segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
«(...) Conheço-a,
embora esta pareça um pouco transformada:
tem um toque novo,
talvez seja menos dolorosa
à superfície. Não lhe lavro o saibro, a crosta,
com medo de lhe encontrar o mesmo coração
estrangulado,
o desvairo de trevas
sem alternativa»
Egito Gonçalves. os pássaros mudam no outono. 1ª edição. Editora Limiar, 1981., p. 16
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''dói-lhe um sorriso nos lábios''
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 34
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(...)
«Pede um cigarro. Fuma.
Labaredas loucas saem-lhe da garganta.
Da bruma
espreita-o uma mulher nua, branca, branca.
Fuma mais. Outra vez.
E atira um braço decepado para a mesa.
Não pensa no fim do mês.
A noite é a sua única certeza.»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 33
«Pede um cigarro. Fuma.
Labaredas loucas saem-lhe da garganta.
Da bruma
espreita-o uma mulher nua, branca, branca.
Fuma mais. Outra vez.
E atira um braço decepado para a mesa.
Não pensa no fim do mês.
A noite é a sua única certeza.»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 33
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«RETRATO DO ARTISTA EM CÃO JOVEM»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 25
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«o cão de circo para os domingos da família»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 25
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''durante tanta alegria que não era tua»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 24
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«As tuas mãos que a tua mãe cortou
para exemplo duma cidade inteira»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 24
para exemplo duma cidade inteira»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 24
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« eu eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 23
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(...)
«não é uma pátria
não é esta noite que é uma pátria
é um dia a mais ou a menos na alma
como chumbo derretido na garganta
um peixe nos ouvidos
uma zona de lava»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 22
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«é um dia perfeitamente para cães
alguém deu à manivela para nascer o sol»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 22
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3
«Roda de todas as torturas e todas as seduções, deixaste de girar, estás agora aqui, partida, abandonada no próprio local do sangue; transportada de homem em homem através dos séculos, foste há pouco deposta pelo último homem, esse que desapareceu, ia de lado, com os joelhos duros cobertos de água e as mãos cem metros à sua frente em sinal de maldade. Corpo a corpo foste gasta até à última noite e até à última estrela; palavra a palavra foste sugada e bebida e de todos os lados sempre novas bocas chegavam para te sugar e beber; ficaste um gesto que perseguimos à dentada e acabámos por matar. Vêde: a destruição prossegue docemente. Restam apenas aqui e além algumas cidades com os seus milhões de almas e nada mais. Pequenas marcas de sangue cada vez mais vivas assinalam a nossa passagem entre as agulhas de carvão do tempo. Canhões ocupam a entrada da luz. E de Norte a Sul, de Este a Oeste, de criança para criança, aguarda-se o sinal de fogo.
Não estranheis os sinais, não estranheis este povo que oculta a cabeça nas entranhas dos mortos. Fazei todo o mal que puderdes e passai depressa.
....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 15
2
«Falámos tanto ou tão pouco que de repente o silêncio que se fez foi essa patada no peito de que guardamos a marca quando agora choramos, quando estendemos as mãos carregadas de dedos mortos, sonhámos tanto que mais de uma vez tivemos de matar, que mais de uma vez nos estoiraram os olhos sob a pólvora das lágrimas e as tuas mãos voaram estilhaçadas, jogámos tanto que para não nos perdermos arriscámos tudo, até tornarmos a morte uma coisa nossa, tão nossa que é ela que anda agora vestida com a nossa pele e os nossos ossos, escorregando pelas paredes de cabeça p'ra baixo ou subindo pelo interior dos bicos, olhando do alto o sangue que ficou no centro, entre os carris, passando de cadafalso em cadafalso com os lábios furados pelas unhas, com a cintura roxa das dentadas da noite, da miséria dos dias.
.................................................................................................................................................................»
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 14/5
«Havia quem se suicidasse escrevendo um poema, como havia quem se suicidasse olhando simplesmente para o mar.»
(...)
«Havia quem se suicidasse escrevendo um poema, como havia quem se suicidasse olhando simplesmente para o mar. Qualquer coisa flutuava, a certas horas, ao redor das bocas, e era sangue ou labaredas, nunca se sabia bem. Era às vezes uma flor na boca duma criança.
Uma noite uma mulher, estendendo os braços para o horizonte, lançou de súbito um grito lancinante: AVIÕES! Mas era apenas um bando de gaivotas e a mulher teve de ser enforcada. Tais enganos constituíam segredos de Estado.
António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 13
domingo, 28 de fevereiro de 2016
''Quando não há caminho para a felicidade,
a felicidade é o caminho.''
Mahatma Gandhi
a felicidade é o caminho.''
Mahatma Gandhi
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sábado, 27 de fevereiro de 2016
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
''a anulação das unhas''
Egito Gonçalves. os pássaros mudam no outono. 1ª edição. Editora Limiar, 1981., p. 11
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'' a pele flagelada de febre''
Egito Gonçalves. os pássaros mudam no outono. 1ª edição. Editora Limiar, 1981., p. 11
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« e sinto
uma palpitação de ternura que me arranca de muito
longe. É um caminho
que cruzo novamente,»
Egito Gonçalves. os pássaros mudam no outono. 1ª edição. Editora Limiar, 1981., p. 10/11
uma palpitação de ternura que me arranca de muito
longe. É um caminho
que cruzo novamente,»
Egito Gonçalves. os pássaros mudam no outono. 1ª edição. Editora Limiar, 1981., p. 10/11
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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
"Ser companheiro vale mais do que ser chefe. É preciso que os homens à sua volta nunca tenham nenhuma angústia, não sofram nunca por o sentirem a você superior a eles; a sua superioridade, se existir, deve ser um bálsamo nas feridas, deve consolá-los, aliviar-lhes as dores. A sua grandeza, querido Amigo, deve servir para os tornar grandes, no que lhes é possível, não para os humilhar, para os lançar no desespero, no rancor, na inveja."
