quarta-feira, 28 de agosto de 2024

 ''Adormeci, com a memória
Do pequeno rio esquecido
Sob a ponte.''

Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 26


                                 

 ''Nem sempre as leis dos homens
Estão de acordo com os preceitos
De Deus.''


Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 21

Medrou a melancolia

Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 20

 Um astro interior
Uma árvore de sangue:
O beijo que diz ‘sim’, ‘aqui’ —
‘como-que-eternamente’


Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 14

 Wasser ist eine nasse Flamme.
A água é uma chama molhada.

Novalis
 Tendem para a claridade as coisas obscuras
Tendono alla chiarità le cose oscure

Eugenio Montale

terça-feira, 20 de agosto de 2024

 “Stefdies” - projecto

atriz dramaturga Stephanie Leigh Rose assume-se como uma artista “anti-selfie”

Anti-Selfie

Francesca Woodman, virgem suicida


''Morreu no inverno, dia 19 de janeiro de 1981, depois de saltar para o vazio do telhado de um edifício do East Side de Nova York, vítima de depressão. Naquela época, ninguém foi capaz de identificar aquele corpo, que jazia com o rosto desfigurado, o mesmo que ela havia retratado, muitas vezes, procurando dar voz à sua arte e que parece tão familiar em seu trabalho. Aquele dia morria Francesca Woodman, a desconhecida jovem fotógrafa de 22 anos. Nascia seu culto.''





Francesca Woodman começou a fotografar aos 13 anos e suicidou-se aos 22. Nas centenas de imagens que produziu, o centro é quase sempre ela própria, quase sempre sozinha, frequentemente nua.

https://www.publico.pt/2012/04/19/culturaipsilon/noticia/francesca-woodman-virgem-suicida-303736

Francesca Woodman, virgem suicida
A maior retrospectiva americana desde a sua morte, em 1981, está actualmente no Museu Guggenheim em Nova Iorque, onde pode ser vista até 13 de Junho. Corey Keller, curadora de fotografia do Museu de Arte Moderna de São Francisco (SFMOMA), onde a exposição inaugurou em Novembro, antes de viajar para Nova Iorque, trabalhou durante quase cinco anos na preparação da retrospectiva. "Quando olhamos para um auto-retrato, esperamos aprender qualquer coisa sobre a pessoa representada", diz. "Mas depois de olhar para centenas de fotografias de Francesca Woodman, eu não sei quem ela é. Isso foi a parte mais frustrante para mim. Não se consegue perceber quem ela é. Ela não deixa. Ela aparece e desaparece e não há como fixá-la a nada."


 


Fernando Dacosta sobre Amália, 2017

domingo, 18 de agosto de 2024

“La atadura se convierte en un abrazo fuerte”

 Nobuyoshi Araki


Foto da série "My Wife Yoko", 1968-76, Nobuyoshi Araki
 

as raparigas mais belas da cidade, despidas e narcotizadas

 «(...) na primavera anterior eu lera um belo romance de Yasunari Kawabata sobre os velhos burgueses de Quioto que pagavam somas enormes para passarem a noite a contemplar as raparigas mais belas da cidade, despidas e narcotizadas, enquanto agonizavam de amor ao lado delas, na mesma cama. Não podiam despertá-las, nem tocar-lhes, e nem sequer o tentavam, pois que era vê-las dormir a essência do prazer.»


Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''O Avião da Bela Adormecida'.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 80/1

''anel de noivado efémero''

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 80

« O único sobrevivente de uma fauna extinta era o velho leão, cheio de sarna e catarro, na sua ilha rodeada de águas podres.»

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 71

 « - É isso o que mais me fode nos estalinistas: não acreditam na realidade.»


Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 69

 « Em vez de enlouquecer, como era previsível, ficou sob uma espécie de paralisia mental.»


Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 68


 

Nina Simone - Do I Move You

 «Era uma máquina de pensar em argumentos. Jorravam dele, aos borbotões, quase contra a sua vontade.»

