sábado, 5 de dezembro de 2020

Capela Matisse


 

Capela do Rosário

 "O Eduardo dizia: eu ainda fico aqui, debaixo do último cipreste que plantar"

Annie Salomon

Alpes Marítimos

Fonte da publicação

Prémio Pessoa 2011 ou a ideia de que o literário nunca é apenas literário!

É com certeza um dos prémios que se reveste de maior importância simbólica para Eduardo Lourenço. De facto, se o Prémio Camões (1996) , o galardão mais importante de toda a literatura em língua portuguesa, o Prémio Vergílio Ferreira (Universidade de Évora, 2001) ou até o Prémio António Sérgio no já longínquo ano de 1992 constituiram distinções que muito sensibilizaram o ensaísta, não restam dúvidas de que Fernando Pessoa é o autor com quem Eduardo Lourenço tem mantido desde há largos anos (registe-se que, em Heterodoxia I, publicada em 1949, há já uma referência explícita ao poeta de Ode Marítima) um permanente e inacabado diálogo. De Pessoa terá Eduardo Lourenço retirado múltiplas lições, a menor das quais não será certamente a ideia de o literário nunca é apenas literário.
Ler Eduardo Lourenço não poderia deixar passar em claro este feliz acontecimento e por isso transcreve em seguida um excerto de uma entrevista realizada há largos anos pela jornalista Inês Pedrosa e publicada no Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, 6/XII/1986, pp. 2-6. Para além do interesse das declarações do ensaísta sobre Fernando Pessoa, Ler Eduardo Lourenço recorda que Inês Pedrosa é, hoje, a directora da Casa Fernando Pessoa em Lisboa.

Mário Soares e Francisco Pinto Balsemão membros do Júri do Prémio Pessoa
(foto Expresso)


«Jornal de Letras – Eduardo Prado Coe­lho escreveu que Fernando, Rei da Nossa Ba­viera se pode, e deve, ler como um roman­ce, afirmação que eu subscrevo inteiramente. Concorda?

Eduardo Lourenço – Bom, cada um faz os romances que pode... Naturalmente, o que eu queria fazer era um romance, um verdadeiro romance. De maneira que aquilo que há em mim de imaginativo, ou de imaginante, possi­velmente se transfere para essa esfera de or­dem crítica, em que os autores servem ao mes­mo tempo de objecto de estudo no sentido tra­dicional e de objecto de projecção. Lembro-me de o meu amigo Carlos de Oliveira me di­zer, a propósito do Pessoa Revisitado, que não sabia se aquilo correspondia realmente ao Fernando Pessoa, mas que aquilo tinha muito a ver comigo. Quer isto dizer que, já no Pes­soa Revisitado, alguém que me conhecia tão bem como o Carlos de Oliveira pensava que era o meu romance.

(...) A mitologia de Fernando Pessoa comporta dois aspectos diferentes. Fernando Pessoa torna-se emblemático numa perspectiva nacionalista clássica, mesmo se isto corresponde a uma leitura não muito certa de Mensagem. Mas, em todo o caso, há um suporte para que Pessoa se tenha tornado um emblema de um novo sonho de Portugal, numa altura em que Portugal não tem perspectivas realistas de instituir uma imagem positiva de próprio que seja grata ao sonho português de ter sido um grande país. Portanto, a Mensagem vai ser lida como uma espécie de Lusíadas do século vinte, quando, em última análise, ela é anti-Lusíadas.

P. – Anti-Lusíadas em que sentido?

R. – Ela é anti-Lusíadas porque Os Lusíadas são um poema escrito sobre uma acção real, a exaltação de um facto real de importância nacional. E a Mensagem é um poema puramente onírico. Onírico, antes de mais em relação ao passado, porque todos os heróis ou figuras emblemáticas de Mensagem são símbolos de maneiras de estar no mundo e de representar o ser português ideal, mais do que personagens que agiram na História desta ou daquela maneira. Por outro lado, o livro termina com a constatação de que o presente de Portugal é um presente de Hora Zero, a partir do qual tem que haver uma espécie de renversement. Portanto, não tem muito a ver com Os Lusíadas. Só tem a ver na medida em que, na ordem do imaginário de Fernando Pessoa, Mensagem se destina a substituir Os Lusíadas, porque Os Lusíadas já não funcionam para o Portugal que existe. Portugal agora tem mais Sonho que Realidade: o poema da realidade está cumprido, já está no passado. No espírito de Fernando Pessoa, Os Lusíadas são definitivamente reenviados para o Passado com Mensagem – por isso mesmo ele se quer Super-Camões, o que quer dizer que ele integra a obra de Camões e a supera. A esse título, a pouco e pouco, foi sendo tomado à letra, e o Fernando Pessoa tornou-se o novo Camões.


P. – Mas, no fundo, não procura Fernando Pessoa uma Ilha dos Amores, como n’ Os Lusíadas?


R. – Dos Amores não direi, porque em matéria de amores o Fernando Pessoa não tinha exactamente o mesmo tipo de perspectiva de Camões. Aparentemente, pelo menos, porque o Jorge de Sena insinua que sim. Mas a habitual mitologia amorosa e erótica construída em volta de Camões é a do homem das diversas chamas, diversos amores, entendendo-se por esses amores, em princípio, amores femininos. Ora, Fernando Pessoa não parece ter ardido em nenhuma chama de amor, mas na chama do Não-Amor. O que há menos em Fernando Pessoa é a mulher. Portanto, é uma experiência extremamente dolorosa, mais dolorosa do que a da paixão de amor, correspondida ou não-correspondida.


