domingo, 16 de maio de 2021

 

ESMOLA

I

Lançai me
uma palavra, como alguns
atiram côdea aos cães.
Uma palavra
que, embrulhada nesse cuspo
que vos escorre pelos queixos,
brilha
e desconcerta a própria
repugnância.
Sacudi a
de vós, tal como alguém
sacode a lama seca do sapato
sem perceber sequer que lama é
porque não tira os pés
do alcatrão.
Essa palavra abandonada à porta,
eu a recolherei, como se houvesse
nela um pedido,
a súplica de um órfão,
de uma cria deixada para
morrer.
Eu pegarei nessa palavra ao colo
e, não sabendo onde encontrar abrigo
nem alimento,
dormirei com ela,
ouvindo a
murmurar,
enquanto os bosques
vão crepitando e a cinza
nos recobre.

II

Mas entregai uma qualquer palavra,
dessas que tanto desprezais,
ao meu cuidado.
Uma palavra, por exemplo,
sobre a qual
ninguém se incline já
porque a confunde
com uma pedra do caminho
ou um excremento,
tão insignificante
se tornou.
Oh, que estranho é pensar que elas tiveram,
até, reis como servos, as palavras.
Pensar que elas passavam pelos séculos
com o seu corpo musical, tão frágil
e tão convocador de tempestades.
Essas pequenas criaturas transparentes,
sem peso, com alguma vocação
para a malignidade, pois não têm
nem sombra nem reflexo,
e dos seus dedos
desce a grande beleza do terrível
e a grande redenção
que há no poema.

III

Pequenas, misteriosas criaturas
que não nascem do mundo natural,
que são obra dos homens,
sendo os homens a obra delas,
vejo as
hoje mais do que escorraçadas:
submetidas.
Elas que eram solenes e risonhas,
tanto mais necessárias quanto inúteis,
e tanto mais inúteis quanto pura
exaltação do texto, essas palavras
rolam humildemente pelo chão.
Deixai, deixai cair uma palavra,
e outra, e outra,
os ossos do banquete,
para que me roje e as apanhe com a boca,
sendo eu menos
do que mendiga,
menos do que cadela,
sendo eu menos do que um bicho
com fome:
sendo a fome.


Hélia Correia, in Acidentes, Relógio d’Água, 2020


“Estamos doentes de abundância”

 ''sA  A Hélia afirmou numa entrevista: “Estamos doentes de abundância”. Refere-se à Europa pós-Auschwitz e ao mundo Ocidental em geral? E estamos doentes, porque na verdade essa abundância é de certa forma oca ou falsa faz algumas décadas?

HC —   A abundância é isso mesmo: o excesso. O furor de adquirir e deitar fora, o vício dos objetos, a compulsão do gasto, a ânsia das viagens em que não se conhece senão hotéis e lojas, tudo é doença do insaciável, tudo é dependência e entorpecimento. Quem pára? Poucos param. O sonho de uma vida é tomar um cocktail dentro de uma piscina. Não há maior pobreza.''


Entrevista aqui.

«Para que servem os poetas em tempo de indigência?»

  Hölderlin

Katrien De Blauwer
 

'' sA — O que é que nunca aprendemos de verdade, ou pelo contrário, aprendemos demasiado bem, no que concerne aos valores da Pólis? Com essa predestinação dos Gregos e da cultura helénica, com a qual tem mantido, mais do que um diálogo íntimo e continuado, um autêntico enamoramento?

HC — A grande perda com o fim da Grécia foi essa perda da diversidade de onde provinham o horror e a alegria, a dança e o flagelo, a liberdade e a superstição, a arrogância e o controlo da arrogância, a música e a fala, o espaço inteiro cheio de narrativas num constante devir. Perdeu-se, está perdido. E, no entanto, ainda amo essa Grécia, sem luto e sem distância. Ainda a tenho como Conselheira e Mestre. Vou lá todos os dias tal como os emigrantes voltam, no Verão, a casa.''


Entrevista aqui.

 

alexetério

 /cs/
nome masculino
FARMÁCIA substância usada para diminuir ou anular os efeitos de um venenoalexifármacoantídoto
“O que faz o poeta? Mostra aquilo que o olho nu não vê. Seja a beleza, seja a crueldade, ou seja a crueldade da beleza. O resto, ainda que venha do poeta, é do domínio da cidadania”.

