quarta-feira, 1 de maio de 2013
«Um estranho tem sempre
a pátria nos braços
como uma órfã
para a qual talvez nada mais
busque do que uma sepultura.»
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 155
Caçador
a minha constelação
aponta
a ponto secreto do sangue: desassossego...
e o passo voa sem asilo -
Mas o vento não é uma casa
lambe apenas como os bichos
as feridas do corpo -
Como se há de puxar o tempo
dos fios de ouro do Sol?
Enrolá-lo
pra o casulo da borboleta-da-seda
Noite?
Ó escuridão
estende a tua mensagem
só por um bater de pestanas:
Repouso na fuga.
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 147
Isto é o hálito escuro
de Sodoma
e a carga
de Nínive
pousada
junto à ferida aberta
da nossa porta.
Isto é a Escrita sagrada
em fuga pela terra
trepando ao céu
com todas as letras,
escondendo a emplumada
ventura num favo de mel.
Isto é o negro Laocoonte
lançando à nossa pálpebra
perfurando milénios
a retorcida árvore da dor
rebentando na nossa pupila.
Isto são dedos inteiriçados em sal
gotejando lágrimas na oração.
Isto é a Sua causa marinha
recolhida
para a cápsula marulhante dos mistérios.
Isto é o nosso refluxo
Constelação da dor
da nossa areia a desfazer-se
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 145/6
de Sodoma
e a carga
de Nínive
pousada
junto à ferida aberta
da nossa porta.
Isto é a Escrita sagrada
em fuga pela terra
trepando ao céu
com todas as letras,
escondendo a emplumada
ventura num favo de mel.
Isto é o negro Laocoonte
lançando à nossa pálpebra
perfurando milénios
a retorcida árvore da dor
rebentando na nossa pupila.
Isto são dedos inteiriçados em sal
gotejando lágrimas na oração.
Isto é a Sua causa marinha
recolhida
para a cápsula marulhante dos mistérios.
Isto é o nosso refluxo
Constelação da dor
da nossa areia a desfazer-se
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 145/6
«Numa curva do rio ouvimos um acordeão.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 364
Chegou mesmo a fazer-me uma espécie de cena...
«Que era séria...Que era uma vergonha da minha parte...Que eu tinha uma pavorosa opinião a seu respeito...Que isso não, porque só era comigo e mais ninguém!...Que eu a desprezava...Que os homens eram todos uns sujos...»
Enfim, o que elas, as mulheres, dizem todas em casos destes. Era de esperar. Poeira nos olhos. Para mim, o mais importante é que tivesse escutado bem os meus conselhos e retido o essencial. O resto não tinha importância nenhuma.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 362
«(...) Uma vez por outra, Madelon e eu arranjávamos os nossos momentos antes do jantar, no seu quarto. Mas não eram fáceis de combinar, as entrevistas. Não falávamos delas. Éramos o que havia de mais discreto.
Com isto não deve imaginar-se que não amava o seu Robinson. Não tinha nada a ver uma coisa com a outra. O caso é que ele brincava aos noivados enquanto ela, naturalmente, ia brincando às fidelidades. Era este o sentimento que entre eles existia. Nestes casos, tudo vai de se entenderem. Ele estava à espera de casar para lhe tocar, e a mim o para-já. Falara-me aliás de um projecto que também tinha, estabelecer-se com um restaurante mais ela, e largar a velha Henrouille. Tudo muito a sério, claro. «É graciosa, há-de agradar à clientela», previa nos seus melhores momentos. «E de resto provaste-lhe a cozinha, hem? Não teme seja quem for quanto à paparoca!»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 360
«A vida é muitíssimo curta. Não desejaríamos ser injustos para ninguém. Sentimos escrúpulos, hesitamos em julgar tudo isto de repente, e sobretudo tememos que seja preciso morrer enquanto hesitamos, porque então teríamos vindo ao mundo para absolutamente nada. O pior dos piores.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 349
«Se vivêssemos muito tempo, deixaríamos de poder respirar. Os verdadeiros abortos, os que estão nos museus, conseguem pôr as pessoas doentes e prestes a vomitar só de os verem. As nossas tentativas para sermos felizes, bem nossas mas muito ascorosas, são capazes de nos deixar doentes por serem assim tão falhadas, e isto muito antes de morrermos de vez.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 348
***
«Os jovens, que pressa têm de fazer amor, como são rápidos a deitar a mão a tudo aquilo que lhes fazemos crer que os diverte, quando se trata de sensações nem olham para trás. Fazem lembrar aqueles viajantes que devoram tudo quanto lhes oferecem no bufete da estação, entre dois apitos. Desde que se forneçam aos jovens as duas ou três canções que servem para puxar as conversas da foda, isso basta e é vê-los todos contentes. São de alegria fácil, os jovens, é bem verdade que gozam quanto querem!»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 345
Tomamos tudo por desgostos de amor, quando somos jovens
«Tomamos tudo por desgostos de amor, quando somos jovens e ainda não sabemos...
Where I go...where I look...
It's only for you... u....
Only for you... u...»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 333
domingo, 28 de abril de 2013
«Não andes mais. Tudo o resto é dor e mentira. O fim é aqui.»
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 111
« - Estas águas rumorejantes, disse Neville, sobre as quais construímos as nossas loucas plataformas, são, apesar de tudo, mais estáveis que os gritos selvagens, inconsequentes e frágeis que soltamos quando tentamos falar, quando raciocinamos e pronunciamos do género «eu sou isto...eu sou aquilo». A linguagem mente.
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 110
«Em que pegadas
hei-de eu buscar a poesia do teu sangue?»
