sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Uma das características do Lobo das Estepes era ser um homem nocturno.

«Uma das características do Lobo das Estepes era ser um homem nocturno. Para ele a manhã era a pior hora do dia. receava-a e dela nunca lhe adviera nada de bom. Jamais, em manhã alguma da sua vida, estivera propriamente bem disposto, jamais, em hora alguma antes do meio dia, fizera qualquer coisa de bom ou tivera algum bom pensamento, jamais conseguira propiciar alegria a si próprio e a outros. Só com o decorrer da tarde ia lentamente aquecendo e animando, e fecundo, vivo, ocasionalmente ardente e jovial.»



Hermann Hesse. O Lobo das Estepes. Tradução de Sara Seruya. Edições Afrontamento. 3.ª edição., p. 51/2
«Era infeliz a maior parte do tempo, isso não vamos negar, e sabia também fazer infelizes os outros, sobretudo quando gostava deles e eles de si.»


Hermann Hesse. O Lobo das Estepes. Tradução de Sara Seruya. Edições Afrontamento. 3.ª edição., p. 49

Vieram-me então à memória os anos esquecidos da juventude...

«Vieram-me então à memória os anos esquecidos da juventude - como amava então essas noites sombrias e pesadas de outono e inverno tardio, e com que sofreguidão e embriaguês absorvia as impressões de solidão e melancolia!»


Hermann Hesse. O Lobo das Estepes. Tradução de Sara Seruya. Edições Afrontamento. 3.ª edição., p. 35

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Este manuscrito

«Representa textualmente uma viagem através do inferno, viagem ora amedrontada, ora destemida, através do caos de um mundo espiritual obscurecido, empreendida com a firme determinação de cruzar o inferno de lés-a-lés, de oferecer o flanco ao caos, de suportar o mal até ao fim.»

Hermann Hesse. O Lobo das Estepes. Tradução de Sara Seruya. Edições Afrontamento. 3.ª edição., p. 27

lucubração


nome feminino
1. trabalho intelectual nas horas destinadas ao repouso; serão; vigília
2. meditação profunda

(Do latim lucubratiōne-, «idem»)
«Não, estou convencido que não se suicidou. Ainda está vivo, arrastando algures as pernas cansadas para subir ou descer as escadas de casas em nada suas, fixando algures, deliciado, soalhos de parqué com lustro puxado e araucácias impecavelmente cuidadas, passando os dias nas bibliotecas e as noites nas cervejarias ou preguiçando nalgum divã alugado, sentindo pulsar para lá dos vidros o mundo e as pessoas, sabendo-se excluído - mas não se mata, porque um rasto de fé lhe diz que tem de beber até à última gota aquele cálice, aquela amaldiçoada dor que tem no coração, e que é esse sofrimento que tem de lhe dar a morte.»



Hermann Hesse. O Lobo das Estepes. Tradução de Sara Seruya. Edições Afrontamento. 3.ª edição., p. 26

''Man purchasing herring, wrapped in newspaper, for a Shabbat meal,'' 1935–38

«Em vez de lhe aniquilarem a personalidade, apenas tinham conseguido ensiná-lo a odiar-se a si próprio.»

«Desde então e para toda a vida, era contra si próprio, contra esse objecto inocente e nobre que dirigia toda a genialidade da sua imaginação, toda a força da sua faculdade de pensamento, Pois ao desencadear antes de tudo e acima de tudo contra si próprio toda a acerbidade, todas as críticas, violências e repudiações de que se servia, era Cristo de pessoa inteira, era mártir de pessoa inteira. No que respeitava aos outros, ao mundo circundante, continuamente se esforçava, em luta das mais heróicas e sérias, por amá-los, fazer-lhes justiça, não lhes fazer mal, pois o ''amor ao próximo'' estava tão profundamente cravado nele como o ódio a si próprio; e assim toda a sua vida era um exemplo de que sem amor a si próprio também o amor ao próximo é impossível, que o ódio a si próprio é exactamente a mesma coisa que o egoísmo nu e cru, e acaba por gerar o mesmo sinistro isolamento, o mesmo desespero.»



