segunda-feira, 3 de maio de 2021

 ''Uma voz que se levanta pelas desigualdades urbanas

Entrevista com Prof.ª Margarida Queirós

 

Margarida Queirós é professora associada no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) e investigadora efetiva do Centro de Estudos Geográficos (CEG), onde desenvolve investigação sobre temas da igualdade de género, ambiente e ordenamento do território

Mulher de cabelo liso branco durante videoconferência
Prof.ª Margarida Queirós durante a conferência I AM...ME

 

Em Portugal, quais são as desigualdades (de género) mais acentuadas, por si identificadas, na nossa sociedade?

MQ: Poderia referir as desigualdades de rendimentos, entre os 10% das pessoas mais ricas e os 10% das pessoas mais pobres no nosso país, mas não é com esse fim que me coloca a questão, mas sim no que respeita às desigualdades de género.

Se atendermos ao Índice de Igualdade de Género calculado pelo EIGE (Instituto Europeu para a Igualdade de Género) para o contexto da UE, em 2019, Portugal ocupava o 16º lugar (59,9 em 100 pontos, correspondendo 1 à desigualdade total e 100 à igualdade plena), sendo que o nosso país, em relação a 2005, aumentou 10 pontos, revelando que estamos a progredir no sentido da igualdade de género no contexto dos estados-membros.

Este é um índice que revela as tendências no domínio da igualdade de género (domínios centrais: trabalho, tempo, rendimento, política/poder, conhecimento, saúde) na Europa. Este índice é depois complementado com informação sobre experiências vividas de violência sobre as mulheres (prevalência, severidade), e de desigualdades entrecruzadas entre diferentes grupos de mulheres e de homens (idade, tipo de família, nível de instrução, in/capacidade, país de origem).

Todavia, as pontuações de Portugal são inferiores às da EU, em todos os domínios. As desigualdades de género são mais pronunciadas nos domínios do poder (46,7 pontos) e do uso do tempo (47,5 pontos). Uma boa notícia diz respeito ao domínio da saúde, onde Portugal atinge a sua pontuação mais elevada (84,5 pontos).

E como se combatem essas desigualdades?

MQ: Para mim, e sublinho que é o meu ponto de vista, as desigualdades combatem-se em diversas frentes, com diversos tipos de políticas públicas, mas a que mais me toca é a da educação, do conhecimento. Existem grandes desigualdades de género no acesso à educação, quer nas competências da aprendizagem, quer da continuidade no percurso escolar, na maioria das vezes às custas das meninas e jovens. Acesso à instrução, ao conhecimento e à participação, todas são fundamentais para as competências (capacitação, empoderamento) das mulheres, para que elas possam, de facto, ter oportunidades na vida e se transformarem.

A pobreza, abandono escolar, estatuto social, deficiência, casamento precoce e gravidez prematura, violência de género, atitudes e estereótipos sobre o papel das mulheres, isoladamente ou em combinação, estão entre os muitos obstáculos que as impedem de exercer plenamente seu direito de cidadania, de participar, completar e de se beneficiar da educação.

Acredito que a educação é um bem público e um direito fundamental; e enquanto tal, as políticas de educação devem ser sensíveis às desigualdades de género. Podemos lutar para ultrapassar as referidas desigualdades através de políticas públicas que assegurem uma educação equitativa e oportunidades de aprendizagem ao longo da vida.

Especialmente meninas, jovens e mulheres devem alcançar níveis relevantes de alfabetização, proficiência funcional e autonomia para a vida. No atual contexto, as tecnologias de informação e comunicação devem ser aproveitadas para fortalecer as suas competências, pois a digitalização não pode continuar a acontecer sem a participação das mulheres.

Na sua opinião, no que toca às políticas públicas de igualdade de género, considera que andamos a reboque dos compromissos internacionais, nomeadamente União Europeia e Nações Unidas? Não deveríamos planeá-las e implementá-las de forma mais autónoma?

MQ: Como referi no evento “I am…me”, em Portugal as políticas de igualdade de género são em grande parte estimuladas pelas orientações das instâncias internacionais (e.g., União Europeia; Conselho da Europa; CPLP; Nações Unidas). Não obstante a igualdade de género estar contemplada em documentos tão antigos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), a sua efetivação nas políticas nacionais é recente e decorre em grande parte da abertura da sociedade portuguesa após 1974.

Hoje a sua principal alavanca externa ainda é a UE, que: 1) desenvolve orientações que foram sendo transpostas para a legislação nacional, 2) promove o estabelecimento de redes transnacionais, e 3) financia projetos de igualdade salarial, igualdade e emprego e prevenção e combate à violência, etc. Portugal participa nestas construções.

Isto não significa que Portugal “anda a reboque” da UE ou mesmo que isso seja negativo. Acontece que, por um lado, vivemos na “era da globalização”, num mundo interdependente e integrado, a funcionar em rede com o resto do mundo (a sociedade da informação), onde se efetuam trocas intensas de conhecimento, pelo que estamos permeáveis às agendas globais e assinamos compromissos internacionais no domínio da igualdade. Por outro lado, Portugal encontra-se integrado no bloco regional da União Europeia, logo é desejável que tenhamos políticas comuns, que os países possam construir pontes e convergir na direção da igualdade enquanto direito humano a ser garantido pelas instituições que criamos para o efeito.

A globalização marca a vida interna do nosso país e podemos retirar daí benefícios. Diria que, no contexto de um mundo global e regional, havendo “contaminação” e bons exemplos de agendas políticas, de princípios e de objetivos, estes são estímulos muito positivos, e os benefícios são muito grandes para a promoção da igualdade de género e não os podemos desperdiçar.