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 136
«Prontas a levar na mala o último
peso de melancolia, este casulo de borboleta,
em cujas asas um dia levarão
a viagem ao fim.»
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 129
''e a pedra dançando transforma
em música o seu pó.''
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 127
Quem sabe onde as estrelas estão
na ordem da magnificiência do Criador
e onde a paz começa
e se na tragédia da Terra
a guelra rasgada e sangrenta do peixe
está destinada
a completar o seu vermelho-rubi
a constelação Martírio,
a escrever a primeira
letra da língua sem palavras -
Por certo possui o amor olhar
que repassa ossadas como um relâmpago
e acompanha os mortos
para além do alento -
mas onde os rendidos
depõem a sua riqueza,
é desconhecido.
As framboesas traem-se no mais negro bosque
pelo seu perfume,
mas a carga-de-alma deposta dos mortos
não se trai a nenhuma busca -
e bem pode alada
entre cimento ou átomos tremer
ou sempre ali
onde ficou esquecido
um lugar pra o pulsar de um coração.
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 122/3
«O verdugo
na escuridão carregada de culpa
escondeu o dedo fundo
no cabelo do recém-nascido
que deita rebentos já há anos-luz
pra céus não sonhados.»
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 120
na escuridão carregada de culpa
escondeu o dedo fundo
no cabelo do recém-nascido
que deita rebentos já há anos-luz
pra céus não sonhados.»
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 120
(...)
Povos da Terra
vós, que com a força dos desconhecidos
astros vos envolveis como carrinhos de linhas,
que coseis e de novo descoseis o que cosestes,
que entrais na confusão das línguas
como em cortiços de abelhas,
para no doce picardes
e serdes picados -
Povos da Terra,
não destruais o Universo das Palavras,
não corteis com as facas do ódio
o som que nasceu ao mesmo tempo que o hálito.
Povos da Terra,
Oh, que ninguém queira dizer Morte quando diz Vida -
e ninguém Sangue, quando diz Berço -
Povos da Terra,
deixai as palavras ao pé da sua fonte,
pois são elas que podem levar
os horizontes até aos céus verdadeiros
e desviadas de lado
como uma máscara atrás da qual boceja a noite
ajudar as estrelas a parir -
Já hoje exercitamos a morte de manhã
quando ainda o morrer velho murcha em nós -
O medo da humanidade de não resistir -
Ó habituação da morte até adentro de sonhos
onde andaime de noite cai em cacos negros
e lua de osso brilha nas ruínas -
Õ medo da humanidade de não resistir -
Que é dos suaves açoitados
Anjos-calma, que a fonte oculta
nos tocaram, que do cansaço
corre pra o morrer?
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 114/5
Povos da Terra
vós, que com a força dos desconhecidos
astros vos envolveis como carrinhos de linhas,
que coseis e de novo descoseis o que cosestes,
que entrais na confusão das línguas
como em cortiços de abelhas,
para no doce picardes
e serdes picados -
Povos da Terra,
não destruais o Universo das Palavras,
não corteis com as facas do ódio
o som que nasceu ao mesmo tempo que o hálito.
Povos da Terra,
Oh, que ninguém queira dizer Morte quando diz Vida -
e ninguém Sangue, quando diz Berço -
Povos da Terra,
deixai as palavras ao pé da sua fonte,
pois são elas que podem levar
os horizontes até aos céus verdadeiros
e desviadas de lado
como uma máscara atrás da qual boceja a noite
ajudar as estrelas a parir -
Já hoje exercitamos a morte de manhã
quando ainda o morrer velho murcha em nós -
O medo da humanidade de não resistir -
Ó habituação da morte até adentro de sonhos
onde andaime de noite cai em cacos negros
e lua de osso brilha nas ruínas -
Õ medo da humanidade de não resistir -
Que é dos suaves açoitados
Anjos-calma, que a fonte oculta
nos tocaram, que do cansaço
corre pra o morrer?
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 114/5
«Se o sentimento religioso morre, fazendo desaparecer a via mística do conhecimento, se a razão abre falência, na crise do positivismo, do idealismo germânico e, de um modo geral, das conglomerações de ideias tendentes e eternizar e a universalizar os conceitos, o homem vê-se então perdido num universo onde tudo lhe é estranho e cuja linguagem não entende. O homem é um estrangeiro em terra alheia e, ignorando o código por que deve comportar-se, não pode senão comportar-se sem código ou por um código interior. É o tema de O Estrangeiro.»
In Prefácio, António Quadros
Albert Camus. Os Justos. Prefácio António Quadros. Edição Livros do Brasil, Lisboa., p. 18/9
Etiquetas:
Albert Camus,
antónio quadros,
o estrangeiro
Albert Camus
«Albert Camus impôs-se-me antes de mais nada como um dos poucos escritores sérios da nossa época (não são tantos, os escritores sérios, como o dá a entender a «bibliografia da fama literária»...) Escritor sério porque, para ele, a literatura não era um jogo, um pretexto para a afirmação pessoal, um meio de atingir a glória, uma actividade gratuita e sem responsabilidade no próprio destino do mundo ou ainda uma forma de enfeudamento às suspeitas forças de uma sociedade egolátrica ou desviada do seu mais fundo sentido criador. É este o ponto culminante do parentesco que me sinto com Albert Camus.»
In Prefácio, António Quadros
Albert Camus. Os Justos. Prefácio António Quadros. Edição Livros do Brasil, Lisboa., p. 14
sábado, 27 de abril de 2013
'' (...) e a noite desfez-se em lágrimas''
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 108
Subscrever:
Mensagens (Atom)