Hélia Correia

 

Otherwise

«Tanzt, tanzt sonst sind wir verloren»
(Dance, dance, otherwise we’re lost)


– Pina Bausch –
I

Se a dança nos salvasse, mesmo assim
dançaríamos mal e deus algum
receberia o nosso movimento.
Pois nem se a terra nos prendesse pelas mãos
como se prende um filho, de maneira
a fazê-lo voar em rotação,
com um pouco de perigo, o que subtrai
ainda mais o corpo à gravidade,
confiávamos nela.
Já perdemos
a ligação?

Podia algum de nós,
os politicamente corrigidos,
tornar-se outra vez fera,
estar na fera,
cravar na jugular da fera os dentes
em corpo a corpo, ventas contra ventas,
cheiro dentro de cheiro, exactamente
como na fúria da reprodução, apenas
indo mais longe nela,
devorando?

A dança:
o pé batia contra o solo
e, de algum modo, enraizava ali
e, de algum outro modo, se elevava
no ar sonoro, tendo de comum
isso com as aves,
como dizem que Nijinsky
tinha delas a arcada plantar.
A pele dos animais esventrados, isso
que, de sensíveis, não podemos
conceber,
colava-se nos ombros
das mulheres, colava-se a poder
de sangue seco,
parecendo, com elas, respirar.
Sacudindo a cabeça para trás,
sacudindo a cabeça, estranha coisa,
perdendo as bailarinas
o equilíbrio
que fazia o orgulho das donzelas.
Perdendo o equilíbrio indesejável.

II

«Tudo o que a dança grega nos ensina
é a nudez
nas posições terrenas,
é quebrarmos
pelo plexo solar
onde o vigor
de toda a criatura
permanece».
Isadora não disse tudo isto
mas disse parte.
Eu vejo-a a subir
com Raymond, o irmão, pelo monte Himeto,
a carregarem água e instrumentos
para a construção da casa,
que eles queriam
semelhante ao palácio de Micenas.
Raymond e Isadora, tão esmagados
pela subida, o calor e até mesmo
pelo canto das cigarras
que era dança o que deles saía
e os outros confundiam com suor.
Era essa dança de deixar bater
o joelho no chão,
de resvalar
nos torrões ressequidos, no tomilho
que feria e perfumava.

Raymond Duncan,
cunhado de Angelos Sikelianos,
por sua vez marido de Eva Palmer,
gente de consequência todos eles,
gente capaz de recriar, em Delfos,
não apenas os ritos teatrais
mas inclusivamente a confecção
do vestuário duro e vegetal
que usavam sem pudor.
Eva, Penélope,
mulheres com um tal excesso de beleza
que isso as tornava intransigentes e as punha
a salvo de ternuras comezinhas,
atacando o trabalho de tear
não por fidelidade, como a outra,
mas numa guerra à Belle Époque e ao século
que estava a começar.
Um pouco menos de dinheiro na família
e tê-los-iam internado a todos.

III

Eu, que amei Pina Bausch muito antes
do português comum,
e ouvi depois
os novos-ricos a gritarem «bravo»
contra o seu rosto onde passava tudo
o que eles não entendiam,
gostava de pedir em alemão
«Tanzt», como ela pediu.
Estive uma vez
com uma rapariga da Holanda
que fez uma audição em Wuppertal.
«Make me laugh», eis o que Pina disse.

A rapariga,
é claro,
não entrou.
Mas não falava disso com despeito.
Brilhava, tarde fora, e não devido
à chuva que caía em Amsterdão.

Brilhava e eu não sei se, como os outros,
se esqueceu, entretanto,
de dançar.


Hélia Correia, in revista Telhados de Vidro nº 18, Maio de 2013

''Não tenho motivações criativas. Tenho frases que surgem. Algumas vezes, sigo-as. Elas sabem da minha preguiça estrutural, por isso trazem tudo pronto já: género, tamanho, sobretudo música. São uns duendes que me saltam ao caminho.''

Hélia Correia

Entrevista






''Uns escrevem, outros vão para o matadouro.''