Naturalmente que a partir de desígnios comuns e compromissos internacionais, traçamos o nosso caminho de uma forma autónoma (mas que está em conformidade com os problemas que partilhamos na UE e no mundo), pois as nossas políticas públicas internas para a igualdade têm vindo a intensificar-se, a aprofundar-se e a entrecruzar-se (veja-se desde os Planos Nacionais para a Igualdade à atual Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação, ENIND). E isto está a acontecer quer ao nível do país, quer à escala local e regional, com a “territorialização” das políticas públicas para a igualdade, como procurei mostrar no webinar. “I AM...ME”. As respostas estruturadas e concertadas no apoio à igualdade de género, aprofundam o trabalho em rede com entidades públicas e privadas, nacionais, regionais e locais, permite comprovar respostas flexíveis, rápidas e eficazes com e para os problemas dos territórios onde eles ocorrem. Estas redes regionais/locais enformam modelos de governança territorial de resposta integrada.

O que a moveu a dedicar-se ao estudo das desigualdades de género e a associa-las ao urbanismo?

MQ: Sou geógrafa de formação, logo o espaço e o lugar são as áreas onde me movo melhor. E o espaço e o lugar podem começar nos corpos (a apresentação do corpo, a gestualidade, a linguagem, as expressões faciais, por exemplo). Neles refletem-se relações de poder, desiguais e hierárquicas (e não meras dicotomias e relações simétricas e complementares, como tradicionalmente nos procuraram convencer). As relações de género são histórica e espacialmente contingentes. O significado de se ser homem ou mulher depende de um contexto, relacional e variável, se bem que submetido às leis e regulações, de cada tempo/época e espaço, que estabelecem o que é permitido e o que é um ato transgressor. E a ideia de conceptualizar o género como algo fluido, liberta o género dos imperativos do corpo. E são este tipo de desconstruções que as geógrafas feministas começaram a debater nos anos 80 do séc. passado. As questões geográficas, como o lugar e a posição da pessoa, sobretudo aquelas que têm sido marginalizadas e ignoradas, começaram a ser escutadas e interpretadas. Estas pessoas, sobretudo, mulheres diversas, vivem nas cidades, nas áreas urbanas e suburbanas, vidas quotidianas com mais ou menos oportunidades - para encontros e atividades diárias, onde contactam com outras pessoas, em espaços públicos ou nas áreas residenciais, experienciando a vida urbana.

De que forma é que o atual desenho das cidades condiciona a liberdade das pessoas, mais concretamente de algumas minorias (mulheres, homossexuais, pessoas com limitações cognitivas ou motoras)?

MQ: Como referi, as relações de género são constitutivas de espaços materiais e físicos, assim como de espaços simbólicos e discursivos. Por outras palavras, onde vamos, como lá chegamos e a nossa presença em certos lugares, tudo isto é influenciado e tem impacto na nossa identidade social. As dimensões (marcadores) da identidade social, tais como o género, estatuto social, sexualidade, idade, e raça estão enraizadas em relações de poder desiguais e historicamente construídas, e que privilegiam umas pessoas e marginalizam outras.

Estas identidades levantam importantes questões acerca de como a sexualidade, a raça, a classe e outros eixos de poder, são aspetos formativos de quem somos, no que acreditamos e valorizamos. Além do mais, certas identidades sociais garantem às pessoas posições de privilégio nos lugares que ocupam, por exemplo, no trabalho, na educação, em atividades políticas, ou nos locais que habitam e que frequentam. A vida urbana está repleta de desigualdades, sobretudo para as mulheres (e estas nem sequer são um grupo homogéneo), mas também o são para os homens que não encaixam no modelo hétero. Por exemplo, os homens homossexuais experienciam os bairros urbanos de uma forma diferente dos homens hétero, experiências baseadas na sua sexualidade e na predominância de espaços heteronormativos da cidade. Nestas situações, as normas sociais dominantes excluem aquelas pessoas que não se identificam como heterossexuais. Em contraste, certos espaços urbanos são descritos e representados enquanto espaços gay, tal como o Bairro Castro em S. Francisco (EUA). Estes bairros são inclusivos e disponibilizam espaços de atividade comercial, cultural e residencial para a comunidade LGBT.

As áreas residenciais e os espaços domésticos são também tradicionalmente baseados no equilíbrio binário homem-mulher, das relações de género. As normas patriarcais ou convenções associadas à casa, rotulam os espaços domésticos como feminizados. Em resultado, as relações de género contribuíram para a construção social da casa como “o lugar da mulher”. As críticas a esta classificação, interpretam a casa como o lugar da restrição e da repressão, precisamente porque reproduzem as normas patriarcais e as relações sociais.

Estas são algumas razões que nos levam a estudar a complexidade da casa como um lugar de múltiplas experiências e expressões, desde o lugar seguro, da família e do conforto, mas também de insegurança, opressão e violência.

Em sociedades democráticas, espera-se que os espaços públicos (conjunto de áreas múltiplas e diferenciadas onde ocorre a vida pública) sejam importantes porque, em teoria, providenciam espaço para se “estar e ser”. Na prática, porém, têm sido espaços de exclusão, que limitam a presença de mulheres, minorias étnicas, pessoas de cor, LGBT, pobres, idosas e crianças e pessoas com deficiência. Na prática estes espaços são masculinos e heteronormativos, impedindo o pleno acesso, participação e sentido de pertença de mulheres e minorias.

