domingo, 18 de maio de 2014

«Human Cello» Charlotte Moorman & Nam June Paik, 1965


(«Passagens de zarzuela e trechos avulsos entoados pelo chefe da brigada Elias Santana durante o seu passeio nocturno:

-La Violetera
-O último Couplet
-Carmen, de Bizet
-Oh, Sole Mio
Os Sinos de Corneville.)





José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 250

flores funerárias

Estevais

«Estevais é o que há à volta deles, estevais e pedras, ausência de árvores. E sol. O sol a rebrilhar no verniz das folhas das estevas e o cheiro morno que elas deitam e que tem o denso do suor íntimo, carnal.»


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 225

fuma com a boca colada ao joelho

José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 209
   «Elias vigia-a espalmado na superfície da porta, olho quedo. Ali a tem ao real e por inteiro. Fechada num círculo de vidro, ali a tem. A pedir com um corpo daqueles uma boa verga que entrasse toda, que a explodisse com descargas de esperma a ferver, daquele que é grosso e pesado, do que cresta, e que a encharcasse de alto a baixo desde os olhos até às nádegas, o que ela queria era isso, que lhe fossem pela espinha acima e a pusessem a berrar pela mãe, era o que a cabrona estava a pedir, e dá-me, ai dá-me, dá-me mais, assim, assim, pois então. Mesmo distanciada e reduzida pelo vidro panorâmico do ralo é uma provocação, uma agressão da natureza, a grandacabrona.»
 



José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 208

prado de fetos

rendez-vous aos passarinhos

carne da tua carne

«Vive entre estrangeiros, mas para eles é também um estrangeiro. Por isso alguns hão-de amá-lo, como Maria, sua amante, que lhe dá importância «porque é bizarro»; e outras detestá-lo-ão por isso, como aquela multidão do tribunal, cujo ódio ele sente de súbito subir contra si.»


Introdução de Jean-Paul Sartre ao livro O Estrangeiro de Albert Camus. (p. 12)

«O homem absurdo não se suicidará: quer viver, sem abdicar de nenhuma das suas certezas, sem dia seguinte, sem esperança, sem ilusões, e também sem resignação. O homem absurdo afirma-se na revolta. Fixa a morte com uma atenção apaixonada e esta fascinação liberta-o: conhece a «divina disponibilidade» do condenado à morte. Tudo é permitido, visto que Deus não existe e visto que se morre. Todas as experiências são equivalentes, convém somente adquirir a maior quantidade possível delas.»

Introdução de Jean-Paul Sartre ao livro O Estrangeiro de Albert Camus. (p. 11)
«Há dias em que ...encontramos como uma estranha aquela a que amamos.»

Albert Camus

Durmo e desdurmo

«Durmo e desdurmo. Do outro lado de mim, lá para trás onde jazo, o silêncio da casa toca no infinito. Oiço cair o tempo, gota a gota, a nenhuma gota que cai se ouve cair.[...] Sinto  a cabeça materialmente colocada na almofada em que a tenho fazendo vale. A pele da fronha tem com a minha pele um contacto de gente na sombra. A própria orelha, sobre a qual me encosto, grava-se matematicamente contra o cérebro. Pestanejo de cansaço, e as minhas pestanas fazem um som pequeníssimo, inaudível, na brancura sensível da almofada erguida. Respiro, suspirando, e a minha respiração acontece - não é minha.»

Fernando Pessoa

um passo atrás

«um passo antes do clímax, um passo antes da revolução, um passo antes do que se chama amor. Um passo antes de minha vida - que, por uma espécie de forte íman ao contrário, eu não transformava em vida»

Clarice Lispector. A paixão segundo G.H. p. 30

(escrever é perder-se: «escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda.»


Fernando Pessoa

Floresta do Alheamento

«Que horas, ó companheira inútil do meu tédio, que horas de desassossego feliz se fingiram ali!...Horas de cinza de espírito, dias de saudade espacial, séculos interiores de paisagem externa...»

