A small dance [pequena dança] é talvez um dos momentos de pesquisa em que formalmente Steve Paxton mais se aproxima da questão da quietude. O exercício da small dance [pequena dança] consiste, essencialmente, na permanência de um corpo em pé. Aqui, a questão da quietude não tem que ver necessariamente com um corpo parado. O próprio Paxton o diz quando escreve: “estar quieto não é, na verdade, [estar] imóvel” [1]. O corpo parado está a observar o movimento necessário à verticalidade, a mobilidade imprescindível para evitar a queda. Paxton esclarece:
Equilibrar-se nas duas pernas mostra ao corpo do bailarino o seu constante movimento com a gravidade. Observar os ajustes que o corpo produz para não cair aquieta. É uma meditação. É assistir aos reflexos em acção, sabendo que estes são subtis e seguros- não apenas medidas de emergência. [2]
Mais ainda do que observar a impossibilidade da quietude, o corpo parado percebe o campo em que as forças trabalham para que ele se mantenha de pé, num exercício de equilíbrio permanente, numa postura de auxílio, um corpo cooperante:
Pomos-te em contacto com o esforço fundamental de apoio que constantemente se mantém no teu corpo, e do qual não tens, habitualmente, necessidade de estar consciente. É um movimento estático que serve de fundo - tu percebes o que quero dizer - e que tu poluis com as tuas diversas actividades, mas que está constantemente presente para te suster/apoiar.” [3]
Neste exercício existe, possivelmente, um silêncio intermitente que clarifica a percepção daquilo que é visto e daquilo que ultrapassa a visão - os dados subtis dos sentidos. Paxton escreve: “Enquanto estou em silêncio, distingo experiências ou modos de experiência e sou capaz de percepcionar o não-visível e o visível. O que acontece antes age sobre aquilo que acontece depois.” [4] Paxton prossegue, referindo a passagem de corpo emissor a corpo receptor. Como se abandonássemos o vício de emissão reactiva - falar, mexer, dar opinião - na tentativa de desocultar as vontades submersas no corpo atento.
Portanto, o “silêncio” do corpo, a “imobilidade”, é aquilo que prepara o movimento ou acção - “o que acontece antes age sobre aquilo que acontece depois”. A small dance parece dedicar-se ao que acontece nesse espaço generativo, estudando os confins da percepção sensorial, sensitiva, e arriscando-se a uma profunda escuta submersa na “ausência” de decisão voluntária de movimento. Como escreve o teórico André Lepecki,
(…) no intervalo entre o âmago da subjectividade e a superfície do corpo, existe não mais do que a revelação de um infinito, ilocalizável espaço para a micro-exploração do potencial múltiplo de subjectividades “não sentidas” e de “realidades corporais” escondidas. A pequena dança acontece nesse não-lugar; o bailarino deve aí explorar o ilocalizável, entre a subjectividade e a imagem do corpo. [5]
Existe, pois, um deslocamento da ontologia da dança. Deixando de recriar o motivo cinético, é inaugurado um novo capítulo na história do movimento que, em parte, se funda nas descobertas reveladas pela quietude. Inicia-se a viagem pelo infinitesimal, mesmo no espaço entre o interior do corpo e a sua superfície. Como um estudo de escala, que partisse do mais subtil para fortalecer a vontade de movimento além da superfície corporal. Lepecki fala do “ilocalizável” entre a subjectividade e a imagem do corpo.