domingo, 29 de setembro de 2024

''aparições do meio-dia''

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''Surpresas de Agosto (1980)''  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 121

''uma velha guardadora de gansos''

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''Surpresas de Agosto (1980)''  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 121

Tindersticks - New World

 SEIS POEMAS CONFIADOS À MEMÓRIA DE NORA MITRANI - VI

A que vens, solidão, com teu relógio
de ponteiros de visgo, de bater de feltro?
Ombro nenhum ao meu ombro encostado,
a que vens, ó camarada solidão?


Companheira, amiga, até amante,
até ausente, ó solidão, te amei,
como se ama o frio até o frio dar
a chama que tu dás, ó solidão!

A que vens, enfermeira? Não sabes que estou morto,
que se digo o meu sim ou o meu não
é só para que os outros me julguem mais um outro,
é só para que um morto não tire o sono aos outros?

A que vens, solidão? Vai antes possuir
os que amam sem esperança e sem saber esperam,
dá-lhes o teu conforto, encosta-lhes ao ombro
o teu ombro nenhum, ó solidão!

Alexandre O'Neill
(1924-1986)
In "Poemas com Endereço"
(1962)

A Dança dos Animais, Fernando Lemos,1949


 



''Era uma época em que tudo cheirava e sabia a ranço, em que o amor era vigiado e mal tolerado, em que um jovem não era senhor dos seus passos (errados ou certos, não interessa).''

Alexandre O'Neill

derrames sentimentais

daydreams

POEMA À MÃE

 No mais fundo de ti,
eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.


Eugénio de Andrade, ''Os Amantes sem Dinheiro

Maria-sem-vergonha (Impatiens walleriana)


 

Um Adeus Português





Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti

Sonny Boy Williamson I`m A Lonely Man


Há palavras que nos beijam


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes



*



O amor é o amor


O amor é o amor - e depois?!
vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?..

O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
o amor é o amor - e depois?!

Alexandre O'Neill

ETÉREA ALTERIDADE

 Como esta gaivota que, voando, parece 
democraticamente livre
e quando aterra, urbana, fuça em contentores
e pasce lixo vulgar, e é enxotada
pelo guarda-chuva do mundo,
assim como a escuna, bico ufano avançando
por massas de água limpa,
e num estaleiro torpe, romba, é aviltada
por toda a sorte de mãos indignas
desse corpo belo e inalcançável,

assim te crês de Reia e Cronos filho,
e sobrinho de Oceano,
mas és de Andreia e Joaquim nascido
e o teu tio é um tal Ribeiro,
fulanos benzidos por sacerdotes comuns.
Assim do empíreo desces, em que te crias,
e vens por vão de escada à terra, abrupto,
um anjo que acorda num desmaio
e extinta vê a luz do seu fanal,
ante um aptério edifício de escritórios.

Porém, coragem, tu, e entesa a fibra de titã.
Para ter o Olimpo há que vomitar filhos
servidos em refeição como Tântalo,
beber das tetas caprinas como Zeus,
servir pedras aos pares.
E assim etéreo andes e soes como a lira pura
num ar tão rarefeito quanto irrespirável.
Se os deuses têm histórias de vergonha,
os anjos têm guelras para habituar a um céu
de etérea e rude humanidade.


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 116/7

''musgo na boca''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 114

sábado, 28 de setembro de 2024

Leave Me Alone



                                                           Jing Huang, Pure of Sight



 

cansando-me do cansaço da vida

 «O burguês divide o parque com o louco.
Insalubre, reato relações com a natureza mediada da cidade
e, cansando-me do cansaço da vida, miro cisnes
assomando o seu periscópio, noivos de noiva nenhuma.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 113
 «Deuses precisam por vezes de se sentir vivos.
A crise da meia-idade gera
incontinentes e continentes
e tu, matrona, com as tuas colinas cansadas
olharás com acinte a ninfa: o teu espelho passado.
Aproxima-te. Eu sou um touro.
Eu sou um touro, belo, manso, branco.»