P. – Terá Pessoa sido de facto, como diz Eduardo Lourenço, um abandonado de amor? E porque não um voluntário auto-excluído por demasiado consciente?


R. – Pouco me importam quais tenham sido as razões de ordem genealógica, psíquica ou psicanalítica. Essa ferida está inscrita nos poemas. As causas podem-se discutir indefinidamente. Não há dúvida de que a interpretação que ele, Fernando Pessoa, dá, sobretu­do agora através das páginas mais precisas do Livro do Desassossego, é a dessa orfandade real, mítica. Mítica, porque a mãe existiu até 1925. A mãe não o parece ter desamado no sentido literal do termo. Mas ele é que viveu essa não-presença efectiva, importante, da sua adolescência. Pessoa está em Portugal e a mãe está fora; ou então foi o segundo casa­mento dela que o marcou, como João Gaspar Simões foca. De qualquer modo, essa ideia de se representar a si próprio, num dos seus se­mi-heterónimos, como alguém a quem a mãe morreu, quando a mãe dele está viva, signifi­ca que ele se autopsicanalisou antes da psicanálise existir. Portanto, a realidade erótica de Fernando Pessoa não me parece ser do mesmo estilo da que conhecemos para o Camões, embora nós não conheçamos muita coisa do Ca­mões, afinal de contas não conhecemos nada. Não sabemos se essa espécie de don juanismo de Camões não será do mesmo estilo a que eu chamo o Não-Amor do Fernando Pessoa... Afinal, trata-se de uma espécie de impossibilidade permanente de Camões de aderir a um amor real. Inventaram-se musas diversas para justificar esses poemas. Mas pode ser simples­mente um trabalho onírico hiperpetrarquiano, sem suporte concreto.


P. – E já estamos a entrar na irresolúvel questão das sinceridades versus autenticida­de...


R – ... que é uma questão que não tem verdadeiramente sentido na ordem da escrita, do ficcional e do poético. É uma questão de nível psicológico ou psíquico. O que importa é o texto.


P. – O professor Eduardo Lourenço repe­te isso várias vezes ao longo deste livro, mas depois diz assim, taxativamente: «O autor da Tabacaria e dos fragmentos de Ode à Noite não foi especialmente vocacionado para o que chamamos felicidade.»


R. – Nós aprendemos isso lendo-o. Mas o facto de Pessoa não ser vocacionado para a fe­licidade também não é uma originalidade em absoluto. Praticamente toda a nossa lírica é uma glosa do desejo insatisfeito. Pos­sivelmente, toda a lírica o é. Por conseguinte, essa insatisfação não corres­ponde àquilo que de uma maneira geral se chama um destino vocacionado para uma cer­ta normalidade, uma certa felicidade. Agora se me pergunta o que é ser-se vocacionado pa­ra a felicidade... Bom... Certas pessoas vivem a sua relação com a existência, com os outros, com o mundo, de uma maneira mais harmo­niosa do que outros. Pertencem a essa espécie de animais felizes que dizem «qu’ils sont bien dans leur peau». Há o caso de um político proeminente que diz «qu’il se sent bien dans sa peau»... E afinal é isso o normal, no fundo to­da a gente nasce para estar bem dans sa peau. O que deveria ser considerado anormal é que as pessoas não se sintam bem naquilo que são. E aqueles que ressentem essa fractura interna, com mais profundidade são os poetas, os criadores. Sobretudo os poetas da Moder­nidade. Porque houve outras épocas em que os criadores não parecem ter tido necessidade de se sentirem particularmente infelizes para serem criativos. Não temos a ideia de que Bach tivesse tido uma existência particular­mente infeliz, mas o Bach pertence à idade clássica ou neoclássica da Modernidade. De­pois vem essa idade a que podemos chamar Idade de Depressão, em todo o sentido do ter­mo – depressão histórica, depressão por uma contradição profunda entre o tipo de existência que o homem moderno se fabricou, aquilo a que chamámos Romantismo. Os românticos sentem a obrigação de ser infelizes, mesmo que sejam extremamente felizes.


P. – Nesse sentido, Fernando Pessoa é o puro romântico.


R. – Ele próprio o diz. Se ele não fosse romântico, o que é que nós seríamos? Pessoa é, possivelmente com o Pascoaes, o nosso maior romântico.


P. – E simbolista, e só aparentemente mo­dernista.


R. – A minha relação com Fernando Pes­soa tem já muitos anos e muita reflexão. E, embora isso esteja anunciado nos textos mais antigos como uma hipótese, o que cada vez me parece mais relevante é o facto de que nós nos enganámos todos; na leitura, fizemos da excepção a anormalidade do caso Fernando Pessoa. E a excepção é a sua estridência modernista, que foi um momento extremamente breve na sua produção, após o qual ele regres­sou imediatamente aos seus antigos demó­nios. E o seu demónio é o demónio simbolista. É uma visão da existência sobre o fundo do nevoeiro, da ausência, do vago. O que não é vago é a escrita dele, mesmo quando ele é sim­bolista. O Marinheiro, mesmo nas suas pas­sagens mais ultra-simbolistas, é de uma lumi­nosidade que não tem comparação nenhuma na literatura portuguesa, e poucas em qual­quer literatura. E o que Pessoa está ali a glo­sar é a Ausência da Ausência da Ausência. E essa Ausência é presente no texto, de uma ma­neira muito forte.


