quarta-feira, 3 de dezembro de 2014


«Não tinha ninguém com quem falar, a quem se confiar. Só a avó a amava, mas começava a perder a memória e tomava-a por outra.»

Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 122

“Exige-se, para o perfeito amor, que o amado ame o amante; que este ame, em si próprio, o amante que ama o amado e que o amado ama, o mesmo tendo de haver no correspondente. Que os amantes amem nos amados os amantes que a eles os amam. Ou, mais simples: que o amor se ame.”


Agostinho da Silva

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

«Olhava o mundo e não o amava.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 119

«Aquele regresso foi uma prova dolorosa. Conheci o tédio e o isolamento. Restringira-me a um mundo a que ninguém tinha acesso e, também eu, me pus a esperar. Esperar o fim da licença para retomar a estrada, partir sem olhar para trás e nunca mais voltar.»




Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 119



«Aquelas rochas de espera e do esquecimento, deviam fasciná-los. Delas brotariam outras vidas, outros destinos armados de pedras, de tufos de erva seca, de raiva e de loucura. As montanhas vigiavam-nos, olhavam para eles noite e dia, sem impaciência, sem nada perderem da sua violência silenciosa. Também elas esperavam.»



Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 118/9

«A coisa que eu chamava cão-do-mar, lobo-das-estepes, raposa-dos-baldios corria nas trevas seguida por um sopro frio que me dava arrepios.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 115

lú.gu.bre

bolor


«- E, na tua opinião, aquele negrume que solta, não será da tua alma? Não te sentes a perder um pouco do teu fôlego? Não estarás a esvaziar-te? Responde.
   Provocara-me. Decidi ser tão forte como ela e adoptei o seu tom:
  - E aquele fio vermelho que atravessa o negrume, não será um pouco do teu sangue? Tens a certeza de não estar, neste momento, a perder o teu sangue? Olha bem para as tuas mãos, as tuas pernas, o teu nariz. Olha-te na água. Verás como estás pálida. »


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 113

«É preciso desconfiar das pessoas silenciosas.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 112

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

«Noite de presas inúteis perfurando os olhares desvairados.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 104

«(...) a brasa do ódio é um vulcão furioso que nenhum céu extingue.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 103



«À noite estava cansada e sofredora, experimentada, mas feliz porque tinha conseguido preservar o meu segredo. O mar pertencia-me. Não ousava abrir a mão direita. Guardava tudo, profundamente escondido em mim. O mar era aquele jardim onde, um dia, me poderia isolar, longe do barulho.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 90

mulher-serpente

Agostinho da Silva: “[…] Sobretudo no amor se deve ter cuidado; gostar dos outros e lhes querer bem tem sido o motivo de muita opressão e de muita morte dos espíritos. […] Não tens, essencialmente, de amar nos outros senão a liberdade, a deles e a tua; têm, pelo amor, de deixar de ser escravos, como temos nós, pelo amor, de deixar de ser donos do escravo”.
PORMENOR
A casa de pedra em ruínas
tem uma velha macieira
lá deixada pelo agricultor
que levou tudo o mais
Dá fruto todos os anos
frenética e bichenta
com maçãzinhas amargas
que ninguém come
até as crianças já sabem
Durante todo o Inverno
passei por ali a caminho de
Trenton duas vezes por mês
reparando nas maçãs penduradas
apesar dos ventos tempestuosos
por vezes com barretes de neve
pequenas campânulas douradas
É possível que nenhum dos outros
viajantes tenha olhado nessa direcção
mas não vou fazer nenhuma parábola com eles
estiveram lá e nada mais
Inexplicavelmente dou por mim a recordar
e a pensar nessa árvore sem folhas
e nos seus frutos fermentados
numa semana para os finais de Janeiro
em que o vento derrubava o sol
e a terra tremia como um quarto frio
onde ninguém seria capaz de viver
entre temperaturas negativas
mudas campânulas douradas
sozinhas na tempestade

Al Purdy

(tradução de Vasco Gato)

ensonada

domingo, 30 de novembro de 2014

funâmbulo


nome masculino

1. equilibrista que anda ou dança em corda bamba
2. figurado o que muda de opinião ou partido; indivíduo inconstante
3. ZOOLOGIA espécie de esquilo indiano

estremeções


rostos imutáveis

discórdia



«Em pequena, Slima sofrera. Diziam que tinha nascido de uma má chuva, que era fruto da tempestade. As crianças são más. Começou cedo a bater. A violência era a sua forma de falar e de viver.»




Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 85

óleo de argânia

«Naquele dia fiquei a conhecer a vergonha.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 83

« - Nenhuma árvore aqui - disse-me ele um dia - é digna de usar o teu nome.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 81

«Fui menstruada pela primeira vez no dia do regresso da minha mãe. Estava a dormir quando senti um líquido quente correr entre as minhas coxas. Não estava verdadeiramente prevenida, mas sabia que passava, assim, a ser mulher.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 79
“Au milieu de l'hiver, j'apprenais enfin qu'il y avait en moi un été invincible.”


“In the depth of winter, I finally learned that within me there lay an invincible summer.”


Albert Camus

A SEEMINGLY PERVERSE DYNAMIC: TRANSGRESSIVE ART AND CONTEMPORARY PERFORMANCE


This is a moment I won’t easily forget in the theatre: [Annie] Sprinkle’s smiling face and robust, cooing voice, her very white and soft body largely exposed, encouraging a spectator to scrutinize and describe her labia. I shrink back from the spectacle in my seat, filled with rage at [Richard] Schechner, who is submitting me and other women to this assault on our bodies via this alien medium, this . . . who is she? Is she a woman like me? Does she smile because she enjoys this or smile because she is encoded by pornography to convince men she “enjoys” this? The act becomes more threatening still when Sprinkle offers to “give a little demonstration of cock sucking.” By now blind to objective critical judgment, whatever that might be in such a case, I feel violated and furious at my entrapment here.—Elinor Fuchs, “Staging the Obscene Body,” TDR, 1989
But what has this all accomplished politically? The answer would appear to be, “Not much.” Sure, women have the ability to incorporate sex acts into their artistic work with downtown audiences barely batting an eye,  but has the power structure changed? The three largest festivals downtown in January—PS 122’s COIL, Under the Radar, and American Realness, in which Patek herself is programmed—are controlled by men. All the ready embrace of feminist art hasn’t affected the increasingly sophisticated marketing machine, which promotional materials for virtually every major institution and festival (particularly those presenting dance) using picture of lithe young female dancers. The realm of what’s acceptable material in performance may have been dramatically expanded, but the underlying power structure—the critics, the programmers and curators, the funding bodies—remain largely controlled by men. Usually white, and often straight.
They performed surgery on a female dummy, tap-danced, ran full force into a wall, removed two male dummies in long johns and lizard heads from a refrigerator, talked about terrorism, and endured many many fast costume changes. I’m sure that isn’t the half of it. Near the end, they fought each other with knives, then disemboweled the lizard-headed dummies they’d hung from the ceiling during some hardboiled pas de deux, leaving so much fake blood and real slime on the floor they could have skated away. Here was a “critique of representation” that burst right from the gut. Sexton and Iobst never intellectualized about their stuff, but they were among the transgressive women performers of that era who worked straight from the id to address issues of power and control—a fact I was just starting to put together in October 1985. I only knew then that the show thrilled me.
When Patek re-enters she’s dressed as a stripper, in thong and high-heels, and carrying a bottle of hand-sanitizer. She lubes up the participant’s gloved hands with the sanitizer, then proceeds to perform an erotic dance, rubbing up against him to the increasingly hysterical audience until, finally, taking his hand, pushing it inside her thong, and guiding him to masturbate her. The feeling in the room has changed, from surprised, awkward humor to increasing discomfort, with the blindfolded participant, himself obviously surprised and uncomfortable, serving as a cipher for the rest of the audience’s feelings. It goes on for a while, possibly to the point of orgasm, and then, as the coup-de-grace, Patek turns to face the audience in wide-eyed mortified embarrassment, and runs out, leaving the participant standing awkward, smeared with sanitizer (or, likely, lube) alone and unaware of exactly what was happening. It was a remarkable moment.
Patek takes a seat in the audience and interrogates Roeck as though at a talkback. After praising his courage for speaking out publicly, she begins to question what happened. Did the sex begin consensually? Did the man stop when asked? How loud did Roeck ask? From there, the two stage a series of scenes in which they play out the sort of social and personal doubts of sexual assault survivors. In one sequence, they perform Liz Lerman critical feedback method, taking turns as one another, during which Patek’s character’s own experience is challenged. Since her assailant fled once she wet herself, was it a “real rape”? In another scene, Roeck, breaking character, reads a letter he wrote to Rebecca in which he expresses his belief that by performing in the piece, he himself has suffered emotional distress akin to a rape survivor. As he does this, Patek begins undressing him and fondling him.
The facial is probably the most fraught image in straight porn, suggesting both male domination and empathy (by virtue of meeting the gaze of the other) at the same time. During the filmed sequences, Patek likewise addresses the camera directly, mimicking the POV dynamic porn aims for by creating a link between the fantasizing spectator and the erotic object. The pornographic dynamic comes to dominate our understanding of the piece such that, by the end, in which Patek re-enacts her sexual assault with Roeck fucking her with a strap-on, the audience has been implicated in inetern(a)nal f/ear’s seemingly perverse dynamic: Patek is reclaiming her sexual experience as positive, overcoming the sense of victimization sexual assault can engender, but in doing so she’s implicated the audience by making them spectators in a pornographic performance. She’s basically asking her audience to assent to viewing rape porn as a way of helping overcome rape.
While I do believe that inetern(a)nal f/ear is an essentially positive piece, it’s certainly swimming in dangerous waters. Patek has employed porn—which exists for no other purpose than getting the viewer off—as a way to reclaim a sense of lost agency. By choosing to represent herself and her sexuality using the least subtle aesthetic means possible, she’s leapt straight into the debate of representation of women Fuchs discusses. That she’s employing it as a tactic to deal with the guilt engendered by sexual assault adds a distinctly problematic element to it. Artistically, she’s working in the same area staked out by Ann Liv Young, whose work often functions as a savage critique of the art world’s ability to incorporate feminist critique into its own market dynamics, defanging artists in the process. Like Ann Liv, Patek’s art works as much in spite of its audience as because of it.
FERNANDO PESSOA
[13/06/1888-30/11/1935]
“Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus”.


Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos

DA FESTA LONGA E TRISTE
Alguém estava a dizer
algo relacionado com as sombras que cobrem o campo, com
o passar das coisas, a forma como dormimos apontados à manhã
e a manhã vai-se.
Alguém estava a falar
da forma como o vento amaina para depois regressar,
como as conchas são os caixões do vento
embora o tempo continue.
A noite ia longa
e alguém disse algo sobre a lua a derramar a sua brancura
no campo frio, que mais para a frente não havia nada,
apenas mais do mesmo.
Alguém mencionou
uma cidade em que estivera antes da guerra, um quarto com duas velas
encostadas a uma parede, alguém a dançar, alguém a observar.
Começávamos a acreditar
que a noite não iria chegar ao fim.
Alguém dizia que a música terminara sem que ninguém tivesse reparado.
Até que alguém disse algo relacionado com os planetas, com as estrelas,
com a sua pequenez, como estão longe.


Mark Strand
(tradução de Vasco Gato)
ELEGÂNCIA
Tudo o que está descuidado.
Abandonado à quietude
nesse puro silêncio que se funde
com a quietude da natureza.
Uma porta desconjuntada,
penumbra e sombras numa sala vazia.
Fendas de luz. Em carne viva ali onde
a ferrugem trespassou o telhado de zinco.
O restolhar das ervas ao sabor dos seus
vários tipos de ar pela manhã,
ano após ano.
Uma nogueira, e a casa
feita de tijolos de adobe. Uma beleza
precisa e inesperada, a trepidar
e a cantar. Se não para o sol,
então para nada e para ninguém.


Linda Gregg
(tradução de Vasco Gato)

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

''um crime na escuridão''

balbúrdia



«(...) e os ratos a precipitarem-se-lhe sobre o ventre, o sexo, arrancando farrapos de carne em sangue. Esse espectáculo que eu servia frequentemente dentro da minha cabeça, fazia-me estremecer.»




Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 36

Descobri que o meu corpo podia sentir outra coisa além do frio e da fome...

«Apertava as mãos entre as coxas e não sentia vergonha. Foi ao acordar que senti o peso de uma enorme culpa. Não me sentia à vontade, e pus-me a detestar Halifa e a ter nojo de mim mesma. Descobri que o meu corpo podia sentir outra coisa além do frio e da fome, do calor e do cansaço.»

Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 31

abre-latas enferrujado

«A minha mãe era a metade da pedra polida que representava o meu pai. Com um pedaço de giz, traçara uma linha a meio da pedra e sabia que esses dois seres eram inseparáveis «na vida até à morte». O meu irmão era uma pequena pedra frágil que se esboroava mal se lhe tocava. Era a minha pedra preferida. Quanto à minha tia, não era uma pedra, mas um escorpião morto que eu apanhei e instalei no fundo da minha gruta.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 28
"Não fugimos, por mais que queiramos, à fraternidade universal. Amamo-nos todos uns aos outros, e a mentira é o beijo que trocamos"


 Bernardo Soares, Livro do Desassossego.
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