 Hélia Correia

“A terceira miséria” (Poesia, 2012)

“Um bailarino na batalha” (Romance, 2018)

“Acidentes” (Poesia, 2020)

Hélia Correia


Hélia Correia. Fotografia de Gonçalo Rosa da Silva


 ''sinalAberto — O mundo de hoje, soberbo pela ilusão da tecnologia e pela confusão do ruído, ainda tem lugar para o indizível compasso da literatura? Porquê?

Hélia Correia — Há lugar para tudo. Isso a que chamam comunicação tecnológica não passa de um avanço na massificação dos media de registo das linguagens. Quando apareceu o livro tal como o conhecemos, os alfabetizados retiraram-se da roda da lareira onde alguém transmitia as histórias orais, curvaram-se, calados, sobre as páginas e o ambiente emudeceu bastante.

Agora todos leem, e escrevem, e encurtam as palavras, coisa que já fazíamos na linguagem oral. É uma nova imprensa, acessível ao vulgo, com as duas direções verbais escancaradas: a da produção e a da receção. Ocupam muito espaço, mas, como não existe a fisicalidade, são bolas de sabão que se desfazem à pressão do botão de desligar. Pois é ainda o humano quem detém o último poder. Ninguém se queixe. A literatura não tem nada a ver com isto. O rumor que ela faz é subaquático, é preciso correr um risco para o ouvir.''


Entrevista aqui.

 Hélia Correia:

“hoje já não se morre de civilização”, e que não há maior pobreza” quando “o sonho de uma vida é tomar um cocktail dentro de uma piscina”.

 ''O escritor pode, apenas, processar o real através do seu corpo e dar-lhe a forma de ficção, ou pensamento, poema ou crónica, para o entregar, como quem estende a mão”

Hélia Correia

Hélia Correia: “sem palavras voltamos para a pré-história”

sidonismo (1918)

“Fiz da poesia o meu refúgio e com ela mascaro a minha dor”.

 Florbela Espanca

sexta-feira, 14 de maio de 2021


 

Nina Simone - I Put A Spell On You (Full Album)

 

monossitia


nome feminino
hábito ou prática de fazer apenas uma refeição por dia

''Inverno Demográfico''

 O cuidado é, então, um modo de ser no mundo, uma forma de existir e de coexistir, de estar presente, de navegar pela realidade e de se relacionar com todas as coisas do mundo (Boff, 1999).

 ''O complexo universo das redes vem se multiplicando exponencialmente na contemporaneidade com o surgimento e desenvolvimento das redes digitais. Parece pertinente afirmar que, independentemente da natureza da rede em questão, há alguns princípios constitutivos do conceito de rizoma desenvolvido por Deleuze e Guattari (2004, p. 7-10) que permanecem inatacáveis e que podem ser aplicados a qualquer uma delas, sem distinção:

Para os autores, um rizoma é constituído pela interação entre sistemas e essa interação é muito mais do que a mera soma de suas partes. Retornar-se-á a esse assunto logo adiante, entretanto, antes que se avance, é necessário que se compreenda o que o conceito de autopoiese, inicialmente limitado aos domínios da biologia e fortemente relacionado a Francisco Varela e Humberto Maturana, está fazendo no título deste post, que se propõe a clarear os conceitos de rizoma e corpo sem órgãos, por seu turno, ligados umbilicalmente a Deleuze e Guattari.

A princípio, Varela e Maturana se mostraram surpresos com o interesse, para eles inusitado, das ciências humanas por sua teoria e se mostraram refratários à ideia da expansão do conceito de autopoiese para outros campos de conhecimento além da biologia. Porém, ao verem que essa expansão seria inevitável, sugeriram que deveria ser feita uma distinção entre o que chamaram de uso abusivo da transposição — aquela que se vale da utilização literal ou estrita da ideia, na qual, por exemplo, redes de processos se transformam em “interações entre pessoas”, e a membrana celular se transforma em “fronteira” de um agrupamento humano – daquela outra com a qual estariam de acordo, que seria a utilização por continuidade, ou utilização metonímica (1997, p. 53).

A utilização metonímica ou de continuidade se dá, de acordo com Varela e Maturana, quando se entende que a autopoiese procura pôr “a autonomia do ser vivo no centro da caracterização da biologia, e abre ao mesmo tempo a possibilidade de considerar os seres vivos como dotados de capacidade interpretativa desde sua origem. Quer dizer, aquela que permite que se veja o fenômeno interpretativo como contínuo desde sua origem até sua manifestação humana” (Ibid.).