P. – Assim como os heterónimos seriam a glosa de uma heteronomia mais funda. E a originalidade de Pessoa estaria…


R. – ...no facto de ele ser um carrefour, um cruzamento das várias possibilidades de se ser moderno, desde os fins do século deza­nove aos princípios do século vinte. Fernando Pessoa é modernista no sentido mais profun­do da consciência daquilo que é a ausência da Modernidade, ou seja, da morte de Deus, da perda de um Sentido para uma História que até então tinha Sentido. A própria criação do conceito de História em termos modernos visa recuperar um Sentido que tinha sido perdido em termos teleológicos. Ao mesmo tempo, Fernando Pessoa é profundamente antimo­dernista a todos os níveis. Não se tem notado muito, mas a aprendizagem de Fernando Pes­soa foi extremamente clássica, como clássica era a poesia inglesa de que ele mais gostava – incluindo os românticos, que ao nível da escri­ta eram perfeitamente clássicos, fascinados pela Grécia. Portanto, no imaginário de Pes­soa, a Idade de Ouro da Humanidade é a Grécia; não a Grécia de Nietzsche, mas a Grécia de Winckelmann, a Grécia de Goethe. O Mo­dernismo é o facto de ele querer apanhar to­dos os comboios, de não ser ninguém e por is­so estar disponível...


P. – Só marginalmente o seu interesse por Pessoa parece literário...


R. – O literário é que para mim nunca foi apenas literário. Foi isso o que me começou a separar, a nível teórico, da perspectiva crítica clássica da geração anterior à minha, que era a da Presença. Fundamentalmente, Régio por um lado. Simões do outro, porque sempre me considerei mais próximo do Casais Mon­teiro, naturalmente por ambos termos sido alunos de Filosofia. Para mim, a literatura é a expressão de alguma coisa mais, que no fundo não tem nome.


P. – Se bem entendo, o seu entusiasmo pelo que de indizível há na Literatura, partiu da constatação de que a Filosofia conduz a ca­tegorias, absolutos, enquanto que na ficção pura se recupera um sentido que discurso al­gum com pretensão à objectividade pode alcançar.


R. – Em última análise, eu também não faria uma distinção tão tranchante entre aquilo de que a Filosofia é a manifestação exterior e a Poesia. As duas têm a mesma fonte, a res­posta é que é diferente.


Como diz Platão, o que determina o desejo de filosofar é o espanto diante da realidade. Esse espanto interroga-se a si próprio e pede uma resposta. Essa resposta articulada pela norma ocidental chama-se, em geral, Filoso­fia. Esse espanto liricamente expresso, sem a preocupação de uma resposta, aberto, é Poe­sia. Mas as primeiras formas de Filosofia ex­primiam-se de forma poética. Parménides é um poema. No fundo, todo o poeta persegue sob a forma do onírico o mesmo desejo de en­trar em contacto com qualquer coisa que en­globa o Sentido geral da sua própria experiên­cia.


P. – E disso terá tido consciência Pessoa, como ninguém em Portugal.


R. – Sim, Pessoa até é um caso curioso, porque demonstrou um interesse intenso pela Filosofia no sentido de disciplina... Possivel­mente quis fazer um curso de Filosofia, vemos isso através dos numerosos extractos dos livros que ele lia. Nesse sentido, Fernando Pes­soa pertence igualmente a uma maneira clássica de encarar a Filosofia. A Filosofia devia dar-lhe a resposta à interrogação última, de­via dar-lhe, em termos racionais, o Absoluto. E porque ela não lha dá, ele fractura-se espiri­tualmente, psiquicamente, abdica da ideia de encontrar uma Filosofia que resuma o mistério do Universo e compreende que esse é um ideal inexequível e que há maneiras diversas de se aproximar desse Absoluto. Pessoa compreende que o Absoluto é um mito e que não há senão uma pluralidade de caminhos, todos com a mesma possibilidade de serem es­sa Verdade que não existe.


P. – Coisa engraçada neste seu livro é que quando Eduardo Lourenço já está muito em­brenhado em Fernando Pessoa, às tantas pára e diz mais ou menos, isto: «Atenção, que o Fernando Pessoal é muito complicado». Neste livro e nos outros, aliás. Normalmente, a orientação dos ensaios pessoanos é a contrária: fazer-nos ver que, afinal, Fernando Pes­soa se explica...


R. – Isso é porque eu penso que não se po­de dar-lhe a volta.


P. – Nem quer dar-lhe a volta...


R. – Sim, eu também não quero dar-lhe a volta. Não é possível, porque Pessoa já dá a volta possível a si mesmo. O texto de Pessoa é um autotexto, um texto sobre o próprio texto. E essa é a novidade que não existia na poesia anterior. Nem mesmo naquela que disso se poderia aproximar, pelo seu desejo de interro­gar a Esfinge até ao último limite, como a de Antero. Mas Antero não tem esse olhar triplo, em que não há possibilidade de parar em par­te nenhuma.


