domingo, 5 de fevereiro de 2023

Acerca do sofrimento, nunca se enganaram
Os Velhos Mestres: quão bem entenderam
A condição humana; como está presente
Enquanto alguém se alimenta ou abre uma janela ou monotonamente segue a caminhar;
Como, enquanto os velhos esperam apaixonada e reverentemente
Pelo miraculoso nascimento, deve sempre haver
Crianças que não queriam especialmente que acontecesse, patinando
Num lago na orla da floresta:
Nunca esqueceram
Que até o mais terrível martírio deve seguir o seu curso,
Custe o que custar, a um canto, nalgum lugar descuidado
Onde os canídeos acorrem em suas vidas de cão, e o cavalo do torturador
Coça seu inocente traseiro por detrás de uma árvore.

No Ícaro de Brueghel, por exemplo: como tudo se afasta
Ociosamente do desastre; o lavrador poderá
Ter ouvido o splash, o grito desamparado,
Mas para ele não era um importante fracasso; o sol brilhou
Como soía sobre as pernas brancas que desapareceram na verde
Água; e o frágil e grandioso navio que deve ter avistado
Algo espantoso, um rapaz caindo do céu,
Tinha um destino para ir e afastou-se calmamente.

João Luís Barreto Guimarães
“Musée des Beaux Arts”, de W. H. Auden




Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava […]



“Muriel”, de Ruy Belo

 Quando é que passará esta noite interna, o universo,

E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!

Fernando Pessoa

sábado, 4 de fevereiro de 2023

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

''Hábitos nem dá-los nem tirá-los.''

Ernesto de Sousa e Isabel Alves, 1972. Fotografia de Ângelo de Sousa.

 

Sobre um poema, Herberto Helder


Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

O livro, de Gonçalo M.Tavares


De manhã, quando passei à frente da loja
o cão ladrou
e só não me atacou com raiva porque a corrente de ferro
o impediu.
Ao fim da tarde,
depois de ler em voz baixa poemas numa cadeira preguiçosa do
jardim
regressei pelo mesmo caminho
e o cão não me ladrou porque estava morto,
e as moscas e o ar já haviam percebido
a diferença entre um cadáver e o sono.
Ensinam-me a piedade e a compaixão
mas que posso fazer se tenho um corpo?
A minha primeira imagem foi pensar em
pontapeá-lo, a ele e às moscas, e gritar:
Venci-te.
Continuei o caminho,
o livro de poesia debaixo do braço.
Só mais tarde pensei ao entrar em casa:
não deve ser bom ter ainda a corrente
de ferro em redor do pescoço
depois de morto.
E ao sentir a minha memória lembrar-se do coração,
esbocei um sorriso, satisfeito.
Esta alegria foi momentânea,
olhei à volta:
tinha perdido o livro de poesia.

O recreio, de Mário de Sá-Carneiro


Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar ---
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar...

- E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar...

Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada...

- Cá por mim não mudo a corda,
Seria grande estopada...

Se o indez morre, deixá-lo...
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca... Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive...

- Mudar a corda era fácil...
Tal ideia nunca tive...

Em todos os jardins, Sophia de Mello Breyner


Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Morrer de amor, de Maria Teresa Horta



Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso

Aniversário, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)



No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

domingo, 29 de janeiro de 2023

Glory (Remastered)

 «(...) enxugarem na fronte o suor da morte.»

Mark Twain. Aventuras de Tom Sawyer. Círculo de Leitores., p.30



Dorothy Wilding -The Silver Turban , nude study, serie » hidden face » # 3 ,1928 

 William Hustler and Georgina Hustler

 '' «(...) trabalho consiste em tudo o que se ó obrigado a fazer e que prazer consiste naquilo que se não é obrigado a fazer.»

Mark Twain. Aventuras de Tom Sawyer. Círculo de Leitores., p.22

 « Descobrira, sem o saber, uma grande lei que rege a Humanidade e que é: para se conseguir um homem ou um rapaz cobice uma coisa,  basta tornar essa coisa difícil de obter.» 

