sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

      «Dormíamos com um único cobertor e quando o pavor me acordava à noite, sonhava como seria bom se nunca mais nos levantássemos. Estendia a mão e tocava em Bertha, que se encontrava junto a mim. Aqui estava em segurança; desejava que durasse sempre e que, acordando de vez em quando, repousássemos assim, um perto do outro, durante anos...durante séculos.
       No entanto, esta época foi proveitosa para a minha leitura. Aprendi mais com os livros do que com a universidade. Vivia dia e noite com os filósofos, com os clássicos e também com a Bíblia, como numa montanha com as suas fontes e os seus vales, desde que não estivesse ocupado a redigir anúncios ou à procura de emprego. »


Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 55
«O Estado converteu-se num polvo gigante, de braços múltiplos, que aplica milhares de ventosas. Apenas uma única coisa me agradava mais do que no Leste: nos tempos livres não era preciso marchar atrás da bandeira e gritar «Hurra», podendo-se aqui ler e escrever aquilo que a cada um lhe bem apetecesse.»


Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 54

''olhar decifrador de caracteres''

«Tinha duas irmãs: a Friederike e a Erika. Friederike era uma patinha sem graça, um pouco disforme, de carácter afável e uma dona-de-casa perfeita. Erika era bonita, ficou solteira, e pereceu na queda de Berlim em circunstâncias que prefiro calar.»



Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 49
«O que eu queria estar longe da família, nem que fosse para o campo de trabalho. Só me dava pena a minha mãe, que não sabia quão pouco me conhece. Que depois de eu partir pensará mais vezes em mim do que eu nela.»


Herta Muller. Tudo o que eu tenho trago comigo. Tradução do alemão por Aires Graça. D. Quixote, Lisboa, 2009., p. 14

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013


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Detém o passo, beleza
esquiva, detém o passo.
Quisera beijar a amargura,
amarga flor dos teus lábios.





António Machado. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento.2ª Edição, Edições Cotovia, 1999., p. 27

«Oh, angústia! Pesa e dói o coração...É ela?»

António Machado. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento.2ª Edição, Edições Cotovia, 1999., p. 27

XIV

«Cante Hondo»


  Eu meditava absorto, enovelando
os fios do tédio e da tristeza,
quando chegou aos meus ouvidos,
pela janela do meu quarto, aberta
   a uma ardente noite de Verão,
o carpir de uma copla sonolenta,
quebrada pelos trémulos sombrios
das músicas que há na minha terra.
...E era o Amor, como uma rubra chama...
-Nervosa mão sobre umas cordas tensas
punha um moroso suspirar dourado,
que se tornava num jorrar de estrelas -.
...E era a Morte, de gadanha ao ombro,
passos rasgados, turva e esquelética.
-Tal como em menino eu a sonhava -.
E na guitarra, ressoante e trémula,
a brusca mão, ao dedilhar, fingia
o pousar de um ataúde em terra.
  E era um pranto solitário o sopro
que lança a cinza ao vento e o pó dispersa.



António Machado. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento.2ª Edição, Edições Cotovia, 1999., p. 25
«No meu coração trazia
o espinho de uma paixão;
consegui tirá-lo um dia:
já não sinto o coração.»



António Machado. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento.2ª Edição, Edições Cotovia, 1999., p. 21

The Deep Blue Sea


«Assim, ela e o amor que se lhe dedica não são mais do que uma projecção da fantasia, e do sonho: ama-se o que não existe, o que existe somente na fantasia, no sonho, afinal no desespero. Enganadores? Como Leonor foi longamente amada, e procurada e encontrada depois de não ser, Guiomar será amada antes de ser, e na verdade não será nunca. «Todo o amor é fantasia; /ele inventa o ano, o dia, /a hora e sua melodia; /inventa o amante e, mais, / a amada. Não prova nada, /contra o amor, que a amada/ não tenha havido jamais.» É uma das Canções a Guiomar.
 