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 67

 « O tenor e eu não dormíamos a sesta, íamos os dois na vespa dele, ele a conduzir e eu atrás, e oferecíamos gelados e chocolates às putazinhas estivais que borboleteavam debaixo dos loureiros centenários de Villa Borghese, à procura de turistas despidos para apanhar sol. Eram bonitas, pobres e meigas, como a maioria das italianas daquele tempo, vestidas de organza azul, de popeline cor-de-rosa, de linho verde, e protegiam-se do sol com as sombrinhas rasgadas pelas chuvas da guerra recente.»


Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 62

« - Os santos vivem no seu próprio tempo - dizia ele.»

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 59

 « Mas a verdadeira história de Margarito Duarte começara seis meses antes da sua chegada a Roma, quando foi preciso mudar de sítio o cemitério da sua aldeia por causa da construção de uma represa. Como todos os habitantes da região, Margarito desenterrou os ossos dos seus mortos para os levar para o cemitério novo. A esposa voltara a ser pó.»

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 56

Alain Delon and Romy Schneider




 

Sharon Van Etten - Jupiter 4

 «Tal como o vês, velho e estragado, ainda deve ser um tigre na cama », disse ela. Mas pensava que o presidente desperdiçara esses dons de Deus ao serviço da dissimulação.» 


Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto Boa Viagem, Senhor Presidente (1979) Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 42

 « - A palavra mestiçagem significa a mistura das lágrimas com o sangue que corre. Que havemos de esperar de uma bebida assim?»


Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto Boa Viagem, Senhor Presidente (1979) Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 43

'' os canteiros de flores despedaçadas pelo vento''

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto Boa Viagem, Senhor Presidente (1979) Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 25

 «A única coisa que denunciava o seu estado de saúde era a fadiga da pele. E ainda assim, aos setenta e três anos continuava a ser de uma elegância de primeira água. Nessa manhã, contudo, sentia-se a salvo de toda a vaidade. Os anos de glória e de poder haviam ficado para trás sem remédio, e só permaneciam agora os da morte.»

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto Boa Viagem, Senhor Presidente (1979) Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 21/22



 

« Quando chegara a Genebra pela primeira vez, o lago era sereno e transparente, e havia gaivotas mansas que vinham comer à mão, e mulheres que se podiam alugar e pareciam fantasmas das seis da tarde, com enfeites de organdi e sombrinhas de seda.»


Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto Boa Viagem, Senhor Presidente (1979) Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 21

salvou do cansaço dos começos sucessivos

 «Além disso, trabalhando em todos os contos ao mesmo tempo e saltando de um para o outro com plena liberdade, consegui uma visão panorâmica que me salvou do cansaço dos começos sucessivos e me ajudou a detetar redundâncias ociosas e contradições mortais.»


Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 16

 « Quando comecei a Crónica de Uma Morte Anunciada, em 1979, comprovei que, nos intervalos entre dois livros, perdia o hábito de escrever, tornando-me cada vez mais difícil recomeçar. Por isso, entre outubro de 1980 e março de 1984, impus-me a tarefa de escrever uma nota semanal em jornais de diferentes países, como exercício disciplinador e de aquecimento da mão.»

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 14/5

 «Alguém de cujo nome não me consigo lembrar disse-o muito bem numa frase de consolação: « Um bom escritor revela-se melhor pelo que rasga do que pelo que publica.»

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 13

O Rasto do Teu Sangue na Neve

 Gabriel García Márquez

« Só então compreendi que morrer é nunca mais estarmos com os nossos amigos.»

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 12

King Crimson - In The Wake Of Poseidon

Alain Delon and Romy Schneider


 

 Não há pessoas certas.


Há sim, pessoas que não hesitam em ficar
nos momentos em que todas as outras decidem ir.


Júlia Domingues. COM O AMOR DOS OUTROS, POSSO EU BEM.

 Envelhecer?

''É um naufrágio''



 « Vou deixar este mundo sem me sentir triste. A vida já não me atrai. Eu vi e experimentei tudo. Odeio a era actual, estou farto dela! Só vejo pessoas detestáveis. Tudo é falso, tudo é substituído. Todos riem uns dos outros sem olharem para si mesmos! Já não há respeito nem palavra dada. Só o dinheiro é que interessa.''