As discussões sobre o espaço, o território e o lugar levantam importantes questões no que diz respeito ao espaço público e privado. As divisões entre ambos, são o resultado de construções e experiências e são mais fluidas e contestadas do que supomos. Neles algumas pessoas e suas práticas encaixam e outras não. No que concerne às pessoas com determinadas incapacidades: é todo um mundo de quase exclusão. O tema é tão vasto que não vai ter páginas para o que teria para dizer…

Rapariga com estilo alternativo sentada numas escadas durante a noite

Elétrico em Lisboa durante a noite

Como deveria ser a cidade ideal – aquela que evitasse estas minorias de se sentirem marginalizadas?

M.Q: Começo por fazer um esclarecimento: o grupo (diverso) das mulheres não é uma minoria, embora seja tratado enquanto tal.

A cidade ideal não existe, apesar das múltiplas tentativas para a sua construção. E que eu tenha conhecimento, não existem muitas propostas de cidade que tenham a igualdade de género na sua génese. Lembro, muito em particular, uma visão, da autoria de Dolores Hayden que escreveu, em 1980, o ensaio What Would a Non-Sexist City Be Like?

Hayden sugere que os planeadores urbanos entenderam como implícito que o lugar da mulher seria em casa. Argumenta que a casa familiar isolada e suburbana havia sido projetada para a mulher no papel de dona de casa e cuidadora e um retiro para o ganha-pão, do sexo masculino, cujo trabalho se localizava na cidade (a série Mad Men ilustra bem esta realidade das cidades norte americanas para os homens, e subúrbios para as mulheres e família). Isto gerou um ambiente construído que por sua vez moldou a ideia de como uma “família normal” deveria usar o espaço. Com um número crescente de mulheres a incorporar o mercado de trabalho (remunerado) e o tamanho das famílias a diminuir, Hayden viu o projeto da cidade - e da casa da família - como tendo potencial para criar relações mais igualitárias.

Cerca de 40 anos depois, estamos com esta realidade: cada vez menos crianças, mais pessoas moram sozinhas, e entre estas estão as mulheres, mães solteiras, e em número cada vez maior as mulheres têm empregos remunerados…

Além das diferenças óbvias entre os Estados Unidos e a Europa, o projeto de cidade ainda prende as mulheres nos subúrbios e espera que elas façam a maior parte dos trabalhos domésticos e de cuidado? Obviamente que não, e muita coisa se foi fazendo, estamos muito mais próximo da igualdade de género nas cidades, mas ainda bem longe de a ter atingido.

Para começar, as caras e os nomes das pessoas que lideram o planeamento urbano têm de mudar, pois as mulheres neste domínio são cada vez mais numerosas e reivindicam o seu reconhecimento na profissão. As experiências da vida quotidiana têm de estar representadas entre as pessoas que tomam as decisões para que mudanças reais no tecido urbano melhorem a sua qualidade de vida. Onde localizar uma creche, quais as distâncias da residência às paragens de transportes públicos, rendas de habitação mais baixas, mais iluminação, mais espaços públicos partilhados, espaços de inclusão comunitários, etc. Existem ainda muitos movimentos de reivindicação do direito à cidade.

Em Barcelona, o Colletiu Punt 6 tem desenvolvido um trabalho notável, assente no urbanismo feminista que critica a falsa ideia de que a cidade é neutra, contribuindo amplamente para repensar a cidade alternativa à cidade desenhada com base no binário casa-trabalho.

Como será a cidade a partir de quem realmente a vive no seu quotidiano, das pessoas que caminham pela cidade, que pensam em alternativas para organizar o cuidado e o trabalho pago, numa perspetiva transformativa? Não têm de ser todas planeadoras, muito pelo contrário, experiências de migrantes, comunidades racializadas, pessoas idosas, entre tantas outras que experienciam a cidade injusta, devem estar no centro das propostas, ser intervenientes ativas no fazer cidade. A cidade de hoje não pode mais ser pensada com base numa tipologia familiar e de divisão do trabalho como o foi no passado. A amizade, a irmandade (“sororidade”), a proteção física, o contacto, e o movimento, mas também a permanência, devem nortear a “cidade das possibilidades”.

Desculpe, mas uma dúvida persiste: Se observarmos as cidades de hoje, podemos afirmar que todas elas são patriarcais (machistas) e heteronormativas? Existe alguma cidade que não siga esta tendência?

MQ: Não creio. Mas podemos assinalar partes das cidades de hoje que procuram fugir à heteronormatividade, vejam-se alguns dos bairros mais conhecidos: Soho em Londres, Castro em São Francisco, West Village em Nova Iorque, Amstel em Amesterdão, Le Marais em Paris, Bairro Alto em Lisboa, são exemplos. E há outros bons exemplos. Veja-se o caso de Viena, onde três conjuntos de habitação de interesse social, promovidos pelo Departamento de Género da cidade (Women’s Office), os chamados Frauen-Werk-Stadt I, II e III e In der Wiesen Generation Housing, foram concebidos com base na ideia de que a casa deve mais do que um abrigo físico (uma crítica à abordagem monofuncional), a partir da seguinte pergunta: como seria um distrito planeado a partir da perspetiva das mulheres?

O medo foi naturalizado pela mulher” – Disse-o durante a sua apresentação na conferência I AM…ME. Alguma vez, por ser mulher, sentiu a sua segurança ameaçada na rua?

MQ: Nas mulheres, o medo instala-se desde a mais tenra idade. Os espaços associados à nossa casa são tradicionalmente tidos como seguros. Mas está demonstrado estatisticamente que a maior parte da violência contra as mulheres, ocorre em casa e são crimes perpetrados por pessoas que elas conhecem. Durante o nosso período vida, 1 em 3 mulheres e 1 em 4 homens foram ou serão vítimas de violência física de um parceiro íntimo.