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 112

 «Quando voltares às raízes
estarás morto.
Atenta ao que te digo.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 108

''Quando Marga amou Juan Rámon''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 106



Konstantin Kalynovych - Winter IV

''Fáctico medo de.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 103

 Escrevo a gelo sobre a pedra.
As cadeiras abraçam a mesa e isso é Púchkin
redundando-se, cadeia de ouro sobre o tronco.
A obra pende da parede,
o criador está morto, o curador vivo.
A cebola é uma orbe de lágrima sobre lágrima,
mudando-se o fuso
como um pião sem a corda emocional
que o fez rodopiar e sumindo-se o parou.
O amor é a sonata da chuva
crepitando na vidraça -
o samovar absolutamente central
como um totem de prata
para uma ausência -
Eu vejo os seus pequenos dedos percutindo
a trasparência da lágrima, neutro vidro,
límpida rede sobre a falta,
branca página da noite.
Tudo na saleta ou no salão,
as efígies arremedando
a pura obsidiana da ausência.
E estas palavras que eu cravo na terra
desprendem-se do seu orbe
como moscas viajando para a noite.


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 102
 «A dado momento começou uma vida mental.
Em mente sem lar
é-se feliz em qualquer lugar.»

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 101

 «Num asilo de Northampton se pôs o filho de Helpston,

consumido por anos de prosa poética,

o poeta cigano de musa rural,

mar vivi de sonhos despertos.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 101
 «Casaste com Patty mas achavas-te casado com Mary.
Isso acontece muito.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 101

Don't Hurt Yourself


 

'' Oh quando poderei eu viver mais do que a vida?''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 99

''A misantropa musa''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 87

''Amaste o gelo, os sóis, os poços fundos''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 93

''E cães, archeiros, cântaros, galácticos,''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 93

OUTROS CÃES

 Espantoso como um mulherengo
enlouquecido pela sífilis
no estertor venéreo dos seus dias
se torna a Pietà da rapariga que
seduz - corre derradeira - às pias lágrimas
e isso é-nos mostrado no quadro de 
Hogarth 
para estudo e consolo.


Ele era, a bem dizer, um satirista.


À parte isso, retratou

outros cães.


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 88

 


 ''Os sapos, bem, expludam! São trapos.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 86

''álgida noiva''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 81

''Não singraste, sangraste.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 80

''As mães são mais difíceis no Outono.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 79

A PROKOFIEV

 Morrer não é boa ideia. Morrer no mesmo dia de Estaline, pior.
Assim que, Serguei, fosses um grande ulmeiro 
tombando, abafado sob a grande sombra
(e o som tem a sua sombra) de tortuoso carvalho.
Naquele 5 do 3 de 53, a plaina irracional da vida
levou um compositor e um ditador
que até na morte esmagou o primeiro
e o abafou abrupto como um estampido do tampo
sobre as cordas, martelo sobre martelos.
Assim as delicadas nervuras, caneluras, tessituras
das tuas tocatas batessem mais uma vez
contra o tecto baixo de um ditado rítmico,
arranhadas pelos plectros do titânico bigode.
E uma sombra póstuma, mais uma vez, Serguei,
te viste esmagado pela bruteza de um estado policial
que esqueceu o músico e honrou o assassino.
Diz-se que uma humilhação mais se quis póstuma:
que o teu corpo ficasse retido na casa funerária
na hora de ponta fúnebre que congestionou a tua última marcha.
E agora, não só a notícia ou a memória ou a opressão,
também na morte te ensurdeceu e obnubilou 
o ditador em esquife saindo abafando
com estrondo a tampa meio aberta do pianista.
E cá para nós, Serguei, o artista fará sempre vénia ao opressor.
Já para não falar de Joseph tinha mais dedos do que tu.