Alain Delon (1935-2024) em entrevista à Paris Match (2018)

Alain Delon and Romy Schneider





 

dilucidamento

culto de hiperdulia

 Hiperdulia é um termo teológico utilizado pelas Igrejas Católica e Ortodoxa que significa a honra e o culto de veneração especial devotados a Nossa Senhora.

Senhora do Livramento

livramento

 


nome masculino

1. Acto ou efeito de livrar ou de se livrar. = LIBERAÇÃOLIBERTAÇÃOLIVRAÇÃOLIVRANÇARESGATE

2. Soltura de pessoa que estava presa (ex.: livramento condicional). ≠ PRISÃO

3. [Informal] Expulsão da placenta. = DELIVRAMENTODEQUITAÇÃODEQUITADURADEQUITE

etimologiaOrigem etimológica:livrar + -mento

"livramento", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/livramento.

 


“It’s too hard. I could never watch our films again. That would be impossible. To hear Romy say, ‘I love you,’ when she is no longer here, I just can’t bear it. She is the love of my life.” - Alain Delon
Alain delon and Romy Schneider, 1960



JEFF BUCKLEY- MY SWEETHEART THE DRUNK- LIVE

poesia cautelosa
e pessoas
cautelosas
duram 
apenas o suficiente
para morrer em segurança.


Charles Bukowski, OS CÃOS LADRAM FACAS. (antologia poética), selecção, organização e prefácio de Valério Romão, tradução de Rosalina Marshall, ed. Alfaguara 

então queres ser escritor?

 se não rebentar de dentro de ti
a despeito de tudo,
não o faças.


Charles Bukowski, OS CÃOS LADRAM FACAS. (antologia poética), selecção, organização e prefácio de Valério Romão, tradução de Rosalina Marshall, ed. Alfaguara 


Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 19


 

Alain Delon and Romy Schneider at home. Shortly after their engagement. 1959

 


I Don't Belong - Fontaines D.C.

 "Romy is the only true love of my life... I have never betrayed her, i was always thinking only about her...and still am..I have never recovered from her death. I still miss her terribly... I'm not afraid to die, because i know i'd be with her again" - Alain Delon recently

Alain Delon and Romy Schneider, South France. 1961

"If you ask me who do i miss the most, my answer is Romy"


                                                                   Alain Delon (2020)

 "My love has Romy's face"

- What is love for you?
- 'This morning my daughter Anouchka called me - this is love for me'
But then Delon thinks and adds:
-'but my love has an exact face - my love has Romy's face'
2019
Alain and Romy at home, 1961



sábado, 17 de agosto de 2024

NO FUNDO

 No fundo, são muito poucas as palavras
que nos doem de verdade, e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
E são também muito poucas as pessoas
que nos comovem o coração, e menos
ainda as que o comovem muito tempo.
No fundo, são pouquíssimas as coisas
que importam de verdade na vida:
poder amar alguém e que nos amem,
nunca morrer depois dos nossos filhos.


Amalia Bautista (Trad. Inês Dias) in Conta-mo outra vez. Ed. Averno, 2020.