Félix Guattari foi um dos interessados em ampliar o alcance da teoria da autopoiese para o domínio das ciências humanas. Em Caosmose (2012, p. 108), ele diz:

foi na condição de biólogos que Humberto Maturana e Francisco Varela formularam o conceito de máquina autopoiética para definir os sistemas vivos. Parece-me que sua noção de autopoiese, como capacidade de autorreprodução de uma estrutura ou de um ecossistema, poderia ser proveitosamente estendida às máquinas sociais, às máquinas econômicas e até mesmo às máquinas incorporais da língua, da teoria, da criação estética.

Nesta obra, Guattari apresenta, comenta e analisa a diferenciação que Varela e Maturana fizeram entre as máquinas auto- e alopoiéticas e observa que eles deixaram de fora da caracterização dos organismos vivos aspectos essenciais à vida, como o fato de se nascer, sobreviver e morrer em meio a um phylum genético, e defende a ideia de se repensar e expandir a teoria da autopoiese para outras áreas de conhecimento. Ele diz:

Parece-me, entretanto, que a autopoiese mereceria ser repensada em função de entidades evolutivas, coletivas e que mantêm diversos tipos de relações de alteridade, ao invés de estarem implacavelmente encerradas nelas mesmas. Assim, as instituições como as máquinas técnicas que, aparentemente, derivam da alopoiese, consideradas no quadro dos agenciamentos maquínicos que elas constituem com os seres humanos, tornam-se autopoiéticas ipso facto. Considerar-se-á, então, a autopoiese sob o ângulo da ontogênese e da filogênese próprias a uma mecanosfera que se superpõe à biosfera. (2012, p. 50)

A observação de Guattari é relevante. O ambiente, no campo das ciências humanas, qualquer que seja ele, é constituído pela interação de diversos tipos de sistemas auto- e alopoiéticos, de natureza material e/ou imaterial, como, por exemplo, homem/máquinas/tecnologias/cultura/sociedade/língua/economia – ou seja, por entidades coletivas de naturezas diversas, que se autorreproduzem em outros sistemas, formando novas ligações rizomáticas, e que, portanto, em última análise, podem ser considerados de natureza autopoiética. Em função disso, muito além de se apresentar apenas como uma mera perturbação que levará à evolução dos sistemas autopoiéticos, o ambiente, na perspectiva de Guattari, é responsável por sua própria constituição.

A partir deste momento, retoma-se o conceito de rizoma de Deleuze e Guattari. A ideia de rizoma está na base de todo o conjunto de ideias desenvolvido pelos autores e é parte do que tem sido chamado de teoria “eco-social” da produção, apresentada, pela primeira vez, em Anti-Édipo (1972). Essa teoria pretende funcionar como uma ontologia da mudança, da transformação, ou do devir.

O rizoma se apresenta como um emaranhado de relações, que aponta e se alastra em todas as direções ao mesmo tempo, e no qual cada nó pode ligar-se a qualquer outro; um rizoma não pressupõe uma diferenciação entre sujeito e objeto (o princípio da ontologia simétrica) e não apresenta começo nem fim, abolindo, portanto, a direção e o sentido do próprio tempo, que, por consequência, não se apresenta mais como uma sucessão de passado, presente e futuro: “Um rizoma não tem começo nem fim; está sempre no meio, entre as coisas, é um inter-ser (interbeing, na versão em inglês utilizada aqui), um intermezzo” (Deleuze & Guattari, 2004, p. 27).

Outra característica que se evidencia é que o rizoma se apresenta diferente cada vez que se olha para ele. Os rizomas se encontram em estado de permanente devir, ou seja, na iminência de tornarem-se outros; além disso, apresentam agentes desterritorializados e em estado simbiótico com outros agentes, o que, por consequência, promove sua modificação e favorece a emergência de uma nova e única condição, a qual se constitui na única realidade possível. O novo estado de coisas, ou a nova composição que se apresenta é caracterizada por propriedades emergentes aquém e além da mera soma de suas partes. Ou seja, tornar-se é uma combinação de partes heterogêneas, é uma aliança e não apenas uma mera filiação entre as partes: “A árvore é filiação, mas o rizoma é uma aliança, exclusivamente uma aliança” (idem).

