domingo, 3 de março de 2024
perdida num deserto
que em vão espera quem aí mate a sede.
Penso nele como uma árvore florida
em plena noite, que ninguém vê,
senão de vidros em fuga um viajante
que o tédio ou negócios levam para longe.
Como ave atemorizada
pelos lacunários de outrora
dos quais não encontra a saída e apenas cria
com o seu estridor uma solidão mais vasta.
Alessandro Parronchi [Itália]
“When I’m with my camera, I follow my intuition. It’s better for me to capture something emotionally.”
Jing Huang was born in 1987 in Guangzhou, a city in south China with eleven million inhabitants. He studied photography at the Guangzhou Academy of Fine Arts until 2010, and currently lives and works as a photographer in Shenzhen.
IMENSIDÃO DA NOITE
uma pergunta, e a noite agiganta-se,
e é a imensa a noite até à angústia.
Como um barco sem luzes, silencioso,
assim sulca o nosso quarto tanto sombra
que o mundo parece sem limites.
Rodeia-nos o vazio, e a água é escura
mais densa ainda do que o sangue. Nada se ouve,
apenas um chapinhar de fundo lodo
lá no mais profundo dessa água:
é o nosso coração. Mas a noite
não cessa de crescer e é já um olho
de insuportável nudez a fitar
o nosso terror. E essa é a pergunta,
e a noite sabe-o e olha então
(só às vezes) o desamparado ser
que somos, com ternura, e o sono regressa.
E a infinita gruta que é o universo
novamente resplandece.
Abelardo Linares [Espanha]
Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 9
domingo, 25 de fevereiro de 2024
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024
''Deves aprender a amar-me.''
Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 119
Bad Girls Go to Hell
Bad Girls Go to Hell is a 1965 American sexploitation film written, produced and directed by Doris Wishman
(...)
Queríeis que tudo vos fosse contado,
que nada fosse pensado por vós.
Foi então que percebi que o vosso pensamento
nada tinha de audaz nem possuía paixão:
faltava-vos as vossas próprias vidas,
as vossas próprias tragédias.
Por isso dei-vos vidas, dei-vos tragédias,
já que não vos chegavam as ferramentas.»
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024
VÉSPERAS
a mim, porque preciso de ti, ainda
que nem sempre. Vivo essencialmente
nas trevas. Quem sabe se não me estarás a treinas
para atender ao mais leve esplendor? Ou inflama-te
o desespero, como aos poetas? É a dor
que te leva a revelar a tua natureza? Esta tarde,
no mundo físico, esse a que costumas oferecer
somente o teu silêncio, trepei
a pequena colina por sobre os mirtilos selvagens, descendo
metafisicamente, como faço nas minhas caminhadas: a fundura
a que fui chegou para mim te apiedares, tal como tens por vezes
piedade por outros que sofrem, e assim os favoreces
com dons teológicos? Tal como antecipavas,
não levantei os olhos. Por isso desceste tu até mim:
até aos meus pés, não na forma das folhas
encerradas do mirtilo selvagem, mas o teu ser ardente, vasto
posto de fogo, e mais além, o sol vermelho sem tombar nem se
erguer -
Eu não era criança; podia aproveitar as ilusões.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024
PERFILAD0S DE MEDO
Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.
Aventureiros já sem aventura
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.
Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido
os loucos, os fantasmas somos nós.
Rebanho pelo medo perseguido
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido.
Alexandre O’Neill, no livro “Poemas com Endereço”. Lisboa: Livraria Moraes Editora, 1962.
''O’Neill o homem dos três “cês”: Cama, Copos e Conversa''
IDLES - GRACE
When they're knocking at my door
Make me safe, away from harm
Hold me in my brother's arms
Make me pure
Be the answer to my call
When you need, I will come
I will wage his war is won
Make me pure
I said, love is the thing
No crown, no ring
I said, love is the thing
No god, no king
I said, love is the thing
Hold me up as I take flight
Make me safe, away from harm
Please caress my swollen heart
Make me pure
I'll be your spine
I will hear your burdened cries
I will give myself to you
I said, love is the thing
No crown, no ring
I said, love is the thing
No god, no king
I said, love is the thing
SEIS POEMAS CONFIADOS À MEMÓRIA DE NORA MITRANI (*), de Alexandre O'Neill (Lisboa, 19 de Dezembro de 1924 — 21 de Agosto de 1986).
.I
Para ti o tempo já não urge,
Amiga.
Agora és morta.
(Suicida?).
.
Já Pierrot-vomitando-fogo
(sempre ao serviço dos amantes)
não entra no nosso jogo
como dantes.
.
Mas esse obscuro servidor,
que promovemos uma vez
(ainda eu não te dedicara
“aquele” adeus português...),
.
corre, lesto, como uma chama,
entre nós dois (o saltarim!)
e desafia-nos prà cama.
Esperas por mim?
.
II
Se eu pudesse dizer-te: — senta aqui
nos meus joelhos, deixa-me alisar-te,
ó amável bichinho, o pêlo fino;
depois, a contra-pêlo, provocar-te!
