E dói-me esse rio de já me não amares
de já me não quereres assim como eu te quero
de não sobressaltares porque sou eu que te espero
em esquinas de lágrima ou sorriso
foi-se o amor chegou o siso
e eu
que não nasci para ter juízo
E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas está, dê para o que der
e doa a quem doer
Passam sanguessugas pelos trilhos da memória
umas são mortas, outras são vivas,
outras são glória
de já não existir e teimar em persistir
e eu vou ao vento, sou palmeira seca,
sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim
sou uns dias teu, outros assim assim
E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas sente, e já pouco quer
para além de seres mulher
E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou
mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música
perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa
é coça umbigo, vai ter que parar
Mas dói-me o teu ventre que não afago
como quem não sabe nadar
e hoje é de festa, amanhã é de mar
é de mar
Manuel Cintra
in Não sei nunca por onde,
Quasi Edições