Valter Lobo - Oeste


Pontas soltas vão cair aos pésNum oeste onde eu não dançavaFoi o som, foi a luz em siFoi a sorte que eu não contava
Só de te abraçar sinto que a música altera-me em tudo maisA música altera o meu corpo, altera o mundo, altera-seSó de ver dançar sinto que a música altera-me em tudo maisA música altera o meu corpo, altera o mundo, altera-se
Põe-se o sol, vem a lua, abro o peitoNo oeste teu somos valsasAmeaçou e atingiu a preceitoFoi queda sem um amparo
Só de te abraçar sinto que a música altera-me em tudo maisA música altera o meu corpo, altera o mundo, altera-seSó de ver dançar sinto que a música altera-me em tudo maisA música altera o meu corpo, altera o mundo, altera-seAi meu amor
Só de te abraçar sinto que a música altera-me em tudo maisA música altera o meu corpo, altera o mundo, altera-seSó de ver dançar sinto que a música altera-me em tudo maisA música altera o meu corpo, altera o mundo, altera-se
Só de te abraçar sinto que a música altera-me em tudo maisA música altera o meu corpo, altera o mundo, altera-seSó de ver dançar sinto que a música altera-me em tudo maisA música altera o meu corpo, altera o mundo, altera-seAi meu amor
 « se eu tivesse dois ou três dentes de ouro
mordia-te o corpo todo se eu tivesse
mel e fósforo para tocá-lo
tocava-te o sexo
se eu cantasse num murmúrio quente cheio de êrros
chamava-te junto ao ouvido
se tivesse o teu nome escrito pelas unhas fora»


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 45

''uma pouca de água rasa, uma rosa de nada ''

Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 43

 « e o poema ruiu de alto a baixo,

sem base ou centro ou cume,»


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 40



 

 « de manhã quando acordo - que decepção! - não estou 

                                                                               morto,»


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 38

'' mas nunca o amor tem a pronúncia que se espera ''

Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 34

 « em Paris mal uma pessoa se angustia pensa em afogar-se nas 

                                                   modestas águas do rio ali à mão »


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 30
 tinha cinco minutos diários de paz terrena,
depois quatro,
depois três,
depois dois,
depois um,
depois não nunca nada,
depois era: dêem-me um tiro na cabeça
para nunca nunca um só número,
todos os números,
qualquer número


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 29
 « às vezes no meio da noite fica uma torneira aberta,
e a água corre e vai enchendo a tua própria noite,
que fazer para não te afogares no sono,
que fazer para que te socorram,
que fazer para não encher de água o mundo inteiro?»


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 27


 

 « - oh porque me abandonaste?
mas na verdade ninguém me abandonara »

 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 26

 « a morte é mesmo estranha:

morre-se todos os dias

e enquanto se morre pede-se uma esmola para matar a fome

                                                                        de outra vida,»


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 25

'' Mal de nós / se não pensarmos longe e alto.''

Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 41

MAIORIDADE

 «Sei de éguas e de rosas cuidar como ninguém.
No papel desenho-as, na mesa escrevo-as.»

Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 33

A QUE ESPERA

 A tristeza sentou-se à minha porta
mas eu não a alimentei.

Cão de guarda por cão de guarda
prefiro a alegria.

A ela entrego os meus dias
e o abraço daquele que vem de longe
para me dizer que o amor que foi ontem
ainda é hoje.


Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 38



 

 «Tranca a porta do teu quarto à chave
podem querer roubar-te o coração de carne.»

Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 33
 «Se encontrares o ribeiro cheiro, tira os sapatos
e atravessa-o para chegares a horas
lá onde fazes falta.»

Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 33

ELOGIO DA LÚCIDA LUCIDEZ

 «Não falaste além do que devias, dever cumprido.»

Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 29

 « Sentei-me diante da tua caverna e vi as sombras

passarem.»


Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 27

'' Um poema é não me deixes ir ao fundo.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 34

«Um poema é
a balsa que se chora no Egeu,
a trágica ampulheta a toda a hora.
É coser o cílio ao sobrolho
com os fios das pestanas
e apagar para sempre a fina dor do que se vê.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 34


 

 « Um poema é

sobre mãos sobre mãos

sobre irmãos que são amigos

e amigos que hoje não se são.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 33

''lídimas manhãs''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 33

''Chorar-lhe o cuspo e não já lágrimas.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 31

 « Matematicamente sofro.