Mark Twain. Aventuras de Tom Sawyer. Círculo de Leitores., p.22

 «Diz coisas horríveis, mas o que ela diz não faz doer, pelo menos quando não grita.»

Mark Twain. Aventuras de Tom Sawyer. Círculo de Leitores., p.16

alfarrobeiras

 «A vida parecia-lhe oca e a existência nada mais do que um fardo.»

Mark Twain. Aventuras de Tom Sawyer. Círculo de Leitores., p. 15

 « - Que diabo de rapaz! Eu nunca hei-de aprender? Com tantas partidas como esta que me tem feito, já devia calcular onde ele poderia estar.  Mas quanto mais velha mais tola, é o caso.»

Mark Twain. Aventuras de Tom Sawyer. Círculo de Leitores

O coração, se pudesse pensar, pararia.



"Nasci num tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido — sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus. Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem veem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como ele, nem aceitei nunca a Humanidade. Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não significando mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal. Este culto da Humanidade, com seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeças de animais. Assim, não sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais, fiquei, como outros da orla das gentes, naquela distância de tudo a que comummente se chama a Decadência. A Decadência e a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia."
 
Livro do Desassossego, Bernardo Soares

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023


 

 Para ele [Wittgenstein] a riqueza está aqui, na proximidade, à nossa mão, diante de nós, não é preciso descer à mina para encontrar gemas desconhecidas. E como captá-la? Através de um olhar atento, incansável, um olhar que se esforça por reconhecer nas coisas o seu gesto próprio, a fim de lhe fazer justiça. Eis o mais difícil: ver o que está diante dos nossos olhos.

tanto na filosofia como na arquitetura, segundo Wittgenstein, a atenção deve incidir “Sobre o seu próprio modo de ver. Sobre o modo como vemos as coisas. (E o que esperamos delas).”



No hay alivio más grande que comenzar a ser lo que es.

Alejandro Jodorowsky

de-more-mo-nos

''Não há nada de essencial no interior que não seja apercebido ao mesmo tempo no exterior.''

''Quanto mais formos, mais se É.''

sábado, 14 de janeiro de 2023

Precisava de alguns conselhos.

 « - Precisava de alguns conselhos. As pessoas só os aceitam quando eles coincidem com aquilo que querem fazer.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 145

 «When you're born you get a ticket to the freak show. When you're born in America, you get a front row seat.»

   George Carlin

aportuguesamento

Jeff Beck - Women of Ireland

sábado, 7 de janeiro de 2023

gatismo



Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles is a 1975 film written and directed by Belgian filmmaker Chantal Akerman.

 

 «Escondia a sua erudição por detrás de expressões eivadas de calão, numa linguagem de iletrado, atrevida e rude.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 147

coriáceo

«Ele não se interessa por mim senão na medida em que possa ser-lhe útil.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 140

« Quando está desconcertada ou perplexa, Mary vomita a sua cólera como um polvo vomita a sua tinta para se esconder do inimigo.

- Tu dás cabo de mim. Não podes deixar que os outros tenham um pouco de alegria.

- Não é nada disso, minha querida. Tenho medo da tristeza desesperada, do receio que o dinheiro engendra, da falta de segurança e da inveja.

   Ela deveria ter sentido inconscientemente o mesmo temor. Experimentou ferir-me, procurou um ponto sensível, e encontrou-o.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 129

''mesmização da cidadania''

alienação

 « Não deixes que a fortuna estrague a doçura da nossa pobreza.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 128

Cambraia de Laise Branco e Bege


 

 «Sê-lo-emos bem depressa, e tu, que tão mal usas a pobreza, usarás muito pior a riqueza.» E isto é verdade. Pobre, ela é invejosa. Rica, será desprezível. O dinheiro não cura a doença. Só modifica os sintomas.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 116

 «Ostentação puramente mundana, marcada pelo desejo surdo, suplicante, de ser notado e considerado.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 115

