domingo, 14 de junho de 2020

bioco

 /ô/
bi.o.co
ˈbjoku
nome masculino
1.
mantilha usada para cobrir a cabeça e parte do rosto
2.
figurado hipocrisiafalsa modéstia
3.
figurado gesto ameaçadorameaça

BIOCO



Raul Brandão escreve a propósito do bioco no seu livro "Os Pescadores", em 1922:Biocos.jpg (102891 bytes)
" Ainda há pouco tempo todas (as mulheres de Olhão) usavam cloques e bioco. O capote, muito amplo e atirado com elegância sobre a cabeça, tornava-as impenetráveis.
É um trajo misterioso e atraente . Quando saem, de negro envoltas nos biocos, parecem fantasmas. Passam, olham-nos e não as vemos. Mas o lume do olhar, mais vivo no rebuço, tem outro realce... Desaparecem e deixam-nos cismáticos. Ao longe, no lajedo da rua ouve-se ainda o cloque-cloque do calçado - e já o fantasma se esvaiu, deixando-nos uma impressão de mistério e sonho. é uma mulher esplêndida que vai para uma aventura de amor? De quem são aqueles olhos que ferem lume?... Fitou-nos, sumiu-se, e ainda - perdida para sempre a figura -, ainda o som chama por nós baixinho, muito ao longe-cloque..."

“A gente segue pelas ruas desertas, e, de quando em quando, irrompe duma porta um fantasma negro e disforme, de grande capuz pela cabeça. São quase sempre as velhas que o usam, mas as raparigas, metidas na concha deste vestuário, que pouco varia de ilha para ilha, chegam a comunicar encanto ao capote monstruoso. (…) Começo a achar interesse a este fantástico negrume e resolvo que devia ser o único trajo permitido às mulheres açorianas.”

  

ex.co.gi.tar

«Só depois de a haver beijado e desvendado e de a ter perturbado e revolvido como ninguém até então, com gestos novos e macios, é que ele - só então - se ilhara dela a fumar, resserenado, »

Urbano Tavares Rodrigues. Bastardos do Sol. Prefácio de Claude Michel Cluny. Círculo de Leitores, 1974., p. 55
I had a friend one time, at least I thought he was my friend
For he came to me, said "I ain't got no place to go"
I said "take it easy man, you can come home to my house,
I'll get you a pillow where you can rest your head"
Took him home with me, let him in my house,
Let him drive my Cadillac that I could not afford
When I found out he'd been messin' around with my baby
You know I'm mad like Al Capone (I'm burnin' up)
I said I'm mad (I'm burnin' up)
Like Sonny Liston yeah (I'm burnin' up)
You know baby I'm mad (I'm burnin' up)
Like Cassius Clay (I'm burnin' up)
You know I'm mad (I'm burnin' up) you know I'm mad
Yeah baby, alright baby (I'm burnin' up)
I'm mad, come on (I'm burnin' up)
Took him home with me, introduced him to my baby,
He began to talk to her, made her think the moon was blue
You know I think I ought to tell you daddy
I'm mad, I said I'm mad with you
I don't know what I'm gonna do to you
I might drown you, I might shoot you
I just don't know because I'm mad
I said I'm mad (I'm burnin' up)
You know I'm mad (I'm burnin' up)
I don't have to tell you I'm mad (I'm burnin' up)
I'm mad with you yeah (I'm burnin' up)
I said I'm mad (I'm burnin' up)
Yeah yeah yeah (I'm burnin' up)
I said I'm mad (I'm burnin' up)
You know I'm mad, oh baby I'm mad
Oh I said I'm mad, you know I'm mad, oh baby I'm mad

Compositores: John Lee Hooker


«Quando as rosas se acabavam, arranjava outras flores, mensagens de segundo grau (do tempo intervalar que menos lhes pertencia), mas onde ainda pudessem encontrar alguma sugestão de carne, ou mesmo de ferida, e de paixão.»


Urbano Tavares Rodrigues. Bastardos do Sol. Prefácio de Claude Michel Cluny. Círculo de Leitores, 1974., p. 53

«À entrada desta rua,

À saída desta estrada,
Terás a rosa de sangue
Qu'inda não foi desfolhada.»