Agostinho da Silva, Sete Cartas a um Jovem Filósofo
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
«Sempre que não temos percepções sucessivas não temos noção de tempo, mesmo que haja uma sucessão real de objectos.»
David Hume. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Prefácio e Revisão Técnica da Tradução de João Paulo Monteiro. 2ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010., p 67
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«Uma pessoa a dormir profundamente ou inteiramente dominada por um pensamento é insensível ao tempo;»
David Hume. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Prefácio e Revisão Técnica da Tradução de João Paulo Monteiro. 2ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010., p 66
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«(...), muitas das nossas ideias são tão obscuras que, mesmo para a mente que as forma, é quase impossível dizer exactamente a sua natureza e composição.»
David Hume. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Prefácio e Revisão Técnica da Tradução de João Paulo Monteiro. 2ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010., p 65
David Hume. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Prefácio e Revisão Técnica da Tradução de João Paulo Monteiro. 2ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010., p 65
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«Uma demonstração, sendo justa, não admite dificuldade contrária; não sendo justa, é um puro sofisma e por conseguinte jamais pode constituir dificuldade. Ou é irresistível, ou não tem qualquer força. Portanto, falar de objecções e respostas e comparar argumentos numa questão desta natureza ou é confessar que a razão humana não é senão um jogo de palavras, ou que a própria pessoa que assim fala não tem capacidade à altura de tais matérias. As demonstrações podem ser difíceis de compreender em virtude do carácter abstracto do assunto, mas uma vez que sejam compreendidas jamais podem ter dificuldades tais que enfraqueçam a sua autoridade.»
David Hume. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Prefácio e Revisão Técnica da Tradução de João Paulo Monteiro. 2ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010., p 63
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«Tinha a cabeça partida e o sangue corria-lhe pela barba e pela sotaina toda esfarrapada.
-Santo higumeno - gritou ele - os anticristos assassinaram-me porque eu votei em ti anteontem nas eleições...»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 204
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« - Tem paciência, não estejas triste. É necessário que a nossa alma resista bem e não sucumba porque se algumas almas soçobrarem no mundo, o mundo desmoronar-se-á. São essas almas que o sustêm. É pouco mas é bastante.»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 204
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«Não tínhamos dito ainda uma palavra, mas sentíamos o coração angustiado.»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 203
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«Que é que vocês vêm cá fazer, seus palermas? - perguntou.
-Vimos rezar, meu velho.
-Rezar, porquê? E a quem? Estão doentes?
-Vimos ao mosteiro.
-Qual mosteiro? Já não há mosteiro, acabou! O mosteiro é o mundo. Tomem um bom conselho: voltem para o mundo!»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 203
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«Permanecia sentado todo o dia atrás da porta com um canivete na mão que lhe servia, ao que parece, para ir gravando em madeira Cristos, santos e demónios pequeninos.»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 203
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''acariciava um grande gato negro sobre os joelhos''
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 201
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domingo, 21 de fevereiro de 2016
''punha-se a falar de mares''
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 198
''velhos registos, roídos pelos vermes...''
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 198
''celas enegrecidas pela humidade e pelo bolor''
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 197
Como dizia um amigo meu que já faleceu: “O que interessa na mulher são as características morais, mas se for bonita ajuda”.
António Coimbra de Matos
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«O que acontece é que para o homem, por comparação com o macaco, é importante a beleza de uma rosa, o perfume de uma mulher. O que tem valor para a nossa vida não é só o cheiro a cio.»
Entrevista pelo Jornal Público a António Coimbra de Matos
Ver aqui
«Diz-se muitas vezes que o homem é um animal de hábitos, mas não é verdade. O macaco é um animal de hábitos, o homem é um animal criador, está sempre a criar coisas novas. E por isso criou uma civilização. O ser humano é de tal modo criador – e eu sou ateu! – que até criou um deus. Deus é uma criação do homem. Na psicanálise estou mais interessado no futuro do que no passado. A psicanálise clássica está sempre muito ligada ao passado: o que aconteceu com a mãezinha, com o paizinho. Eu ando mais ligado àquilo que a pessoa projecta no presente e para o futuro.
No seu divã não lhe interessa aquilo que foram as vivências e as memórias recalcadas?
Isso também é importante. Costumo dizer aos meus alunos, na brincadeira, que os analistas clássicos me fazem lembrar um condutor de automóveis que vai sempre a olhar para o retrovisor; depois espeta-se no primeiro eucalipto. Não é isso que me interessa. Dá-se uma vista de olhos de vez em quando mas olha-se em frente, fundamentalmente.»
Entrevista pelo Jornal Público a António Coimbra de Matos
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«Fiz a instrução primária numa aldeia do Douro e ouvia dizer que o Afonso Henriques era um mata-mouros. Eu inventei uma outra designação: não era um mata-mouros, era um fode-mouras [risos]. Eles conquistavam as mouras e não precisavam de liquidar os mouros. Na maior parte das vezes aproveitaram a estrutura montada pelos árabes. Os espanhóis não fizeram isso e tiveram muito mais dificuldade em conquistar.»
