quarta-feira, 13 de maio de 2015
SUNT LACHRIMAE RERUM...
1
O mar tem fundos nus de areia fina
E poentes toldados pela neblina.
Eu não tenho nada,
Vazio
- Homem frente ao mar que despedaça
Inerráveis construções do espírito.
E lanço pedras na espuma,
Só, absorto no espaço,
Sem palavras, nem sequer palavras
Devassadas.
(...)
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 111
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RUY CINATTI
«E há ilusões consentidas:
Vento que sopra nos caules
Antes de serem ceifados.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 114
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RUY CINATTI
Sementes do inferno e do céu.
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 111
RODOLFE
Tens razão. As mulheres amaldiçoam de manhã e abençoam à noite, quando torna a amanhecer, voltam a amaldiçoar, para abençoar, outra vez ao meio-dia. É como o vento variável, sempre a soprar em direcções diferentes. As árvores já o conhecem e deixam-se ficar direitas, deixam-no passar. A minha maldição não é assim: é como um punhado de sal que se deita no chá, tornando-o para sempre intragável.
MONIQUE
Bestas, vagabundos, remelosos, gafados, restos de seres humanos! Estou farta destes doidos mal lavados, tão farta que antes preferia viver no meio dos ratos e dos cães! Meu Deus, esta gente mete nojo! Vou-me fechar atrás de quatro portas de cimento, vou-me barricar em casa assim que voltar e pedir que me façam chegar os alimentos por um túnel para nunca mais ter que sentir o cheiro destas raspas de seres humanos, vou mandar que me cimentem dos pés à cabeça, só com um buraco para a boca e o nariz! Maurice, quero voltar para casa! (Monique e Maurice caem nos braços um do outro.)
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 89
«Não andes por aí a laurear a pluma (...)»
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 86
«Aliás, tu nunca entendes o que eu te digo, e eu não percebo nada do que tu pensas. Fazes sempre como eu penso que tu pensas que não tens vontade de fazer, e depois emendas.»
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 67
«Não te estou a pedir nada que não me devas.»
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 66
FAK
São precisamente os que nunca se lavaram desde que nasceram que estão sempre limpos; a porcaria desinteressa-se deles e escorrega-lhes pela pele. Ao passo que correr atrás dos que passam o tempo todo a lavar-se; quanto mais se lavam, mais a porcaria se agarra. Quando fores crescida, vais ter que te lavar cada vez com mais frequência, e mais tarde, quando já fores muito velha, vais passar o tempo todo a lavar-te sem nunca deixares de estar suja, mas eu, que nunca me lavei vou estar limpo até ao fim dos tempos.
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 64
«Um homem não deixa a sua terra com vergonha do nome da mãe sem ter cometido um crime. Vocês só nos trazem desgraças, com o cheiro dos vossos crimes, da vossa vergonha, do vosso silêncio, de tudo o que escondem. Com vocês, chegados aqui sem pai, nem mãe, nem raça, nem umbigo, nem língua, nem nome, nem deus, nem visto, chegou o tempo das desgraças umas atrás das outras. Por vossa causa, a desgraça entrou em nossa casa, subiu as escadas, arrombou a porta e foi o começo da miséria, o começo da falta de dinheiro, o começo da escuridão, dos sóis que não querem pôr-se, o começo dos barcos que já não páram aqui, do abandono das casas pelas pessoas honestas, o começo da desordem, dos insultos, das navalhadas, do medo da noite, do medo do dia, do medo colado às costas, do desregramento dos dias e das noites, o começo das picadas no nosso sangue pelas moscas que se ocultam nos vossos cabelos. Antes, o sol era o sol, bastava um gesto para nos obedecer, e a noite o tempo do sono; as portas fechavam-se à chave, as janelas tinham vidraças e das torneiras corria água, mas vocês beberam até à última gota a água que corria das torneiras e não deixaram nada para ninguém. Antes, por aqui tudo corria bem: não havia dores nas pernas nem nas costas, não havia dores na garganta, nos olhos, não havia a febre que não nos deixa dormir, nem dores de barriga, nem dores no peito. Antes, andávamos como deve ser, de ombros firmes e costas direitas. Mas a vossa vergonha foi lentamente encurvando as nossas costas e baixando a nossa cabeça, e começou aí a nossa desgraça. Nunca mais quero ver-te! Nunca mais quero ver nada!»