É por isso que desconfio de toda a gente que me vem dizer que Fernando Pessoa foi isto ou aquilo... Eu não sou capaz de dizer o que é que Fernando Pessoa foi.


P. – Cada vez mais incapaz?


R. – Cada vez mais. E, no entanto, gosta­ria que, lendo-me, as pessoas tivessem o senti­mento de que, nessa renúncia a uma imagem completa, eu estou mais próximo do Pessoa do que um outro tipo de discurso que quereria dissolvê-lo. Exactamente dissolvê-lo.»

Público, 17/XII/2011, p. 6

 

A REVOLUÇÃO DAS FLORES

Annie Salomon de Faria (1928-2013)*

Annie Salomon de Faria nos anos 60 (imagem publicada em Eduardo Lourenço et la Passion de l'Humain)

''Nunca me imaginei na situação de quem recebe uma homenagem. Uma situação nada confortável para uma pessoa que recebeu, como eu, uma educação que sempre exaltava mais a modéstia do que o aparecer. Mas anima-me a convicção de que este acto que me honra é devido à estima sincera de pessoas amigas que teimam em ver-me como uma mulher auxiliar em “primeira fila” na realização da obra de Eduardo Lourenço. Auxiliar, eu fui, em certa medida, mas não me atreverei a julgar a importância efectiva do meu auxílio... Recebi uma formação universitária de hispanista, e tudo levava a pensar que a minha carreira se dedicasse ao mundo hispânico. Previsão demasiado lógica que ignorava o papel do destino que levou um jovem português a cruzar o meu caminho na Universidade de Bordéus. 
 
Annie e Eduardo Lourenço em Bordéus no ano de 1949 (imagem publicada em Tempos de Eduardo Lourenço-Fotobiografia)
 Ele era filósofo e falava mal francês. Mas este handicap não o impedia de intervir com veemência nos debates de vários círculos culturais da cidade. Ele era fascinante. A tal ponto que um dia atrevi-me a dizer-lhe: «Vous êtes un bavard sympathique». Uma frase fatal que selou o meu destino. Casei com Eduardo Lourenço em 1954. Desde o início soube que não escolhera a facilidade. Mas quem tinha, como eu, vivido desde a infância numa terra onde chuva, ventos e fúrias do oceano batiam no granito, ao ritmo das marés, tinha – dizia – que ter uma alma aventureira. Gostava dos desafios e sonhava poder ultrapassar o horizonte ad infinitum. A minha bifurcação cultural não me assustou. É certo que eu não tinha escolhido «un lecho de rosas», como se diz no México. Mas a minha firmeza, ou dizendo melhor, a minha teimosia, soube resistir, contra ventos e marés, no correr da minha vida. À medida que eu ia descobrindo a cultura portuguesa e, mais tarde, o mundo brasileiro, estabeleceu-se entre nós os dois – Eduardo e eu – uma troca contínua de impressões, opiniões, comparações, etc., sobre tantos assuntos, temas, livros. Chegou a ser mesmo um verdadeiro «partage», em momentos privilegiados de cumplicidade e identidade. Sentia isso particularmente quando traduzia os seus livros. «Partage» que a chegada do nosso filho Gil, hoje aqui presente, veio confortar afectivamente. E neste momento de celebração festiva, penso com ternura na nossa nora Laurence e nos nossos netos Morgane e Robin, que não nos puderam acompanhar. Também em nome deles quero agradecer a todos os que me quiseram honrar com o testemunho do próprio afecto e amizade neste dia da inauguração da Biblioteca Eduardo Lourenço. Muito obrigado, pois.

Fotografia publicada em Jornal de Letras, Artes e Ideias


*Annie Salomon nasceu Côte du Nord, na Bretanha, a 11 de Agosto de 1928. Licenciou-se em Línguas Hispânicas na Universidade de Bordéus, cidade onde conheceu Eduardo Lourenço, com quem se viria a casar em 1954. Dez anos volvidos foi convidada a leccionar na Universidade de Nice, tendo o casal passado mais tarde a viver em Vence. Hospitalizada há algumas semanas, Annie Salomon de Faria morreu ontem em Lisboa. O texto de sua autoria que acima se reproduz foi lido em 25 de Novembro de 2008 durante a cerimónia de inauguração da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço (e na qual Annie foi também homenageada) na Guarda, tendo sido publicado no Jornal de Letras na página 42 da edição de 17 de Dezembro desse mesmo ano.''

Fonte da publicação: http://leduardolourenco.blogspot.com/2013/12/annie-salomon-de-faria-1928-2013.html

''império frágil''

quelque chose à part

penosamente

húbris

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

excedentários


VALE DA MORTE

 

Eduardo Lourenço concluiu a licenciatura em 1946, com uma tese sobre "O Sentido da dialética no idealismo absoluto".

"estar-se sem livros é já ter morrido"

 Eduardo Lourenço

interdependências sociais e desigualdades

“Cada homem transporta em si a forma inteira da condição humana”

 Montaigne

 Do capítulo “Do arrependimento”

BAN - Suave, Ana Deus, RTP 1990

fac-símiles

esquisso

LABUTAR

 ''Se o capital não tiver lucro, morre. Este é o grande muro! Todas as lutas, desde as mais pequenas, têm de ter como objetivo a destruição desse muro. Em vez do lucro, os interesses genuínos dos povos é que têm de mover as sociedades.''

