Mostrar mensagens com a etiqueta Nelly Sachs. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Nelly Sachs. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 31 de julho de 2024

CORO DOS ÓRFÃOS


Nós, órfãos,
Queixamo-nos do mundo:
Deceparam nosso ramo
E lançaram-no ao fogo –
Transformaram em lenha quem nos protegia –
Nós, órfãos, jazemos nos campos da solidão.
Nós, órfãos,
Queixamo-nos do mundo:
Na noite nossos pais brincam conosco de esconde-esconde –
Por detrás das negras dobras da noite
Fitam-nos seus rostos,
Falam suas bocas:
Fomos lenha seca na mão de um lenhador –
Mas nossos olhos tornaram-se olhos de anjos
E olham para vós,
Por entre as negras dobras da noite
Eles olham –


Nós, órfãos,
Queixamo-nos do mundo:
Pedras tornaram-se nosso brinquedo,
Pedras têm rostos, rostos de pai e mãe,
Não murcham como flores, não mordem como bichos –
E não ardem como lenha seca quando lançadas no forno –
Nós, órfãos, queixamo-nos do mundo:
Mundo por que nos tiraste as ternas mães
E os pais que dizem: Tu te pareces comigo!
Nós, órfãos, não nos parecemos com ninguém mais no mundo!
Ó Mundo,
Nós te acusamos!

Nelly Sachs, German–Swedish poet

EM MEU QUARTO


Em meu quarto,
onde fica minha cama
uma mesa uma cadeira
o fogão
o universo está ajoelhado como em toda parte
para ser salvo
da invisibilidade –
Eu traço uma linha
escrevo o alfabeto
pinto o lema suicida na parede
de onde brotam imediatamente os renascimentos
já prendo as constelações à verdade
então a terra começa a martelar
a noite se afrouxa
desprende-se
dente morto da dentadura –

Nelly Sachs, German–Swedish poet

domingo, 12 de maio de 2013

Todas as terras enraízaram seus grandes
medos debaixo dos meus pés
e eles pendem poços-de-corda pesados e velhíssimos
enchendo sempre a transbordar a noite
a palavra mortífera -

Assim não posso eu viver
só na queda -



Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 228

II

Visões de crepúsculo
Coisas perdidas dos mortos
também nós deixamos
o mais solitário de nós aos recém-nascidos -


Um volta-se
e olha pra o deserto -
a alucinação abre
a parede do ermo solar
onde um par de avós
fala a língua do pó descoberto
longe como voz de búzio sob o selo -

Trememos de frio
e lutamos com o passo próximo
pra o futuro -



Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 225

Sempre de novo dilúvio novo
com as letras arrancadas a tormentos
os peixes falando presos ao anzol
para no esqueleto do sal
fazerem legível a ferida -

Sempre de novo aprender a morrer
pela vida velha
Fuga pela porta de ar
pra buscar pecado novo de planetas dormentes
Exercício extremo no velho elemento do respirar
assustado com a nova morte
Pra onde vai a lágrima
Se a Terra desapareceu?




Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 223

''Vide que dá seu vinho à chama''

''Deserdaddos nós choramos o pó -''

«Não fazer nada
visível murchar
As minhas mãos pertencem a um bater de asas roubado
Com elas vou cosendo um buraco
mas elas suspiram junto a este abismo aberto - »



Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 197
«No Norte azul da rosa-dos-ventos
vigilante à noite
já um botão de Morte sobre as pálpebras

caminhando para a fonte -»




Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 192

Ela dança -
mas com um grande peso -
Porque dança ela com um grande peso?
Ela quer ser inconsolável -

Gemendo vai puxando o seu amado
pelos cabelos da fundura do Oceano
Hábito de inquietação sopra
sobre as traves salvadoras dos seus braços
Um peixe sofredor estrebucha sem fala
com o seu amor -

Mas de repente
pela nuca
o sono dobra-a para diante -

Libertos
são Vida -
são Morte -



Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 184

''as idades da noite''


«Fundo-escuro é a cor da nostalgia sempre
assim a noite toma
de novo de mim posse.»



Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 164

''unicórnio-dor''

Morte
Cântico do mar
banhando-me o corpo em volta
uva salgada
a atrair sede na minha boca -

Feres as cordas das minhas veias
até que elas cantando rebentam
desabrochando das chagas
pra tocar a música do meu amor -

Os teus horizontes em leque desdobrados
com a coroa dentada do morrer
já posta em volta do teu pescoço
o ritual de partida
com o som regougado da respiração
começado
abandonaste como um sedutor
antes do casamento a vítima enfeitiçada
despida quase já até à areia
expulsa
de dois reinos
já só suspiros
entre noite e noite -


Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 160

quarta-feira, 1 de maio de 2013



«Um estranho tem sempre
a pátria nos braços
como uma órfã
para a qual talvez nada mais
busque do que uma sepultura.» 




Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 155

Caçador
a minha constelação
aponta
a ponto secreto do sangue: desassossego...
e o passo voa sem asilo -

Mas o vento não é uma casa
lambe apenas como os bichos
as feridas do corpo -

Como se há de puxar o tempo
dos fios de ouro do Sol?
Enrolá-lo
pra o casulo da borboleta-da-seda
Noite?

Ó escuridão
estende a tua mensagem
só por um bater de pestanas:

Repouso na fuga.




Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 147
Isto é o hálito escuro
de Sodoma
e a carga
de Nínive
pousada
junto à ferida aberta
da nossa porta.

Isto é a Escrita sagrada
em fuga pela terra
trepando ao céu
com todas as letras,
escondendo a emplumada
ventura num favo de mel.

Isto é o negro Laocoonte
lançando à nossa pálpebra
perfurando milénios
a retorcida árvore da dor
rebentando na nossa pupila.

Isto são dedos inteiriçados em sal
gotejando lágrimas na oração.

Isto é a Sua causa marinha
recolhida
para a cápsula marulhante dos mistérios.

Isto é o nosso refluxo
Constelação da dor
da nossa areia a desfazer-se





Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 145/6

domingo, 28 de abril de 2013


«Em que pegadas
hei-de eu buscar a poesia do teu  sangue?»




Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 136

«Prontas a levar na mala o último
peso de melancolia, este casulo de borboleta,
em cujas asas um dia levarão
a viagem ao fim.»  




Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 129



''e a pedra dançando transforma
em música o seu pó.''



Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 127
Powered By Blogger