Por outro lado, os espaços públicos são frequentemente percebidos como abertos, acessíveis e desregulados. Porém, muitas áreas públicas, têm vigilância e policiamento que restringe a mobilidade e a liberdade de expressão. Neste caso, algumas pessoas e suas práticas encaixam e outras não.

Vamos equacionar a cidade do medo. Desde criança que me recordo de ensinamentos relacionados com o espectro do “stranger danger” (perigo desconhecido): nunca fales com um estranho, nunca digas que estás sozinha em casa, não aceites presentes de um estranho - a figura do predador assola as mulheres desde crianças.

Mulher de cabelo branco a sorrir com a palavra love escrita na parede

​​​​​Na realidade, apesar destes ensinamentos, fiquei consciente da minha vulnerabilidade não quando era criança, mas quando me tornei uma adolescente e sofri diversos episódios de assédio. Vivi toda a minha infância e juventude numa cidade média (Coimbra), e fazia o percurso diário de casa para a escola sozinha, ou acompanhada dos meus irmãos mais velhos. E recordo que o meu sentido de liberdade era total junto deles que, segundo os meus pais, me protegiam, menor quando acompanhada de amigas, e nulo, quando estava sozinha. Neste caso, o meu cuidado era muito maior nas minhas deslocações, sobretudo sempre que começava a escurecer. Quando estava com as minhas amigas, já nos tempos da faculdade, tínhamos estratégias para combater os perigos que então sabíamos reais e não abstratos: não ficar sozinha a altas horas da noite com colegas homens, sobretudo nas noites de festas académicas, e ter um plano para a segurança individual. Claro que, alguns deles, ainda hoje meus amigos, substituíam os meus irmãos no papel de “meus protetores”.

E não tenho palavras para descrever as mensagens que as raparigas e mulheres recebem sobre os seus corpos, roupas, cabelo, maquilhagem, peso, higiene e comportamento apropriado (como nos sentamos, falamos, caminhamos, etc.).

 

Quando realmente compreendemos todos estes códigos, percebemos que as meninas, raparigas e mulheres são vulneráveis devido ao género, e o desenvolvimento sexual vai-nos mostrar como esse perigo se torna real.

A socialização é tão poderosa e profunda que o medo das mulheres em si tem uma atribuição “inata”, é naturalizado. E este medo tem sido estudado por muitas áreas científicas, da antropologia à biologia. Diversos inquéritos mostram que as mulheres identificam a cidade, a noite e homens estranhos como as maiores fontes de ameaça. Eu fiz e ainda faço parte desse número. Todavia, existem dados suficientes para demonstrar que as mulheres são muito mais vulneráveis e sofreram violência nas mãos de homens conhecidos e em espaços privados, como a casa e o local de trabalho. Esta contradição é conhecida como o “paradoxo do medo da mulher”, identificado com um medo irracional porque não explicado por evidências científicas.

Isto leva-nos a pensar no estereotipo: o que têm elas de errado? São irracionais, não se entendem! Uma investigação mais ampla mostra, porém, que o poder, o patriarcado e o trauma do “paradoxo do medo das mulheres” é apenas paradoxal através das lentes (da má ciência) que ignoram os processos de socialização e as relações de poder genderizadas. A família, a escola e também os media, reportam muito mais os crimes violentos de estranhos e muito menos a violência perpetrada por um parceiro íntimo. O cinema, livros e a televisão também. Portanto o paradoxo explica-se através de um conjunto de variáveis complexo (designado por patriarcado, que é estrutural), e a ideia de que “a minha violação está atrás de mim algures numa sombra na rua” tem perseguido as mulheres. Em contraste, a violência doméstica, o assalto sexual por conhecidos, e o abuso de crianças e outros crimes em privado, são mais prevalentes e têm historicamente tido menos atenção. Em vez de procurarmos a causa interna do paradoxo é muito mais satisfatório procurarmos as causas externas que são estruturais, e se traduzem em sistemas e instituições, que reproduzem o status quo, isto é, beneficiam os homens enquanto grupo.

E onde entra o espaço e a cidade em tudo isto? O controlo social acontece na cidade. Podemos mapear a cidade do medo, os bairros e as ruas, jardins e os sítios públicos: os locais a evitar. Esta ideia é real, experienciada e também contruída, porque exerce controlo sobre o espaço público, sendo que o privado pode ser bem mais perigoso. Os tempos da pandemia parecem confirmar esta constatação.

O medo tem custos: impede as mulheres do livre acesso à cidade, ao que ela pode oferecer, enquanto opção e oportunidades e, portanto, de vidas independentes e livres. Estes custos são também económicos, porque as impede de ter as mesmas oportunidades, acesso a cursos noturnos ou a certas profissões, e restringe a mobilidade, pois as mulheres (emigrantes, negras, jovens, etc.) caminham mais que os homens e são as maiores utilizadoras de transporte publico.

Acredito que o lugar da mulher é na cidade, porque a cidade é também criatividade, anonimidade, liberdade. Acredito e espero que esta nossa conversa possa trazer para a discussão mais ampla, o que é a vida na cidade na perspetiva de género, para que encontremos formas de entrar em ação e fazer cidade de uma forma diferente.

***

Não obstante de a termos encontrado na conferência I AM...ME, quis uma feliz coincidência que ficássemos a saber que Margarida Queirós integra também a equipa do Projeto eMOTIONAL Cities, outro destaque nesta edição da News@FMUL, e é PI do Projeto ViViDo - Plataforma de Gestão da Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica.

