e se por acaso te toco a memória… amas
ou finges morrer
pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas
é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves
já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes
**********
escrevo-te
pelo corpo sinto um arrepio uma vertigem
que me enche o coração de ausência pavor e saudade
teu rosto é semelhante à noite
a espantosa noite do teu rosto!
corri para o telefone mas não me lembrava do teu número
queria apenas ouvir tua voz
contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou
queria dizer-te por que parto
por que amo
ouvir-te perguntar quem fala?
e faltar-me a coragem para responder e desligar
depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa
a noite tornou-se patética sem ti
não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr para a rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade duma ponta a outra
só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te
e morrer
como quando me tocaste na testa e eu não pude reconhecer-te
apesar de tudo senti a mão sábia que era a tua mão
mas não podia reconhecer-te
sim
correr a cidade procurar-te mesmo que me afastasses
mesmo que nem me olhasses
mesmo que dissesses coisas que me
mesmo que
e ter a certeza de que serias tu depois a procurar-me.
**********
A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada
esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos
espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar
outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada
esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos
espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar
outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo