domingo, 16 de dezembro de 2012

 
«Os habitantes de Valdrada sabem que todos os seus actos são ao mesmo tempo esse acto e a imagem especular, q que pertence a especial dignidade das imagens, e esta sua consciência proíbe-os de se abandonarem por um só instante ao acaso e ao esquecimento. Mesmo quando os amantes dão voltas aos corpos nus pele contra pele procurando a maneira de se colocarem para ter um do outro maior prazer, mesmo quando os assassinos empurram a faca para dentro das veias negras do pescoço e quanto mais sangue grumoso jorrar mais afundam a lâmina que desliza entre os tendões, não é tanto o seu unir-se ou trucidar-se que importa quanto o unir-se ou o trucidar-se das suas imagens límpidas e frias no espelho.»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 55

''carrocel das fantasias''

malentendidos

 
«Assim entre os que por acaso se encontram juntos a abrigar-se da chuva debaixo de um pórtico, ou se apinham devaixo dos toldos de um bazar, ou param para ouvir a banda no coreto da praça, consumam-se encontros, seduções, ligações, cópulas, orgias, sem que troquem uma palavra, sem que se toquem com um dedo, quase sem se olharem.»


Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 53


“I meet you. I remember you. Who are you? You’re destroying me. You’re good for me. How could I know this city was tailor-made for love? How could I know you fit my body like a glove? I like you. How unlikely. I like you. How slow all of a sudden. How sweet. You cannot know. You’re destroying me. You’re good for me. You’re destroying me. You’re good for me. I have time. Please, devour me. Deform me to the point of ugliness. Why not you? Why not you in this city and in this night, so like other cities and other nights you can hardly tell the difference? I beg of you.''

Marguerite Duras, Hiroshima mon amour





Who are you? You’re destroying me. You’re good for me. How could I know this city was tailor-made for love? How could I know you fit my body like a glove? I like you. How unlikely. I like you. How slow all of a sudden. How sweet. You cannot know. You’re destroying me. You’re good for me. You’re destroying me. You’re good for me.

Hiroshima mon amour (Alain Resnais, 1959)
 
«Agora basta que oiça relinchar os cavalos e zunir os chicotes e logo me assalta uma trepidação amorosa: em Hipácia tive de entrar nas cavalariças e nas oficinas dos ferradores para ver as belíssimas mulheres que montam nas selas de coxas nuas e polainas nas pernas, e que mal se aproxima um jovem estrangeiro o deitam sobre montes de feno ou de serradura e o apertam com os rijos mamilos.
    E quando a minha alma não pede outro alimento e estímulo que não seja a música, sei que de procurá-la nos cemitérios: os tocadores escondem-se nos túmulos; de uma cova para outra correspondem-se trinados de flautas e acordes de harpas.»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 50

A minha amizade está sobre ti  e tu não estás debaixo da minha
    amizade. Não sou eu o despojado: a tua beleza é tenaz mais o
    meu cansaço é mais profundo que a sua beleza.
 
 
 
Antonio Gamoneda. Descrição da Mentira. Tradução de Vasco Gato. Edições Quasi, 2003., p. 19
Reconhecei a minha lentidão e o animal que sangra docemente
    dentro da minha alma.
 
 
(...)
 
 
Faríeis melhor residindo em pântanos. Eu já não sou o vosso mestre
    mas sim a vossa profundidade a que talvez não chegareis.
 
(...)
 
 
a minha mãe é fértil na cobardia;
 
o meu coração, temível na doçura.
 
 
 
 
Antonio Gamoneda. Descrição da Mentira. Tradução de Vasco Gato. Edições Quasi, 2003., p. 14/15

''Estou velho de mim mesmo, (...)''

Antonio Gamoneda. Descrição da Mentira. Tradução de Vasco Gato. Edições Quasi, 2003., p.

''viverei cem madrugadas''

AMOR À PORTUGUESA

 
 
(...)
 
«Dá-me os teus lábios. Aperta-me e não penses.
Eu e tu, minha querida, somos fracos
debaixo desta ponte, como de um cenho duro
duas lágrimas que o mundo não vê...»
 
 
 
Yevgeny Yevtushenko. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 165

Lágrimas

(Sliózy)
 
Lama no bairro dos subúrbios,
Atrás da mata o bater das rodas...
Há muito que esqueci o que é chorar;
Quem me fala do sabor das lágrimas?
 
Só às vezes de noite,
Não por medo do silêncio,
Por qualquer coisa, correm
Fios de lágrimas doces.
 
