domingo, 27 de abril de 2014

«estas cabeças decepadas aconselham-te a desistir, fugindo à rede da morte a que ninguém resiste.»



William Shakespeare. Péricles, Príncipe de Tiro. Lello&Irmão, Editores Porto, 1976

«(...) abatida pelo desgosto, caminhava com lentidão e só dolorosamente falava, fechando os olhos e deixando cair a cabeça sobre o peito durante instantes, mal se via na obrigação de elevar um pouco  a voz. Nesses momentos, a mão pousada sobre o seio mostrava que se sentia ali uma viva dor.»



Alfred De Vigny. Cinq-Mars ou uma Conjura no Reinado de Luís XIII. Os grandes romances históricos. Tradução revista por Pedro Reis. Amigos do Livro, Editores, Lisboa., p. 17

imaginava os abismos de beleza que o vestido escondia

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 57

«(...) o vermelho da flor punha ali uma nódoa de sangue ou talvez de provocação desesperada.»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 57

«Era um homem que trazia em si, nos gestos e nos discursos, o cheiro do mundo, sugestões perigosas e perturbantes.»


Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 55

pobretões

«O lavrador era um homem  de neuras, vário como um catavento, intempestivamente generoso  e intempestivamente agreste, e vestia quase sempre um capote, mais leve ou pesado consoante lho permitiam as estações, que por certo se tornava indispensável para lhe dar majestade. Fazia um jeito ao corpo, em ar de dança, e as abas do capote acompanhavam a ondulação dos movimentos, fazendo sobressair o que, nesses gestos, havia de orgulho e desdém.»


Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 51

«(...) no tom amistoso do diálogo disfarçava-se muito despeito.»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 51

louvaminha

 nome feminino

 louvor exagerado; lisonja; adulação



pessoa que gosta de adular; bajulador

quarta-feira, 23 de abril de 2014

   «Inspector: O que está provado é que a miúda tem vocação para mulher-a-dias. Então não é? Tão depressa aparece a lavar sótãos toda nua como a lavar paredes de palavrões. Covas, o que você tem ali é uma mulher-a-dias pornográfica, que é cá uma especialidade que ninguém ainda tinha descoberto.
   Elias: Oh, oh, não me faça rir que estou de luto.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 179

boîte

mas com que lata...

''engate que comece com negas é de morte.''


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 175

batalha dos lencóis

Pedigree

impulsos de destruição

«E o tipo é da opinião que o major sofria daquilo a que podemos chamar impulsos de destruição e que por causa dos impulsos de destruição é que lhe vinham as tais bravuras.  (...)

   Este complexo de destruição, continua o inspector Otero, manifestava-se por uma arrogância ( o advogado chamou-lhe obsessão) que oscilava entre a dedicação e a crueldade mais lixada.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 173

estória

terça-feira, 22 de abril de 2014


«As lágrimas de sereia e o corno compreensivo; errare humanum est.»

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 170

«um filho é o vértice do orgulho da mulher só»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 163
«Estou farta de liberdade», gritava ela para quem a quisesse ouvir, «toda a gente me quer dar liberdade e eu quero que a liberdade se foda». (Se cosa, disse a galinheira, perdoe-se a expressão).