Entrevista a Mário Tomé – destacado Militar do Movimento dos Capitães



 

 ''Ao sistema financeiro atual, só interessa uma coisa: que o Estado, seja ele democrático ou ditatorial, garanta a credibilidade da dívida. O sistema neoliberal vive da dívida! ''

Entrevista a Mário Tomé – destacado Militar do Movimento dos Capitães

As “migalhinhas”

na história não há “ses”

''acólitos militares''

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

 "Nós somos o que fazemos repetidamente. A excelência não é um efeito, mas sim, um hábito. 

 

- Aristóteles 

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

 “Se tratarmos as pessoas como elas devem ser, nós as ajudamos a se tornarem o que elas são capazes de ser” 

Johan Wolfgang Von Goethe

domingo, 29 de novembro de 2020


 

 GUERRA DO ÓPIO 1840


''entregue a lamentações''

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 132

de.sas.sis.ti.do

concatenar


Sam Gopal - Escalator - Yesterlove


 

comiserar

Where We Are and Where We


Fernando Pessoa

[Carta a Armando Teixeira Rebelo - 2 Ago. 1907] - T

[Carta a Armando Teixeira Rebelo -2 Ago. 1907]

Hotel Brito, Portalegre

22 de Agosto de 1907

.

Venerável porção de existência terrena!

Nuns poucos momentos de concatenada actividade mental, não desassistida dos fumos carnais da bebida alcoólica — nada mais nada menos do que vinho — não exclusivo a esta localidade, a minha alma sentiu, como um suspiro mental, a necessidade de dar expressão do seu presente estado e tendências a um cérebro amigável como o teu.

Solitário e silente no meu transitório lugar de existência no hotel mencionado no cabeçalho desta explosiva epístola de uma sobrecarregada alma, sentindo em redor de mim um mundo moralmente frio e materialmente quente — abaixo de zero quanto à minha alma e não longe dos 40 quanto ao meu corpo — nestas circunstâncias angustiosas e inspiradoras veio até mim a ideia de que talvez o processo desta composição epistolar possa ser subjectivamente conducente a um alívio do meu fardo terreno neste momento, possa ser o «bálsamo em Gilead» sonhado por Poe, para o meu espírito desgarrado.

Daí esta carta.

Portalegre é um lugar em que tudo quanto um forasteiro pode fazer é cansar-se de não fazer nada. As suas qualidades componentes parecem-me conter (depois de uma profunda análise), em quantidades relativas e incertas, calor, frio, semiesPãholismo e nada. O vinho é bom (embora não daqui, creio), mas é decididamente alcoólico, especialmente quando a jarra de água está na outra extremidade da mesa e tu te esqueces (quer dizer, eu me esqueço) de o pedir. O estilo desta carta é disso uma prova decisiva. Farei dela registo, para que uma tão brilhante produção do meu espírito não se perca no correio.

A desmontagem e embalagem da tipografia está a levar um tempo danado — poeticamente falando, é claro. Apesar disso, os homens têm trabalhado bastante depressa e tenho os olhado e observado com a maior das energias.

Acredito sinceramente que, se tivesse que aqui ficar um mês, teria de ir para Lisboa e depois para o Hotel Bombarda. Mal podes imaginar o hiperaborrecimento, o ultra-estafanço-de-tudo, a absoluta sensação de o-que-há-de-fazer-um-tipo num sítio destes, que reinam no meu espírito!

Encontrei um livro para ler. Estou ansioso por voltar para Lisboa; penso contudo que ainda terei de ficar aqui mais três dias.

    O Alentejo visto do comboio

    Nada com nada em sua volta

    E algumas árvores no meio,

    Nenhuma das quais claramente verde,

    Onde não há vista de rio ou de flor.

    Se há um inferno, eu encontrei-o,

    Pois se não está aqui, onde Diabo estará?

Passa bem, ó tu

F. Nogueira Pessoa

P. S. — Não me escrevas para Portalegre. Poderei já aqui não estar. Espera o meu regresso a Lisboa. Aí falaremos então.

2-8-1907

Escritos Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas. Fernando Pessoa. (Introduções, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Publ. Europa-América, 1986.

  - 56.

Tradução de António Quadros.

1ª publ. in Vida e Obra de Fernando Pessoa - História de uma Geração. João Gaspar Simões. Lisboa: Bertrand, 1951.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Arcade Fire - Song on the Beach; Photograph 1 Hour (Her Movie)

 DIEGO

Vi, escritos na relva, os mais belos poemas de uma vida. Sob o clamor das vozes, ouvi a tua voz naquele bairro do sul distante, buenos aires do perdido amor, com as suas milongas, com os seus punhais dolentes de mate e suor.
Tu não crescias.
Eras puro, com a beleza por dentro, essa terrível beleza que arde no coração.
De muito longe vieram contigo o júbilo e as altas flores da magia.
De repente, tudo enlouquecia.
O mundo era um prado vertiginoso, rectangular e verde, com a demência à volta.
Em junho, o sol explodia sobre as cabeças delirantes mas eu sei que a morte chegava depressa, batendo à porta da tua noite.
Eu também parti nas asas brancas de um sonho, e, depois, numa lágrima de imenso mar, disse-te adeus, apertando-te secretamente na solidão dos meus dias.
Tudo passa velozmente na estação do sol e, em setembro, já corremos as cortinas dos salões, regressando ao outono, quando os cabelos adquirem a neve do tempo que fica.
Ave que cruzas a pampa onde a saudade mata com os seus ferros incandescentes, traz-me novas do meu amigo, fala-me do vento que o viu nascer ao lado da morte da alegria.
Agora, que é tarde, só te posso recordar, sentado algures, na fria pedra dos lugares vazios. Agora, és apenas um menino triste, abandonado pelas mãos de Deus.
JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
1990