Agora Só Falta Você

 Um belo dia resolvi mudar

E fazer tudo o que eu queria fazerMe libertei daquela vida vulgarQue eu levava estando junto a você
E em tudo o que eu façoExiste um porquêEu sei que eu nasciSei que eu nasci pra saber
E fui andando sem pensar em voltarE sem ligar pro que me aconteceuUm belo dia vou lhe telefonarPra lhe dizer que aquele sonho cresceu
No ar que eu respiroEu sinto prazerDe ser quem eu souDe estar onde estouAgora só falta vocêAgora só falta vocêAgora só falta vocêAgora só falta você
E fui andando sem pensar em voltarE sem ligar pro que me aconteceuUm belo dia vou lhe telefonarPra lhe dizer que aquele sonho cresceu
No ar que eu respiroEu sinto prazerDe ser quem eu souDe estar onde estouAgora só falta você
Agora só falta vocêAgora só falta vocêAgora só falta você


 

''litania monótona''

 


John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 115

''tenho cicatrizes morais''

 John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 108

«O sucesso exige coragem.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 107

cavername

 «Pode supor-se que nas caves sombrias e ignoradas do espírito um júri composto de seres sem rosto reúne para deliberar.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 101

Saudadinha



Ó Tirana saudade
Ó Tirana saudade
Ó Tirana saudade
Saudade, ó minha saudadinha
Foste nada no Faial
Foste nada no Faial
Foste nada no Faial
No Faial baptizada na Achadinha

Saudade onde tu fores
Saudade onde tu fores
Saudade onde tu fores
Saudade leva-me podendo ser
Que eu quero ir acabar
Que eu quero ir acabar
Que eu quero ir acabar
Saudade onde tu foras morrer


A saudade é um luto
A saudade é um luto
A saudade é um luto
Um amor, um amor, uma paixão
É um cortinado roxo
É um cortinado roxo
É um cortinado roxo
Que me morde, que me morde o coração.

José Afonso

domingo, 25 de dezembro de 2022


                                                                                                 Dara Scully


Carlos do Carmo - Estrela da Tarde


Era a tarde mais longa de todas as tardesQue me aconteciaEu esperava por ti, tu não vinhasTardavas e eu entardeciaEra tarde, tão tarde, que a bocaTardando-lhe o beijo, mordiaQuando à boca da noite surgisteNa tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhamos tardamos no beijoQue a boca pediaE na tarde ficamos unidos ardendo na luzQue morriaEm nós dois nessa tarde em que tantoTardaste o sol amanheciaEra tarde demais para haver outra noitePara haver outro dia
Meu amor, meu amorMinha estrela da tardeQue o luar te amanheçaE o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amorEu não tenho a certezaSe tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amorEu não tenho a certeza
Foi a noite mais bela de todas as noitesQue me adormeceramDos noturnos silêncios que à noiteDe aromas e beijos se encheramFoi a noite em que os nossos doisCorpos cansados não adormeceramE da estrada mais linda da noiteUma festa de fogo fizeram
Foram noites e noites que numa só noiteNos aconteceramEra o dia da noite de todas as noitesQue nos precederamEra a noite mais clara daquelesQue à noite amando se deramE entre os braços da noite de tantoSe amarem, vivendo morreram
Meu amor, meu amorMinha estrela da tardeQue o luar te amanheçaE o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amorEu não tenho a certezaSe tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amorEu não tenho a certeza
Eu não sei, meu amor, se o que digoÉ ternura, se é riso, ou se é prantoÉ por ti que adormeço e acordoE acordado recordo no cantoEssa tarde em que tarde surgisteDum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despidaDe mágoa e de espantoMeu amor, nunca é tarde nem cedoPara quem se quer tanto
Compositores: Ary Dos Santos / Fernando Tordo

 « - Uma pequena esperança, mesmo uma esperança sem esperança, não prejudica ninguém - disse eu.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 92

 « Somos todos, ou quase todos, os pupilos daquela ciência do século XIX que nega a existência de tudo o que não se sabe medir ou explicar.»