Urbano Tavares Rodrigues. Bastardos do Sol. Prefácio de Claude Michel Cluny. Círculo de Leitores, 1974., p. 53

mexerufada

dar às palhetas
andar depressa
dar de palheta
trabalhar
passar as palhetas a
esgueirar-se a, suplantar
popular ter palheta
ter conversa, ter palavreado, ter lábia



«; e a vila, que não tinha por costume festejar o filho pródigo, a ele, sim senhor, rendia-se-lhe à sua madracice fantasista, ao seu instinto da gentileza com um grão de insolência.

- Toma, mandei-a vir de Lisboa. Como agora não há rosas... - dizia, com uma suavidade experiente e ambígua de menino de coro, estendendo-lhe a caixa de plástico transparente em cujo fundo dormia uma orquídea roxa e amarela.» 
 Tinha uma palheta de ouro no fundo dos olhos pretos. E era esse  misto de candura e cinismo, só para ela, o que mais a prendia àquele rapaz confessamente egoísta e leviano »

Urbano Tavares Rodrigues. Bastardos do Sol. Prefácio de Claude Michel Cluny. Círculo de Leitores, 1974., p. 50

ma.ra.fa.do


''vaidade ferida''


Urbano Tavares Rodrigues. Bastardos do Sol. Prefácio de Claude Michel Cluny. Círculo de Leitores, 1974., p. 46

''Já a geada lhe picava as mãos.''


Urbano Tavares Rodrigues. Bastardos do Sol. Prefácio de Claude Michel Cluny. Círculo de Leitores, 1974., p. 41

''vespeiro de grevistas''


Urbano Tavares Rodrigues. Bastardos do Sol. Prefácio de Claude Michel Cluny. Círculo de Leitores, 1974., p. 40
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sábado, 13 de junho de 2020

Death of Hypatia by William Mortensen





Angie, Angie
When will those dark clouds all disappear
Angie, Angie
Where will it lead us from here
With no lovin' in our souls
And no money in our coats
You can't say we're satisfied
Angie, Angie
You can't say we never tried
Angie, you're beautiful
But ain't it time we say goodbye
Angie, I still love you
Remember all those nights we cried
All the dreams were held so close
Seemed to all go up in smoke
Let me whisper in your ear
Angie, Angie
Where will it lead us from here
Oh, Angie, don't you wish
Oh your kisses still taste sweet
I hate that sadness in your eyes
But Angie
Angie
Ain't it time we said goodbye
With no lovin' in our souls
And no money in our coats
You can't say we're satisfied
Angie, I still love you baby
Everywhere I look I see your eyes
There ain't a woman that comes close to you
Come on baby dry your eyes
Angie, Angie ain't good to be alive
Angie, Angie, we can't say we never tried


Compositores: Keith Richards / Mick Jagger
Childhood living is easy to do
The things you wanted I bought them for you
Graceless lady you know who I am
You know I can't let you slide through my hands
Wild horses couldn't drag me away
Wild, wild horses couldn't drag me away
I watched you suffer a dull aching pain
Now you've decided to show me the same
No sweeping exit or offstage lines
Could make me feel bitter or treat you unkind
Wild horses couldn't drag me away
Wild, wild horses couldn't drag me away
I know I've dreamed you a sin and a lie
I have my freedom but I don't have much time
Faith has been broken tears must be cried
Let's do some living after we die
Wild horses couldn't drag me away
Wild, wild horses we'll ride them some day
Wild horses couldn't drag me away
Wild, wild horses we'll ride them some day

Compositores: Keith Richards / Mick Jagger

bibliófilo

“carregando consigo o manto negro que é a dor, perdeu o instinto do sexo; é já somente o suporte dos atos humanos de um eu empírico; um reflexo, uma coisa-em-si passada. Um sem futuro”

João Miguel Fernandes Jorge

 “Há muito que são velhas, vestidas / de preto até à alma. / Contra o muro / defendem-se do sol de pedra; / ao lume / furtam-se ao frio do mundo. / Ainda têm nome? Ninguém / pergunta, ninguém responde. / A língua, pedra também”

Eugénio de Andrade
 “Estás sentada no jardim / as mãos no regaço cheias de doçura, / os olhos pousados nas últimas rosas / dos grandes e calmos dias de setembro.''