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 163

ANGÚSTIA DA EXACTIDÃO
by Victor Gonçalves in Analítica da Actualidade


Próxima das neuroses obsessivas, de que todos os génios produtivos sofrem (em graus e intensidades diferentes), a angústia da exactidão alimenta-se de uma profunda paixão pela ordem (feita exclusivamente de leis cósmicas, bem para lá da condição humana), jogo de escrúpulos irrazoáveis, mania de auto-correcção permanente. Creio que todos os grandes criadores, quer se exponham na música, na literatura, na filosofia, na pintura, na dança, ou noutro qualquer exercício de pensamento lógico-criativo (onde se situam também os cientistas inovadores) foram, de uma ou de outra forma, obsessivos e tendencialmente compulsivos. Quando, por exemplo, Lobo Antunes diz que não pode viver sem escrever, mas que demora mais tempo, muito mais, a corrigir do que a criar a primeira versão, vive, à sua medida, na angústia da exactidão.
Mas a patologia é apenas uma possibilidade, embora a mais extrema. Noutros termos, a neurose obsessiva não é necessariamente o culminar de um processo, onde aconteceria a exaustão de um indivíduo. Na verdade, é o produto da obsessão que vai ditar em que campo ela se inscreve, a obsessão é um pharmakon (remédio e veneno). Se a linha de fuga for a física quântica ou um tratado de filosofia medieval, uma sinfonia completa ou uma instalação minimalista plena de mundo, um romance polifónico de 400 páginas..., isto é, se o produto dessa dedicação integral, dessa fidelidade sem fissuras for uma obra que encerra riqueza suficiente para conjurar a extrema focalização do sujeito num processo criativo, então a patologia habitual dos obsessivos – destruidora de afectos, de ligações emotivas e racionais, da lucidez poética inventiva – não emergirá, ou melhor, dificilmente emergirá. Nos génios (chamemos-lhe assim para facilitar) a produção de obras é a cura homeopática dos impulsos obsessivos negativos.
Noutros registos de vida, menos intensivos, sem a força ou a sorte para fazer nascer algo de extraordinário, também existe esta angústia que ensombra com dúvidas (anti-cartesianas) as coisas que vamos fazendo: aquela vírgula mal colocada que potencia insónias; o conceito que escapou à censura lógica e agora corrompe a felicidade que pensávamos retirar do ensaio publicado; a metáfora gasta, vulgarizada que dissemos nunca mais usar mas que se introduziu furtivamente no poema, impossível de rasurar porque outras exactidões seriam destruídas; um personagem, a quem demos a honra de conduzir a história, incapaz de encaixar na narrativa sem minar o equilíbrio perspectivista; uma nota deslocada, dissonante na partitura, que recusa silenciar-se e corrompe a arquitectura melódica; ou o facto, esse velho evangelho da objectividade, cortado pelo relativismo de uma análise incoerente.
Mas também aqui o resultado feliz, num belo produto, das preocupações exageradas transforma o que destrói no que salva e faz crescer, conduz a uma plenitude que jamais será alcançada através dos gestos codificados da vidinha.
II
Há umas semanas lia uma pequena entrevista de Jorge Silva Melo a propósito de O Regresso a Casa de Harol Pinter para o D. Maria II. Aí pronunciava um magnífico elogio aos seus actores, apelidando-os de “actores exactos” (João Perry, Rúben Gomes, Maria João Pinho, Elmano Sancho, João Pedro Mamede e Jorge Silva Melo). Mas aqui percebe-se que não se trata da “angústia da exactidão”, antes do perfeito domínio de uma arte onde se improvisa pelo menos tanto quanto se representa (repetir um modelo, voltar a apresentá-lo). É a exactidão da criação, como quando Gilles Deleuze no diz que o sentido de um acontecimento não o precede, ele surge à medida que o próprio acontecimento se desenrola. Por isso, este pensador francês prefere ao termo “exacto” o de “anexacto”, um outro tipo de rigor: do estilo e do gosto mais do que da adequação entre o empírico e o ideal, o modelo e a cópia. Também Ludwig Wittgenstein quis nasInvestigações Filosóficas, com o conceito de “jogos de linguagem”, mostrar que “o significado de uma palavra está no seu uso”. Neste sentido, a verdade de algo resulta do seu funcionamento dentro de um determinado jogo de linguagem (Mendel não podia estar certo mesmo estando-o, porque o jogo de linguagem dominante da sua época não podia aceitar a sua linguagem quase privada sobre a hereditariedade. Que hoje, num volte-face de thriller, é a que domina). Foucault falará ainda mais claramente em “jogos de verdade”, relativizando com isso a exactidão, visto que a verdade é relativa ao que uma época/cultura considera como verdadeiro. Mas talvez seja mais clara ainda a afirmação de Jean-Luc Godard (brilhante Pierrot le fou), cito de memória: “não tenhais ideias justas, mas somente uma ideia”. Como se desconfiasse, até politicamente, da exactidão das ideias, instrumento várias vezes utilizado ao longo da história para impor a servidão, a quem percorreu a via-sacra para as encontrar e a quem as recebe e se vê obrigado a abdicar da liberdade de as recusar, porque, finalmente, sempre são “ideias exactas”.
Tenhamos, pois, uma ideia, anexacta ou rebelde, excêntrica em relação ao nosso verdadeiro, aos jogos de linguagem da opinião, mais ou menos erudita, deixemo-la emergir evitando as angústias estéreis. É que talvez toda a metafísica do mundo se esgote quando acolhemos o sol sentados numa esplanada à beira-mar.