Entrevista pelo Jornal Público a António Coimbra de Matos
Ver aqui
«Há pouco tempo foram divulgados números que revelam um aumento dos casos de suicídio em Portugal.
Sim. Há um trabalho célebre, um trabalho seminal, em que o pai da Sociologia, o Durkheim, verificou que quando há guerras e revoluções a depressão e os suicídios diminuem porque as pessoas se revoltam. Quando as pessoas não se revoltam, é que se suicidam; quando se sujeitam, quando não têm condições para protestar com mais veemência.»
Sim. Há um trabalho célebre, um trabalho seminal, em que o pai da Sociologia, o Durkheim, verificou que quando há guerras e revoluções a depressão e os suicídios diminuem porque as pessoas se revoltam. Quando as pessoas não se revoltam, é que se suicidam; quando se sujeitam, quando não têm condições para protestar com mais veemência.»
Entrevista pelo Jornal Público a António Coimbra de Matos
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sábado, 20 de fevereiro de 2016
Ia alternando: ora ficava em casa de Solange, ora na de Adélia. Gostava mais de ficar na vivenda de Adélia onde tinha um quarto só para si e um quintal onde se entretinha a arrancar as folhas secas das roseiras e os joios que cresciam nos canteiros. No apartamento de Solange sentia-se presa, passava muito tempo à janela da cozinha como se só aí, no parapeito, observando o movimento da rua, conseguisse estar. Nesse Natal, chegou muito debilitada, o corpo cada vez mais torto e respirando com dificuldade. Toda a vida sofrera de falta de ar sem nunca lhe ter sido feito um diagnóstico ou proposta qualquer terapêutica. Em Felicidade notava-se um permanente arfar pesado, mas sempre que se sentia mais aflita recorria a mezinhas antigas: tomava chá de folhas de eucalipto e, por conselho de uma vizinha de São Bartolomeu, nos últimos tempos, fumava cigarros feitos com as folhas secas de uma planta que crescia nos terrenos arenosos junto da ribeira. Às vezes, para acalmar a chiadeira das secreções, também usava as folhas da planta em cataplasmas que aplicava no peito antes de dormir. Solange aceitava os remédios caseiros da mãe, mas torcia o nariz quando a via na casa de banho, sentada na sanita, fumando aqueles estranhos cigarros.
- Isso tem algum jeito… – dizia com paciência, sorrindo, mas achando tudo aquilo disparatado e até um pouco triste.
Nesse último Natal, nem os cigarros que fumou, nem os chás que bebeu nem sequer as cataplasmas que aplicou surtiram efeito. Tossia muito, cada vez mais. Às vezes, parecia quase sufocar; nos intervalos, abria a boca como uma carpa chinesa e respirava fundo para sentir o ar chegar aos pulmões. Os ataques provocavam-lhe constantes perdas urinárias que faziam com que largasse um cheiro adocicado de urina e exsudação. Era um cheiro intenso, enjoativo, mas que não causava a Solange propriamente repulsa. Notava, porém, o desconforto do marido e das filhas quando, sentados a ver televisão, viam Felicidade chegar da cozinha e sentar-se a seu lado.
Nessa manhã de Dezembro, ainda de robe traçado, o cabelo num desalinho, Solange arranjava um pedaço de carne para fazer o almoço. Preparava-se para cortar os pés de porco, rijos como cornos, de uma brancura, tão lisa e fúnebre, que faziam lembrar cotos de estearina ardendo em tocheiros de santuários e capelas. Cortado, o chispe cozia melhor, bastava meia hora na panela de pressão e ficava gelatinoso, tenro, desfazia-se em lascas.
Foi então que Felicidade entrou na cozinha. Cheirava pior do que costume, um bafo excessivo parecia libertar-se do seu corpo e espalhar-se, não só na cozinha, mas por todo o apartamento. Solange notou-lhe uma grande mancha na bata e, sentindo uma tristeza repentina, os seus olhos encheram-se de lágrimas. Não querendo revelar essa fraqueza à mãe, continuou o que estava a fazer. Ergueu o cutelo e procurou localizar as articulações para não falhar o corte. Com um golpe vigoroso partiu em dois o chispe, mas, foi tal a força que imprimiu ao gesto, que se rachou a tábua de cozinha. O periquito, que afiava o bico na pedra de cálcio, amedrontou-se e piou de um modo esquisito.
- Mãezinha, antes do almoço, vou dar-lhe banho, está bem? - Disse Solange, enquanto metia a carne na panela de pressão. Pressentia que o cansaço de Felicidade já não lhe permitia tratar sozinha da sua higiene. A mãe anuiu como se não entendesse bem o significado do que a filha dizia.
Solange aqueceu a casa de banho para evitar constipações, encheu a banheira de água tépida, colocou a roupa interior a aquecer no radiador a óleo. Depois, com cuidado, ajudou a mãe a despir-se. Tirou-lhe a bata, a saia, a camisola, a combinação, as meias de lã que usava sempre presas com uma liga de elástico preto. Felicidade ficou apenas de cuecas e sutiã, de lenço na cabeça.
- Vá, vamos lá tirar o resto! - Disse Solange com despacho, disfarçando o desconforto que a iminente revelação da nudez da mãe lhe provocava.
Felicidade porventura já não sentia o corpo vivo ou talvez estivesse demasiado cansada para sentir vergonha. Tirou as cuecas e desapertou os colchetes do sutiã com uma naturalidade que impressionou Solange. Deixou-se ficar nua, de pé, em frente da filha: corpo exposto, mas de lenço na cabeça.