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 78

Sangue Negro


 Alison Scarpulla Photography

TENDA À BEIRA DA ESTRADA

 Nada podemos fazer nesta tenda senão esperar.
Quem vier será uma revelação. O nosso coração está 
preparado para todo o tipo de feridos, mas a nossa
farmácia, não.

Quem vem lá? - Se vierem cobertos de fatos cor de lama
quarente e cinco quilos de municões às costas, máscaras
de astronauta, por dentro homens, virão da guerra do Iraque.
Grandes feridas escondidas rasgadas pelas bocas das AK-quarenta e sete.
Para eles, temos laser e penicilina depurada, e tudo passará
como previsto. Diante da televisão, não sofrem nada. E contudo
não são soldados do Iraque, não. Os pássaros que trazem à cintura
não foram atingidos por petróleo bruto. Voam.

Quem vem lá?- Estamos preparados. Se vierem protegidos
por capotes longos, chapéus de ferro e máscaras antigás, é possível que
estejam a regressar da Batalha de Verdun. Se assim for, para as feridas
produzidas pelas lâminas de baionetas e munições de rifles
temos morfinas, opiáceos, agulhas grossas passadas pelo fogo.
Beberão vinho para serem amputados, e serão estóicos. Foram instruídos
pelos manuais do super-homem, tal como Nietzsche dixit.
Mas não vieram das planuras de Verdun. Os pássaros que os seguem
não são os corvos da França de mil novecentos e dezasseis, não.


Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 55

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

 « Não se usa a nota escrita pelo catavento da alma à espera
de notícias sobre o armistício de uma guerra, numa terra onde
nunca esteve nem estará, como se fosse uma pátria sua, não 
se usa. Desusadamente, abro a porta aos ventos que trazem
desgraçados do outro lado do mar, e isso não se usa.»

Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 46

 «(...) - Tomou a mulher pela mão

fechou-lhe os olhos e encaminhou-a para as nuvens»


Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 45

terça-feira, 24 de setembro de 2024

I Got What It Takes


Nobuyoshi Araki
Kinbaku, 2009

''Para os homens, / Eu sou só um delírio da noite.''

 “Para os homens,
Eu sou só um delírio da noite.
Parece que eu vivo só a noite fantástica desses homens!
E quando eles acordam,
Vem o dia.
Então sinto que vou ser sempre a noite
E nunca o dia de alguém.
Eu espero um dia ser o dia de alguém.”

Gabriela Medeiros

domingo, 22 de setembro de 2024

libérrimo

 « (....) - No vosso túmulo, um casulo de vespa
um lenço de assoar e uma cesta de romãs caídas.
Nele estarão duas datas separadas por um traço
e a palavra que sabe ao líquen das pedras
- Feminista.»

Lídia Jorge. O Livro das Tréguas. Poesia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2019.,p. 43

A meu favor

A meu favor
tenho o verde secreto dos teus olhos
algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
o tapete que vai partir para o infinito
esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
as paredes que insultam devagar
certo refúgio acima do murmúrio
que da vida corrente teime em vir
o barco escondido pela folhagem
o jardim onde a aventura recomeça.

sábado, 21 de setembro de 2024

lepidopterólogo

nome masculino

[EntomologiaEspecialista em lepidopterologia ou no estudo dos insectos lepidópterosnomeadamente


Susan Tedeschi - Just Won't Burn

pastiches



Katia Berestova Photography

 ''e Cindy é um nome para uma adolescente deprimida
crescendo em solavancos num baloiço.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 73

composição pastoril

A MORTE DE UMA ACTRIZ PORNOGRÁFICA

 
(...)

''A indústria dir-se-á chocada,
assim replicando os valores da sociedade
sita embora numa ou noutra produtora
onde não distantes jaguares 
atalham vias rápidas em segurança
e vão do ponto a ao ponto b
com os seus bigodes intocados
e devemo-lo a visionários preservacionistas,
a um verde lobbying,
entre barcos-pirata ecologistas
flutuando num mar de plástico.
A sua morte será devastadora 
para um cio em luto
e outros tantos onanistas,
da coterie de fãs de uma saga cinematográfica
a certos bourdon vilebrequin orlando piscinas.
A sua morte será um pêssego
para eliotianos incomuns´´ 


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 71


Alison Scarpulla Photography

A roda em que apodrecemos

 ''Temos um problema, grupo de trabalho.
Já há um, então comité.
Também já existe, uma subcomissão.''

