei
És tudo de quanto gosto
Me perdi e me encontrei
Nas voltas que tem teu rosto

Por que voltas de que rei
Em meu peito te desenho
És tanto de quanto amei
Que és todo o mundo que tenho

E de tão rica que estou
Nunca tão pobre fiquei
Por ser assim como sou
E te saber como sei


Mãos Desertas

Nesta solidão que é minha
Mora a minha inquietação
E esta angústia que me mata
Mora no meu coração

Salvai o meu coração
Que se queima na fogueira
No fogo desta paixão
Que será p'rá vida inteira

O nosso amor, meu amor
É bom e faz-me sofrer
Prazer que me traz a dor
Do medo de te perder


Ai De Mim Que Me Perdi

Ai de mim que me perdi
Pelos caminhos do tédio
Perdi-me cheguei aqui
Agora não tem remédio

Ai de mim que me perdi
Perdi-me no fim da estrada
Ai de mim porque vivi
A vida desencontrada

Tantos caminhos andados
Não fui eu que os descobri
Foram meus passoa mal dados
Que me trouxeram aqui

Perdida me acho na vida
E a vida já me perdeu
Ando na vida perdida
Sem saber quem a viveu

Por mais que queira encontrar
A razão do meu viver
A razão de cá andar
Não posso compreender

Que culpa tem o destino
Dos caminhos que eu andei
Fui eu no meu desatino
Que andei e não reparei

Perdida estou sem remédio
Meu pecado é meu castigo
Pecado é morrer de tédio
Castigo e viver contigo


Faz-me Pena

Que culpa tem o destino
Deste destino que eu tenho
Se o desgosto é pequenino
Eu aumento-lhe o tamanho

É meu destino
Se o desgosto é pequenino
Eu aumento-lhe o tamanho

Se o desespero matasse
Eu já teria morrido
Talvez alguém me chorasse
Talvez o tenha merecido

Talvez alguém
Talvez alguém me chorasse
Talvez o tenha merecido

Sinto que cheguei ao fim
Das ilusões que não tive
Porque alguém gosta de mim
Algo de mim sobrevive

Cheguei ao fim
Mas se alguém gosta de mim
Algo de mim sobrevive

Adeus que chegou a hora
Há muito a venho esperando
E se por mim ninguém chora
Faz-me pena e vou chorando

Já vou embora
E se por mim ninguém chora
Faz-me pena e vou chorando


Amália Rodrigues - Versos


 

Chemsex - Sexo Químico

a.nor.gas.mi.a

sábado, 27 de fevereiro de 2021

''Poppers''

 Nitritos de Alquilo


 

priapismo

''Love Drug''

Ecstasy (MDMA)

 

elação

nome feminino
1.
altivezarrogância
2.
elevaçãoexaltação

''Crystal meth''

 SEXO || DROGAS || MÚSICA

todas ligadas à mesma região cerebral: via neuroquímica comum, sistema dopaminérgico mesolímbico.




 

''método saramaguiano''


''tsunami estilístico, semântico e sintático''

 Caetano Veloso, no Prefácio do Livro A máquina de fazer espanhóis.

Património erótico

''fantasmas da portugalidade''

 Caetano Veloso, no Prefácio do Livro A máquina de fazer espanhóis.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

urbanófilo

Técnica de colódio húmido | Fotografia


''O colódio úmido é um antigo processo fotográfico que foi inventado em 1848 pelo inglês Frederick Scott Archer (1813-1857), mas apenas introduzido em março de 1851.  Archer descobriu que o colódio, uma solução viscosa de piroxilina,  quando misturada a outros reagentes e que em contato com nitrato de prata, se torna um material sensível à luz.

A técnica consiste na aplicação deste colódio ainda líquido em uma placa de metal ou vidro que deve estar bem limpa, criando-se então uma película muito fina. Esta placa é submersa por alguns minutos em uma solução de nitrato de prata tornando-se assim fotosensível. Basicamente, o que temos até aqui é o colódio como uma solução ligante entre o suporte (placa de metal ou vidro) e o nitrato de prata.

Esta placa quando retirada do banho de nitrato de prata, agora fotosensível, é colocada ainda úmida em um dark slide para que seja exposta através da câmera. O tempo de exposição destas placas para que seja possível gravar uma imagem é bastante longo comparado aos dias de hoje (mas muito curto para a época…) e depende de condições climáticas, mesmo estas sendo expostas à luz do dia. Só para se ter uma idéia estas placas equivalem à sensibilidade de um filme de ASA 1 à 3.