Hermann Hesse. O Lobo das Estepes. Tradução de Sara Seruya. Edições Afrontamento. 3.ª edição., p. 17

«Apercebi-me de que Haller era um génio do sofrimento e que, no sentido de várias afirmações de Nietzsche, acumulara em si uma capacidade de sofrimento genial, ilimitada e terrível. Ao mesmo tempo reconheci que a base do seu pessimismo não era o desprezo pelo mundo mas sim o desprezo por si próprio pois, por impiedosa e destrutiva que fosse a crítica de pessoas ou instituições, nunca se excluía a si próprio de tal tratamento, e era contra si próprio que em primeiro lugar apontava a sua flecha, era a si próprio que antes de tudo odiava e reprovava.»


Hermann Hesse. O Lobo das Estepes. Tradução de Sara Seruya. Edições Afrontamento. 3.ª edição., p. 16

Harry Haller

«(...), e nas coisas do espírito mostrava a objectividade quase gelada, o sólido pensamento e o firme saber só próprio dos que são verdadeiramente intelectuais, despidos de toda a ambição, e jamais apostados em brilhar, persuadir ou ter a última palavra.»



Hermann Hesse. O Lobo das Estepes.  Tradução de Sara Seruya. Edições Afrontamento. 3.ª edição., p. 14
«Nasci em finais de época moderna, pouco antes de iniciar-se o retorno à Idade Média, sob o signo de Sagitário e a benévola influência de Mercúrio. O meu nascimento teve lugar num quente dia de Julho, à primeira hora do crepúsculo, e toda a vida gostei, e desejei inconscientemente, a temperatura daquela hora. Chorei-a dolorosamente quando me faltou. Nunca pude viver em países frios, e todas as viagens que fiz da minha livre vontade foram em direcção ao Sul.»



Hermann Hesse em 1972, época em que foi publicado O LOBO DAS ESTEPES

'Boys and Books' ca. 1935-1938

CIDADES (II)

     «Isto são cidades! Uma gente para quem foi produzido o espectáculo desses Apalaches e Líbanos de sonho. Chalés de cristal e de madeira que se deslocavam sobre linhas férreas e roldanas invisíveis. As velhas crateras, cingidas de colossos e palmeiras de cobre, rugem melodiosamente nas fornalhas. Festins de amor ressoam sobre canais suspensos nas traseiras dos chalés. Um mecanismo de carrilhões brada nas gargantas. Corporações de cantores gigantes acorrem em tranjos e auriflamas tão deslumbrantes como a luz dos cimos. Sobre plataformas, no meio dos abismos, Rolandos proclamam a sua bravura. Nas pontes suspensas sobre o precipício e nos telhados de retiros erótico-gastronómicos, a ardência do céu embandeira em arco. O desabar das apoteoses regressa às regiões celestes onde seráficas fêmeas de centauros dançam entre as avalanchas. Para lá das mais altas cristas, um mar revolto, carregado de frotas orfeónicas e do rumor das pérolas e dos búzios preciosos, perturba-se com o eterno nascimento de Vénus -, por vezes, o mar atravessa momentos sombrios com um mortal estrépido. Pelas encostas, bramem colheitas de flores, grandes como as nossas armas e as nossas taças. Das ravonas, emergem cortejos de Mabs vestidas de ruivo, de opalino. Lá no alto, com as patas metidas entre cascatas e silvas, os veados mamam em Diana. As Bacantes da periferia soluçam, enquando a lua incendiada uiva. Vénus penetra nas caveras dos ferreiros e dos eremitas. Campanários em bandos cantam os ideários dos povos. De castelos feitos d'ossos, exala-se a melodia desconhecida. Entram em evolução todas as lendas e ímpetos do entusiasmo saem desalmados às ruas da cidade. Soçobra o paraíso das tempestades. Os selvagens, ininterruptos, dançam a festa da noite. E, por uma hora, misturei-me ao bulício de um bulevar de Bagdad onde vários bandos cantaram a alegria do trabalho do novo, debaixo de uma brisa densa, circulando sem conseguir fingir que não viam os fantasmas fabulosos dos montes onde nós devíamos encontrar.
    Que braços aprazíveis, que feliz hora me voltarão a dar esse mundo de onde me vêm os sonos e todos os movimentos, mesmo os imperceptíveis?»