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 61/2
terça-feira, 12 de maio de 2015
«Um sonho sem história.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 95
«Fiel à minha inocência.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 93
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verso solto
«Somos fiéis ao que queremos»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 93
«Como és fugaz e me feres a alma!»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 90
12.
Não sei se dor
Ou muito amor
Eu sinto.
Mas isto é maior que a morte;
Não posso mais.
Eu minto.
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 85
Ou muito amor
Eu sinto.
Mas isto é maior que a morte;
Não posso mais.
Eu minto.
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 85
«A minha alma pára;
Sim, cansada de sofrer,
Cansada de se justificar.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 84
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RUY CINATTI
UMA NOITE INCENDIEI
"Uma noite incendiei a casa que amava,
iluminou um círculo perfeito
em que vi ervas daninhas e pedras
Além disso - nada.
Certas criaturas do ar
que de noite tinham medo,
Vieram ver o mundo outra vez
E na luz pereceram.
Agora navego de céu em céu
E toda a escuridão canta
contra o navio que fiz
com asas mutiladas."
iluminou um círculo perfeito
em que vi ervas daninhas e pedras
Além disso - nada.
Certas criaturas do ar
que de noite tinham medo,
Vieram ver o mundo outra vez
E na luz pereceram.
Agora navego de céu em céu
E toda a escuridão canta
contra o navio que fiz
com asas mutiladas."
-"Poemas e Canções Vol 1"
- Leonard Cohen
- Leonard Cohen
segunda-feira, 11 de maio de 2015
CARTA ASTROLÓGICA DE JEAN GALMOT
"Falta de estabilidade.
Pensamento inconstante, incapaz de se fixar. Pouco criador.
Demasiado contemplativo.
Pensamento que se deleita no sonho e na imaginação.
Emotivo.
Diversidade de aspirações e falta de controlo. Demasiados interesses por demasiadas coisas e dificuldade de decisão.
Sensível ao modernismo da sua época e aos seus perigos.
Amante de nuvens e de nelas se perder.
Pensamento inconstante, incapaz de se fixar. Pouco criador.
Demasiado contemplativo.
Pensamento que se deleita no sonho e na imaginação.
Emotivo.
Diversidade de aspirações e falta de controlo. Demasiados interesses por demasiadas coisas e dificuldade de decisão.
Sensível ao modernismo da sua época e aos seus perigos.
Amante de nuvens e de nelas se perder.
Lado instintivo poderoso. O ventre domina, mas quer que a cabeça o acompanhe.
Misticismo.
Guia-se exclusivamente pelo sentimento.
Misticismo.
Guia-se exclusivamente pelo sentimento.
Falta de vontade e de auto-domínio.
Mobilidade.
Muito influenciável.
Impulsos seguidos de lamentos.
Remorsos por deixar escapar a oportunidade, as oportunidades.
Mobilidade.
Muito influenciável.
Impulsos seguidos de lamentos.
Remorsos por deixar escapar a oportunidade, as oportunidades.
O fundo do seu carácter é todavia mais forte do que parece.
Conflito entre o interior e o exterior, natureza timorata, incapaz de se fixar, e de se decidir. Com maior controlo sobre o plano físico, o plano emotivo pode tornar-se motor. Mas tudo acana por se reduzir a veleidades.
Conflito entre o interior e o exterior, natureza timorata, incapaz de se fixar, e de se decidir. Com maior controlo sobre o plano físico, o plano emotivo pode tornar-se motor. Mas tudo acana por se reduzir a veleidades.
Artista, mas desastrado. O excesso de imaginação e de versatilidade torna difícil a criação. Gosto pelas belas-artes e belas-letras, ainda mais por estas.
Gosto pela boémia e pelas naturezas originais o que favorece o inconformismo do carácter.
Pouca vitalidade; saúde precária."
Pouca vitalidade; saúde precária."