Fui alegre quando triste e feliz ao fim ao cabo

quando pensando muito sobre isso não pensava nada.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 31

féretro

 Recuso a quietude que me banaliza
A vulgaridade repugna-me
A perfeição seduz-me
e ao mesmo tempo enfastia-me

Maria Teresa Horta


Daniel Jonas, poeta, dramaturgo e tradutor

 

''Esta casa sarcófago, lápide, avalanche,
erosão de vida, buraco branco na explosão de coisa nenhuma,
corrosão infecta, enfermaria, anestésica
do que eu fosse e me curasse,
choque estelar e cósmica comédia de silêncio.
O grito! O grito! O grotto! O grotto!
A brancura hesitando na cama de rede do delírio,
escorrendo pelos ângulos da tarde
como uma marioneta ganhando vida de loucura,
térmites que eu vejo e não disseco, lacraus pulmonares
que me brotam das ideias e eu trem
e eu amo sem parceiro que invada
numa paragem de autocarro que eu passeio
na minha espera lenta de anteontem!”

Daniel Jonas, Canícula, pag.11

 ''Cada palavra tem uma história etimológica que explode no poema, que resgata mundos perdidos, induz a regressões ou a saltos futuristas.''

Daniel Jonas

“habitar poeticamente o mundo”

romantismo melancólico de Baudelaire


alogismo

''Quero a fanfarra dos simples, o augusto coreto das sombras!
Onde estou que não me encontro?
Eu tenho uma fome assassina, de descarnar os cabos
das costelas, de estraçalhar milagres biológicos,
a existência miserável de seres que antes eram vivos
e agora enfeitam o cemitério do meu prato.
Esta afluência ao restaurante põe-me doido!
Este querer comer como eu quero este querer cuspir como eu
quero”

Daniel Jonas, Canícula, pag.48

Bob Dylan - Visions of Johanna


Ain't it just like the night to play tricks when you're tryin' to be so quiet?We sit here stranded, though we're all doin' our best to deny itAnd Louise holds a handful of rain, temptin' you to defy itLights flicker from the opposite loftIn this room the heat pipes just coughThe country music station plays softBut there's nothing, really nothing to turn offJust Louise and her lover so entwinedAnd these visions of Johanna that conquer my mind
In the empty lot where the ladies play blindman's bluff with the key chainAnd the all-night girls they whisper of escapades out on the "D" trainWe can hear the night watchman click his flashlightAsk himself if it's him or them that's insaneLouise, she's all right, she's just nearShe's delicate and seems like the mirrorBut she just makes it all too concise and too clearThat Johanna's not hereThe ghost of 'lectricity howls in the bones of her faceWhere these visions of Johanna have now taken my place
Now, little boy lost, he takes himself so seriouslyHe brags of his misery, he likes to live dangerouslyAnd when bringing her name upHe speaks of a farewell kiss to meHe's sure got a lotta gall to be so useless and allMuttering small talk at the wall while I'm in the hallHow can I explain?It's so hard to get onAnd these visions of Johanna, they kept me up past the dawn
Inside the museums, infinity goes up on trialVoices echo this is what salvation must be like after a whileBut Mona Lisa musta had the highway bluesYou can tell by the way she smilesSee the primitive wallflower freezeWhen the jelly-faced women all sneezeHear the one with the mustache say, "Jeez, I can't find my knees"Oh, jewels and binoculars hang from the head of the muleBut these visions of Johanna, they make it all seem so cruel
The peddler now speaks to the countess who's pretending to care for himSayin', "Name me someone that's not a parasite and I'll go out and say a prayer for him"But like Louise always says"Ya can't look at much, can ya man?"As she, herself, prepares for himAnd Madonna, she still has not showedWe see this empty cage now corrodeWhere her cape of the stage once had flowedThe fiddler, he now steps to the roadHe writes ev'rything's been returned which was owedOn the back of the fish truck that loadsWhile my conscience explodesThe harmonicas play the skeleton keys and the rainAnd these visions of Johanna are now all that remain

recoveiro

“Por um lado sou um dos escritores mais conceituados e lidos da atualidade, por outro ninguém me compreende”

John Ashbery

Daniel Jonas, poeta, dramaturgo e tradutor



 

Canícula

«Aliás, neste último livro, há uma personagem (aliás, duas: o peregrino chorão e uma rua, a Duarte Belo à Bica) que é uma construção de um anti-turista que se desdobra num intenso monólogo dramático sobre as suas explosões interiores, intensamente ficcionais. É um psicodrama interior de alguém que se passeia como uma câmara pela cidade.»