Ricardo Araújo Pereira, humorista

''Desertificação do país''


 

 ''Deus, na sua sabedoria, fez-nos previsíveis
para os outros e incertos para nós mesmos.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 67

 Rigor mortis ou rigidez cadavérica

 '' Admiro qualquer forma de coragem.
Não a desmonto nem desconstruo.
Não crio atalho de indignidade
para a pequena conversa social.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 65

 '' ensinar-me-á como
viver morrendo.''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 62

''o sino carcomido pelo sol,

a bruta aparição do de repente.''


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p.58

cognominar


 José Manuel Rodrigues, Quatro provas de halogenetos de prata, Amsterdam, 1986

''excessiva vigilância das palavras''

 João Miguel Tavares

''volutas e caneluras''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p.55

INSTALAÇÃO

 Pássaro pousado

em arame farpado.


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 52
 ''cisnes dão à praia
como ondas''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 49

Estrada Provisória

O DESEMBARQUE DAS ONDAS

 Imparável sede:
onda sobre onda
(


esta amortalhando a anterior.
).
o mar é um enterro.


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 47

 '' a coragem branca  dos nossos  mais apetecidos dias ''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 41

''abutres entretendo um jejum''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 41

carnagem

quarta-feira, 18 de setembro de 2024


Photography Li Hui

Carne Doce - Artemísia


Artemísia Não vai nascer Porque eu não quero Porque eu não quero e basta eu não querer Não vai viver Porque eu vivo Sou o deus vivo Sua razão de ser De uma praga a um chá Sabe a índia, sabe a química Que o seu desencarnar É da minha natureza É da minha arquitetura É do meu querer
 
«Não é de espantar que sejas bela,
que voes só para outros e não para ti.
Não passas de uma lagarta de visom
incendiando paixões de terceira idade,
tudo ilusão, vaidade, pretensão,
escapando sob pós de perlimpimpim
dos dedos mágicos de criança.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 38

''cedo cedendo à velhice''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 38

''crisálida do entomólogo''

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 38

pionés

 « não tenho força para a revolta,
morreu-me o cão, a pátria, absolvição.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 36

 The Lover (1992)

Director: Jean-Jacques Annaud



Life after youth | Tess Parks & anton newcombe

 «Um poema é
ser o rapaz de há uma eternidade atrás.»

Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 35

A filha de Jairo

 «Fui alegre quando triste e feliz ao fim e ao cabo

quando pensando muito sobre isso não pensava nada.»


Daniel Jonas. Cães de Chuva. Assírio & Alvim, Porto Editora.2021 , p. 31

feno-de-cheiro

Féretro

 caixão mortuário

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

 ''Eu quero o mapa das nuvens e um barco bem vagaroso.''

Mario Quintana

 ''Não há mortos que morram tanto como os nossos''

Gonçalo M. Tavares

domingo, 15 de setembro de 2024

La Tristeza del Púrpura


Fotografia de Júlio de Matos,
da série Retratos - Imaginário & Afeto

 

«Para conseguirem que María adormecesse nessa primeira noite, tiveram de lhe injectar um sonífero. Ao romper do dia, quando a vontade de fumar a acordou, viu-se amarradas pelos pulsos e tornozelos às grades da cama. Ninguém acudiu aos seus gritos.»

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''Só vim fazer um telefonema (1978)''  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 101

 «Alguma coisa se passou então no espírito de María fazendo-a compreender porque é que as mulheres do autocarro se moviam como se estivessem no fundo de um aquário. Na realidade, estavam sedadas com tranquilizantes, e aquele palácio de sombras, com espessos muros de cantaria e escadas geladas, era na realidade um hospital de doentes mentais.''