Arthur Rimbaud. O Rapaz Raro. Iluminações e poemas. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Redógio D' água, Lisboa, 1998., p. 73/5

pálio rico

vestimenta nova e luxuosa, fato novo

euménide

nome feminino
 
1. MITOLOGIA cada uma das três Fúrias que, segundo a mitologia, atormentavam as almas dos condenados no Inferno
2. figurado remorso; pungir da consciência

(Do grego Eumenídes, «Euménides», pelo latim Eumenĭdes, «idem»)

''frágeis parapeitos''

(...) «Temos fé no veneno. Sabemos dar todos os dias a nossa vida por inteiro.
      Eis chegado o tempo dos fumadores de haschisch.*»


*Traduzido literalmente, dos assassinos. (N.T.)



Arthur Rimbaud. O Rapaz Raro. Iluminações e poemas. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Redógio D' água, Lisboa, 1998., p. 59

Roman Vishniac, Ghetto St., Cracow, ca. 1935-38

inarmonia

VIDAS

I

  Oh!, as extensas áleas da terra sagrada, as esplanadas do templo! Que destino deram ao brâmane que me explicou os Provérbios? De então, e desse país, revejo ainda tudo, as velhas, inclusive! Recordo-me das horas de prata e de sol a declinar para os rios, a mão dos campos pousando-se-me sobre os ombros, e das nossas carícias, de pé, nas planícies salgadas. - Uma revoada de pombas escarlates brada em volta do meu pensamento. - Exilado aqui, dispus de um palco onde representar as obras-primas dramáticas de todas as literaturas. Sublinharia, só para vós, essas riquezas inesquecíveis. Atento na história dos tesouros que haveis encontrado. Prevejo já a sequência e a consequência! A minha sabedoria é tão desprezada como o caos. O que é o meu nada comparado com a estupefacção que vos espera?

 II

   Sou o inventor em que nada desmereço, antes pelo contrário, de quantos me precederam; inclusivamente de um músico que tivesse encontrado a clave do amor. Agora, que sou morgado de terras ácidas sobre um céu parco, tento emocionar-me com a lembrança de uma infância de mendigo, dos anos de aprendizagem ou da chegada em tamancos, das discussões, das cinco ou seis vezes que enviuvei, e de algumas pândegas onde a minha cabeça de mula me impediu de vibrar em uníssono com os camaradas. Não me arrependo do quinhão que, em tempos, tive da alegria divina: a atmosfera frugal destas terras ácidas nutre intensamente o meu cepticismo atroz. Mas, como esse cepticismo não pode mais ser posto em prática, e dado ter-me entregue a uma nova inquietação - estou à espera de me tornar um louco particularmente maligno.

III

   Num sótão onde fui trancado, tinha eu doze anos, fiquei a conhecer o mundo, ilustrei a comédia humana. Num celeiro aprendi a história. Numa qualquer festa nocturna, numa cidade do Norte, encontrei todas as mulheres dos pintores passados. Numa velha galeria de Paris, fui introduzido nas ciências clássicas. Numa mansão magnífica rodeado pelo Oriente inteiro, realizei uma imensa obra e passei uma reforma ilustre. Revolvi o meu sangue, de lés a lés. Foi-me reconhecida a missão que me cabia. É ponto assente, e do passado. Pertenço realmente ao mundo trespassado, chega de mandatos.