 

“I think that writers are made, not born or created out of dreams of childhood trauma—that becoming a writer (or a painter, actor, director, dancer, and so on) is a direct result of conscious will. Of course there has to be some talent involved, but talent is a dreadfully cheap commodity, cheaper than table salt. What separates the talented individual from the successful one is a lot of hard work and study; a constant process of honing. Talent is a dull knife that will cut nothing unless it is wielded with great force—a force so great the knife is not really cutting at all but bludgeoning and breaking (and after two or three of these gargantuan swipes it may succeed in breaking itself…which may be what happened to such disparate writers as Ross Lockridge and Robert E. Howard). Discipline and constant work are the whetstones upon which the dull knife of talent is honed until it becomes sharp enough, hopefully, to cut through even the toughest meat and gristle. No writer, painter, or actor—no artist—is ever handed a sharp knife (although a few are handed almighty big ones; the name we give to the artist with the big knife is “genius”), and we hone with varying degrees of zeal and aptitude.”


― Stephen King, Danse Macabre

peaky blinders


 

Lubrifiant Social Merlot

con.tu.bér.ni.o

common man

fishmonger

marvelously

''copious tears''

Evelyn Waugh: 'I can only be funny when I'm complaining'

 


 

''I feel a little depressed ''

misleading

full of deceptions

Things Have Changed


A worried man with a worried mind
No one in front of me and nothing behind
There's a woman on my lap and she's drinking champagne
Got white skin, got assassin's eyes
I'm looking up into the sapphire tinted skies
I'm well dressed, waiting on the last train
Standing on the gallows with my head in a noose
Any minute now I'm expecting all hell to break loose
People are crazy and times are strange
I'm locked in tight, I'm out of range
I used to care, but things have changed
This place ain't doing me any good
I'm in the wrong town, I should be in Hollywood
Just for a second there I thought I saw something move
Gonna take dancing lessons do the jitterbug rag
Ain't no shortcuts, gonna dress in drag
Only a fool in here would think he's got anything to prove
Lotta water under the bridge, lotta other stuff too
Don't get up gentlemen, I'm only passing through
People are crazy and times are strange
I'm locked in tight, I'm out of range
I used to care, but things have changed
I've been walking forty miles of bad road
If the bible is right, the world will explode
I've been trying to get as far away from myself as I can
Some things are too hot to touch
The human mind can only stand so much
You can't win with a losing hand
Feel like falling in love with the first woman I meet
Putting her in a wheel barrow and wheeling her down the street
People are crazy and times are strange
I'm locked in tight, I'm out of range
I used to care, but things have changed
I hurt easy, I just don't show it
You can hurt someone and not even know it
The next sixty seconds could be like an eternity
Gonna get lowdown, gonna fly high
All the truth in the world adds up to one big lie
I'm love with a woman who don't even appeal to me
Mr. Jinx and Miss Lucy, they jumped in the lake
I'm not that eager to make a mistake
People are crazy and times are strange
I'm locked in tight, I'm out of range
I used to care, but things have changed
Compositores: Bob Dylan

Fiery and tempestuous

Self-Portrait (Asleep)




''We all know that Andy Warhol made a film lasting more than 5 hours of a man sleeping. After viewing it, I asked myself, ‘What would happen if I removed Warhol’s tedious passages?’ This is why I decided to film myself sleeping during 10 hours with an automatic shutter that took a frame every 10 seconds to make the only film directed by a sleeping man.” 

Luis Ospina

pequenos artifícios da conduta

''genética da infelicidade''

segunda-feira, 23 de novembro de 2020


 



POEMA 228

Enquanto, ao competir com teu cabelo,
ouro polido ao sol deslumbra em vão;
enquanto com desprezo ao rés-do-chão
olha tua alva frente o lírio belo;


enquanto atrás do lábio, por querê-lo,
mais olhos que do cravo agora vão;
e enquanto triunfa com afetação
do luzente cristal teu ser de gelo;


goza gelo, cabelo, lábio e frente,
antes que tua hora tão dourada,
- ouro, lírio, lilás, cristal luzente -


não só em prata ou flor estiolada
se torne, mas tu e isso juntamente
em terra, em fumo, em pó, em sombra, em nada.


Luís de Góngora

 

AMOR CONSTANTE MÁS ALLÁ DE LA MUERTE

Cerrar podrá mis ojos la postrera
sombra que me llevare el blanco día,
y podrá desatar esta alma mía
hora a su afán ansioso lisonjera;

mas no, de esotra parte, en la ribera,
dejará la memoria, en donde ardía:
nadar sabe mi llama la agua fría,
y perder el respeto a ley severa.