Dantes sabiam emocionadamente
Chorar no ombro uns dos outros.
Mas cada época tem as suas leis,
E nós vivemos outros tempos.
 
A cada dia a sua tempestade!
As flores abrem em terrível fosso...
As lágrimas humanas,
Nós conhecemos o vosso preço.
 
 
Konstantin Vanshenkin. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 151

''Queremos do homem não a centelha mas o fogo.''

Margarita Aliger. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 132

ZOYA

(Zoiá)
 
Nos princípios de Dezembro de 1941, na aldeia de
Petrishchev, perto de Verei, os alemães executaram uma
jovem do Komsomól, conhecida pelo nome de Tatiána.
Verificou-se mais tarde que se tratava de Zoyá
 Kosmogemiánskaia, estudante de Moscovo.
 
(Dos Jornais)
 
 
Guarda para sempre o retrato de Zoyá.
Eu certamente nunca a poderei esquecer.
Este corpo de rapariga
                                 não está morto
                                                        nem vivo.
É Zoyá em mármore
                                calada, deitada na neve.
Impiedoso laço apertou o teu pescoço fino.
Um poder desconhecido no teu rosto torcido.
Assim aguardas os namorados
                                               de belos encantos ocultos,
por dentro iluminada com o secreto fogo feminino.
Só tu não recebeste uma carta dele, noiva da neve.
 
Ele - num capote de soldado,
                                           para ocidente caminha.
Talvez não longe desse lugar terrível,
Onde caíam flocos de neve no teu peito duro de rapariga.
A força e a fraqueza unem-se em ti eternamente.
Tu estás fria, e a mim a tristeza queima-me.
Não rebentes em ti, não se enraiveça em ti a maternidade,
O terno companheiro de infância não tocou no teu ventre
                                                                         frio de criança.
Tu jazes na neve.
                         Oh, como agora voltaste para nós,
Para orgulhosamente inclinarmos os nossos belos rostos puros
Ante a armadura do herói,
                             ante a dura, ferrugenta couraça,
Ante a sagrada beatitude da campa do guerreiro.
A figura da nossa amada, símbolo da verdade e da força.
Para que a nossa felicidade seja alta como a tua morte.
Pela tua campa gravada na neve,
Para Ocidente, para Ocidente! -
                                             marcham,
                                                       resolutas,
                                                                 as tropas.
 

 
 
Margarita Aliger. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 130/1

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

domingo, 9 de dezembro de 2012

(...)
 
«Sempre longe da vista é que é feliz,
sempre mais raro e amargo é o ciúme.»
 
 
 
Olga Bergolts. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 123

«Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
  - Viajas para reviver o teu passado? - era agora a pergunta do Kan, que também podia ser formulada assim: - Viajas para achar o teu futuro?
  E a resposta de Marco: - O algures é um espelho em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o muito que não teve nem terá.»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 31
(...)
 
«Nesta altura Kublai Kan interrompia-o ou imaginava interrompê-lo, ou Marco Polo imaginava que era interrompido, com uma pergunta como: - Caminhas sempre de cabeça virada para trás? - ou: - O que vês está sempre nas tuas costas? ou melhor: - A tua viagem só se faz no passado?»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 30

Italo Calvino e Jorge Luis Borges, c. 1970


«A memória é redundante: repete os sinais para que a cidade continue a existir.»



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 23

''lenha de cerejeira seca''

As cidades e a memória. 2.

   O homem que cavalga longamente por terrenos bravios sente o desejo de uma cidade. Finalmente chega a Isidora, cidade onde os prédios têm escadas de caracol incrustadas de búzios marinhos, onde se fabricam astísticos óculos e violinos, onde quando o forasteiro está indeciso entre duas mulheres encontra sempre uma terceira, onde as lutas de galos degeneram em brigas sangrentas entre os apostantes. Era em todas estas coisas que ele pensava quando desejava uma cidade. Assim Isidora é a cidade dos seus sonhos: com uma diferença. A vida sonhada continha-o jovem; a Isidora chega em idade tardia. Na praça há o paredão dos velhos que vêem passar a juventude; ele está sentado em fila com eles.
Os desejos são já recordações.



Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990

Dor estival

A morte no verão caminha a meu lado:
nunca a minha dor é tão grande
como quando o verão floresce pleno
nem tão seca a minha melancolia
como quando a beleza do verão se oferece:
orgia mortal
A ausência de Deus não a sinto tão dolorosa
como quando contemplo as borboletas
condenadas a morrer
buscando em ziguezague um sítio onde pousas
a sua morte
nem sinto a presença de Deus tão ameaçadora
como quando retumba o trovão
e relâmpagos iluminam o céu
com seus sinais de fogo
Nunca me sinto tão só
como quando no verão as pessoas
aumentam o júbilo da sua companhia
nem tão supérflua
como quando contemplo a exuberância
do verão
Parecem-me tão distantes
as coisas que amo
Nunca o meu desejo de viver é tão frágil!
como no verão:
preciso de lutar
para não conceder a minha mão à morte
Não sei
quantos verões me faltam:
a todos temo
esperando que me salve
o outono.



Maria Wine. 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 159
«A ponte: um grande pássaro de ferro que veleja
                                                                           [pela morte.»



Tomas Tranströmer. 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 143

Documentário "Agustina Bessa-Luís - Nasci Adulta e Morrerei Criança"

aqui

As pedras

As pedras que lançámos, ouço-as
cair claras como o vidro pelos anos fora. No vale
voam agitados os gestos do momento
gritando de copa para copa, calando-se
ao fino ar desse momento, deslizando
como andorinhas de cume
para cume até alcançarem
os planaltos extremos
ao longo da fronteira da existência. Aí caem,
claros como o vidro
os nossos actos
ao encontro apenas do chão
que nós próprios somos.



Tomas Tranströmer. 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 137

''Su cadáver estaba lleno de mundo''

114


Porque é que as noites não têm nome? Porque metade da vida, exactamente metade da vida, é-nos desconhecida. A qualquer um de nós.

(A.H.)



Göran Palm. 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 106

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

''Havia servas virginais''


«Muitos são os pássaros que saem dos bosques invernais
para morrer junto aos homens.»


Artur Lundkvist . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 86

domingo, 2 de dezembro de 2012

Tu e Eu

(Ty so mnói)
 
Tu e eu - e cada instante me é caro.
Talvez haja muitos anos à nossa frente,
Mas chega sempre a separação, da qual
Não é costume haver novos encontros.
 
Só as estrelas a qualquer hora se encontram
Correndo atrás das suas luzes pálidas.
Onde poderei, no universo frio,
Querida amiga, encontrar as tuas pegadas?
 
 
Stepan Shchipachyov. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 104

QUE EU MORRA E OS ANOS PASSEM

Que eu morra e os anos passem,
Que eu em cinza seja para sempre.
Que venha pelos campos uma rapariga descalça:
Eu erguer-me-ei, vencendo a mortalidade,
Como poeira quente tocando as suas pernas
Que cheiram a margaridas até aos joelhos.
 
 
Stepan Shchipachyov. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 104

SABER APRECIAR O AMOR

Saber apreciar o amor,
Especialmente apreciá-lo com os anos.
O amor não são suspiros num banco
Nem passeios ao luar.
Será tudo: lama e as primeiras neves.
E uma vida que é preciso viver juntos.
O amor é parecido com um bom poema:
Um bom poema não se faz sem sofrimento.
 
 
 
Stepan Shchipachyov. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 103
 
 
(...)
 
«E não deves por um só instante
Recuar ou trair o que tu és,
Mas estar vivo, e só vivo,
E só vivo - até ao fim.»
 
 
 Boris Pasternak. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 98

A orelha de Van Gogh

Van Gogh corta a orelha
embrulha-a numa toalha
que devagar se tinge de vermelho
e envia-
-ta

(...)


Lars Forssell . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 52

Sofrer é difícil
Sofrer sem amar é difícil
Amar sem sofre é impossível
Amar é dificil.



Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 42

Sozinho, sozinho, dizes que estás sozinho -
mas o príncipe de Emghion diz:
Primeiro eu amava Sherazade
e os seus contos
depois Dinarsad, a sua irmã mais nova,
depois a criada dela,
depois o amante da criada, um núbio
e então o seu engraxador
E quando me pus de joelhos
e lambi a graxa dos seus dedos
amei a poeira
e bebi uma golfada de ar tão funda
que tudo para mim enegreceu.




Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 37
«(...)

Na minha mão a pedra tornou-se um pássaro vivo e
                                                                          (levantou voo.
Eu fiquei só. Meu pássaro, ido embora
volta por vezes, por dever, por hábito.
Infeliz, canta. E deixa-me de novo.
Canta da sua vida, quer voar e voou!
(Uma luta diplomática pela liberdade)
E eu ficava ligado à pedra, tornava-me uma pedra.
Tudo em mim se revolvia, tudo se transformava.»



Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 30
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