Nota: as reflexões da Professora Margarida Queirós são inspiradas em Linda Mc Dowell, Leslie Kern, Ann Oberhauser, Zaida Muxí, Inés de Madariaga, Gilian Rose, Doreen Massey, entre outras académicas que tanto contribuíram para o desenvolvimento dos estudos feministas.''

 Isabel Varela, Equipa Editorial

News nº
111

 


«As andorinhas não morrem, a Primavera nunca acaba e o renascer é uma constante. Essa é uma lição da vida. Essa é uma certeza»  Fadista Ana Moura

"Nós temos uma necessidade psicológica de metafísica"

 Michael Biberstein

                    Se as portas de percepção fossem

                     purificadas, tudo se mostraria ao homem tal

como é, Infinito.


Pois o homem encerrou-se em si


próprio ao ponto de ver todas as coisas


através de estreitas gretas da sua caverna.


Blake, W. (1991). A União do Céu e do Inferno.

 

“straight to the point”

 Este Não-Futuro que a Gente Vive


Será que nos resta muito depois disto tudo, destes dias assim, deste não-futuro que a gente vive? (...) Bom, tudo seria mais fácil se eu tivesse um curso, um motorista a conduzir o meu carro, e usasse gravatas sempre. Às vezes uso, mas é diferente usar uma gravata no pescoço e usá-la na cabeça. Tudo aconteceu a partir do momento em que eu perdi a noção dos valores. Todos os valores se me gastaram, mesmo à minha frente. O dinheiro gasta-se, o corpo gasta-se. A memória. (...) Não me atrai ser banqueiro, ter dinheiro. Há pessoas diferentes. Atrai-me o outro lado da vida, o outro lado do mar, alguma coisa perfeita, um dia que tenha uma manhã com muito orvalho, restos de geada… De resto, não tenho grandes projectos. Acho que o planeta está perdido e que, provavelmente, a hipótese de António José Saraiva está certa: é melhor que isto se estrague mais um bocadinho, para ver se as pessoas têm mais tempo para olhar para os outros. 

Al Berto, in "Entrevista à revista Ler (1989)"

sexta-feira, 30 de abril de 2021

autocracia

 

filocrata

fi.lo.cra.ta
filɔˈkratɐ
nome de 2 géneros
pessoa com paixão pelo poderpessoa que gosta de mandar, de ter autoridade

quinta-feira, 29 de abril de 2021

 

Desenho de Stuart Carvalhais, publicado em 1924, no jornal A Batalha. Retirado de Surgindo vem ao longe a nova aurora… Para a história do diário sindicalista A BATALHA/1919-1927; Livraria Bertrand, Lisboa, 1977.

 «não basta ter um emprego seguro para não ser pobre. A conjugação entre os baixos rendimentos do trabalho e a estrutura familiar (famílias com alguma dimensão e tipologia diversa bem como com desemprego familiar), num contexto de fraqueza dos apoios sociais, explica que se possa ser um trabalhador contratualmente estável e, ao mesmo tempo, ser-se pobre.»

Fundação Francisco Manuel dos Santos , estudo “Faces da pobreza em Portugal”

 «De acordo com os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), 17,2% da população em Portugal estava em risco de pobreza em 2018 (ICOR de 2019,dados de 2018)». Está-se portanto a abordar indicadores e a situação respeitantes a quase um quinto da população portuguesa.


Fundação Francisco Manuel dos Santos , estudo “Faces da pobreza em Portugal”

''Abril vem do latim Aperire, abrir: é o mês em que abrem os botões.''

 Alberto Guimarães

tempo de reverberação

 Já viajámos de ilhas em ilhas / Já mordemos fruta ao relento / Repartindo mágoas / Por tudo que é vento. 

A canção “O que há de ser de nós”, de Sérgio Godinho e Ivan Lins

Coreia reumática de Sydenham (do grego khorea, dança) ou a dança de São Vito

Sérgio Godinho - Grão da Mesma Mó

''o corpo como contexto político''

''Quem ouve esquece, quem faz aprende !''

adimplir

quarta-feira, 28 de abril de 2021

segunda-feira, 26 de abril de 2021

domingo, 25 de abril de 2021


 Fotografia de Alfredo Cunha

Queixa Das Almas Jovens Censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa historia sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios despovoados
De personagens do assombro
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte

Compositores: Natália Correia / José Mario Branco

sábado, 24 de abril de 2021

"a era do capitalismo de vigilância"

 Shoshana Zuboff 

''aglomerações festivas''

mu.so.fo.bi.a

 «Adão tem vinte e cinco anos, há meia hora ainda amava Eva com toda a fúria insensata dum primeiro amor, e a escada que vai descer tem três andares.»

André Brun. O Homem que Queria Conhecer as Mulheres. Atêtheia Editores, Lisboa, 2016., p. 5

 «Esta é a história de Adão, que, desprezando e humilhado por Eva, procura vingar-se. «E a primeira, a mais cruel vingança, (...) o amor no dia seguinte com outra mulher, dizer-lhe todas as palavras que a outra não quis ouvir, vesti-la de beijos que a outra desprezou e dar-lhe tanta felicidade que a outra se arrepende e nunca se console de não o ter sabido amar.» É então que Adão conhece o Diabo.»

André Brun. O Homem que Queria Conhecer as Mulheres.

