«Era preciso proteger aquela criança contra si mesma, contra aquela obscuridade que, a seu ver, era tão legível que ela a confundia com a sua própria natureza.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 74/5
terça-feira, 15 de abril de 2014
Uma luz de um amarelo de iodo, sangrenta.
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 74/5
Ela voltara a olhar para o chão, com vergonha de ter de morrer.
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 71
«-Estou-me completamente nas tintas para o que você escreve, isso é lá consigo.
-Sim, é comigo, só comigo. Seja como for, farei o que quiser.
-Sim, seja como for, Você só faz aquilo que decide, tem esse defeito.
-Não tenho outra saída. Você não me deixa outra saída. Eu também não.
-Menos. Você deixa-me ainda menos.
-Também é verdade.
Continuámos a falar assim. E depois você disse:
- O que nós preferimos é escrever livros, um acerca do outro - e rimo-nos.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 62/3
-Sim, é comigo, só comigo. Seja como for, farei o que quiser.
-Sim, seja como for, Você só faz aquilo que decide, tem esse defeito.
-Não tenho outra saída. Você não me deixa outra saída. Eu também não.
-Menos. Você deixa-me ainda menos.
-Também é verdade.
Continuámos a falar assim. E depois você disse:
- O que nós preferimos é escrever livros, um acerca do outro - e rimo-nos.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 62/3
« - O que me impede de escrever, é você. Você é muito infeliz por isso. Porque não escreve. Você não escreve porque sabe tudo acerca dessa coisa, essa coisa trágica que é escrever, fazê-lo ou não, não escrever, não conseguir fazê-lo, você sabe tudo. Você, é por ser um escritor que não escreve. Pode acontecer.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 58
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 58
«Não percebo bem o que quer saber de mim. Eu digo o que sei, que certas histórias são inapreensíveis, que são feitas de estados sucessivos sem conexão entre eles. Que são as histórias mais terríveis, aquelas que nunca se confessam, que vivem sem qualquer certeza, nunca.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
Como de costume, chorei.
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55
«Falo-lhe ainda sobre o medo. Tento explicar-lhe. Não consigo. Digo: Está em mim. Segregado por mim. Vive de uma vida paradoxal, simultaneamente genética e celular. Está em mim. Sem linguagem para se manifestar. Visto de mais perto, é uma crueldade nua, muda, de mim para mim, alojada na minha cabeça, no calabouço mental. Estanque. Com surtidas para a razão, a verosimilhança, a clareza.
Você olha-me e deixa-me falar. Olha para mais longe. Diz:
-É o medo. O que acaba de descrever é o medo. É isso, não há outra definição.
-Una cousa mentale.
Você não me responde. E a seguir diz que é assim com toda a espécie de medo.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 52
Você olha-me e deixa-me falar. Olha para mais longe. Diz:
-É o medo. O que acaba de descrever é o medo. É isso, não há outra definição.
-Una cousa mentale.
Você não me responde. E a seguir diz que é assim com toda a espécie de medo.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 52
«A morte está posta a nu sob o vestido, a pele sob os olhos também, sob o seu olhar ferido e puro. De quando em quando o riso encobre o olhar, e ela recompõe-se desse riso, apavorada por tê-lo ousado. Olha então para o Captain, para saber. É então que o seu rosto se desnorteia e nos faz pensar.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
«O amor estava demasiado perto, ou demasiado longe, já não sabíamos, era fatal que um dia aquilo acontecesse, já não saber.Íamos a Quillebeuf também por causa disso, para não ficarmos juntos fechados numa casa, com o desespero.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 27/8
« - Não escreva mais.
-Quando escrevo, já não o amo.
Olhamo-nos. Deixamos de olhar-nos. Eu digo:
- São palavras que metem medo.
-Sim.
-É de loucura, o desespero que se aproxima...Quando falamos, quero eu dizer.
-Sim.
Você sorri. Empalideceu de novo, apenas, outra vez, acima dos lábios, mas mesmo assim empalideceu. Eu digo-lhe:
-Já não o amo. Você é que me ama. Você não o sabe.
Vamos até à amurada. Contemplamos o rio.
-É complicado.
-Pois é.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 26/7
-Quando escrevo, já não o amo.
Olhamo-nos. Deixamos de olhar-nos. Eu digo:
- São palavras que metem medo.
-Sim.
-É de loucura, o desespero que se aproxima...Quando falamos, quero eu dizer.
-Sim.
Você sorri. Empalideceu de novo, apenas, outra vez, acima dos lábios, mas mesmo assim empalideceu. Eu digo-lhe:
-Já não o amo. Você é que me ama. Você não o sabe.
Vamos até à amurada. Contemplamos o rio.
-É complicado.
-Pois é.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 26/7
« - Não há nada que contar. Nunca houve.
Eu respondo-lhe com certo atraso:
-Por vezes, falarmos os dois é tão difícil como morrer.
-É verdade.
-Parece-me que quando estiver em livro isso já não fará sofrer...já não será nada. Estará apagado. Descubro isso na história que tenho consigo: escrever, é também isso, sem dúvida, é apagar. Substituir.
-É verdade que a morte nada apaga. Quando você morrer, a história tornar-se-á fabulosa, evidente...»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 22/23
Eu respondo-lhe com certo atraso:
-Por vezes, falarmos os dois é tão difícil como morrer.