Devemos levar em consideração no decorrer deste processo que o tempo à partir  da retirada da placa do banho de prata até o ato de fotografar e revelar, leva-se em torno de 10 à 15 minutos (depende se o clima estiver seco ou úmido), acima deste tempo corre-se o risco do colódio secar limitando as chances de um bom resultado.''

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021




 

''a leitura do desassossego genológico ''

 “Bernardo Soares é, por excelência, o homem sem qualidades, reduzido ao denominador comum da condição humana. (…) o Livro é, por conseguinte, a confissão de um homem imaturo que nunca chegou a ser ‘alguém’”

Robert Bréchon


 “Só a abstenção é nobre e alta, porque ela é a que reconhece que a realização é sempre inferior, e que a obra feita é sempre a sombra grotesca da obra sonhada”

Bernardo Soares

 “Grotesque and odd are the shapes that rule/ In my brain as worms in a grave” 


Versos de “Fragment of delirium”, de Alexander Search.

 Revista com um “Balanço do ano literário de 1982” assinado por Eduardo Prado Coelho, abre com as seguintes linhas: 

''O ano de 1982 será assinalado por um acontecimento maior: a publicação dos dois volumes que constituem o material susceptível de ser integrado no projecto do Livro do Desassossego que Fernando Pessoa foi elaborando durante longos anos da sua vida. Esta obra, que assume o estatuto de uma obra que vive do seu próprio adiamento, que se sustenta como des-obra, como impossibilidade de qualquer obra, como supremacia do fazer sobre o resultado, da produção sobre o produto, não podia deixar de suscitar as reservas daqueles que possuem uma imagem feita de Pessoa. Mas, por isso mesmo, constitui um desafio muito vivo colocado a todos os que se interrogam ainda sobre a obra de Pessoa. ''(Coelho, 1983)

 Afinal,

quem é quem, na maranha

de fingimento que mal finge

e vai tecendo com fios de astúcia

personas mil na vaga estrutura

de um frágil Pessoa?


(Andrade, 1985)



''No meio deste alvoroço de sentimentos e ressentimentos dos ocidentais, o pobre Livro do Desassossego, vindo a lume no início desse decénio e logo batido, debatido e combatido em dois grandes congressos internacionais e em inúmeros artigos, apresentou-se como uma espécie de bode expiatório de que a já muito conhecida fórmula “A minha pátria é a língua portuguesa” seria exemplar metonímia , tão treslida e mal-amada quanto o esgotadíssimo ut pictura poesis horaciano.''

in A dimensão do desassossego: Bernardo Soares, o menor, e a sua “epopeia pobre”

Joana Matos Frias
Universidade do Porto

'' bipolaridade crítica''

alofilia

'' (…) A moda é o Pessoa, coitado: dá para tudo; 

e a culpa é dele, com aquela comovente 

incapacidade para ser ele próprio. 

De nada lhe serviu ter dito e redito

 que a fama era para as actrizes. 

Que vocação de carneiro têm as maiorias: 

não há fúfia universitária ou machão 

fardado que não diga que a pátria 

é a língua ou a puta que os pariu.

 (…) 

Coitado, pensava ter tempo para pôr ordem 

na arca, mas a morte veio antes da hora. ''


Eugénio de Andrade, “A Vitorino Nemésio, alguns anos depois”, 1983 (Ostinato Rigore/ Epitáfios, 1984)

 A velhinha lei de Talião: ''olho por olho, dente por dente...''

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021


                                                                  Laura Murillo Mancho

“Todas as manhãs a gazela acorda sabendo que tem que correr mais veloz que o leão ou será morta. Todas as manhãs o leão acorda sabendo que deve correr mais rápido que a gazela ou morrerá de fome. Não importa se és um leão ou uma gazela: quando o Sol desponta o melhor é começares a correr”.

Provérbio africano

Paisagens políticas

[In]Pertinente

cleptocracia

Partidofagias

The Doors | Strange Days - Full Album 1967




 

Poema negro

A Santos Neto

Para iludir minha desgraça, estudo.
Intimamente sei que não me iludo.
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus olhares fúnebres, carrego
A indiferença estúpida de um cego
E o ar indolente de um chinês idiota!

A passagem dos séculos me assombra.
Para onde irá correndo minha sombra
Nesse cavalo de eletricidade?!
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
— Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?
E parece-me um sonho a realidade.

Em vão com o grito do meu peito impreco!
Dos brados meus ouvindo apenas o eco,
Eu torço os braços numa angústia douda
E muita vez, à meia-noite, rio
Sinistramente, vendo o verme frio
Que há de comer a minha carne toda!