cristais nocturnos

''um vendaval de insultos''


baratinar


verbo transitivo

1. coloquial seduzir com palavras falsas; enganar; intrujar
2. coloquial confundir, desorientar

a-ver-vamos

Happiness I cannot feel and love to me is so unreal

sábado, 19 de abril de 2014

   Fare thee well and if for ever still for ever
fare the Well*

Lorde Byron


* Adeus! E se for para sempre, para sempre ainda adeus...
«De que serviriam as Artes, se não fossem o desdobramento e a contra-prova da existência? Eh! Bom Deus! À nossa volta só vemos em demasia a triste e desencantadora realidade; o tédio insuportável dos meios-caracteres, os amores indecisos, os esboços da virtude e de vícios, os ódios mitigados, as amizades fraquejantes, as doutrinas contraditórias, as fidelidades que têm os seus altos e baixos, as opiniões que se evaporam. Deixemo-nos, pois, sonhar que por vezes parecemos homens mais fortes e maiores, que seremos bons e mais, mas sempre resolutos. Isso faz-nos bem. Se a palidez da nossa verdade nos perseguir nas Artes, aboliremos de um só golpe o teatro e o livro, a fim de a não termos que enfrentar duas vezes. O que se deseja nas obras que fazem movimentar os fantasmas dos homens é, repito-o, o espectáculo filosófico do homem profundamente estigmatizado pelas paixões do seu carácter e dos seus tempos. É portanto a verdade desse homem e desses tempos, mas ambos elevados a um poder superior e ideal, que concentra em si todas as forças. Reconhecemo-la, a essa verdade, nas obras do pensamento, tanto quanto nos recreamos acerca das semelhanças de um quadro cujo original nunca vimos, pois um bom talento pinta a vida, de preferência aos vivos.»


Alfred De Vigny. Cinq-Mars ou uma Conjura no Reinado de Luís XIII. Os grandes romances históricos. Tradução revista por Pedro Reis. Amigos do Livro, Editores, Lisboa., p. 8

    «Mena acorda sempre de ressaca como ele pode ver pelo balde cheio de pontas de cigarro, e arrasta-se para a casa de banho embrutecida pelo valium. Primeiro que tudo diluir a insónia, depois é que vinha a maquilhagem, o envelhecer-se, e a peruca e os óculos sem graduação.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 155

Com a outra mão, esmaga pensativamente o cigarro no prato da folha.


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 153

Entressorriso

protegida pela sua solidão

    «Vira-a apenas a ela. Reconhecera as longas pernas queimadas pelo sol, o sorriso a nascer e a morrer na doçura profunda, aquela maneira de ser, aqueles olhos semicerrados, ela protegida pela sua solidão.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 158
    «Você já não me amava, nessa altura. De certo, você nunca me amou. Você pensava abandonar-me, era para si uma questão de dinheiro, de ganhar dinheiro - você nunca dizia: ganhar a vida.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 152

Nell Shipman in The Grub-Stake, USA, 1923


«Eu disse-lhe que o amava. Você nunca respondia a essa espécie de insânia.»

Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 150
    «Olho para si. Você pergunta-me o que se passa, sempre algo alarmado quando eu o olho. Eu digo-lhe que não se passa nada, que olhava para si pelo prazer de olhar:
     -Não sei se o amor é um sentimento. Às vezes penso que amar é ver. É vê-lo.»

Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 147
    «Esqueci as palavras adequadas. Sabia-as e esqueci-as, e aqui falo-lhe com o esquecimento dessas palavras. Contrariamente a todas as aparências, eu não sou mulher que se entregue de corpo e alma ao amor de uma só pessoa, mesmo que ela fosse o ser mais adorado da sua vida. Sou uma pessoa infiel. Bem gostaria de reencontrar as palavras que tinha reservado para lhe dizer isto. Eis que relembro algumas delas. Queria dizer-lhe aquilo em que creio, é que seria preciso conservar sempre adiante de nós, aqui está, reencontro a palavra, um lugar, uma espécie de lugar pessoal, é isso, para nele estar só e para amar. Para amar não se sabe o quê, nem quem, nem como, nem por quanto tempo. Para amar, eis que todas as palavras me voltam à memória, de repente... para conservarmos o lugar de uma espera, nunca se sabe, da espera de um amor, de um amor sem ninguém ainda, talvez, mas disso e só disso, do amor. »


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 142/3
    «Ele não procura saber onde encontrá-la. Nem pensa ir encontrar-se com ela. Quer ficar só, para saber, para pensar nela, para amá-la.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 126
    «Ela aproxima-se dele, pousa os lábios nos seus olhos fechados. Ela diz:
       -Gostava muito de ficar aqui consigo até à noite.
     Levanta-se, inclina-se para ele e pousa os seus lábios nos dele, demoradamente. Ficam assim, imóveis, o tempo necessário para se conhecerem para sempre. Depois ela afasta os lábios dos dele. E ele fica como ela o deixou, com o rosto entre as mãos, de olhos fechados.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 124


«Ela quer morrer. That's the point.É isso que ela quer, um capricho como outro qualquer.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 112
Powered By Blogger