''A Maluquinha de Arroios''

 André Brun

                                

Suzanne Daveau: Portugal, Lisboa, 1964, atravessando o Tejo

quinta-feira, 22 de abril de 2021

"Desejo e Melancolia"

Bodo Kirchhoff

«Á medida que recuperamos da pandemia, precisamos transferir mais serviços de saúde mental para a comunidade e garantir que a saúde mental seja incluída na cobertura universal de saúde. OMS Iniciativa Especial para a Saúde Mental (2019-2023). As Nações Unidas estão fortemente comprometidas em criar um mundo em que todos, em qualquer lugar, tenham alguém a quem recorrer para ter apoio psicológico. Apelo aos governos, à sociedade civil, às autoridades de saúde e a outros que reúnam com urgência para abordar a dimensão da saúde mental desta pandemia.”

António Guterres
António Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas

“sucessivas zonas de vulnerabilidade psicossomática''

Patrícia Câmara, Sociedade Portuguesa de Psicossomática (SPPS)

ressignificar

ambívio

terça-feira, 20 de abril de 2021


 

Sylvia Plath Documentary

(Acho que te criei no interior da minha mente)


Cerro os olhos e cai o mundo inteiro
Ergo as pálpebras e tudo volta a renascer
(Acho que te criei no interior da minha mente)

Saem valsando as estrelas, vermelhas e azuis,

Entra a galope a arbitrária escuridão:
Cerro os olhos e cai o mundo inteiro.

Enfeitiçaste-me, em sonhos para a cama,
Cantaste-me para a loucura, 
beijaste-me para a insanidade.
(Acho que te criei no interior da minha mente)

Tomba Deus das alturas;
abranda-me o fogo do inferno:
Retiram-se os serafins e os homens de Satã:
Cerro os olhos e cai o mundo inteiro.

Imaginei que voltarias como prometeste
Envelheço, porém, e esqueço-me do teu nome.
(Acho que te criei no interior da minha mente)

Deveria, em teu lugar, ter amado um falcão
Pelo menos, com a Primavera retornam com estrondo.
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro:
(Acho que te criei no interior da minha mente.)

Sylvia Plath

partidos monolíticos

cal.ca.tó.ri.o


 

segunda-feira, 19 de abril de 2021

 “Aprender a colocar-se em primeiro lugar não é egoísmo, nem orgulho. É Amor Próprio.” 

 Charles Chaplin

 "A nossa mente olha o Eterno e o faz Tempo"


"A nossa mente olha o Vazio e o faz Espaço"


- Agostinho da Silva, Pensamento à Solta, in Textos e Ensaios Filosóficos II, p. 154.

 AS ROSAS

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

 Os Amigos

Voltar ali onde 
A verde rebentação da vaga 
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia 
Guardam intacta a impetuosa 
Juventude antiga - 
Mas como sem os amigos 
Sem a partilha o abraço a comunhão 
Respirar o cheiro a alga da maresia 
E colher a estrela do mar em minha mão 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Musa'

 CAMINHO DA MANHÃ


Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não são pretos: mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.

Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.

Sophia de Mello Breyner Andresen | "Livro Sexto", 1962

quinta-feira, 15 de abril de 2021

 

corologia

co.ro.lo.gi.a
kuruluˈʒiɐ
nome feminino
ECOLOGIA ciência que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos na superfície da terra

Quando as coisas chegam ao fundo, não há quem as arranque!

 «Calar e consumir-se, é o maior castigo a que nos podemos condenar. De que me serviu a mim o orgulho, e o não te olhar, e o deixar-te acordada noites e noites? De nada! Serviu para abrasar-me. Porque tu acreditas que o tempo cura e as paredes tapam, e não é verdade, não é verdade! Quando as coisas chegam ao fundo, não há quem as arranque!»

 
Frederico Garcia Lorca

Alice de Battenberg, mãe do Príncipe Philip de Edimburgo


 

es.túr.di.a

gorar

"Quasi de Graça"

 Livro de Contos de Augusto Cunha

comediógrafo



ante-títulos sensacionalistas.

RILHAFOLESCAMENTE…
A HUMANIDADE AVANÇA…MAIS 200 ANOS E O MUNDO SERÁ UM GRANDE MANICÓMIO…
NO ANO 87 DO «ORPHEU»

António Quadros,
em prefácio a Os Meninos d'oiro. Vaudeville, de Augusto Cunha.
Edição póstuma, 1988.

for.ça-ta.re.fa

''Não há, afinal, árvore genealógica mais difícil de estabelecer, de erguer, do que a interior, do que a árvore de todos os seres do nosso ser.''

António Ferro
em prefácio a Contos Escolhidos, de Augusto Cunha
Edição póstuma, 23 de Maio de 1956

''A pessoa humana é um mundo de pessoas humanas que vivem no ser exterior e no ser interior ''

«Augusto Cunha foi o tipo exacto desse humorista desinteressado, sem cálculo, do comentador, sem ódio nem sequer azedume, dos pequenos ridículos da vida, humorista que fazia rir sem esforço, sem artifício, porque o seu humor era a sua própria respiração, o seu olhar, o estilo da sua inteligência, se bem que fosse um triste como quase todos os autênticos humoristas. A pessoa humana é um mundo de pessoas humanas que vivem no ser exterior e no ser interior, todas autênticas e sinceras, verdade que Pirandello trouxe para o teatro e com a qual revolucionou, nos últimos anos, a dramaturgia do nosso tempo. O autêntico humorista é assim aquele em que o ser interior, profundamente triste, precisa de ser equilibrado constantemente pelo seu ser intelectual, voluntário, que parece, ou é, alegre, fácil, comunicativo.»