Alma a quien todo un dios prisión ha sido,
venas que humor a tanto fuego han dado,
medulas que han gloriosamente ardido:

su cuerpo dejará no su cuidado;
serán ceniza, mas tendrá sentido;
polvo serán, mas polvo enamorado.

AMOR CONSTANTE ALÉM DA MORTE

Cerrar irá meus olhos a derradeira
sombra que me levará o branco dia,
e desatará minh’alma na umbria
agora a seu afã ansioso lisonjeira;

mas não, dessoutra parte, na ribeira,
deixará a memória, aonde ardia:
nadar sabe minha chama a água fria,
e perder o respeito a lei severa.

Alma a quem todo um deus prisão há sido,
veias que humor a tanto fogo hão dado,
medulas que hão gloriosamente ardido:

seu corpo deixará, não seu cuidado;
serão só cinza, mas terá sentido;
pó se tornarão, mas pó enamorado.

cultismo




 

Dalmácia

Mar Adriático

«As palavras dos poetas são um perigo para os ouvidos de homens que querem ser livres. Só o que fazem é criar fantasmas, que afastam os homens da contemplação da verdade.»

Obra Poética de Ruy Belo. Volume 3. Organização e Notas de Joaquim Manuel Magalhães e Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Editorial Presença. , p. 81

 «E, no entanto, o próprio Hölderlin reconhece que, apesar da sua inocência, a palavra é o mais perigoso dos bens. O homem tem de a utilizar para testemunhar o que é. Ao lançar mão dela, expõe o seu ser, isto é, põe-no a descoberto e arrisca-o, nos dois sentidos que esse verbo tem.»

Obra Poética de Ruy Belo. Volume 3. Organização e Notas de Joaquim Manuel Magalhães e Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Editorial Presença. , p. 81

Poetar

«desfraldar as palavras»

Obra Poética de Ruy Belo. Volume 3. Organização e Notas de Joaquim Manuel Magalhães e Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Editorial Presença. , p. 80

domingo, 1 de novembro de 2020

«roubar as vigas e os pilares, substituindo-os por traves carcomidas». É a preparação ideológica, é a preparação da opinião pública que antecede a projectada capitulação.

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 161

«teoria de uma só resolução»

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 160

Disse-te Adeus e Morri

Disse-te adeus e morri

 Disse-te adeus e morri

E o cais vazio de ti
Aceitou novas marés.
Gritos de búzios perdidos
Roubaram dos meus sentidos
A gaivota que tu és.
Gaivota de asas paradas
Que não sente as madrugadas
E acorda à noite a chorar.
Gaivota que faz o ninho
Porque perdeu o caminho
Onde aprendeu a sonhar.
Preso no ventre do mar
O meu triste respirar
Sofre a invenção das horas,
Pois na ausência que deixaste,
Meu amor, como ficaste,
Meu amor, como demoras.
Compositores: Jose Antonio Sabrosa / Viasco De Lima Couto

''as crises económicas e políticas do capitalismo''

 «não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas sim o seu ser social que determina a sua consciência.»

Marx


Robert and Shana Parkeharrison
In the orchard

 

« A atitude científica é «buscar a verdade nos factos»; «crer-se sempre certo» e «pretender-se mestre dos demais» é uma atitude arrogante que jamais permite resolver qualquer problema.»

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 128

«(...), tentar por todos os meios comprar os intelectuais chineses e paralisar-lhes o espírito,»

 Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 122

campesinato


RECRUTAR EM GRANDE NÚMERO OS INTELECTUAIS *

 «Há três anos que o nosso Partido e o nosso exército vêm fazendo esforços consideráveis para recrutar intelectuais; um grande número de intelectuais revolucionários foi já incorporado no Partido e no exército, no trabalho dos órgãos do poder, no movimento cultural e no movimento de massas, o que ampliou a Frente Única. Isso constitui um êxito notável.»

* Decisão do Comité Central do Partido Comunista da Chiva, redigida pelo camarada Mao Tsetung, 1 de Dezembro de 1939.

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 120


Dream Fall

 

sábado, 31 de outubro de 2020

 


Fiama Hasse Pais Brandão.
Às vezes as coisas dentro de nós.


 Os Portugueses Vivem em Permanente Representação

Os Portugueses vivem em permanente representação, tão obsessivo é neles o sentimento de fragilidade íntima inconsciente e a correspondente vontade de a compensar com o desejo de fazer boa figura, a título pessoal ou colectivo. A reserva e a modéstia que parecem constituir a nossa segunda natureza escondem na maioria de nós uma vontade de exibição que toca as raias da paranóia, exibição trágica, não aquela desinibida, que é característica de sociedades em que o abismo entre o que se é e o que se deve parecer não atinge o grau patológico que existe entre nós.

Os Portugueses não convivem entre si, como uma lenda tenaz o proclama, espiam-se, controlam-se uns aos outros; não dialogam, disputam-se, e a convivência é uma osmose do mesmo ao mesmo, sem enriquecimento mútuo, que nunca um português confessará que aprendeu alguma coisa de um outro, a menos que seja pai ou mãe...