Fonte: https://observador.pt/2017/04/20/daniel-jonas-o-antiquado-que-e-o-mais-alto-da-poesia-portuguesa/

''Todas as leituras contagiam os seus leitores. Não tenho é a certeza se fui eu que as procurei, se foram elas que me encontraram. Nesse sentido, elas poderão apenas acusar uma familiaridade estética, na esteira de um discípulo que busca os seus mestres. O discípulo será prévio ao seu mestre, neste caso.''


Fonte: https://observador.pt/2017/04/20/daniel-jonas-o-antiquado-que-e-o-mais-alto-da-poesia-portuguesa/

''Daniel Jonas , o antiquado que é o mais alto da poesia portuguesa''

''Lá no alto onde vive (no Porto) também não se esforça para descer ao circo dos eventos literários, não procura os media, não gosta de falar ao telefone. De resto, a sua vida quotidiana como professor, tradutor e pai de dois filhos não lhe deixa grande espaço “nem vontade” para pertencer a grupos ou famílias, cultivar discípulos, andar a ler poesia em eventos.''


Fonte: https://observador.pt/2017/04/20/daniel-jonas-o-antiquado-que-e-o-mais-alto-da-poesia-portuguesa/

 « É triste sermos nós até para nós.
Bater-se sempre à mesma porta que era antes.
Nem sei por vezes o que sinto. É um pavor
que vem de dentro, inodoro gás
do centro que se insinua indistinto,
e dura a vigília que me dura
e já nem sei o que velo eu por vezes,
que velo já cansaço e só olvido.
Tudo é triste mesmo quando não é.
O fim do Verão é triste se no meio,
e no princípio então não dura nada.
A cada fim de tarde na volta da praia
há um princípio de dia e de tarde sem volta
levado como um barco no horizonte argiloso
para o adro onde se enterram os dias.
O que foi feliz foi-o sob alguma sombra
e cada onda ensombra outra onda
e o tombo que déramos era o último que daríamos
e o riso o último antes do choro.
Eu olho a chuva e ela é triste.
É tudo triste em vez de só ser.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 30


 

''lã virgem''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 29

«É preciso beber pela alma. Como as rosas.»

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 29

Às vezes tudo é triste, mesmo o que não é.

Às vezes tudo é triste, mesmo o que não é.
Fingir-se estar com gente em frente à gente que não nos vê
e assobiar a solidão para o lado,
para aquela mesa além.
E quando a solidão se vai mais solidão se tem.
É fruste crer-se grande e ter de grande
um pouco, um tanto, um pouco mais,
levar com a raiva dos pequenos
e compartir com os magros a magreza do mundo.
Ao pé do rio tudo é mais tristonho.
É tudo entediante por princípio.
O fátuo mundo passa como se soubesse aonde vai
e todo o mundo crê caber algures
e ir aonde caiba e lhe cabe.
Fria é sempre a sopa dos pobres.
Sofrer por passatempo a vida de outros
e querer poupar-se as costas
onde se escreve ao escravo a pena de chicote
aquilo que não se lê mas se sente
e assim passar por outro
o que afinal de si não passa 
o centro de onde há o tudo o que não há
e assumir que tudo é senhor da sua alma.
Que ilusão aliviar o jugo alheio
o próprio corpo levado às próprias costas!

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 28

 « que mínima gente vem por aí à volta e aperta aperta

que nem se pode respirar,

gente que não precisa de oxigénio nem pensamento,

nem de uma só palavra que brilhe

que vá ao fundo da luva como a mão presta,

grande parte do povo não usa mão nenhuma

nem guarda nada de cabeça.»


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 19


Photographer Mira Heo 

 « todas as noites quando me deito,
penso um pensamento cobarde:
que eu morra durante o sono »


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 17

'' a fé, a coisa cega''

Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 15

«Não sei se escreva antes uns poemas que pràqui tenho

num canto da cabeça,»


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 14
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