António Ferro
em prefácio a Contos Escolhidos, de Augusto Cunha
Edição póstuma, 23 de Maio de 1956





 Rainha Elizabeth II e Príncipe Philip

Old Time


Wide black trees and a field of froth
Bird fly low and you and me and the car are lost
Took a wrong turn somewhere
Into the old time, into the old time for sure
The trees are black and history
Has dragged us down to our knees
In a cold time
Ah, everyone dreams have died
Wherever you are, darling, I'm not that far behind
I'm not that far behind
By the side of the road is a thing with horns
That steps back into the trees and a child is born
Upon this trembling earth, displays each day
Thrown across the hallucination of your hair
A strip of ordinary sun, a biblical sun
A colonial sun, an enlightened sun
The same sun made always glorious at your head
Well, stopping at a motel and go jumping into bed
Just like the old time
Yeah, wherever you are, darling, I'm not that far behind
A lunatic beauty and a watery moon
You're melting by the motel swimming pool
By the time I get to Phoenix on the radio
Her moon to my shooting star
And I'm throwing my bags in the back of the car
Just like the old time, just like old time, baby
And I'm not coming back this time
Ah, like the old days, darling
Like the old days, I'm not coming back this time
Ah, like the old days, darling, like the old days
I'm not coming back this time
Like the old time, like the old time
Wherever you are, darling, I'm not that far behind

''os adormecedores apocalípticos''

 António Ferro

''desculpa intelectualizada''

 António Ferro

amoralismo

«(...)os homens procuram esquecer o dia de amanhã, vivendo, sem se darem conta, o mais perigosamente possível, o dia de hoje.»

António Ferro
em prefácio a Contos Escolhidos, de Augusto Cunha
Edição póstuma, 23 de Maio de 1956

quarta-feira, 14 de abril de 2021

AUGUSTO CUNHA E O HUMORISMO PORTUGUÊS, por António Ferro.

''Vivemos numa época excepcionalmente dramática, e ao mesmo tempo, excepcionalmente superficial, características extremamente ligadas, necessárias uma à outra. É o superficial, na verdade, que procura atenuar, consciente ou inconscientemente, a dramática exasperação da nossa condição humana cada vez mais desumana…

A abundância de magazines, as longas reportagens da vida das estrelas cadentes, dos casamentos cinematográficos, as indiscrições sobre as intimidades dos grandes, as cascatas de imagens fáceis, a vozearia da Rádio, os altifalantes da publicidade, são o álcool que faz ou quer fazer esquecer os perigos que nos rodeiam, a constante sensação da tragédia eminente, a tragédia, sobretudo, de não saber como ser nem como fazer.''

''Quem poderá gabar-se de não ter, uma vez pelo menos, censurado nos outros, os seus próprios defeitos?''

António Cunha

Amália Rodrigues e Sua Mãe " MILHO GROSSO " folclore Beira Baixa

Bernard-Marie Koltès


 

alvíssaras

A Associação dos Humoristas

«Vai fundar-se a Associação dos Humoristas, segundo ideia de Augusto Cunha e perfilhada pelo «Sempre Fixe»: Isto hoje vai a sério: Vai fundar-se a Associação dos Humoristas. A ideia teve-a o nosso distinto colaborador Augusto Cunha. Teve-a e abandonou-a, expô-la na roda… de amigos com quem conversa habitualmente, e o «Sempre Fixe», condoído da pobre exposta, perfilhou-a, recolheu-a no seu seio e propõe-se ser a sua ama seca, porque o Fixe a não pode ser de leite, apesar do deleite com que o lêem todos os seus amigos. Da nova Associação farão parte todas as pessoas engraçadas de Portugal e, por uma transigência especial, todos aqueles que caírem em graça e tudo isto de graça, porque na associação dos Humoristas não haverá cotas. Cada um dos associados dará apenas a sua quota-parte de graça e com isso ficará quite".»

''Ontem, hoje e amanhã, se Deus quiser''

Augusto Cunha

alvinegro

“todo o estado de alma é uma paisagem”

 Fernando Pessoa

''Augusto Cunha era um homem triste de rosto simpático e voz acolhedora; tinha as mãos estendidas para a dor e o seu coração era um mundo de afectos.''

Marques Gastão, em «O Dia». 23 de Julho de 1988.


Ravensbrück: campo de concentração nazista para mulheres
 

impérvio

segunda-feira, 12 de abril de 2021

 ''(...) não sair da cepa torta e enrolarmo-nos na conversa fiada de tornar o capitalismo tolerável.»

Mário Tomé

 ''Os mais ousados e revolucionários propõem mesmo que devemos “erodir o capitalismo”, ou seja, armados de uma brossa ou, vá lá, um berbequim atirarmo-nos à muralha da China!  

Todo este labor, todo este entusiasmo em “substituir este sistema actual parasitário por um tipo de capitalismo mais sustentável, mais simbiótico, e que beneficie toda a gente” é inspirador.

Claro que cá estamos em pleno terreno do que deseja a nostálgica e auto-idealizada social-democracia. Daí que, quando olhamos para o capitalismo, armados duma brossa ou de um berbequim, nos contentemos com a beleza inquestionável da possibilidade de tornar o mundo melhor mesmo que nos limitemos afinal, contra vontade e sob protesto, a pertencermos ao exército dos que o tornam pior.''