Eugénio de Andrade

As Mães

Elas são as Mães, essas mulheres que Goethe pensa estarem fora do tempo e do espaço, anteriores ao Céu e ao Inferno, assim velhas, assim terrosas, os olhos perdidos e vazios ou vivos como brasas assopradas. Solitárias ou inumeráveis, aí as tens na tua frente, graves, caladas, quase solenes na sua imobilidade, esquecidas de que foram o primeiro orvalho do homem, a primeira luz. (p. 95)

Eugénio de Andrade

“o demo sabe muito porque é velho”

ditado popular

“o pastor, a criança e a mulher de negro”

O artista plástico Jorge Pinheiro, numa conversa informal com Eugénio de Andrade, perguntou-lhe quais eram os seus “fantasmas”. Desassombradamente, o poeta respondeu: “o pastor, a criança e a mulher de negro”.
“Penso na morte da raça humana. A longa e estranha viagem do macaco nu. Não quero soar ligeiro, leve, mas a vida de toda a gente é tão transitória. Todos os seres humanos, não importa quão fortes ou poderosos sejam, são frágeis relativamente à morte. Penso isso em termos gerais, não de uma forma pessoal”.

Bob Dylan em entrevista

New Order - Power, Corruption and Lies 1983 Full Vinyl

A infância de Herberto Helder


No princípio era a ilha
embora se diga
o Espírito de Deus
abraçava as águas

Nesse tempo
estendia-me na terra
para olhar as estrelas
e não pensava
que esses corpos de fogo
pudessem ser perigosos

Nesse tempo
marcava a latitude das estrelas
ordenando berlindes
sobre a erva

Não sabia que todo o poema
é um tumulto
que pode abalar
a ordem do universo agora
acredito

Eu era quase um anjo
e escrevia relatórios
precisos
acerca do silêncio

Nesse tempo
ainda era possível
encontrar Deus
pelos baldios

Isto foi antes
de aprender a álgebra

Os dias de Job

Às vezes rezo
sou um cego e vejo
as palavras o reunir
das sombras

às vezes nada digo
estendo as mãos como uma concha
puro sinal da alma
a porta

queria que batesses
tomasses um por um os meus refúgios
estes dedos
inquietos na ignorância
do fogo

pois que tempo abrigará
os anjos
e que dia erguerá todo o sol
que há nas dunas

por isso
às vezes chove quando rezo
às vezes quase neva
sobre o pão

A casa onde às vezes regresso

A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos

Durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo

Tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração
A presença mais pura

Nada do mundo mais próximo
mas aqueles a quem negamos a palavra
o amor, certas enfermidades, a presença mais pura
ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância da língua comum deixaste
o teu coração?»

A altura desesperada do azul
no teu retrato de adolescente há centenas de anos
a extinção dos lírios no jardim municipal
o mar desta baía em ruínas ou se quiseres
os sacos do supermercado que se expandem nas gavetas
as conversas ainda surpreendentemente escolares
soletradas em família
a fadiga da corrida domingueira pela mata
as senhas da lavandaria com um «não esquecer» fixado
o terror que temos
de certos encontros de acaso
porque deixamos de saber dos outros
coisas tão elementares
o próprio nome

Ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância deixaste
o coração?»




Os amigos

Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura

Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis

Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor
A noite abre meus olhos

Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado

Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes

A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta

o amor é uma noite a que se chega só


O esterco do mundo

Tenho amigos que rezam a Simone Weil;
Há muitos anos reparo em Flannery O’Connor

Rezar deve ser como essas coisas
que dizemos a alguém que dorme
temos e não temos esperança alguma
só a beleza pode descer para salvar-nos
quando as barreiras levantadas
permitirem
às imagens, aos ruídos, aos espúrios sedimentos
integrar o magnífico
cortejo sobre os escombros

Os orantes são mendigos da última hora
remexem profundamente através do vazio
até que neles
o vazio deflagre

São Paulo explica-o na Primeira Carta aos Coríntios,
«até agora somos o esterco do mundo»
citação que Flannery trazia à cabeceira


O poema

O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há verdadeiro poema que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no mundo para além daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo repudia.
Os justos

Começam o dia louvando o imperfeito:
o tempo que se inclina para o lado partido
as escassas laranjas que se tornam
amarelas no meio da palha
as talhas sem vinho

Olham por dentro a brancura da manhã
e em tudo quanto auxilia um homem no seu ofício
louvam o vulnerável e o inacabado

Estão sentados à soleira dos espaços
trabalhados devagar pelo silêncio

Quando Deus voltar
não terá de arrombar todas as portas

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Retrato de Pasolini em Nova Iorque