Se eu pudesse juntar no mesmo fio
(infinito colar!) cada arrepio
que aos viajeiros comprazidos dedos
fizesse descobrir novos enredos!
Se eu pudesse fechar-te nesta mão,
tecedeira fiel de tantas linhas,
de tanto enredo imaginário, vão,
e incitar alguém — Vê se adivinhas…
Então um fértil jogo amor seria.
Não este descerrar a mão vazia!
.
III
Sê como és : o sol é bom,
o ar vivaz
Do azul aos azuis, do verde aos verdes,
a terra é menina e o tempo rapaz.
.
Também tu és menina
(um bichinho rebelde, de tão natural!)
e correr descalça era mesmo o que querias,
mas seria indecente nesta capital...
.
E enquanto, doutro verde possuido,
em versos me explico, bem ou mal,
à primavera corres, já descalça,
por uma relva ideal!
.
IV
Passam os anos a caretear...
Com ou sem sorte,
não será tempo de viver, de amar,
de resistir à morte?
.
Ouve amor-o-eterno e o que ele diz
a quem se dá.
Não esperes pelo tempo : sê feliz
que a felicidade é já!
.
E a felicidade é esse rosto eleito
por ti,
é esse palmo de ternura e o jeito
com que sorri.
.
E a felicidade é a melancolia
que nesse rosto existe,
quando te quer dizer que só por ele
é bom estar triste...
.
Passem, então, os anos a deitar-nos
línguas de fora...
Se morrermos será de nos amarmos
em cada hora !
.
Mais um ano de esperança? Não o queiras
se a esperança é adiar,
e vive-o como se fosse a vida inteira
se tiveres de esperar!...
.
V
Eu estava bom p'ra morrer
nesse dia.
Não tinha fome nem sede,
nem alarme ou agonia.
.
Eu estava tal como está
esse que perdeu a amiga,
o homem que sofreu já
tanto (nem se imagina!)
.
que ficou bem atestado
de fadiga
e copiou-se em alegre,
mas de uma torpe alegria,
.
que não era mesmo alegre,
mas alegre se fingia
só para enganar o morto
que dentro de si trazia.
.
Este é um modo de dizer
em que ninguém acredita,
mas não sei melhor dizer :
era assim que eu me sentia!
.
A solidão o que era?
O amor o que seria?
Já ninguém à minha espera,
para nenhures é que eu ia.
.
Eu estava bom pr'a morrer
— e ainda hoje morria...
Assim me quisesses dar
e tirar — só tu! — a vida.
.
VI
A que vens, solidão, com teu relógio
de ponteiros de visgo, de bater de feltro?
Ombro nenhum ao meu ombro encostado,
a que vens, ó camarada solidão?
.
Companheira, amiga, até amante,
até ausente, ó solidão, te amei,
como se ama o frio até o frio dar
a chama que tu dás, ó solidão!
.
A que vens, enfermeira? Não sabes que estou morto,
que se digo o meu sim ou o meu não
é só para que os outros me julguem mais um outro,
é só para que um morto não tire o sono aos outros?
.
A que vens, solidão? Vai antes possuir
os que amam sem esperança e sem saber esperam,
dá-lhes o teu conforto, encosta-lhes ao ombro
o teu ombro nenhum, ó solidão!
.
.
— in “Poemas com endereço”, 1962;
— in “Poesias Completas”, introdução e organização de Miguel Tamen, Assírio & Alvim, 2000, p. 172-175.
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(*) — Nora Mitrani (Sofia, Bulgária, 29 de Novembro de 1921 - Paris, 22 de Março de 1961), escritora e socióloga francesa de origem judaica e búlgara, veio a Lisboa dar umas conferências surrealistas em 1950, altura em que conheceu O'Neill e se apaixonaram. Querendo ir ter com ela a Paris, o poeta seria impedido por uma série de circunstâncias que envolveram a própria família e a PIDE. Pode ler o que ele contou sobre o assunto neste texto de ”Uma Coisa em Forma de Assim”: bit.ly/3kbEEyS.
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Quando O’Neill foi finalmente a Paris, Nora Mitrani já tinha morrido em consequência de um cancro, com 39 anos, suspeitando-se de que possa ter-se antecipado ao fim anunciado.
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MNEMÓNICA
(...)
« Um menino inventou uma mnemónica para o rio Limpopo: o rio limpa o pó.»
Adília Lopes. Bandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 215terça-feira, 20 de fevereiro de 2024
domingo, 18 de fevereiro de 2024
sábado, 17 de fevereiro de 2024
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
terça-feira, 13 de fevereiro de 2024
''áceres em fogo''
Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 69
é não ter
pensamento! Sentimentos,
ah, isso tenho: são
eles que me guiam. Tenho
um senhor no céu
chamado sol, para ele
me abro e lhe mostro
o fogo do meu coração, igual
ao fogo da tua presença.''
(...)
Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 63