 

in Prólogo


António Machado. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento.2ª Edição, Edições Cotovia, 1999

passei a respeitar a distância que existe entre o homem e a sua morte

não exprimir o que se pensa ou sente; reprimir-se; dominar-se

contém In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-12-05].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/pesquisa-global/cont%C3%A9m
>.Muitas vezes, demasiadas vezes até, não exprimo o que  penso ou sinto; reprimo dentro de mim as palavras, numa espécie de mutismo.

contém a melhor definição sobre o amor, que alguma vez encontrei até hoje

De Antonio Machado a su grande y secreto amor



«Em Madrid, o poeta e Pilar de Valderrama começam por encontrar-se nos jardins da Moncloa e depois num café de bairro, modesto e retirado, onde uma vez por semana nos víamos.  […] Fora daquele modesto café não nos víamos nunca, segundo palavras escritas por Pilar de Valderrama.»

arvoredos

boémia inocente

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

«a sua linguagem é talhada numa outra cepa, diferente da plantinha mimada que caracteriza largos sectores da literatura alemã contemporânea.»

Andrea Kohler sobre Herta Muller no Jornal Neue Zürcher

''manteiga campestre salgada''

gadanha

rosto ensanguentado

  «A vila ainda não tinha acordado. Os pássaros cantavam em goteiras, arbustos, árvores, em fios telegráficos, grades, cercas, postes, e mastros molhados, nem por amor nem por alegria, mas para afastar os outros pássaros.»



Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 97

domingo, 1 de dezembro de 2013


Love in the Asylum





 


A stranger has come

To share my room in the house not right in the head,

A girl mad as birds



Bolting the night of the door with her arm her plume.

Strait in the mazed bed

She deludes the heaven-proof house with entering clouds



Yet she deludes with walking the nightmarish room,

At large as the dead,

Or rides the imagined oceans of the male wards.



She has come possessed

Who admits the delusive light through the bouncing wall,

Possessed by the skies



She sleeps in the narrow trough yet she walks the dust

Yet raves at her will

On the madhouse boards worn thin by my walking tears.



And taken by light in her arms at long and dear last

I may without fail

Suffer the first vision that set fire to the stars.
«Uma pomba como uma pétala verde seguiu o voo do corvo. Chuva fria começou a cair.»



Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 86
«Uma rapariga vestida de algodão pôs a boca no ouvido dele. «Levo-te a correr para o mar», disse ela, e os seios saltavam-lhe ao correr à frente dele, o cabelo revolto a esvoaçar, até à orla do mar que não era feito de água e aos seixos miúdos e trovejantes que se despedaçavam em mil bocados quando o mar seco avançava.»


Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 84
«Então ela endireitou as roupas e alisou o cabelo quando o dia começou a morrer, rolou para a esquerda, despreocupada do sol raso e da extensão que escurecia. O rapaz acordou cautelosamente para um sonho mais curioso, uma visão estival mais vasta do que a nuvem negra pousada no centro intacto ao cimo de uma coluna de luz; ele veio do amor atravessando um vento cheio de facas rodopiantes e uma gruta cheia de pássaros brancos-carne até uma nova cumiada, especado como uma pedra que enfrenta as estrelas a soprar e resiste à sem cerimónia do vento marinho, um rapaz duro e zangado em cima dum montículo no meio dum anoitecer campestre; ergueu o peito e disse palavras duras ao mundo.»



Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 81

 
   «Faltava-me um amigo com quem pudesse compartilhar o meu sofrimento e a minha nostalgia, um parceiro de conversa. Sentia falta de Jagello - embora vivêssemos na mesma cidade, encontrávamo-nos mais afastados um do outro do que os antípodas.»



Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 45
«Encontrava-me agora sem emprego e quase sem dinheiro. Era o que se costumava dizer; com pouco valor para viver, mas com demasiado para morrer.»


Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 43

automutilação

«É a pior coisa a seguir ao suicídio, o qual constitui a deserção suprema.»

Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 25

auto-ironia

fetiches lexicais


Ela levantou o vestido até à cintura.

«Ela levantou o vestido até à cintura.
Se ela me for amar até eu morrer, disse para si o rapaz debaixo da sétima árvore no monte que não era o mesmo durante três minutos seguidos, leva-me dentro dela, foge comigo a chocalhar lá dentro para um covil num bosque, para um buraco numa árvore onde o tio nunca me vai encontrar. Isto é uma história dum rapaz a ser roubado. Ela meteu-me uma faca na barriga e deu  a volta ao meu estômago.»


Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 80
«Os longos dedos dela tocaram-lhe as pálpebras. Isto é uma história, disse ele para si, acerca dum rapaz em férias que é beijado por uma montadora de vassouras; ela voou duma árvore para um monte que muda de tamanho como um sapo quando fica irritado; ela afagou-lhe os olhos e pôs o peito contra ele; e depois de o ter amado até ele morrer, levou-o dentro dela para um covil num bosque. »


Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 79
«Como perdizes, os pássaros vulgares caíram em chuva.»


Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 78
«As pernas nuas e trigueiras estavam todas arranhadas, havia manchas de amoras à volta da boca, as unhas estavam negras e partidas, e os dedos espreitavam dos sapatos de borracha.»

Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 77

''Era a chegada da morte no mundo interior.''






Yeah, c'mon
 
When the music's over
When the music's over, yeah
When the music's over, turn out the lights
Turn out the lights, turn out the lights, yeah
 
When the music's over
When the music's over
When the music's over, turn out the lights
Turn out the lights, turn out the lights
 
For the music is your special friend
Dance on fire as it intends
Music is your only friend until the end
Until the end, until the end
 
Cancel my subscription to the Resurrection
Send my credentials to the House of Detention

I got some friends inside
The face in the mirror won't stop
The girl in the window won't drop
A feast of friends, "Alive!" she cried
Waitin' for me outsider
 
Before I sink into the big sleep
I want to hear, I want to hear
The scream of the butterfly
 
Come back baby, back into my arm
We're gettin' tired of hangin' around
Waitin' around with our heads to the ground
 
I hear a very gentle sound
Very near yet very far
Very soft, yeah, very clear
Come today, come today
What have they done to the earth?

 What have they done to our fair sister?
Ravaged and plundered and ripped her and bit her
Stuck her with knives in the side of the dawn
And tied her with fences and dragged her down
 
I hear a very gentle sound
With your ear down to the ground
We want the world and we want it
We want the world and we want it now
Now, now
 
Persian night, babe
See the light, babe
Save us, Jesus, save us
So when the music's over

 When the music's over, yeah
When the music's over turn out the lights
Turn out the lights, turn out the lights
 
Well the music is your special friend
Dance on fire as it intends
Music is your only friend until the end
Until the end, until the end


''o anticristo vindo duma chama do mar''

«Dei-lhe o meu ácido e ele morreu», disse o médico. «E, dez minutos depois, a galinha morta pôs-se em pé; esfregou-se contra o vidro como um gato, e vi a sua cabeça de gato. Foi morte de dez minutos.»


Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 69
«Leio muito, talvez até demais, desde que a minha preocupação me oprime. Isto contribui igualmente para o enfraquecimento; primeiro a preocupação, depois as insónias, tornando-se estas por sua vez, a preocupação capital. Como se encontram ligados os elos da corrente?»


Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 16
«Depois de me levantar, observo-me ao espelho a fim de determinar a minha identidade, de me certificar de que ainda sou eu.»

Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 14
«Sou conservador por nascimento e inclinação e, mais ainda, por comodismo.»

Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 13
«Não sou poeta, tenho de o reconhecer apesar de ser capaz de exprimir «o que sofro» - em boa verdade, apenas em monólogo. Seja o que for «exprimir» é a palavra adequada que resulta sempre.»


Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 12
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