- Tire lá o lenço! Há quanto tempo é que essa cabeça não é lavada em condições? – Perguntou Solange e, desviando o olhar das mamas e do sexo da mãe, fez um gesto para lhe tirar o lenço.
Felicidade recuou, levando as mãos à cabeça. Solange estranhou o gesto: a mãe parecia não ter vergonha de estar nua à sua frente, mostrava-lhe com uma estranha desenvoltura a plenitude da sua nudez enrugada, assexuada, mas recusava revelar-lhe essa outra nudez. Sabia que o lenço era uma espécie de segunda pele para a mãe. Na aldeia, todas as mulheres mais velhas ainda o usavam: com um nó apertado por baixo do queixo ou, nos dias de mais calor, atado atrás do pescoço. Que se lembrasse, só uma mulher mais velha andava sempre de cabeça descoberta. Era a irmã da Preciosa, mas essa tinha desculpa: para além de muda, era meio atrasada. Passava os dias a comer caramelos e a embalar bonecas na aduela da porta. Pois, com excepção da muda, todas as mulheres da geração da mãe usavam lenço; o lenço era um sinal de honra, de dignidade, sobretudo de respeito pelos maridos mortos.
Felicidade continuou a teimar como uma criança, agarrada ao lenço preto. Solange acabou por se irritar com a teimosia e fez-se ríspida: chegou perto da mãe e, com brusquidão, arrancou-lhe o lenço da cabeça. Viu um crânio liso, muito lustroso, calvo. Apenas um penacho de cabelos brancos nasciam no cocuruto, tornando ainda mais triste a sua aparência. A mãe era completamente careca.
- O cabelo começou a cair quando o paizinho morreu… – Explicou Felicidade tapando a cabeça com as mãos. – Fiquei sozinha, filha, tinha muitas saudades dele! Quanto mais triste me sentia mais o cabelo me caía. Foi caindo, caindo até ficar assim…
Solange voltou a sentir vontade de chorar. Colocou o lenço na cabeça da mãe, atando-o atrás para que não se molhasse. Depois, ajudou-a a entrar na banheira e deu-lhe banho, já sem estranhar a sua nudez. Lavou-a como se fosse uma criança, notando a fragilidade daquele corpo sempre escondido do sol: uma vida de trabalho no campo e a pele lisa, tão branca. Lavou-a com vagar: tronco, pernas, braços, os pés cheios de calosidades. Sentada na banheira, nua, o lenço atado na cabeça, Felicidade parecia não se sentir desapossada do seu corpo. Às vezes sorria à filha como que a dizer-lhe que lhe sabia bem a ternura daquele momento.
(A minha avó chamava-se Felicidade.)
Ana Cássia Rebelo. Ver aqui
"Quis publicar um livro mas nunca o chegou a fazer, porque estava continuamente a fazer alterações no manuscrito, e fez tantas e tão grandes que, por fim, do manuscrito já nada restava, a alteração do manuscrito nada mais era do que a eliminação total do manuscrito, do qual por fim nada mais ficou do que o título O Náufrago. Agora tenho apenas o título, disse-me ele, assim é que está bem. Não sei se terei forças para escrever um segundo livro, parece-me que não, dissera ele, se O Náufrago tivesse sido publicado, disse ele, teria sido obrigado a matar-me."
Thomas Bernhard, O Náufrago
Thomas Bernhard, O Náufrago
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Sopa de peixe
A minha mãe matou-me muitas vezes. Da primeira vez, era ainda pequenina, cabia dentro da sua mão, atirou-me ao mar. Da segunda vez, começava a dar os primeiros passos, aos tropeções pela sala do crocodilo amarelo, atirou-me ao rio. Quando tinha seis anos, no tempo em que usava o cabelo preso em duas tranças e passava o dia a soletrar palavras difíceis, pôs-me a dormir e ligou o gás do fogão. Devia ter dez anos quando misturou veneno na sopa de peixe. Sabia que, por ser a minha sopa preferida, a comeria até ao fim, raspando o prato até não sobrar uma gota. Aos treze anos, num domingo de tempestade, os relâmpagos caiam no monte de ervas altas, afogou-me na banheira. Aos quinze, já não esperava que o fizesse, sufocou-me com a almofada de veludo azul. Ontem, dia em que fiz dezoito anos, a minha mãe levou-me ao último andar da torre onde vivemos e empurrou-me. Cansada de morrer, olhei para as mãos da minha mãe, paralisadas no ar, e voei para longe.
Ana Cássia Rebelo. Ver aqui
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
Branco no Branco, o poema XXV
Raivosos, atiraram-se contra a sombra
de umas acácias que por ali havia,
o corpo dorido de tanto desejar.
Olharam em redor, ninguém os vira,
a terra era de areia, a sombra dura,
também a carne endurecera
e secara a boca, só os olhos
tinham ainda alguma água fresca
Os dedos cegos foram os primeiros
a rasgar, ferir, e logo os dentes
morderam, nem sequer
ao sexo deram tempo de penetrar.
Eram muito jovens; a terra não,
a terra estava exausta,
o coração mordido pelas vespas,
só queria morrer.
Eugénio de Andrade
Raivosos, atiraram-se contra a sombra
de umas acácias que por ali havia,
o corpo dorido de tanto desejar.
Olharam em redor, ninguém os vira,
a terra era de areia, a sombra dura,
também a carne endurecera
e secara a boca, só os olhos
tinham ainda alguma água fresca
Os dedos cegos foram os primeiros
a rasgar, ferir, e logo os dentes
morderam, nem sequer
ao sexo deram tempo de penetrar.