Costuma dizer-se que Portugal é um país tradicionalista. Nada mais falso. A continuidade opera-se ou salvaguarda-se pela inércia ou instinto de conservação social, entre nós como em toda a parte, mas a tradição não é essa continuidade, é a assumpção inovadora do adquirido, o diálogo ou combate no interior dos seus muros, sobretudo uma filiação interior criadora, fenómeno entre todos raro e insólito na cultura portuguesa. É a inserção do alígeno ou alógeno no processo da produção nacional que constitui a norma e institui o seu autor no papel de criador que nós entendemos sempre como invenção do mundo a partir de nada. Do nada que nos anteceda.
De onde procede tão calamitoso comportamento que não é apenas intelectual mas ético? Sem dúvida do divórcio profundo entre a minoria «cultivada», que vive em estado de guerrilha perpétua e só pode exceder a sua vontade de poderio com o recurso dessa efracção em fractura da produção portuguesa sem distância para se poder impor como «interessante», e a massa anónima do povo português que não participa nesse debate.

Depois do 25 de Abril, a possibilidade de participação dessas duas metades desiguais adquiriu um grau maior de verosimilhança, mas sob formas equívocas na sua grande maioria. Não é o povo que partilha agora melhor e com outro fervor da nova produção cultural, mas a franja escolarizada dele que já existia no antigo regime. De novo, aparece uma atenção de outro tipo que visa o povo, que conta inclusive com a sua hipotética colaboração, mas que durante muito tempo só poderá ser participação passiva, e não autodescoberta, quer dizer, autognose. A classe intelectual e o público em geral acedem a um grau superior de autoconsciência, com a descoberta de um Portugal oculto, por excesso de potência até, como excelentes filmes e algumas tentativas teatrais recentes o têm revelado (pensamos no famoso Trás-os-Montes e no teatro de Demarcy — Teresa Mota, Cornucopia, Grupo de Campolide, etc.) mas é necessário não ter ilusões excessivas quanto ao carácter dessa autognose.

Ela não é ainda radicalmente diferente do que representou no século xix o romance de Camilo, de Júlio Dinis ou Eça de Queirós. Destes três exemplos, acaso e contrariamente a uma tradição estabelecida, o mais realista (quer dizer aquele que possui o maior grau de autognose vivida) é o de Júlio Dinis... O Portugal do século xix parece-se mais (por dentro e até por fora) com o de Júlio Dinis do que com o de Eça. Mas só se parecerá consigo mesmo quando o olhar com que se fixará for como é, por exemplo, o caso da literatura e sobretudo do cinema norte-americano — e na Europa, do italiano —, o olhar mesmo do português, ou dos portugueses com a consciência adequada da vida do país em que realmente vivem e morrem — um olhar sujeito, quer dizer, o fim de um Portugal-objecto como é hoje para todos nós, que nos ocupamos da «cultura», a realidade portuguesa.

Eduardo Lourenço, in 'Labirinto da Saudade - Repensar Portugal (1978)'

Sam Gopal - Its Only Love ( Motorhead)


 

A boca do corpo

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

domingo, 25 de outubro de 2020

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

segunda-feira, 19 de outubro de 2020


 

 A dor é uma coisa estranha.

Um gato que mata um pássaro,
um acidente de automóvel,
um incêndio…
A dor chega,
BANG,
e eis que ela te atinge.

É real.

E aos olhos de qualquer pessoa pareces um estúpido.
Como se te tornasses, de repente, num idiota.

E não há cura para isso,
a menos que encontres alguém que compreenda realmente o que sentes
e te saiba ajudar…”


Charles Bukowski

domingo, 11 de outubro de 2020

anti-feudais

''Eu era o cão de guarda do presidente Mao. Eu mordia qualquer um que ele mandasse morder.''

 Jiang Qing



 

Mao Tsé-Tung

Members of the Chinese People’s Liberation Army pay their respects to the body of Mao Zedong in China.

premunir

 ''Governo de vende-pátrias''

''Governo conluiado''

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 106

 «O liberalismo é a passividade. Objectivamente, serve o inimigo. É por essa razão que o inimigo se regozija quando o conservamos nas nossas fileiras.»

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 102

dogmas abstractos

dissensão

The Beatles - Revolution


 

 «Julgamos ter prestado grandes serviços à revolução e damo-nos ares de veteranos; somos incapazes de fazer grandes coisas mas desdenhamos as tarefas pequenas; relaxamo-nos no trabalho e no estudo. Eis uma décima forma de liberalismo.
Cometemos erros, damo-nos conta deles mas não queremos corrigi-los, dando assim uma prova de liberalismo com relação a nós próprios. Eis a décima primeira forma de liberalismo.»

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 101

 « (...) vegetamos «enquanto for sacristão, contentar-me-ei com tocar os sinos».

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 101

fi.lis.teu

''ferocidade inaudita''

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 94


 

«o absoluto existe no relativo»

 Lénine

''sem luta não há identidade''

Mao Tsetung. Sobre a prática. Sobre a contradição e outros textos. Textos Políticos. 1ª Edição, 1974. Editorial Minerva., p. 90

Jesus, no Sermão da Montanha afirmou: «Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, dizendo: ‘Este homem começou a construir e não pôde acabar.’» (Lc 14, 28-30).

''Para fazer análise moral neste estranho campo é preciso, antes de mais, assegurar que ética é sempre e só humana. Animais e máquinas estão abaixo dela, como Deus, anjos e demónios estão acima.''

João César das Neves
Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics
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