John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 84

 « O reu diz os seus segredos a um poço e eles ficam sem segurança. Quem confia os segredos ou uma história, deve contar com a pessoa que o escuta ou lê, pois uma história tem tantas versões como leitores. Cada um toma dela o que quer ou o que pode, talhando-a assim à sua própria medida. Alguns aceitam uma parte e rejeitam o resto; outros passam-na à peneira dos seus conceitos, outros ainda transformam-na a seu  bel-prazer.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 84

"OPERÁRIOS DO NATAL" 1978


 

 

Quem faz o Natal para todos nós? São os amigos
Quem nos dá prazer e dá calor? São os amigos
A quem é que damos a ternura? É aos amigos
A quem é que damos o melhor? É aos amigos

Os amigos são o nosso bolo de Natal
Cada amigo nosso vale mais que um Pai Natal
É um irmão nosso que trabalha no Natal
E com suas mãos faz a diferença do Natal

O dinheiro pouco importa
O que importa é a verdade
E a prenda mais valiosa
É a prenda da amizade

Quem faz das tristezas forças
E das forças alegrias
Constrói à força de Amor
Um Natal todos os dias. 

"Os Operários do Natal" - textos de Ary dos Santos e Joaquim Pessoa

 «A beleza está à flor da pele e deve vir do interior.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 82

''manias nacionais''

 «Como se consegue que um joão-ninguém qualquer massacre outros homens numa guerra?»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 70

 «Mary...ouves-me? Que és tu lá por dentro?»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 63

domingo, 18 de dezembro de 2022

Maria Callas - 50 Most Beautiful Opera Arias


Anne Brigman (née Nott; December 3, 1869 – February 8, 1950) was an American photographer

 

« O homem grego não teme o nu. O nu é para ele simultaneamente natural e sagrado.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 463

 «(...), um espaço vazio que é o espaço da sua respiração.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 457

 «Os Kouros ensina uma poética - uma arte do ser. Diz-nos que só estando poeticamente no mundo, estamos realmente no mundo.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 456

« Neles a beleza é directamente moral.»

Kouroi Dóricos

Sophia de Mello Breyner Andresen. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 454

 « O tempo apodreceu e desfez estátuas mais antigas, feitas de madeira, os xoana. Apenas podemos ver na Hera de Samos, cujo longo corpo cilíndrico sobe do chão como um tronco de uma árvores, uma obra que conserva na pedra a forma que a madeira impunha aos xoana.


Sophia de Mello Breyner Andresen. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 452

terça-feira, 13 de dezembro de 2022


                                                                     Dara Scully

ROSALÍA - Por Mi Puerta No Lo Pasen

En la verde oliva canta, ay que cantaEn la verde olivaEn la verde oliva canta, ay qué cantaEn la verde oliva
Qué pájaro sería aquelQue canta en la verde olivaCorre y dile que se calleQue su cante me lastima, correY dile que se calleQue su cante me lastima
Tú seras mi prenda queridaTú seras mi prenda adoradaTu seras el pájaro cucoQue alegre canta en la madruga
Ay que te quieroCuanto te quieroCuanto te quieroSin ti mi almaPa' que la quiero
Y por mi puerta no la pasenNo la pasen por mi puertaY por mi puerta no la pasen no laPasen por mi puerta
Ya yo he dicho que tu entierroNo lo pasen por mi puertaPorque mirarte no quieroA la carita ni viva ni muerta
Ya yo he dicho que tu entierroNo lo pasen por mi puertaPorque mirarte no quieroNi a la carita ni viva ni muerta
Las entrañas mías, por ti las daréQue yo me encuentro paga'oCon que tu me cameles bien

 Diz Heraclito de Éfeso:

«Não compreendem que o que se opõe se reúne em si mesmo: harmonia de tensões opostas, como a do arco e da lira.»

 « O homem cai com fragor e as suas armas ressoam sobre ele.»

Homero, Ilíada (C.V., 42)

escrita hierática

« O homem grego é o homem da tragédia e da catharsis.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 447


                                                                                                 Dara Scully

 «(...), o mal é a queda do ser no não-ser.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 446

«Pois antes de tudo era o chaos.»

 Hesíodo

 «Porque sabem que o chaos é abismo hiante.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 446

relação chaos-Kosmos

 « O que o homem grego espera do poeta, do pintor, do escultor, do arquitecto e do músico é que lhe revele o divino.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 444

ROSALÍA - GRANAÍNA


                                                                            Dara Scully

 « Como os poetas nos recomendam o homem não deve, porque é

homem, pensar apenas nas coisas humanas, nem porque é mortal,

pensar apenas nas coisas mortais: o homem deve, na medida das

suas possibilidades, viver uma vida divina.»


Aristóteles, Ética a Nicómaco (X.7. 1177 B 30)

 « Mas o pensamento grego crê na aletheia , crê no não coberto, no não-oculto, procura o homem não-coberto, nu.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 441

 « O nu é uma invenção grega.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 441

 « - É aqui que vocês moram?

Gela olhou-o de frente:

- Nós não moramos aqui nem em nenhum outro lugar - disse ela - nós não moramos, nós vamos.»


 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 433

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Lana Del Rey - Did you know that there's a tunnel under Ocean Boulevard


Did you know that there's a tunnel under Ocean Boulevard?Mosaic ceilings, painted tiles on the wallI can't help but feel somewhat like my body marred my soulHandmade beauty, sealed up by two man-made wallsAnd I'm like
When's it gonna be my turn?When's it gonna be my turn?Open me up, tell me you like itFuck me to death, love me until I love myselfThere's a tunnel under Ocean BoulevardThere's a tunnel under Ocean Boulevard
There's a girl that sings Hotel CaliforniaNot because she loves the notes or sounds that sound like FloridaIt's because she's in a world preserved, only a few have found the doorIt's like Camarillo, only silver mirrors running down the corridorOh, man
When's it gonna be my turn?Don't forget meWhen's it gonna be my turn?Open me up, tell me you like meFuck me to death, love me until I love myselfThere's a tunnel under Ocean BoulevardDon't forget meThere's a tunnel under Ocean Boulevard
Harry Nilsson has a song, his voice breaks at 2:05Something about the way he says, "Don't forget me"Makes me feel likeI just wish I had a friend like him, someone to give me fireLeaning in my back, whispering in my ear, "Come on, baby, you can thrive"But I can't
When's it gonna be my turn?Don't forget meWhen it's gonna be my turn?Open me up, tell me you like itFuck me to death, love me until I love myselfThere's a tunnel under Ocean Boulevard
Don't forget meLike the tunnel under Ocean BoulevardDon't forget meLike the tunnel under Ocean BoulevardDon't forget meLike the tunnel under Ocean Boulevard
Don't forget me, don't forget meNo, no, no, don't forget meDon't you, don't you forget me (no, oh)

De Amor nada Mais Resta que um Outubro

                                               De amor nada mais resta que um Outubro

e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.


Natália Correia

Cântico do País Emerso

 

Os previdentes e os presidentes tomam de ponta
Os inocentes que têm pressa de voar
Os revoltados fazem de conta fazem de conta...
Os revoltantes fazem as contas de somar.

Embebo-me na solidão como uma esponja
Por becos que me conduzem a hospitais.
O medo é um tenente que faz a ronda
E a ronda abre sepulcros fecha portais;

Os edifícios são malefícios da conjura
Municipal de um desalento e de uma Porta.
Salvo a ranhura para sair o funeral
Não há inquilinos nos edifícios vistos por fora

Que é dos meninos com cataventos na aérea
Arquitetura de gargalhadas em cornucópia?
Almas bovinas acomodadas à matéria
Pastam na erva entre as ruínas da memória,

Homens por dentro abandalhados em unhas sujas
Que desleixaram seu coração num bengaleiro;
Mulheres corujas seriam gregas não fossem as negras
Nódoas deixadas na sua carne pelo dinheiro;

Jovens alheios à pulcritude do corpo em festa
Passam por mim como alamedas de ciprestes
E a flor de cinza da juventude é uma aresta
Que me golpeia abrindo vácuos de flores silvestres

E essa ansidedade de mim mesma me virgula
Paula de pátria entressonhada. É um crisol.
E, o fruto agreste da linfa ardente que em mim circula
Sabe-me a sol. Sabe-me a pássaro. Pássaro ao sol.