Eram muito jovens; a terra não,
a terra estava exausta,
o coração mordido pelas vespas,
só queria morrer.
Eugénio de Andrade
«Os seios de Maria caíam nus da blusa. Uma das mãos do carpinteiro perdia-se
nos seus cabelos emaranhados, a outra parecia ter-se enterrado na areia. O resto
era aquele corpo todo de homem: rígido e fremente ao mesmo tempo, à força
de concentrar todo o ímpeto nas nádegas, arco de onde a flecha partia, para se
cravar exasperada nas entranhas da rapariga. Parecia um cavalo ofegante – os
olhos cerrados, o suor escorrendo da raiz dos cabelos, espalhando-se pelas costas,
pelos flancos, pelas pernas, quase todas descobertas. Um cavalo cego mordendo
o céu branco de agosto.»
Eugénio de Andrade, Poesia, p. 394-395.
nos seus cabelos emaranhados, a outra parecia ter-se enterrado na areia. O resto
era aquele corpo todo de homem: rígido e fremente ao mesmo tempo, à força
de concentrar todo o ímpeto nas nádegas, arco de onde a flecha partia, para se
cravar exasperada nas entranhas da rapariga. Parecia um cavalo ofegante – os
olhos cerrados, o suor escorrendo da raiz dos cabelos, espalhando-se pelas costas,
pelos flancos, pelas pernas, quase todas descobertas. Um cavalo cego mordendo
o céu branco de agosto.»
Eugénio de Andrade, Poesia, p. 394-395.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
domingo, 14 de fevereiro de 2016
''uma larga cintura liberta de nuvens''
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 196
«(...) Deus não tinha ainda criado o homem para estragar a gestação do mundo.»´
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 191
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 191
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Nikos Kazantzakis
"A dor só é realmente fecunda quando a amamos, quando a vemos como indispensável à escultura que se está fazendo na nossa alma. (…) E há-de haver ainda a gratidão pelos destinos que a concederam a nós e o amor pelos golpes que nos desfere; o que inclui, naturalmente, a compreensão, e o amor também, daqueles de que o destino se serve para despedir as grandes marteladas que vão forjando o metal"
''estrela negra de Deus''
Maximo Gorki. Ganhando o meu pão. Obras completas. Editorial Início. 1970., p. 273
''o meu coração ardia dolorosamente sob lágrimas''
Maximo Gorki. Ganhando o meu pão. Obras completas. Editorial Início. 1970., p. 282
«Já tinha lido a «Crónica de Família», de Akasakov, o belo poema russo: «Nas florestas», as admiráveis «Memórias de um Caçador», de Turguenev, algumas pequenas coisas de Grébionka e de Sologoub, alguns versos de Vénévitinov, Odoiesvski, Tioutchev. Esses livros lavaram-me a alma, fizeram desaparecer a crosta que tinha sido formada pelas impressões de uma realidade miserável e amarga; se sentia que se tratava de um bom livro, compreendia desde logo a necessidade que tinha de o ler. Eram esses livros que faziam morrer dentro de mim a firme convicção de que não estava só e acabaria por não me perder!»
Maximo Gorki. Ganhando o meu pão. Obras completas. Editorial Início. 1970., p. 273
PHRASE DU JOUR
“Nous avons grandi dans un édifice intellectuel fondé sur la faute”
Michael Haneke Philosophie magazine
«La vie à deux est-elle encore concevable à l’heure de l’explosion du nombre de divorces et des thérapies conjugales ? Pour la sociologue et fine observatrice de la vie amoureuse Eva Illouz, auteur de "Pourquoi l'amour fait mal", c’est précisément l’impossible satisfaction du désir qui en fait l’ultime aventure possible, et éminemment philosophique, au sein de la modernité
Parmi les mythes auxquels les Grecs se référaient pour comprendre la nature et les paradoxes du désir, deux sont particulièrement instructifs. Commençons par le mythe de Midas, roi de Phrygie. Pour le remercier d’avoir offert l’hospitalité au satyre Silène, Dionysos lui accorde un vœu. Midas demande que tout ce qu’il touche se transforme en or. Son désir est exaucé et, comme le raconte Ovide dans les Métamorphoses (Ier siècle av. J.-C.), il se réjouit de pouvoir changer un arbre en or d’un simple geste de la main. Cette nouvelle source de richesse illimitée lui procure un tel bonheur qu’il décide de donner un grand banquet. Mais, quand il veut porter la nourriture à sa bouche, celle-ci se transforme aussitôt en or et devient immangeable. Il ne peut même plus embrasser sa fille sans qu’elle aussi se transforme à son contact. Affamé, désespéré, Midas supplie Dionysos de reprendre son cadeau.
La vie à deux, malgré tout ce qu’elle a de conventionnel, est garante de valeurs autres que celles du marché
Souvent réduit à une simple fable sur l’embarras des richesses ou l’incapacité de l’argent à faire notre bonheur, ce mythe illustre en fait la nature profondément paradoxale du désir : un monde qui répondrait systématiquement à notre désir serait insupportablement monotone. Il ne nous permettrait pas de différencier les dimensions multiples de notre existence, de distinguer ce qui est l’objet de (et la réponse à) nos désirs et ce qui répond à des nécessités fonctionnelles. Si l’existence de Midas lui devient odieuse, c’est que son désir univoque en contamine tous les domaines. Ce mythe nous enseigne par ailleurs que la satisfaction du désir nous laisse sur notre faim. Malgré tout l’or du monde, ce sont les gestes les plus ordinaires, ceux qui consistent à se nourrir ou à prendre quelqu’un dans ses bras, qui s’avèrent les plus importants. Or ces gestes ordinaires s’avèrent irréalisables précisément parce qu’ils échappent à la logique du désir. Ils renvoient à la perpétuation de la vie, à sa routine, à ce que nous prenons pour acquis, au cadre organisationnel de notre vie, et non de nos désirs. Le mythe de Midas met en garde ceux qui voudraient voir accompli leur désir le plus profond. Sitôt exaucé, il nous empêchera de nous sentir rassasiés, car la véritable satiété ne consiste pas dans l’assouvissement du désir. Manger ou embrasser nos enfants, telles sont les nécessités existentielles.