Vejo-o nesta fotografia em Times Square
agitado como era
por desejos, por desesperos em sucessão
diante de uma irónica parede publicitária
com as palavras Castro e Coca-Cola

Vejo-o vestido no modo mais sincero
como um desses miúdos dos College
conscientes da sua elegância
nem ingénua nem mítica:
a camisola vistosa, de uma cor inacreditável
calças de veludo, um pouco estreitas
sapatos de couro perfeito

Quando se encosta à janela onde a luz bate
sobre os olhos lúcidos, dissidentes, provocatórios
sobre a face imutável e emagrecida
percebemos então a idade que tem:
os seus quarenta e quatro anos
a somar aos setecentos que teria hoje Boccacio

Não houve aqui noite passada
que não desse por si sozinho
nas estradas escusas do Harlem, de Greenwich Village ou de Brooklyn
em bares onde nem a polícia entra
à procura daquela América infame
de onde regressava
já quase manhã
com os restos de uma canção
que não queria esquecer
e o corpo derrubado pela surpresa
de estar vivo

No verso desta fotografia
que me acompanha há tantos anos
escrevi também uma frase sua
sobre a blasfémia
que a santidade tem de ser
E ao balcão deste café, não longe de Times Square
dou comigo a pensar
confusamente em tudo isto

Voto de pobreza

Escolheram viver em casas frias
com enfermos, bêbados, criminosos
e podem descrever muitos tipos de piolhos do corpo
Deixam que os olhos se mortifiquem
na visão de excrementos e membros mutilados
bocas, narizes, olhos
(não são pecadores decentes
os receptores do amor de Cristo)

A frugalidade alumia neles o que vem
a escassez interpreta a oferenda
mas tendo esvaziado assim os seus celeiros
ainda dizem
«nada entreguei»

pois a pobreza verdadeira não é essa:
é aceitar que depois de tudo
o pai do filho pródigo não queira saber
porque se parte
ou porque se regressa
[A tua sede]

A tua sede peregrino
não se aplaca na água
mas pela pedra

biblista

Elis Regina - O Bêbado e a Equilibrista

doutrinação improvisada

umbilicalismo

«O sujeito clássico tradicional é um sujeito unário; o sujeito modernista é um sujeito vário; e o sujeito do classicismo modernista é um sujeito binário, lugar tenso e intenso de uma conflitualidade interna» 

(Luís Adriano Carlos, «O Classicismo Modernista de José Régio», Línguas e Literaturas, vol. VIII, Porto, 1991, p. 129).  

poesia regiana

o microcosmos do Homem

''Só depois de reconhecido um autor como personalidade própria, ou uma obra como realidade objectiva, se poderá criticá-lo ou criticá-la, e dentro da sua esfera. Então se achará que a sua órbita não é tão apertada como de princípio nos parecera. Então se pensará que a alma dum criador sempre é mais rica, mais diversa, do que a imagem que, no geral, a consagração pública emoldura, para em sossego a contemplar. ''

JOSÉ RÉGIO 

quinta-feira, 4 de junho de 2020

E dói-me esse rio de já me não amares
de já me não quereres assim como eu te quero
de não sobressaltares porque sou eu que te espero
em esquinas de lágrima ou sorriso
foi-se o amor chegou o siso
e eu
que não nasci para ter juízo

E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas está, dê para o que der
e doa a quem doer

Passam sanguessugas pelos trilhos da memória
umas são mortas, outras são vivas,
outras são glória
de já não existir e teimar em persistir
e eu vou ao vento, sou palmeira seca,
sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim
sou uns dias teu, outros assim assim

E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas sente, e já pouco quer
para além de seres mulher

E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou
mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música
perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa
é coça umbigo, vai ter que parar

Mas dói-me o teu ventre que não afago
como quem não sabe nadar
e hoje é de festa, amanhã é de mar
é de mar

Manuel Cintra
in Não sei nunca por onde,
Quasi Edições

Canja de Galinha (com Miúdos)


Luís Miguel Cintra: "Há uma vontade do sistema político de estupidificar as pessoas"

O encenador serviu uma Canja de Galinha (com Miúdos) para aliviar a azia provocada pelos males da sociedade contemporânea.

