quarta-feira, 13 de março de 2013

«-Este governo, - continuava o velho, - não pode durar mais.
 -Mas é por isso que dura. Todos dizemos «Está morto» e ninguém faz nada.
 - Tu que dizes? Que é que se há-de fazer? - perguntou Cate muito séria.
  Calaram-se todos e olharam-me.
  - Matar, - disse. - Tirar-lhes o poder. Continuar a guerra aqui em casa, enquanto aquelas cabeças não mudarem. Só ficarão tranquilos quando sentirem as bombas.»

 
 
 
Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 150

«Agradava-me cear, só e esquecido, na casa escurecida, ouvindo a noite, sentindo o tempo passar.»




Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa,
 p. 121


«É idiota não nos vermos quando temos esse direito (É melhor queimar depois o papel.) Desejava conhecê-lo e ter consigo uma franca conversa. Passe no domingo pela estrada da montanha e sente-se no muro do último atalho. Saudações de solidariedade.»
 
 

Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa,
 p. 98

«Era doce o barulho da chuva.»

Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 95

indócil

revérbero
nome masculino
1. ato ou efeito de reverberar; reflexo luminoso; resplendor
2. parte do forno que faz refletir o calor
3. lâmina metálica curva, refletora
4. aparelho destinado à iluminação da via pública
(Derivação regressiva de reverberar)


revérbero In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-13].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/pesquisa-global/rev%C3%A9rbero

Uma rapariga como outra qualquer



«-Tão-pouco julgava, desculpe, que você se entendia com Concia.
   Giannino ficou um pouco taciturno e voltou aos vidros.
  -Uma rapariga como outra qualquer, - disse finalmente. - Mas é muito ignorante. O velho tirou-a do carvoeiro. A velha Spanó
queria apanhá-la em casa.
   - É arrogante?
   -É uma criada.
   -Mas é bem feita, à parte o focinho.
   - Diz bem, - anuiu Giannino pensativo. - Esteve tanto tempo nos estábulos a guardar porcos, que tem um pouco o focinho dos animais.
     Éramos crianças quando andávamos com o velho Spanó pela montanha, e ela levantava a saia para sentar a pele nua sobre a erva, como os cães. Foi a primeira
mulher que toquei. Sobre as nádegas tinha calo e crosta. » 



Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa., p. 67

Elena


«Stefano gostaria que ela viesse de manhã e lhe entrasse na cama como uma mulher e não como um sonho que não pede palavras nem compromissos. As pequenas demoras de Elena, a excitação das suas falas, a sua presença simples, davam-lhe desejos.»



Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 39

sábado, 9 de março de 2013



«Ainda que o seu coração seja de pedra», pensava, «ela sempre se há-de enternecer». 


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 162/3

«Sentado na cama, fumava, com o olhar mergulhado na noite através da janela do quarto.»

Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 162

«Deus muitas vezes fala por meio de sonhos.» 


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 159

escada carunchosa



«Todos vós, pessoas importantes e ajuizadas,
sujais as calças com medo.» 




Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 156

o olho de vidro


«O capitão Elias era também um sobrevivente da revolução de 1821, espécie de torre fendida e coberta de ervas, empoleirada num monte, sem portas nem janelas, com as seteiras em ruínas. As balas tinham-lhe transformado em crivo o corpo atarracado. Falava com voz selvática, tonitruante. Um simples bom-dia bastava para assustar. Certo paxá arrancara-lhe o olho de vidro, o primeiro que apareceu em Creta. Era com esse olho que ele fitava as pessoas que não lhe agradavam. Mas, nas horas solenes, tirava-o, punha-o num copo de água e apresentava-se unóculo perante Paxá ou o Metropolita, para lhes lembrar (diziam) a revolução de 1821. Zarolho nesse dia, encaminhava-se para casa de Metropolita, entre dois outros notáveis e apoiando-se pesadamente à bengala.»

Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 148/9

tabefe


«Discutia muito mas ninguém o compreendia, e ficava na dúvida se o homem perdera o juízo ou se  falava uma língua estrangeira.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 148
(...)

«A folha de erva salvaga,
o meu fio.»




Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 63

A FIDELIDADE DAS PALAVRAS

A fidelidade das palavras
já não sonho com ela, vão
e vêem, fogem, troçam,
que terias, se não fôssemos nós,
na tua boca branca de calcário, na tua
língua seca, selas zumbem, sibilam,
até eu lhes dizerm a essas traidoras,
sonoras, ciciadas, mudas, que seríeis
vós se eu não insistisse
em seguir-vos o rasto leviano?




Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 58

PRIMEIRO AMOR


Uma boca que me tocava
Que me arrastava para as silvas
Aqui decapitei borboletas e moscas
Enterrei sob a erva daninha três desejos
Frios de gelo só eu os conheço



Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 56

quinta-feira, 7 de março de 2013

DESCOBERTA


Sentir? Nunca senti nada
Manhã nem noite
Alguma vivi
Sangro de uma ferida inventada
Que em mim próprio abri

Nada me vai ferir do que fizerdes
Nem o beijo nem o pontapé
Que podeis dar-me
Se em mil pedaços me despedaçardes
Eu é que não vou dilacerar-me





Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 46

NAS MARGENS DO DORDOGNE


Os cães uivam
chamam a noite. Com todo
o desespero dos animais.
O rio arrasta-se até
às estrelas. Nós pomos
as pedras no barco.

Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 43

«O sofrimento mais profundo, o tédio, (...)»

Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 32


(...)

«Esfregamo-nos até doer
nos lençóis salgados.»





Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 23

REGRAS DA CASA


Nunca omitir os infortúnios
e contar cada história até
ao fim. Tapar com panos
os espelhos; facas debaixo
da mesa. Consolar a coruja e
trinchar o morcego.
Nunca perder a raiva, aconteça
o que acontecer. Deixar entrar
quem quer que seja.





Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 16

terça-feira, 5 de março de 2013

L'Atelier Julian de la rue du Dragon


Epicuro (341-270 a.C)


 "Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso, o que, igualmente, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que Deus não os impede?"

Ésquilo (525-456 a.C.)



O Pai da Tragédia



"O dever do poeta, diz Ésquilo a respeito do mito de Fedra, é ocultar o vício, não propagá-lo e trazê-lo à cena. Com efeito, se para as crianças o educador modelo é o professor, para os jovens o são os poetas. Temos o dever imperioso de dizer somente coisas honestas".

domingo, 17 de fevereiro de 2013


«Como seria bom ter no bosque um pequeno túmulo sossegado. Talvez ouvisse por cima de mim o canto das aves e o sussurro das árvores.»





Robert Walser. O passeio e outras histórias. Granito Editores e Livreiros, 1ª edição, Porto, 2001, p., 47

Em cada instante ele morria e, no entanto não conseguia morrer.


«Uma dor infinita tinha expressão no cansaço e lassidão dos seus movimentos. Não estava morto, mas não era vivo, não era velho, mas também não era novo. A mim parecia-me ter centenas de milhares de anos, mas também me parecia que devia estar vivo eternamente, e eternamente morto-vivo. Em cada instante ele morria e, no entanto não conseguia morrer.»


Robert Walser. O passeio e outras histórias. Granito Editores e Livreiros, 1ª edição, Porto, 2001, p., 45


«Naquele Inverno tinha havido pouco peixe. A aldeia das dunas tinha ficado despovoada. Os tectos de zinco e palha deixavam entrar a chuva. Um dia, o mar invadiu a taberna. Eu bebia aguardente. Segurei-me a uma mesa de junco, e conheci N. Andava nua nas noites de temporal. Os barcos conheciam-na. O último olhar dos afogados ia para ela.»