Na dimensão abstrata e virtual da aliança rizomática dos sistemas, ecoa o conceito deleuziano de corpo sem órgãos, introduzido no livro A Lógica do Sentido de Gilles Deleuze (1969), mas que, no entanto, ganhou maior relevância e tornou-se proeminente a partir de seu trabalho em colaboração com Félix Guattari.

Segundo os autores, cada corpo tem (ou expressa) um conjunto único de características, hábitos, movimentos etc., mas que, além disso, possui também uma dimensão virtual, um reservatório de características, potencialidades, conexões e movimentos possíveis. Esse conjunto de potenciais é o que eles chamaram de corpo sem órgãos. O corpo sem órgãos é ativado ou torna-se real de fato por meio da ação/interação com outros corpos e/ou com outros corpos sem órgãos. Os conceitos por detrás dos termos real e actual (real de fato) têm relação com o que, em filosofia, são os princípios de potencialidade e realidade — dicotomia utilizada por Aristóteles a fim de analisar o movimento, a causalidade, a ética e a fisiologia em suas obras Física, Metafísica, Ética e De Anima. Real remete a algo real, mas que ainda pode estar apenas em um estado de potencialidade, não se tendo tornado efetivo. Actual, por outro lado, remete ao “de fato real”, isto é, efetivo, algo que se torna real por meio de ação, interação, movimento, mudança ou atividade que representa o exercício ou cumprimento de uma possibilidade. Exemplo: uma tesoura tem o potencial de cortar tecido ou matar alguém e ambos, a tesoura e seu potencial, são reais, mas, se a tesoura for guardada na gaveta, seu potencial de cortar ou matar não será consumado. A tesoura só atingiria a capacidade de cortar ou matar de fato se a ação de cortar um tecido ou matar alguém fosse executada.

O conceito de corpo sem órgãos, inicialmente, se referia apenas à dimensão virtual do próprio corpo, mas, em Mil Platôs (1980), Deleuze e Guattari começaram a utilizar o conceito em sentido mais amplo, para se referir à dimensão virtual da realidade em geral.

O desenvolvimento dos conceitos de rizoma e corpo sem órgãos, no trabalho conjunto com Gilles Deleuze, e a argumentação de Guattari em defesa da expansão da teoria autopoiética para além do domínio biológico, em Caosmose, ajudaram a preencher, pelo menos em parte, a lacuna deixada por Maturana e Varela no aprofundamento das questões relativas à interação dos sistemas/organismos com o ambiente – ao menos no que diz respeito à transposição do conceito de autopoiese para o campo das ciências humanas, no qual as redes não exclusivamente biológicas operam em alianças rizomáticas, como anteriormente explorado.

A partir de Deleuze e Guattari, o ambiente se transformou de uma mera perturbação que conduz à adaptação dos sistemas autopoiéticos – como em Varela e Maturana – em corresponsável pela própria constituição dos sistemas e das alianças em questão. Além disso, passou a contribuir com o modo como esses sistemas interagem uns com os outros, independentemente de serem de mesma natureza ou de natureza diversa, ou seja, de natureza alo- ou autopoiética. A partir dos conceitos de Deleuze e Guattari, a complexa aliança entre sistemas pode ser identificada, descrita e analisada no ambiente das contingências e dos contextos associativos.

 

REFERÊNCIAS 

DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Perspectiva, 2007.

DELEUZE, Gilles and Félix Guattari. A Thousand Plateaus: Capitalism and Schizophrenia. London/ NY: The Continuum Publishing Company, 2004.

FANAYA, Patrícia. Autopoiese, Semiose e Tradução: Vias para a Subjetividade nas redes Digitais. 2014. F. 151. Tese de doutorado em Comunicação e Semiótica (maiúscula pois é o nome do Programa) – Pontifícia Universidade Católica, SP.

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Tradução: Ana L. Oliveira e Lúcia C. Leão. Coleção Trans. 2. ed. Rio de Janeiro, Ed. 34, 2012.