sábado, 30 de maio de 2020

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Excertos do livro Cravo (1976),“Mulheres e Revolução”:
“O dia nasce, elas acendem o lume.
Elas cortam o pão e aquecem o café.
Elas picam cebolas e descascam batatas.
Elas migam sêmeas e restos de comida azeda.
Elas chamam ainda escuro, os homens, os animais e as crianças.
Elas limpam as pias e as tinas e as coelheiras e os currais.
Elas esfregam o chão de joelhos com escova de piaçaba e sabão amarelo.
Elas põem a tranca no palheiro.
Elas enterram o dedo mínimo na galinha a ver se tem ovo.
Elas pousam o alguidar na borda da pia para aguentar.
Elas arredam a coberta da cama.
Elas abrem-se para um homem cansado.
Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado.
Elas alargam o cós das saias.
Elas choram a vomitar.
Elas talham cueiros.
Elas untam o mamilo gretado com um dedal de manteiga.
Elas raspam as fezes das fraldas com uma colher romba.
Elas lavam os lençóis com urina.
Elas compram o lápis, a lousa e a pasta de cartão.
Elas espremem as tetas da vaca para um balde apertado entre as pernas.
Elas carregam o cesto de azeitonas à cabeça.
Elas sobem para um caixote, que ainda são pequenas para chegar à bancada de descamar o peixe.
Elas acertam em duzentos casacos a postura da manga onde cravar o botão.
Elas fazem todas as camas e despejos de uma família alheia.
Elas batem à máquina palavras que não entendem.
Elas ficam absorvidas com a mola da roupa entre os dentes a olhar o gato.
Elas queriam outra coisa.
Elas fizeram greves de braços caídos.
Elas brigaram em casa para ir ao Sindicato e à Junta.
Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas.
Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas.
Elas choraram no cais, agarradas aos filhos que vinham da guerra.
Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água.
Elas disseram à mãe e à sogra que isso era antes.
Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa, a dizer-lhes como é.
Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas.
Elas sentaram-se à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões.
Elas levantaram o braço nas grandes assembleias.
Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada.
Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens.
Elas iam e não sabiam para onde, mas que iam. (…)

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Maria Velho da Costa (1938-2020)

Maria Velho da Costa uma das ‘três Marias’, que desafiou escrever num tempo em que a liberdade faltava. Desafiou a ditadura com um manifesto contra todas as formas de opressão, tornando-se um símbolo da luta pela liberdade, igualdade e direitos da mulher.
Prémio Camões 2002
Maria Velho da Costa

O júri elogiou-lhe «a inovação no domínio da construção romanesca, no experimentalismo e na interrogação do poder fundador da fala».

Ficcionista

Maina Mendes (1969), Casas Pardas (1977), Missa in Albis (1988)

Defensora dos direitos das mulheres, foi uma das "Três Marias" acusadas pelo Estado Novo de ter escrito um livro de «conteúdo insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública».

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Les Jambes - Legs, ca. 1929 Albert Rudomine


''academização”

verismo

ve.ris.mo
vəˈriʒmu
nome masculino
1.
corrente que surgiu no final do século XIX em Itália em defesa da representação fiel do real e da verdade na arte e na literatura, nomeadamente de vertentes relacionadas com os problemas sociais, o quotidiano, o feio e o vulgar
2.
presença de vertentes relacionadas com os problemas sociais, o quotidiano, o feio e o vulgar em obras artísticas
3.
MÚSICA (ópera) escola caracterizada pela violência e intenso realismo do libreto associados à sentimentalidade da realização musical
Tudo o que está sobre o palco é fundamentalmente “inútil”.

Jean Jourdheuil, woyzeckThêatre ouvert, Stock

construção sociopolítica

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Louva-a-Deus Gigante da Malásia (Rhombodera Basalis)


feminilização

marxismo negro

«(...) Traverso percebe os desafios da história a contrapelo na hora mais drástica de nossa sociabilidade destrutiva, quando neofascismo e ultraliberalismo amalgamam oprimidos e opressores de uma forma que daria inveja aos totalitarismos da primeira metade do século xx.»


Traverso, Enzo (2018), Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória. Eduardo Rebuá., p. 191-193


Traverso, Enzo (2018), Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória. Belo Horizonte: Editora Âyiné, 487 pp. Tradução de André Bezamat
«coloca no divã os lutos vividos marginalmente e a boemia em suas metamorfoses e intérpretes (Trótski, Benjamin, os surrealistas, Marx, etc.)»