É a Morte — esta carnívora assanhada —
Serpente má de língua envenenada
Que tudo que acha no caminho, come…
— Faminta e atra mulher que, a 1 de janeiro,
Sai para assassinar o mundo inteiro,
E o mundo inteiro não lhe mata a fome!

Nesta sombria análise das cousas,
Corro. Arranco os cadáveres das lousas
E as suas partes podres examino. . .
Mas de repente, ouvindo um grande estrondo,
Na podridão daquele embrulho hediondo
Reconheço assombrado o meu Destino!

Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova…
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!

E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!


Chegou a tua vez, oh! Natureza!
Eu desafio agora essa grandeza,
Perante a qual meus olhos se extasiam…
Eu desafio, desta cova escura,
No histerismo danado da tortura
Todos os monstros que os teus peitos criam.

Tu não és minha mãe, velha nefasta!
Com o teu chicote frio de madrasta
Tu me açoitaste vinte e duas vezes…
Por tua causa apodreci nas cruzes,
Em que pregas os filhos que produzes
Durante os desgraçados nove meses!


Semeadora terrível de defuntos,
Contra a agressão dos teus contrastes juntos
A besta, que em mim dorme, acorda em berros
Acorda, e após gritar a última injúria,
Chocalha os dentes com medonha fúria
Como se fosse o atrito de dois ferros!

Pois bem! Chegou minha hora de vingança.
Tu mataste o meu tempo de criança
E de segunda-feira até domingo,
Amarrado no horror de tua rede,
Deste-me fogo quando eu tinha sede…
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!


Súbito outra visão negra me espanta!
Estou em Roma. É Sexta-feira Santa.
A treva invade o obscuro orbe terrestre.
No Vaticano, em grupos prosternados,
Com as longas fardas rubras, os soldados
Guardam o corpo do Divino Mestre.

Como as estalactites da caverna,
Cai no silêncio da Cidade Eterna
A água da chuva em largos fios grossos…
De Jesus Cristo resta unicamente
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente
Sente vontade de abraçar-lhe os ossos!

Não há ninguém na estrada da Ripetta.
Dentro da Igreja de São Pedro, quieta,
As luzes funerais arquejam fracas…
O vento entoa cânticos de morte.
Roma estremece! Além, num rumor forte,
Recomeça o barulho das matracas.

A desagregação da minha idéia
Aumenta. Como as chagas da morféa
O medo, o desalento e o desconforto
Paralisam-se os círculos motores.
Na Eternidade, os ventos gemedores
Estão dizendo que Jesus é morto!


Não! Jesus não morreu! Vive na serra
Da Borborema, no ar de minha terra,
Na molécula e no átomo… Resume
A espiritualidade da matéria
E ele é que embala o corpo da miséria
E faz da cloaca uma urna de perfume.

Na agonia de tantos pesadelos
Uma dor bruta puxa-me os cabelos,
Desperto. É tão vazia a minha vida!
No pensamento desconexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E um pedaço de cera derretida!

Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensangüento na vigília!
E observo, enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mobília.

Meu coração, como um cristal, se quebre
O termômetro negue minha febre,
Torne-se gelo o sangue que me abrasa,
E eu me converta na cegonha triste
Que das ruínas duma casa assiste
Ao desmoronamento de outra casa!

Ao terminar este sentido poema
Onde vazei a minha dor suprema
Tenho os olhos em lágrimas imersos…
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante não farei mais versos.


Augusto dos Anjos, em “Toda poesia de Augusto dos Anjos”. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2016.

neuroses colectivas

 ''o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...''

José Mário Branco

''Não há pedintes Não há miséria.''

 Müller 

*O delírio de massas que provoca a náusea de Müller


 Sydney apartment / self-portrait /Gil Rigoulet

 Deaf Love

 ''Gritos animalescos Quem havia de querer anotar isto 

Com paixão? O ódio não compensa o desprezo dá em nada 

Percebi pela primeira vez as suas reservas em escrever 

Camarada Professor sobre o período imperial romano 

O reconhecimento feliz do consulado de Nero

Sabendo como o texto não escrito é uma ferida 

De onde corre o sangue que nenhuma fama póstuma estanca 

E a enorme lacuna na sua História 

 Foi uma dor neste meu corpo que não sei quanto tempo ainda 

Respirará ''


Müller

“césares vermelhos”

Müller

in.di.zí.vel

dealbar

''discurso arqueológico''

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