-"Rum: A Vida Secreta de Jean Galmot"
- Blaise Cendrars
- Blaise Cendrars
sábado, 9 de maio de 2015
«Para esses sonâmbulos, era eu o enfermo.»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 244
acinte
nome masculino
ação praticada com a intenção de contrariar, irritar ou provocar alguém; teima; pirraça
advérbio
intencionalmente
por acinte
de propósito, de caso pensado
«Sentia uma súbita fome. E um vazio em todas as vísceras.»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 239
''apagar-lhe da memória as nódoas que tinham ficado para trás.''
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 214
«(...), tal como eu, não queria confessar que a solidão nos deixa as mãos estendidas e apavoradas dentro de um quarto escuro; daí, as suas fugas, o seu arzinho de bicho que se prepara para arranhar enquanto não está certo se deve confiar nos dedos que se estendem para o afago.»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 189
«Desejei muitas vezes ter alguém ( e só então reparava, com azeda amargura, quanto tinha sido até aí desastrado nas relações humanas, quanto conduzira as pessoas a respeitarem-me por entre uma gélida terra-de-ninguém, a temer-me e nunca a ter estima por mim), um amigo que interpretasse as incongruências do meu procedimento, humanizando-as a meus olhos, ajustando-as, se fosse possível, à espécie de pessoa que eu julgava ser. Eu, por mim, de modo algum as poderia ajustar.»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 188
sexta-feira, 8 de maio de 2015
«Se aqueles breves raios de loucura passavam por Clarisse, se o mórbido desvario a conduzia a atitudes extremas é porque as patologias as previam, as regulamentavam. E se assim não fosse?
Clarisse, ao reparar no meu silêncio taciturno, fez um sorriso de astúcia.
-Nunca julguei que uma simples beliscadura te afectasse tanto...»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 183
«No entanto, Clarisse tinha de falar do passado. Arrumá-lo (tal como eu tentava arrumar o meu presente, unir o que fazia ao que sentia, sem, porém, o conseguir), esclarecê-lo para se libertar melhor. Ou então, era-lhe necessário, por orgulho, talvez, justificar certos aspectos contraditórios que se farejavam na sua vida.»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 175
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 175
quinta-feira, 7 de maio de 2015
Quando o amor morrer dentro de ti,
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 82
Mostrar-vos-ei quão mais profundo é o grito
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 82
4
A tua felicidade foi como um sorriso aberto numa manhã de sol,
Raiando sobre a terra numa alegria imensa.
E os teus olhos demoravam o voo das aves e alegravam-se,
Surpresos e meditativos como o olhar dos séculos
Ante o límpido acordar da paisagem.
Porém, rapidamente baixando sobre o brilho da tua alma,
Veio o sonho ajoelhar os teus joelhos,
A sombra do teu destino duro,
Da tua nudez pesada e triste.
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 81
4
Tomar nas minhas mãos o sopro suave
Que aflora à tua boca.
Levá-lo aos meus lábios e beijá-lo
Como quem, timidamente,
Se debruça e escuta
o fluir do orvalho
Sobre as flores da aurora.
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 75
«Haveis de voltar, eu sei, deuses tutelares da adolescência;
-Quantos e quantos corações bateram,
Por ti, Justiça
Por ti, Direito,
Por ti, retórica da liberdade plena,
Por ti, cadáver de vermes exaltados;
Vozes enganadoras, vozes que ninguém esquece,
Vozes de animais, se eles um dia falassem,
Vozes de revolta, não compreendidas por aqueles que as proferem,
Vozes de hálito bafiento, de lirismo doce,
Vozes de um futuro condenado à morte,
Para que se cumpra a Tua palavra, Senhor!,
Para que sejam os mortos a enterrar os mortos.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 69
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RUY CINATTI
«E eu procurava arrancar de mim aquela máscara
Que em mim polarizava o desespero;
Era falso o tormento, a alma que eu sentia
Não me pertencia.
E eu disfarçava aquele momento,
Falando de mim mesmo a alguém que, ausente,
Abria sobre mim as represas da angústia.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 67
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saúde mental
«Fak diz que tens razão, ele tem sempre razão, tu tens sempre razão. Deve ser por falares pouco e esconderes os teus segredos. Assim, é natural que não te enganes muito.»
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 52/3
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 52/3
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