Arthur Rimbaud. O Rapaz Raro. Iluminações e poemas. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Redógio D' água, Lisboa, 1998., p. 49/51

OSTENTAÇÃO

      Cabeças ocas espadaúdas. Muitos deles exploram os vossos mundos. Frugais, e nada apressados em pôr a funcionar as suas brilhantes faculdades e a experiência que têm das vossas consciências. Que homens experientes que eles são! Olhos atónitos como noites de verão, vermelhos e negros, tricolores, olhos de aço picotados de estrelas d'oiro; rostos disformes, plúmbeos, pálidos, incendiados; rouquidões zombeteiras! O modo cruel de andar dos ouropéis! - Alguns são novos - , como encarariam eles Querubim? - dotados de vozes aterradoras e de alguns truques perigosos. São mandados pavonear-se pela cidade, com trapos de um luxo repugnante.
      Oh, o mais violento Paraído do esgar colérico. Nada que se compare com os vossos faquires, e outras truanices cénicas. Em fatiotas improvisadas ao gosto do sonha mau, representam lamúrias, tragédias de malandrins e de etéreos semideuses, como a história ou as religiões jamais foram. Chineses, hotentotes, ciganos, néscios, hienas, Molochs, demências de antanho, demónios sinistros, misturam as rábulas populares, maternais, com as poses e as ternurices de besta. Interpretam novos trechos e canções inofensivas de raparigas. Mestres em prestigitação, transformam as pessoas e os sítios, sem esquecer a comédia hipnótica. Os olhos cospem chamas, o sangue canta, os ossos expandem-se, escorrem lágrimas e fios vermelhos. A chacota que fazem ou o terror que causam dura um minuto, ou meses inteiros.
      Só eu tenho a cifra desse pavonear selvagem.




Arthur Rimbaud. O Rapaz Raro. Iluminações e poemas. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Redógio D' água, Lisboa, 1998., p. 43
   «Pode-se aceder ao êxtase pela destruição, rejuvenescer com a crueldade! O povo não rosnou. Ninguém se prestou a dar opinião.»


Arthur Rimbaud. O Rapaz Raro. Iluminações e poemas. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Redógio D' água, Lisboa, 1998., p. 41
«Caía sem sobreaviso sobre as pessoas deixando-as dispersas, aos pedaços.»


Arthur Rimbaud. O Rapaz Raro. Iluminações e poemas. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Redógio D' água, Lisboa, 1998., p. 41

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

         «Um homem que sabe do seu ofício é apreciado sempre e em toda a parte.»


Ernst Jünger. Eumeswil. Tradução de Sara Seruka com a colaboração de João Barrento para a Tradução dos Poemas. Editora Ulisseia., p. 31

''Poesia sem perdão ou esquecimento.''




Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 130

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Velho ditado

«Se não queres ser roubado sem clemência,
Esconde o teu ouro, a tua fé, a tua ausência.»


Ernst Jünger. Eumeswil. Tradução de Sara Seruka com a colaboração de João Barrento para a Tradução dos Poemas. Editora Ulisseia., p. 24
«As nuvens cinzentas acumulavam-se sobre o alto mar, todo ele feito de uma eternidade de lágrimas amargas.»



Arthur Rimbaud. O Rapaz Raro. Iluminações e poemas. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Relógio D' água, Lisboa, 1998., p. 35

calvário

(...) « Águas e tristezas, cresçam, e alteai os Dilúvios.»


Arthur Rimbaud. O Rapaz Raro. Iluminações e poemas. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Redógio D' água, Lisboa, 1998., p.

céus de brasas

meandros

«Eu olho, e a mulher é a palavra.»


Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 109

«A mulher senta-se no tempo e a minha melancolia
pensa-a, »

Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 108

                  «Amanhã vou morrer. Tenho
vinte e nove bocas urdindo
a falsa doçura da confusão.»


Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 97

''A colher de súbito cai no silêncio da língua.''

Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 86

subtil

«Porque as ervas têm pálpebras abertas
sobre estas imagens tremendamente puras.»


Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 85

segunda-feira, 28 de novembro de 2011


«Mãe, pouco resta de ti na exaltação deste mundo. Às
            vezes
misturas-te um pouco nos terrores da noite ou olhas-me,
vertiginosa e triste,
através das palavras impuras da minha vida
de poeta.»



Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 74
« - Trazem liras nas mãos, trazem nas mãos brutais
pequenos cravos de ouro ou peixes delicados
de música fria.»




Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 59

''pessoas invasoras e quentes''


«o peixe que vai nadando até se consumar em lento
lírio.»


Herberto Helder. A colher na boca. Edições Ática., p. 50
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