 

Nuno Júdice. Poesia Reunida. 1967-2000 Prefácio de Teresa Almeida. Publicações Dom Quixote, Lisboa., p. 65

longas pestanas orvalhadas


«A viúva ergueu os olhos de longas pestanas orvalhadas e fitou-o. Queria interrogá-lo e tinha medo, ouvi-lo e sentia vergonha.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 67

''moo-te de pancada''

enxota-moscas


«(...) Mastrapas libertou o infeliz marido, que ela todas as noites prendia a uma coluna do leito, por era ciumenta e receava (oh, conhecia bem os homens!) que ele se escapulisse à socapa e fosse encontrar-se na cozinha com a gorda Amezina, de úberes de vaca. Amarrava-o à hora de se deitarem e desatava-o quando ele queria ir urinar durante a noite. Mas levava ainda a corda em volta do tornozelo, enquanto a mulher segurava a outra ponta, bem apertada na mão, com medo que o marido se desviasse do bom caminho.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 50

timorato


adjetivo

1. que receia ofender alguém
2. tímido
3. que receia errar ou falhar; cuidadoso; escrupuloso
4. receoso; medroso


(Do latim timorātu-, «idem»)

sinal-da-cruz

«Em que mundo estonteante vivemos, ou vamos viver, se a comunidade, os cidadãos e a opinião pública não só admitem, mas, infelizmente, ainda aplaudem abertamente o que ofende a sensibilidade  requintada, o sentido do gosto, da beleza e da mediania, o que se impõe de forma doentia e, dando-lhe um ar ridiculamente acanalhado como que brada a mais de cem metros em redor, aos quatro ventos: ‘’Eu sou fulano tal. Tenho tanto e tanto dinheiro e posso permitir-me dar nas vistas com grosseria. É claro que, com as minhas exibições de fausto idiota, não passo de um labrego e dum simplório sem sensibilidade; mas ninguém pode proibir-me de ser grosseiro e presunçoso’’. Será que os caracteres dourados, brilhando e refulgindo ao longe de forma ignóbil, mantêm alguma relação aceitável e sinceramente plausível, ou algum laço de parentesco normal – com o pão? De modo nenhum! Mas o que acontece é que a odiosa jactância e a ostentação já começaram um pouco  por toda a parte e, com uma lamentável e terrível inundação, foram sempre acumulando progressos, arrastando consigo a insensatez, a impureza e a tolice, espalhando-as pelos quatros cantos do mundo, até que levaram na maré o meu honrado padeiro, corrompendo-lhe o bom gosto que até então manifestara e minando a sua tradicional modéstia. Não hesitaria em dar muito, em sacrificar mesmo o meu braço ou a minha perna esquerda, se assim pudesse contribuir para recuperar o antigo e bom sentido da probidade, a antiga e boa fragilidade, se pudesse devolver ao país e às pessoas aquela modéstia e honradez que, com pesar de todos os que sinceramente se importam, se perderam consideravelmente. Maldita seja a mórbida fantasia de se querer parecer mais do que se é. »


Robert Walser. O passeio e outras histórias. Granito Editores e Livreiros, 1ª edição, Porto, 2001, p., 31/32

frugalidade


nome feminino

1. moderação na alimentação
2. temperança; sobriedade
3. simplicidade de costumes

(Do latim frugalitāte-, «idem») frugalidade

''infantilmente feliz''


La, la, la.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

ÁRIA I



Para onde quer que nos voltemos na tempestade de rosas,
a noite iluminava-se de espinhos, e o trovão
da folhagem, antes tão leve nos arbustos,
segue-nos agora de perto.


Onde quer que se apague o incêndio das rosas,
a chuva inunda-nos o rio. Oh, noite tão distante!
Mas uma folha que nos encontrou é levada pelas ondas
e segue-nos até à foz.





Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 93
XV.

Tem o seu triunfo a morte, o amor é festejado,
e o grande Tempo e o tempo futuro.
A nós nenhum triunfo é dado.


À nossa volta só um afundar de astros. Eco de luz, sem voz.
Mas, sobre o pó, a canção do futuro
soará além de nós.



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 85-87

secret kiss


VI.



Instruída no amor
por dez mil livros,
ensinada pela transmissão
de gestos pouco mutáveis
e juras tolas –


mas só aqui
iniciada no amor –


quando a lava descia
e o seu bafo nos tocava
no sopé do monte,


quando por fim a cratera exausta
revelou a chave
para estes corpos fechados –


Entrámos em quartos amaldiçoados
e iluminámos o escuro
com as pontas dos dedos.



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 85-87
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