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''Só vim fazer um telefonema (1978)''  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 100/101

''aguaceiros primaveris''

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''Só vim fazer um telefonema (1978)''  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 91


                                                                   Mira Nedyalkova

'' - Só a poesia é clarividente - disse ele.''

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''Alugo-me para Sonhar (1980)''  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 91

Alugo-me para Sonhar (1980)

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''Alugo-me para Sonhar (1980)''  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 83

 ''na primavera anterior eu lera um belo romance de Yasunari Kawabata sobre os velhos burgueses de Quioto que pagavam somas enormes para passarem a noite a contemplar as raparigas mais belas da cidade, despidas e narcotizadas, enquanto agonizavam de amor ao lado delas, na mesma cama.''

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 80/1

''anel de um noivado efémero''

Gabriel García Márquez. Doze contos peregrinos. Conto ''A Santa''.  Tradução Miguel Serras Pereira. Publicações Dom Quixote, 1992., p. 80

“eu cá acho que sim,/ acho que apesar de tudo escrevi um poema aceitável,/ um poema que amadurou em mim ao longo de oitenta anos (…) ah, aceitem lá a pequenez geral da minha vida/ e do meu nome obscuro,/ e o quão honesto sou odiando tudo isso”.


Herberto Helder


 

''quanto mais velho mais duro é o corno - disse o papa''


Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 58

''sopra-me na boca''

Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 52

 ''enterrem-me o mais fundo possível,

que eu seja devorado pelas raízes,''


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 50
 enquanto a grande ferida sara não sara,
a ferida da memória,
mas por trás o sangue tão devagar dói,
tão fundo dói, e passa
um dia ainda, com sua noite adjunta, e desemboca,
o sangue impuro que uma vez mais se purifica
até um outro dia, e esse já não, que com certeza,
e então espero mais vinte e quatro horas de mais nada
que como quando 
um dia em que penso ou não penso,
um que não passa tão certamente desatento,
errático, diz alguém não sei onde e quando,
que só aqui e só agora digo,
mas não faço,
enfim: não morro por enquanto,
só um pouco mais tarde, porque afinal um homem é de ferro


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 49

sábado, 14 de setembro de 2024



a dance of the acceptance of life .(fellini)
a dance of the acceptance of death .(bergman)






Se nos rompió el amor

 “A vida é feita de escolhas. E cada escolha, por mais insignificante que pareça, traz consigo consequências que não podemos prever. Ninguém pode evitar o impacto das suas decisões. Caminhamos por um terreno incerto, e a cada passo, moldamos o nosso destino, quer queiramos ou não. A única certeza é que o passado não pode ser desfeito, e o futuro é a soma de cada um desses passos.”

José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira
“I know no woman – virgin, mother, lesbian, married, celibate – whether she earns her keep as a housewife, a cocktail waitress, or a scanner of brain waves – for whom her body is not a fundamental problem: its clouded meaning, its fertility, its desire, its so-called frigidity, its bloody speech, its silences, its changes and mutilations, its rapes and ripenings”

(Adrienne Rich, 1976, Of Woman Born)--the Absent Father Effect on Daughters, Father Desire, Father Wounds - Susan E Schwartz

 

besuga

 Açorescoloquial
nome feminino
mulher bonita, atraente


 

 

andar a pingar
viver pobremente

 

armar ao pingarelho
1.
usar de artifícios para obter um favor alheio
2.
procurar sobressair, muitas vezes fazendo-se passar por aquilo que não se é

promiscuous vulnerability

domingo, 1 de setembro de 2024

Mulholland Drive (2001) - Llorando

“muralha de sangue”

‘O tempo torna-se um rio sem margens’.

 ''(...)gestos artísticos e não apenas bandeiras erguidas ao sabor das modas e como reacção à actualização do pensamento crítico sobre o funcionamento do mundo.''


https://www.artecapital.art/perspetiva-283-catarina-real-yuko-mohri-i-compose-i-


 “Com os amigos aprendi que o que dói às aves / Não é o serem atingidas, mas que, / Uma vez atingidas, / O caçador não repare na sua queda.”