MATURANA, Humberto & Francisco Varela. De Máquinas e Seres Vivos — Autopoiese: A organização do vivo. 3. ed.; Tradução Juan Acuña Llorens. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

VARELA, Francisco; MATURANA, Humberto. Autopoiesis and Cognition: The Realization of the Living. Dordrecht: Holland/Boston, USA: D. Reidel Publishing Company, 1980.

VARELA, Francisco; MATURANA, Humberto. A Árvore do Conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. Tradução: Humberto Mariotti e Lia Diskin. São Paulo: Palas Athena, 2011.''


Pauliana Valente Pimentel, da série Kub'Al Khali
 

“Enação” - a ação guiada pela percepção

 ''Enação é um termo cunhado pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela (1980, citados por Varela e cols., 1993), a partir da expressão espanhola en acción.

A enação pode ser compreendida em dois pontos congruentes e complementares:

1 - A ação guiada pela percepção, ou seja, a compreensão da percepção é a compreensão da forma pela qual o sujeito percebedor consegue guiar suas ações na situação local.

"Na medida em que estas situações locais se transformam constantemente devido à atividade do sujeito percebedor, o ponto de referência necessário para compreender a percepção não é mais um mundo dado anteriormente, independente do sujeito da percepção, mas a estrutura sensório-motora do sujeito."(Varela e cols., 1993, p. 235)

2 - A cognição, em suas estruturas, emerge dos esquemas sensório-motores vivenciados que permitem à ação ser construída e guiada pela percepção. É a estrutura vivencial sensório-motora contextualizada, "a maneira pela qual e sujeito percebedor está inscrito num corpo, [...] que determina como o sujeito pode agir e ser modulado pelos acontecimentos do meio." (Varela e cols., 1993, p. 235)''


  • Varela, F., Thompson, E. & Rosh. E. (1993). L’inscription corporelle de l’esprit. Sciences cognitives et expérience humaine. Paris: Editions du Seuil.
  • Arendt, R. J. J. (2000). O desenvolvimento cognitivo do ponto de vista da enação, Psicologia: Reflexão e Crítica, vol.13 n.2 Porto Alegre

 

autopatia

nome feminino
1.
egoísmo exagerado
2.
insensibilidade perante o mal alheio

autopoiese, enação, simpoiese e enação autopoiética

 

anacenose

nome feminino
figura de estilo que consiste numa interpelação feita a outrem para lhe solicitar a opinião, estando certo de que esse parecer lhe será favorável

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Mário Viegas

 Era uma vez dez meninas

de uma aldeia muito probe.
Deu um tranglomanglo nelas
não ficaram senão nove.

Era uma vez nove meninas
que só comiam biscoito.
Deu um tranglomanglo nelas
não ficaram senão oito.

Era uma vez oito meninas
em terras de dom Esparguete
Deu um tranglomanglo nelas
não ficaram senão sete.

Era uma vez sete meninas
lindas como outras não veis.
Deu um tranglomanglo nelas
não ficaram senão seis.

Era uma vez seis meninas
em landas de Charles Quinto.
Deu um tranglomanglo nelas
não ficaram senão cinco

Era uma vez cinco meninas
em um triângulo equilatro.
Deu um tranglomanglo nelas
não ficaram senão quatro.

Era uma vez quatro meninas
qu'avondavam só ao mês.
Deu um tranglomanglo nelas
não ficaram senão três.

Era uma vez três meninas
em o paço de dom Fuas.
Deu o tranglomanglo nelas
não ficaram senão duas.

Era uma vez duas meninas
ante um home todo espuma.
Deu um tranglomanglo nelas
transformaram-se em só uma.

Era uma vez uma menina
terrada em terral (coval) mui fundo.
Deu um tranglomanglo nela
voltaram as dez ao mundo.

Mário Cesariny de Vasconcelos

segunda-feira, 10 de maio de 2021

The Doors. Waiting for the Sun. 1968.



Ivan’s Childhood. Andrei Tarkovsky, 1962.



 

''A Fábula A Gata e Afrodite, em que a gata, transformada em mulher pela deusa, se esquece da sua nova condição e corre atrás de um rato para o comer, Esopo viu a seguinte lição: "O perverso pode mudar de aparência, mas nunca de hábitos".