Le mythe de Tantale fait contrepoint à celui de Midas. Au lieu d’être récompensé pour une bonne action, Tantale est puni pour un crime abominable (celui d’avoir découpé en morceaux et servi en ragoût son propre fils). Dans la hiérarchie des crimes barbares et inhumains, le sien est sans doute le pire. Les dieux le condamnent donc à rester sous un arbre dont il ne peut attraper les fruits, à côté d’un lac dont il ne peut s’abreuver. On comprend ici que le châtiment est proportionnel à l’horreur du crime. La situation de Tantale est exactement l’inverse de celle de Midas : l’objet de son désir lui échappe dès qu’il s’en approche. Son supplice tient à une illusion sensorielle : il voit le fruit, il voit l’eau, mais il ne peut les saisir. Malgré leurs différences, bien que l’un soit récompensé et l’autre puni, Midas et Tantale sont tous deux incapables d’assouvir leur faim.
Mis en regard, ces deux mythes illustrent ce que le désir a d’impossible. Qu’il soit assouvi ou frustré, le désir est toujours voué à l’échec. Par définition, il consiste en effet à vouloir attraper un objet qui se trouve à portée de main et qui pourtant nous échappe. Peu importe que le désir soit ou non assouvi : dans tous les cas, il manque sa cible. En outre, s’il génère autant de souffrances, ce n’est pas parce que son objet est hors de portée, mais justement parce qu’il nous paraît si proche, si facile à atteindre et en même temps si étrangement élusif. Le supplice de Tantale, qui consiste à convoiter l’insaisissable, ne trouve pas son contraire dans le vœu de Midas, où tout ce que nous touchons répond à notre désir. Les gestes les plus essentiels échappent à la logique mécanique du désir. En ce sens, le désir est profondément aporétique : inassouvi, il nous frustre ; comblé, il nous empêche d’accéder à l’essentiel, qui n’est pas déterminé par le désir.
Ces mythes qui nous viennent de l’Antiquité s’appliquent encore à une situation très moderne : celle du couple.
Ensemble par choix, non par devoir
Commençons par définir ce qu’un couple n’est pas. Un couple, ce n’est pas deux personnes follement éprises l’une de l’autre : si leur liaison est clandestine, elles ne forment pas cette unité socialement légitime que nous appelons couple. Ce n’est pas non plus un mari et une femme : les familles hétérosexuelles prémodernes formaient des unités composées de plusieurs autres personnes (enfants, domestiques, parents, grands-parents). Dans cette configuration, l’homme et la femme ne forment pas un couple ; ils sont à la tête d’une organisation sociale (s’ils restent ensemble à cause des enfants, un homme et une femme peuvent être mariés sans forcément former un couple). Un couple, ce n’est pas non plus deux personnes qui ont des relations sexuelles : si elles ne se projettent pas dans l’avenir, elles prennent simplement leur plaisir où elles le trouvent. Un couple suppose que deux personnes (homo- ou hétérosexuelles) s’isolent pour ainsi dire du reste de la société qui reconnaît toutefois leur unité et leur intention de passer au moins une partie de leur vie ensemble. Le couple se définit par les conditions suivantes : deux personnes choisissent délibérément de se consacrer l’une à l’autre ; leur union est « légitime », sans être nécessairement institutionnalisée par le mariage ; elles envisagent l’avenir ensemble, mais sur un mode contractuel, pour autant qu’elles y trouvent leur intérêt ; elles ne sont pas aveuglées par la passion mais décident d’établir une intimité amoureuse en partageant leur vie intérieure, leurs expériences et leurs projets ; elles sont attachées l’une à l’autre par choix, et non par devoir. Leurs sentiments sont censés être le reflet de leur liberté : l’union est librement consentie et chacun est libre de quitter l’autre. Le partenaire est ici dépositaire de la confiance, des confidences et du bien-être de l’autre. Cette unité sociale suppose donc une certaine capacité à se détacher du monde environnant, à se concentrer intensément sur l’autre, à en attendre une continuité, à faire des projets ensemble, à se fixer des objectifs communs, sans pour autant être contraint à un engagement pour la vie. Le couple est une île, mais une île en liaison maritime permanente avec d’autres îles possibles.
Cette unité apparemment simple, soudée par le libre arbitre et les sentiments, s’avère aujourd’hui très difficile à mettre en place. C’est même l’une des unités sociales les plus déconcertantes. Plus qu’aucun autre phénomène sociologique, elle échappe à tous les livres, romans, poèmes, traités philosophiques, théories psychologiques et manuels de développement personnel. Aucune autre organisation sociale n’a fait l’objet d’enquêtes aussi approfondies ; une multitude d’institutions s’efforcent de l’analyser et de donner des indications pour le construire ou l’améliorer. D’où cette interrogation sociologique : pourquoi le couple est-il un projet aussi difficile à concrétiser ? La réponse renvoie à un paradoxe culturel : en devenant problématique, le couple est aussi devenu utopique.