-É verdade.
-Parece-me que quando estiver em livro isso já não fará sofrer...já não será nada. Estará apagado. Descubro isso na história que tenho consigo: escrever, é também isso, sem dúvida, é apagar. Substituir.
-É verdade que a morte nada apaga. Quando você morrer, a história tornar-se-á fabulosa, evidente...»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 22/23
«Não se consegue saber que idade eles têm. O que se vê é que ela é sensivelmente mais velha que ele. Mas que ele alcançou o andamento lento dela. Que recusa avançar mais do que ela pode, isto há anos. Que para ela acabou e que no entanto ela ainda ali está, nas paragens daquele homem, que o seu corpo está ainda ao alcance do seu, das suas mãos, em toda a parte, de noite, de dia.
Via-se que tinha acabado e ao mesmo tempo que ela ainda ali estava. Via-se do mesmo modo. Que, se ele a abandonasse, ela morreria no seu próprio lugar onde a abandonara, isso também se via.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 19/20
segunda-feira, 14 de abril de 2014
"A man defines himself by his make-believe as well as by his sincere impulses."
The Myth of Sisyphus
Do ventre da baleia ergui meu grito:
Senhor! (dizer teu nome só é bom),
Em fé, em fé o digo, mesmo com
Um coração pesado e contrito
Que és de tudo verdade e não mito,
O coração do amor, de todo o dom,
Conquanto seja raro o bem e o bom
E toda a luz aqui me falhe, és grito
Que chama toda a chama de esperança
E acorda a luz que resta à réstia eterna,
Conquanto viva o mártir na espelunca
Da vida (quem espera amiúde alcança)…:
Possa o nazireu preso na cisterna
Sofrer de ser só tarde mas não nunca.
Senhor! (dizer teu nome só é bom),
Em fé, em fé o digo, mesmo com
Um coração pesado e contrito
Que és de tudo verdade e não mito,
O coração do amor, de todo o dom,
Conquanto seja raro o bem e o bom
E toda a luz aqui me falhe, és grito
Que chama toda a chama de esperança
E acorda a luz que resta à réstia eterna,
Conquanto viva o mártir na espelunca
Da vida (quem espera amiúde alcança)…:
Possa o nazireu preso na cisterna
Sofrer de ser só tarde mas não nunca.
Daniel Jonas, in «Nó». Ed. Assírio & Alvim, 2014
quinta-feira, 10 de abril de 2014
IMEDIATAMENTE EMBORA POUCO A POUCO
"Gostaria de ir ao teu encontro,
Procurar-te na vila, entre as pessoas,
Ou debaixo da magnólia do jardim.
A cascata corre & tu sentas-te a ouvir
Ao acaso as folhas que o vento espalha.
No teu rosto já só vejo o ar frio da serra,
As sombras dos que te abrem o caminho
Para que a cor do dia entre no jardim.
Faz com que a angústia nas palavras que usamos
Seja um bom presságio à nossa volta.
Tudo o que é divino é transitório,
Mas não o é em vão."
Procurar-te na vila, entre as pessoas,
Ou debaixo da magnólia do jardim.
A cascata corre & tu sentas-te a ouvir
Ao acaso as folhas que o vento espalha.
No teu rosto já só vejo o ar frio da serra,
As sombras dos que te abrem o caminho
Para que a cor do dia entre no jardim.
Faz com que a angústia nas palavras que usamos
Seja um bom presságio à nossa volta.
Tudo o que é divino é transitório,
Mas não o é em vão."
-"Nada Brahma"
- M. S. Lourenço
- M. S. Lourenço
quarta-feira, 9 de abril de 2014
quarta-feira, 2 de abril de 2014
terça-feira, 1 de abril de 2014
ouropel
nome masculino
1. lâmina de latão que imita o ouro
2. ouro falso
3. figurado falso brilho
4. figurado aparência enganadora
(Do latim aurĕa pellis, «pele de ouro», pelo provençal auripel, «idem»)
1. lâmina de latão que imita o ouro
2. ouro falso
3. figurado falso brilho
4. figurado aparência enganadora
(Do latim aurĕa pellis, «pele de ouro», pelo provençal auripel, «idem»)
«Afirma Pessoa, noutra carta a Gaspar Simões, 11/12/1931, que Freud lhe ensinou alguma coisa embora não tenha precisado dele para «conhecer, pelo simples estilo literário, [...] o onanista e, adentro do onanismo, o onanista praticante e o onanista psíquico». E mais adiante, referindo-se ao «que há de abusivamente sexual» nalgumas interpretações freudianas aplicadas à literatura, chama a atenção para o risco de conduzirem «a um rebaixamento automático, sobretudo perante o público, do autor criticado, de sorte que a explicação, sinceramente baseada e inocentemente exposta, redunda numa agressão». Talvez. O pior é a terminologia escolhida: rebaixamento, agressão, que faz pensar num ouriço a eriçar-se. Declara na mesma carta ter aprendido com Freud que o tabaco e o álcool são translações do onanismo. Ele, grande fumador e bebedor (concluo eu), está a coberto da suspeita. Mas que importância tem isto senão a de pôr a nu alguns preconceitos sociais de Pessoa?»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 443
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