Fonte: Wikipédia

 No Cão e a sua Sombra existe a moral de que "Cuidado em não perderes o essencial, ao tentares agarrar a tua sombra"

Fábula de Esopo

O Galo e a Pérola

Fábula de Esopo

fabulista

razoar

 «Creio que, com o tempo, mereceremos que não haja governos.»

Jorge Luis Borges

The Doors - Love Her Madly


Don't ya need her badly?
Don't ya love her ways?
Tell me what you say
Don't ya love her madly?
Want to be her daddy?
Don't ya love her face?
Don't ya love her as she's walkin' out the door?
Like she did one thousand times before
Don't ya love her ways?
Tell me what you say?
Don't ya love her as she's walkin' out the door?
All your love
All your love
All your love
All your love, all your love is gone
So sing a lonely song
Of a deep blue dream
Seven horses seem to be on the mark
Yeah, don't you love her?
Don't you love her as she's walkin' out the door?
All your love
All your love
All your love
Yeah, all your love is gone
So sing a lonely song
Of a deep blue dream
Seven horses seem to be on the mark
Don't ya love her madly?
Well, don't ya love her madly?
Yeah, don't ya love her madly?

Compositores: John Densmore / Ray Manzarek / Robby Krieger / James Morrison

Quetzalcoatl

Quetzalcoatl ''( /ˌkɛtsɑːlkˈɑːtəl/) é uma divindade na cultura e na literatura mesoamericanas cujo nome vem da língua Nahuatl e significa "serpente emplumada" ou "serpente de penas quetzal". A adoração de uma Serpente Emplumada foi documentada pela primeira vez no Teotihuacan no primeiro século a.C. ou no primeiro século d.C..Esse período situa-se no período do pré-clássico até o início do período clássico (400 a.C. - 600 d.C.) da cronologia mesoamericana, e a veneração da figura parece ter se espalhado por toda a Mesoamérica pelo período clássico tardio (600–900 d.C.).''

Fonte: Wikipédia

mise en abîme

 "narrativa em abismo", usado pela primeira vez por André Gide ao falar sobre as narrativas que contêm outras narrativas dentro de si.

Fobias

 

cainotofobia

cai.no.to.fo.bi.a
kajnɔtɔfuˈbiɐ
nome feminino
PSICOLOGIA aversão patológica às novidades ou às novas situaçõescainofobia

 "Não estamos aqui para brincar. A vida não é brincadeira nenhuma. Mas um pouco de sonho nunca fez mal. Principalmente a um velhadas de 73. Sonho ou desejo ou ambição. Talvez mesmo ou até: cagança. Sim, isso."


in Prazo de Validade

Escritor, editor e crítico, Luiz Pacheco nasceu neste dia 7 de maio, no ano de 1925.

domingo, 9 de maio de 2021

"Saint Cloud", Waxahatchee


 Fotografia José Morujão

 ''A gratuitidade da violência é um factor determinante na nossa era tecnológica decorrente, maioritariamente, do poder da imagem.''


A (DES)APRENDIZAGEM DO HUMANO EM O REINO DE GONÇALO M. TAVARES 

Tese de Mestrado. Maria Margarida de Araújo e Marques Coimbra, 2010

 ''A ameaça hoje não é a passividade, mas a pseudo-actividade, a premência de «sermos activos», de «participarmos», de mascararmos o nada do que se move. As pessoas intervêm a todo o momento, estão sempre a «fazer alguma coisa»; os universitários participam em debates sem sentido, e assim por diante. O que é verdadeiramente difícil é darmos um passo atrás, abstermo-nos. Os que estão no poder preferem muitas vezes até mesmo uma participação crítica, um diálogo, ao silêncio: implicar-nos no «diálogo», de modo a assegurarem-se de que a nossa ameaçadora passividade foi quebrada. (…) Por vezes, não fazer nada é a coisa mais violenta que temos a fazer.''

 Slavoj Žižek, Violência

 ''Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. 

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. 

Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive. ''


 Ricardo Reis

Livro:  "A morte e morrer entre o lugar e o deslugar"

 Padre José Nuno Ferreira da Silva

Vamos morrer

Vamos morrer, mas somos sensatos,
e à noite, debaixo da cama,
deixamos, simétricos e exactos,
o medo e os sapatos.


Pedro Mexia,
Senhor Fantasma

sexta-feira, 7 de maio de 2021

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