L’utopie amoureuse est un phénomène culturel propre à la modernité. Elle est promue par le discours et la pratique psychologiques dominants, qui proposent toute une panoplie de conceptions de l’individu, du psychisme et de son histoire (le lien amoureux entre l’enfant et ses parents, par exemple). L’utopie amoureuse s’articule sur deux axes : elle nous promet le bonheur par le biais d’une certaine disposition affective et mentale et, pour atteindre celle-ci, elle préconise certaines méthodes de transformation de soi. L’expérience de l’amour, du mariage et du couple correspond désormais à une véritable utopie sentimentale. Les gens considèrent qu’il ne faut consulter qu’eux-mêmes et leurs sentiments pour établir s’ils sont amoureux et s’ils ont une chance d’être heureux avec tel ou tel partenaire. Les sentiments sont devenus notre boussole interne, le critère qui décide de notre engagement, de notre mariage et de la qualité de notre vie commune. Les sentiments sont le mot d’ordre de la subjectivité. Le défi consiste alors à trouver la personne avec laquelle réaliser l’utopie amoureuse. Cette utopie nous fait miroiter que nos souhaits, nos désirs et nos besoins seront à la fois révélés et réalisés avec quelqu’un d’autre.
L’insularité du couple est historiquement liée à l’utopie moderne du bonheur. Conçu comme projet d’épanouissement personnel, le bonheur se formule en termes de sentiments. Ce n’est plus l’eudaimonia des Grecs, le bien-être que procure la pratique de vertus publiquement reconnues et valorisées. Le bonheur est désormais un projet consistant à identifier les besoins ou les objectifs individualisés, idiosyncratiques et personnels d’individus autonomes.
Sexe, sensations fortes et intimité
L’utopie amoureuse qu’est le couple se déploie sur trois terrains culturels et sentimentaux différents. La sexualité est le principal terrain sur lequel se démontre le lien amoureux. Elle s’est imposée comme un élément indispensable des relations amoureuses, un lieu privilégié où s’exprime l’intimité, voire un signe du bien-être du couple. La conception de la sexualité comme condition nécessaire de l’amour est un phénomène moderne. La modernité a vu dans la sexualité la pierre de touche de la santé mentale et de la maturité, le signe de notre bonne entente avec l’autre, le lieu où faire la preuve de notre équilibre psychique fondé sur l’hédonisme : il faut être capable de donner du plaisir et d’en recevoir. À l’aune de la psychologie, qui en fait un signe de santé mentale et de maturité affective, la sexualité est ainsi devenue une condition de réalisation de l’utopie sentimentale.
Autre terrain où s’expriment les sentiments : les loisirs, la production d’expériences nouvelles et de sensations fortes. Les couples modernes sont de grands consommateurs de loisirs. Ils vont au cinéma, partent en vacances ensemble, vont au spectacle, pratiquent un sport, etc. Les loisirs ont été conçus par et pour les couples qui en sont consommateurs. Ce nouveau modèle d’interaction fait des sensations fortes un ingrédient indispensable de l’utopie amoureuse. Les sentiments amoureux seraient à la fois produits et éprouvés par le biais de la détente, des sensations fortes et de la nouveauté.
Le troisième idéal à atteindre est celui de l’intimité amoureuse. Souvent conçue comme inhérente au couple, l’intimité est en réalité une notion moderne. L’expression des émotions et l’épanchement permanent sont désormais le principal moyen d’afficher et de partager sa subjectivité dans le contexte d’une relation amoureuse. Le couple est devenu le chantier d’excavation des affects. Parler de ses sentiments, les manifester, les gérer, les éprouver à l’unisson sont autant d’éléments nécessaires à la vie de couple, cautionnés par la culture psychologisante qui voit dans l’intimité amoureuse le signe d’un couple fonctionnel.
Il suffit pourtant de regarder autour de nous pour constater à quel point le couple tel que nous venons de le définir est problématique. C’est à se demander si le couple moderne n’est pas un projet irréalisable. Les statistiques du divorce ne sont que la partie émergée de cet iceberg de misère sentimentale auxquels se heurtent les couples modernes. Cette misère sentimentale prend des formes diverses : conflits quotidiens par rapport aux tâches ménagères et à l’éducation des enfants ; lassitude ou insatisfaction sexuelle ; tentations d’aventures amoureuses ou sexuelles avec d’autres partenaires ; jalousie face à l’indépendance ou à la réussite de l’autre ; volonté de préserver son autonomie et son indépendance tout en étant en demande d’affection et d’engagement. Les relations modernes sont criblées d’apories sentimentales et de questions sans réponse : « Comment satisfaire aux demandes de l’autre ? » ; « Que suis-je en droit d’attendre de l’autre sans empiéter sur sa liberté ? » ; « Quand imposer ma volonté et quand faire des compromis ? » Au fond, le couple est le laboratoire où l’individu moderne explore et teste ses incessantes contradictions. Mais pourquoi donc est-il si difficile de former un couple satisfaisant ?
Notre culture psychologisante encourage les hommes et les femmes à se focaliser sur leur ego, leurs besoins, leur intériorité. Ce repli sur soi, qui nous rend si attentifs à nos intérêts personnels, a transformé les relations amoureuses en une entreprise utilitariste, justifiée non par des devoirs moraux ou des conventions sociales, mais par une maximalisation individualiste du plaisir. Ce recentrage égotiste n’est guère propice aux gestes désintéressés, comme le pardon ou l’abnégation, dans la mesure où il nous enjoint à privilégier des projets et des objectifs qui nous sont propres et indépendants de ceux de l’autre.