Traverso, Enzo (2018), Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória. Eduardo Rebuá., p. 191-193
«Bordada pela temporalidade e pela insubmissão, a memória das lutas revolucionárias – ainda inseridas de modo controverso em muitos livros de história – aparece no livro prenhe de sentimento melancólico, não enquanto lamento, mas enquanto percepção dos derrotados no processo de rememoração (Eingedenken). »

Traverso, Enzo (2018), Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória. Belo Horizonte: Editora Âyiné, 487 pp. Tradução de André Bezamat



experiências, utopias, paixões e ideologias

olhar benjaminiano

 obra de Enzo Traverso 
Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória.

marxismo gramsciniano

redemocratização

multiplicação de fake news

“falsificação histórica”
Correntes teóricas: Fenomenologia, Funcionalismo, Estruturalismo, Pós-estruturalismo, Construtivismo, Interacionismo simbólico, Teoria Crítica e, mais recentemente, os Estudos pós-coloniais, Teorias Feministas, Estudos Culturais e Hibridismo

“ressignificação”,

Pari passu

"saiu-te a carta na farinha amparo"

"trigo limpo, farinha amparo"

Expressões



Baby baby baby You know I love you And I know you could love me too But you can't let yourself be unfaithful You can't let yourself be untrue If I thought it would make just a little bit of difference I'm ready to get down on my knees, yes I would But I might as well make myself face it I know that you'd never you never belong to me That's why it hurts, hurts me so much It hurts me so much To be unable to look when you know I can't touch I know the best thing to do, is to try to be stronger Push my heart out of the way I can't let it go on any longer The game, the game is getting too rough, too rough to play That's why it hurts, hurts me so much It hurts, hurts me so much It hurts, hurts me so much It hurts, it hurts me so much
Writer(s): Charles R. Chalmers

A reconstrução das memórias sociais e coletivas

terça-feira, 12 de maio de 2020

neste ínterim
neste entretanto

“cultura da memória e da política da memória”

Queria acreditar em algo além,
Além da morte que a desfez.
Queria poder dizer a força
Com que outrora desejamos,
Nós, já submersos,
Poder mais uma vez juntos
Caminhar livremente sob o sol
Levi (2019 [1946]: 21)

nem num nem noutro lugar (betwixt and between)

maioral das mulas


Gaita-de-beiços

cartas lidas por "censores"

argumento civilizador

o combate à insalubridade

Leprosário

Não se suponha que queremos um Leprosário género Penitenciária ... . Queremos que o Leprosário seja uma ridente aldeia, alegre, cheia de higiene e até com uma certa beleza. Casas modestas, simples, mas com muito encanto, hortas, jardins, muitas árvores, muitas flores, muita água, casa para divertimentos, estabelecimentos comerciais, oficinas, enfim um conjunto de circunstâncias, que façam esquecer aos doentes a sua desgraça e a sua miséria (Barreto, 1939c, p.4).

debilidade do Estado-previdência em Portugal

''A doutrina estado-novista imputava à sociedade civil, em particular aos setores ligados à Igreja católica, grande parte dos encargos assistencialistas (Rosas, Brito, 1996) - fato que terá estado na origem daquilo que Boaventura de Sousa Santos (1993, p.46) designou sociedade-previdência, procurando destacar o papel da comunidade na criação de redes de suporte social, resultante da debilidade do Estado-previdência em Portugal. A política assistencialista do Estado Novo combinava elementos caritativos com outros de teor repressivo, gerando um modelo idiossincrático, simbolizado pelas figuras da Igreja católica e da Polícia de Segurança Pública (Bastos, 1997). Na época, os projetos de cariz assistencialista estavam a cargo do Ministério do Interior, igualmente responsável pela segurança interna, em inequívoca imbricação de assistência e manutenção da ordem social (Rosas, Brito, 1996). A comunidade servia como substrato empírico desses projetos, mas também figurava como paradigma para a regeneração moral do tecido social que eles veiculavam. A família, o trabalho e a ruralidade constituíram-se, assim, nos signos matriciais desse modelo (Bastos, 1997). Por outro lado, a ação social, tendo origem numa sociedade-previdência (Santos, 1993, p.46), tendeu a ser descentralizada e a assumir singularidades locais, de modo que é possível reconhecer especificidades dentro do contexto nacional.''

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