Fernando Pessoa
Amiel

« a paisagem é um estado de alma»



Fernando Pessoa

um estado de alma é uma paisagem

O espaço literário

« O espaço literário começa por ser um lugar de solidão essencial anterior a qualquer obra: «A solidão do escritor, esta condição que é o seu risco, viria do facto de ele pertencer, na obra, ao que existe sempre antes da obra. Através dele, a obra realiza-se, adquire firmeza do começo, mas ele próprio pertence a um tempo onde reina a indecisão do recomeço. A obsessão que o liga a um tema privilegiado, que o obriga a voltar a dizer o que já disse, por vezes com o poder de um talento enriquecido, mas por vezes com a prolixidade de uma repetição extraordinariamente empobrecedora, sempre com menos força, sempre com maior monotonia, ilustra esta necessidade de voltar ao mesmo ponto, de repassar pelas mesmas vias, de perseverar recomeçando o que para ele nunca começa, de pertencer à sombra dos acontecimentos, e não à sua realidade, à imagem, e não ao seu objecto, ao que faz que as próprias palavras se possam tornar imagens, aparências - e não signos, valores, poderes de verdade»

Blanchot, L'espace littéraire, p. 14

Ordres et Désordres

«(...) quer a atitude fetichista ou a melancólica, tendem a ser culpabilizantes práticas de frustração.»


Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 16

crítico fetichista

  «Digamos que o universitário tende para a figura do crítico fetichista, isto é, aquele que, observemo-lo sem má intenção, tendo verificado a ausência de pénis na mãe, se recusa a admitir essa realidade, pela ameaça de castração que ela faz recair sobre ele próprio, e cria uma realidade substitutiva que é fétiche. Qual a função do fétiche? Por um lado, ele está no lugar da mãe. Mas, por outro, este objecto substituto, na medida em que pretende negar uma ausência, é em si mesmo o signo dessa ausência. O «universitário» procura cercar a obra literária com todo um ritual sádico em que o saber funciona, na sua acumulação ilimitada, como forma de predação. E isto tanto se pode verificar nas antiquíssimas práticas de um greimasianismo selvagem. O texto crítico está no lugar do texto criticado. Mas este processo de substituição é a marca da definitiva ausência do texto criticado. Tal ausência, geradora de alguma angústia que circula nos corredores do ensino da literatura, tende a ser anulada pela acumulação maciça de um saber sem fim - o fetichista coleciona no campo do finito na convicção de que a quantidade poderá assegurar o salto para o lado do infinito poético.»


Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 15

''Da minha aldeia não se via o mar.''

Eduardo Lourenço

sobre a crítica literária

«mas o tribunal de toda a escrita está em toda a parte e em parte alguma»

Eduardo Lourenço
«Em sentido radical, não há nada a dizer de um poema, pois é ele mesmo o dizer supremo.»

Eduardo Lourenço. Tempo e Poesia. Inova, Porto, 1975., pp.25-26

face auto-bio-gráfica

sábado, 17 de maio de 2014


«quebra-lhe o vidro da virgindade, e torna o resto maleável.»

William Shakespeare. Péricles, Príncipe de Tiro. Lello&Irmão, Editores Porto, 1976., p 139

esgrima de virgem

«(...); se calquei algum verme, foi sem querer, e logo chorei por isso.»



William Shakespeare. Péricles, Príncipe de Tiro. Lello&Irmão, Editores Porto, 1976., p 108
    «O que vale é que as putas dão para tudo, diz. Não houve aquela Madalena que depois de morta foi santinha?»


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 201

emputecida

por entre as iluminações do Whisky

José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 200

sendo de mau esquecer e de pior perdoar

«Dita margarida essa que em data para olvidar tinha um dos seus desentendimentos com a Judite por causa de um baile de facadas e que, sendo de mau esquecer e de pior perdoar, passara aviso às restantes margaridas e respectivos interessados.»


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 199
«O comodismo dos generais portugueses sujeita-os à chacota e à degradação.» Gen. Humberto Delgado, Carta aos Generais.



José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 196

«Elias só guardará dessa noite a nódoa que lhe assinala o pijama masturbado. Uma lágrima crestada que ele irá levar à torneira.»



José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 187

Elias masturba-se.

   «Elias masturba-se. Sempre de olhar parado, vendo para dentro a desfocar-se (o olhar de quem se deixa ir de viagem) enquanto a mão, o rosto e a boca dela o trabalham lá em baixo, e tudo se concentra, Elias vai num espaço fechado, numa caixa de espelhos, a cabeça solta, desligada dele. Tem o corpo tenso, em arco. O pénis recurvo não pára de ser percorrido por uma cadência saboreada e insistente, e ele de olhar imóvel diante dum vidro (que já não é de espelho, mas transparente) diante dum para-brisas, um autocolante, um espelho retrovisor, para baixo e para cima, de mãos no volante, ele para baixo e para cima, as molas do assento a rangerem num movimento mecânico e igual. Sempre.»

José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 189

beauté



«Vagueei todos estes anos por um mundo de mulheres procurando-te, Morte.»


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 188
« sr santana no me dá governo vir às sigundas que é dia do óspital ódepois espelico Lucinda.»

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 187

Beleza ou Deveza.

dor de corno

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