Daniel Faria, “Pórtico”, in op. cit, 2015, p. 399.


 



2016 Film EssaysOf Love and Other Demons: ‘The Marriage of Maria Braun’ (R.W. Fassbinder, 1979)

''A resistência tornada re-existência.''

''e-ternamente ''

 “Não voltarei a dividir / As aves — o canto e as asas —”

comilança

Ditado popular que é “um olho no peixe, outro no gato”


sábado, 31 de agosto de 2024

 enquanto a grande ferida sara não sara,
a ferida da memória,
mas por trás o sangue tão devagar dói,
tão fundo dói, e passa
um dia ainda, com a sua noite adjunta, e desemboca,
o sangue impuro que uma vez mais se purifica
até um outro dia, e esse já não, que com certeza,
e então espero mais vinte e quatro horas de mais nada
que como quando
um dia em que penso ou não penso,
um que não passa tão certamente desatento,
errático, diz alguém não sei onde e quando,
que só aqui e só agora digo,
mas não faço,
enfim: não morro por enquanto,
só um pouco mais tarde, porque afinal um homem é de ferro


 Herberto Helder. Letra Aberta. Poemas inéditos escolhidos por Olga Lima. Porto Editora, 2016., p. 46

Depuis le jour

"O casamento de Maria Braun"


Realizador: Rainer Werner Fassbinder

''camadas muito profundas de vulnerabilidades''

''a instrumentalização sobre os artistas''

''Poder ao povo pobre.''

 Tita Maravilha

pobreza

''(...) não é um tema fetiche para mim, realmente é intrínseco.''

Tita Maravilha

Putinha submissa em processos de reciclagem

 Tita Maravilha

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

He Needs Me


 

Auberge Ravoux

 
A tristeza vai durar para sempre.

Do crocitar dos corvos sobre os campos
Abre-se um abismo sem fim.

Ó estrelas de prata
Estrelas do anseio pela liberdade
Como passou o vosso jovem sopro!

Caio na noite sem fim
Longe do sol que fez de mim um girassol enlouquecido.
A tristeza vai durar para sempre.



Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 66

''O homem é o cardo''

Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 60

Crucificação

Santo Sudário

SOLIDÃO


É o panorama duma cidade
O casario mudo sob um céu abrasado.
São duas linguagens emaranhadas
Que não se desentrançam
Um toque que não aflora
Numa coxa querida.

Aqui do alto
Como são minúsculos os corpos
Vãos os laivos de vida
Que se desenham no
Labirinto do espanto.
Perfilam-se as memórias
Na superfície diáfana dos olhos
E as cidades baralham-se
Desabam, reerguem-se
À sombra da inquietude
E da inconsciência humana.

A solidão é a geografia desesperada
De um mundo sem língua.


Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 54


 

I Have Wandered All My Unending Days

 Veio nocturno onde o Outono
Repousa dormente
E as folhas
Num murmuro tépido
Fazem as suas vozes brancas
Assomar do leito do adeus.

Delicados luzeiros cativos
Transplantados para as cidades
Onde, por sobre as lajes
Alumiais as cabeças fatigadas
Da turba com as vossas
Luzes frias.

Pirilampos sem memória
Cobertos de cera
Entristecem, entontecem
A pele das estrelas.

Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 48

''eu deito-me sobre ti e aguardo o oblívio''

Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 45

 Do seio da noite arqueada
Taciturno sorvo o leite negro
De tudo o que se perdeu.
Ajoelho-me sob o peso da tua mão
E aguardo o sinal para que a minha
Se mova sem hesitação
Para arquear um novo céu.
Tenho um desejo insular
Por mundos invisíveis.


Tomás Sottomayor. Auberge Ravoux. Edições Língua Morta, 2021., p. 39
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