Entre mim e a cidade se ateia a perspectiva
De uma angústia florida em narinas frementes.
Apalpo-me estou viva e o tacto subjectiva-me
a galope num sonho com espuma nos dentes.

E invoco-vos, irmãos, Capitães-Mores do Instinto!
Que me acenais do mar com um lenço cor da aurora
E com a tinta azulada desse aceno me pinto.
O cais é a urgência. O embarque é agora.

Natália Correia

Queixa das almas jovens censuradas

 

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte


Natália Correia

domingo, 11 de dezembro de 2022

«A estrela indica, mas não manda.»

Minha Mãe

 «(...), pergunto a mim próprio se todos os homens têm um Lugar, se desejam tê-lo ou têm necessidade dele.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 57

 « Nenhum homem sabe verdadeiramente como são os outros. O que mais pode fazer é supô-los semelhantes a si.»


John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 57

 «Simular a idiotice modifica um estado de espírito e permite tomar uma nova posição mental. Quanto tenho aborrecimentos faço de idiota e a minha mulher não nota as preocupações.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 57

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

mesuradamente

 « A glória é maçadora e complicada. Só quero sossego.»


Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 407


 

''a minha cabeça está cansada''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 396

'' o estalido dos ramos secos''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 383

''as aves entontecidas esvoaçavam sem descanso.''

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 383

 

“HÁ SEMPRE UM LIVRO QUE NOS TORNA LEITORES. É AQUELE QUE NÃO SE CONSEGUE PARAR DE LER E QUE, NO FIM, PROVOCA UMA SENSAÇÃO GRATIFICANTE, QUE VAMOS QUERER VOLTAR A SENTIR”

 A comissária do Plano Nacional de Leitura, Regina Duarte

as ave-marias

cronistas avulsos

“Quem perdoa facilmente, não tem carácter”

 Lídia Jorge

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022



                                                                      Dara Scully


 


pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória… amas
ou finges morrer


pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas


é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves


já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes

**********

escrevo-te
pelo corpo sinto um arrepio uma vertigem
que me enche o coração de ausência pavor e saudade
teu rosto é semelhante à noite
a espantosa noite do teu rosto!
corri para o telefone mas não me lembrava do teu número
queria apenas ouvir tua voz
contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou
queria dizer-te por que parto
por que amo
ouvir-te perguntar quem fala?
e faltar-me a coragem para responder e desligar
depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa
a noite tornou-se patética sem ti
não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr para a rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade duma ponta a outra
só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te
e morrer
como quando me tocaste na testa e eu não pude reconhecer-te
apesar de tudo senti a mão sábia que era a tua mão
mas não podia reconhecer-te
sim
correr a cidade procurar-te mesmo que me afastasses
mesmo que nem me olhasses
mesmo que dissesses coisas que me
mesmo que
e ter a certeza de que serias tu depois a procurar-me.

**********

A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada


esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos


espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar


outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada


esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos


espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar


outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo

domingo, 4 de dezembro de 2022

Guerra fraticida

Robert Capa and Gerda Taro: love in a time of war


 

Adeus

 

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade

''Parece um lírio de Maio''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 380

chorar até que a minha solidão se desfaça

 «Ele vai encostar a minha cabeça aos seu ombro para que eu possa chorar, chorar até que a minha solidão se desfaça.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 374

«E ela levava os pés em sangue e o coração pesado.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 374



 Sven Van Driessche

« Olhei tanto para mim que me esqueci de tudo.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. A Fada Oriana (1958). Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 368
Powered By Blogger