«Desde então e para toda a vida, era contra si próprio, contra esse objecto inocente e nobre que dirigia toda a genialidade da sua imaginação, toda a força da sua faculdade de pensamento, Pois ao desencadear antes de tudo e acima de tudo contra si próprio toda a acerbidade, todas as críticas, violências e repudiações de que se servia, era Cristo de pessoa inteira, era mártir de pessoa inteira. No que respeitava aos outros, ao mundo circundante, continuamente se esforçava, em luta das mais heróicas e sérias, por amá-los, fazer-lhes justiça, não lhes fazer mal, pois o ''amor ao próximo'' estava tão profundamente cravado nele como o ódio a si próprio; e assim toda a sua vida era um exemplo de que sem amor a si próprio também o amor ao próximo é impossível, que o ódio a si próprio é exactamente a mesma coisa que o egoísmo nu e cru, e acaba por gerar o mesmo sinistro isolamento, o mesmo desespero.»
Hermann Hesse. O Lobo das Estepes. Tradução de Sara
Seruya. Edições Afrontamento. 3.ª edição., p. 17