Mário Tomé



autêntica “deusa” ex-maquina

''O vertiginoso desenvolvimento das novas tecnologias em especial da informática, da inteligência artificial e das comunicações permitiu o domínio absoluto da finança sobre a vida das nações e dos povos em todo o planeta, autêntica “deusa” ex-maquina, no controlo dos cidadãos quer directamente pelo tentacular big brother quer pelos meios democráticos que estruturam a ideologia dominante, relembrando o quase meio esquecido aparelho ideológico do estado (Althusser, Sweezi, Marcuse) desde a necessidade de segurança, o direito, a representação democrática, a escola, a religião, a imprensa, a própria família…''

Mário Tomé

''desvendar a alarvidade''

domingo, 11 de abril de 2021


Vasco Pulido Valente

 

Ravensbrück: A história do campo de concentração nazista para mulheres | Sarah Helm



''Ravensbrück: a história do campo de concentração nazista para mulheres é um relato incrível do que uma sobrevivente chamou de “heroísmo, tenacidade sobre-humana e excepcional força de vontade de sobreviver”. Em uma manhã de maio de 1939, oitocentas mulheres - donas de casa, médicas, cantoras de ópera, políticas, prostitutas - foram postas em marcha pelas florestas, a 80 quilômetros ao norte de Berlim. Chicoteando e chutando-as estavam inúmeras guardas alemãs. A destinação era um campo de concentração especificamente feminino concebido por Heinrich Himmler, arquiteto primário do genocídio nazista. No fim da guerra, 130 mil mulheres de mais de vinte países europeus foram prisioneiras lá, incluindo nomes proeminentes como a sobrinha do general De Gaulle e a irmã do prefeito de Nova York durante a guerra.Poucas daquelas mulheres eram judias. Originalmente, Ravensbrück era um local destinado às marginais, ciganas, inimigas políticas, resistentes estrangeiras, doentes, deficientes e “loucas” - mulheres classificadas como “inferiores”, e que, segundo os nazistas, deveriam ser extirpadas da sociedade.Ao longo de mais de seis anos, as prisioneiras foram submetidas a espancamentos, tortura, trabalho escravo, fome, experimentos médicos e execuções aleatórias. Nos meses finais da guerra, Ravensbrück tornou-se um campo de extermínio; em 1945, entre 30 e 50 mil mulheres tinham sido assassinadas lá. Por décadas, essa história ficou escondida por trás da cortina de ferro, e até hoje é pouco conhecida. Usando testemunhos desenterrados desde o fim da Guerra Fria e entrevistas com sobreviventes que nunca antes haviam falado, Sarah Helm foi ao coração do campo, demonstrando, com minuciosos detalhes, o quão fácil e rapidamente o terror evoluiu.Inspirador, arrepiante e profundamente comovedor, o livro Ravensbrück: a história do campo de concentração nazista para mulheres é um trabalho revolucionário de investigação histórica. Lembra-nos da capacidade do ser humano tanto para a crueldade bestial quanto para a coragem e resistência contra todas as possibilidades.''
 

‘'mulher bibeblot’'

pezinhos de lã

''Lítio, o Petróleo Branco''

Rainha Elizabeth II e Príncipe Philip


 

financeirização

''indústria das celuloses''

solilóquio ''La nuit avant les forêts''

 Bernard-Marie Koltès

Na Solidão dos Campos de Algodão.

 Bernard-Marie Koltès

 

quasímodo

qua.sí.mo.do
kwaˈzimudu
nome masculino
1.
indivíduo muito feio ou mal proporcionadomostrengo
2.
[com maiúscula] RELIGIÃO Domingo de Pascoela

''contas telenovelísticas ''

 Procuradora Maria José Morgado

''país eternamente adiado''

 Procuradora Maria José Morgado

Rainha Elizabeth II e Príncipe Philip: 74 anos de casamento

 


 

 MUSA

Aqui me
sentei quieta
Com as mãos sobre os joelhos
Quieta muda secreta
Passiva como os espelhos
Musa ensina-me
o canto
Imanente e latente
Eu quero ouvir devagar
O teu súbito falar
Que me foge de repente.
Sophia de Mello Breyner Andresen

 PAISAGEM

Passavam pelo ar aves repentinas
O cheiro da terra era fundo e amargo,
E ao longe as cavalgadas do mar largo
Sacudiam na areia as suas crinas.
Era o céu azul, o campo verde, a terra
escura.
Era a carne das árvores elástica e dura,
Eram as gotas de sangue da resina
E as folhas em que a luz se descombina.
Eram os caminhos num ir lento,
Eram as mãos profundas do vento
Era o livre e luminoso chamamento
Da asa dos espaços fugitiva.
Eram os pinheiros onde o céu poisa,
Era o peso e era a cor de cada coisa,
A sua quietude, secretamente viva,
A sua exaltação afirmativa.
Era a verdade e a força do mar largo
Cuja voz ,quando se quebra, sobe,
Era o regresso sem fim e a claridade
Das praias onde a direito o vento corre.

Sophia de Mello Breyner Andresen | "Poesia", 1944

 QUANDO

"Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta."
In “Dia do Mar” – 5ª edição revista
Editorial Caminho – 2005
Sophia de Mello Breyner Andresen

Eu busco o rastro de alguém


Eu busco o rastro de alguém
Que o mar reflecte e contém.
Calma que eterniza as suas horas,
Ou tumulto que vibra
Nas marés desesperadas e sonoras.
Eu busco o rastro de alguém
Que ao meu encontro vem
No sonho de cada linha.
Alguém
Que no silêncio dos pinhais caminha,
Rio correndo, chama
Em tudo acesa.
Alguém que me devasta e inflama
Me destrói e me inunda de certeza.
Alguém que me devora,
Ou infinitamente longe me implora
Que venha.
Alguém que se desenha
No perfil dos montes
E sobe do fundo da terra com as fontes.
Sophia de Mello Breyner Andresen

 MAR

Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.
Sophia de Mello Breyner Andresen

 AS FONTES

Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.
Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.
Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser
Sophia de Mello Breyner Andresen

Vasso Devetzi – G Fauré – Nocturne No 1 in E flat minor, Op 33


 

Powered By Blogger