Le couple est une île, mais une île en liaison maritime permanente avec d’autres îles possibles
La culture des besoins et de la connaissance de soi est confortée par la notion d’égalité, désormais censée réguler les liens sociaux, en particulier entre hommes et femmes. Elle génère de nouvelles tensions, puisqu’elle amène les hommes et les femmes à calculer, mesurer et quantifier ce qu’ils se donnent l’un à l’autre, qu’il s’agisse du partage des tâches ménagères ou de la réciprocité des sentiments. Si elle est inhérente à la démocratie, l’égalité s’avère bien plus difficile à mettre en œuvre à la maison, car elle suppose une évaluation permanente de la contribution de l’un et de l’autre.
Le troisième obstacle auquel se heurtent les couples, c’est l’ennui, conséquence du fait que les sensations fortes sont désormais la norme des relations au sein du couple. Les sensations fortes, qui impliquent un apport permanent d’expériences et de sentiments, ont été institutionnalisées par l’industrie des loisirs et la production massive d’expériences nouvelles. Au cours du XXe siècle, elles sont passées du domaine des objets à celui des sujets ou, plus précisément, du domaine des loisirs à celui des interactions personnelles. À ses débuts, la culture de la consommation se focalisait sur le plaisir que procuraient les objets nouveaux ; aujourd’hui, cette logique consumériste s’étend aux relations amoureuses qui imitent la consommation de loisirs en s’orientant toujours vers des objets nouveaux et exaltants. La culture des sensations fortes est particulièrement manifeste dans le domaine de la sexualité, conçu comme une source intarissable de nouveauté et d’excitation.
À la dérive sur une mer instable
La culture psychologisante promeut par ailleurs le changement et le développement personnel. Pour mener une vie heureuse, il faut que notre moi actuel évolue vers un moi futur. Cette évolution permanente déstabilise le couple : à partir du moment où le changement est valorisé en soi, changer de personnalité, de goûts ou de préférences compromet la stabilité dont le couple, par définition, a besoin. Cette instabilité est aggravée par la culture du choix, dans laquelle la multiplication des partenaires sexuels a considérablement retardé la formation des couples et ne cesse de menacer leur stabilité. L’épanouissement personnel implique d’élaborer et de raffiner de plus en plus ses goûts, c’est-à-dire de trouver un partenaire toujours plus adapté. L’abondance du choix sexuel, confortée par l’idéologie de l’épanouissement personnel, suggère toujours la possibilité de rencontrer quelqu’un de « mieux ».
Enfin, le capitalisme ambiant nous enjoint à être autonomes(dès notre plus jeune âge, il nous inculque l’autonomie et l’indépendance). Cette injonction fait aussi pression sur le couple. Alliée à l’idéologie de l’épanouissement personnel, elle nous incite à ériger des barrières qui, au moindre signe de rejet ou de distance, dissuadent la fusion. Cette revendication d’autonomie se heurte à la réalité de l’amour comme dépendance, attachement, symbiose. L’amour est désormais incompatible avec l’autonomie, élément central de l’individualité.
À bien des égards, nous sommes les Midas de la vie sexuelle et sentimentale ; nous cherchons à parer des éternelles dorures du désir tous les aspects de notre vie de couple. Libéré de l’institution et des conventions, soumis à la seule logique du désir, le sentiment amoureux nous laisse pourtant insatisfaits : ce geste ordinaire, celui d’embrasser un enfant, nous fait cruellement défaut. Cette insatisfaction chronique est aggravée par le fait que, comme Tantale, nous contemplons le fruit que nous ne pouvons pas goûter, nous regardons l’utopie amoureuse sans jamais pouvoir la réaliser. Dès que nous croyons pouvoir l’atteindre, celle-ci nous échappe.
Au fond, avons-nous encore besoin du couple ? N’est-ce pas là une institution superflue, qui entrave l’épanouissement personnel et nous confronte à nos propres contradictions ? Le couple est générateur de confusion, de conflit, de solitude et de souffrance. Les statistiques mêmes le prouvent : de plus en plus de gens font le choix de vivre seuls. À mon sens, la notion de couple mérite tout de même encore d’être défendue, ne serait-ce que parce qu’elle prend le contre-pied de l’idéologie dominante.
Pourquoi ? Parce que le couple monogame (pour s’en tenir à sa définition conventionnelle) est sans doute la dernière organisation sociale à résister aux principes du capitalisme. Un couple prendde facto position contre la culture de maximisation du choix, contre la conception du moi comme lieu permanent de sensations fortes, de jouissance et d’épanouissement personnel. Le couple fonctionne selon une économie de la rareté, au sens où il requiert des vertus et une force de caractère que la société moderne ne nous inculque plus. Il suppose que l’on soit capable de singulariser autrui, de renoncer au calcul, de tolérer l’ennui, de mettre l’épanouissement de côté, de s’accommoder d’une vie sexuelle (souvent) médiocre, de préférer l’engagement à l’insécurité contractuelle. Le couple, malgré tout ce qu’il a de conventionnel, est garant de valeurs autres que celles du marché. Par une ironie de l’histoire, le couple ne propose-t-il pas une alternative radicale à notre culture dominante, par le biais, non d’une transgression, mais d’une indéfectible persévérance qui nous rend fidèles aux autres comme à nous-mêmes ?»
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