domingo, 27 de novembro de 2022



Al Berto
in “O Medo” (ed. Assírio & Alvim)
(excerto)
 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

 Acho uma moral ruim

trazer o vulgo enganado:
mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.

Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade.

Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
vivem das tuas promessas
ganhando o pão que tu comes.

Não me deem mais desgostos
porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
a sofrer sem protestar!

Esta mascarada enorme
com que o mundo nos aldraba,
dura enquanto o povo dorme,
quando ele acordar, acaba.


António Aleixo 


 

«(...) aborrece-me ver pessoas instruídas, inteligentes, deixarem-se tomar por parvas...»

Leon Tolstói. Infância e Adolescência. Edição Amigos do Livro, Lisboa, p. 31

 « Sei bem quem fez todo o mal e porque já não precisam de mim; porque não quero dobrar-me, e porque não digo sim e ámen a tudo, como fazem certas pessoas. Tenho o hábito de dizer a verdade a toda a gente - tornou com orgulho.»

Leon Tolstói. Infância e Adolescência. Edição Amigos do Livro, Lisboa, p. 25

sovela

«(...), e ele, está só, completamente só, ninguém o acarinha, tem motivos para dizer que é órfão. A história da sua vida é tão triste!

Leon Tolstói. Infância e Adolescência. Edição Amigos do Livro, Lisboa, p. 11

« (...), sente-se que Karl Ivanovitch tem a consciência pura e a alma tranquila.»

Leon Tolstói. Infância e Adolescência. Edição Amigos do Livro, Lisboa, p. 10/11


 

A Chusma Salva-Se Assim

''pendurou o mata-moscas num prego''

Leon Tolstói. Infância e Adolescência. Edição Amigos do Livro, Lisboa, p. 6

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

 “É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades em que não há mal nenhum que ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro: - o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.”

P. António Vieira (1668)

''A sociedade necessita de medíocres que não ponham em questão os princípios fundamentais e eles aí estão: dirigem os países, as grandes empresas, os ministérios, etc. Eu oiço-os falar e pasmo não haver praticamente um único líder que não seja pateta, um único discurso que não seja um rol de lugares comuns. Mas os que giram em torno deles não são melhores. Desconhecemos até os nossos grandes homens: quem leu Camões por exemplo? Quase ninguém. Quem sabe alguma coisa sobre Afonso de Albuquerque? Mas todos os dias há paleios cretinos acerca de futebol em quase todos os canais. Porque não é perigoso. Porque tranquiliza. 

Os programas de televisão são quase sempre miseráveis mas é vital que sejam miseráveis. E queremos que as nossas crianças se tornem adultos miseráveis também, o que para as pessoas em geral significa responsáveis. Reparem, por exemplo, em Churchill. Quando tudo estava normal, pacífico, calmo, não o queriam como governante. Nas situações extremas, quando era necessário um homem corajoso, lúcido, clarividente, imaginativo, iam a correr buscá-lo. Os homens excepcionais servem apenas para situações excepcionais, pois são os únicos capazes de as resolverem. Desaparece a situação excepcional e prescindimos deles. 
Gostamos dos idiotas porque não nos colocam em causa. Quanto às pessoas de alto nível a sociedade descobriu uma forma espantosa de as neutralizar: adoptou-as. Fez de Garrett e Camilo viscondes, como a Inglaterra adoptou Dickens. E pronto, ei-los na ordem, com alguns desvios que a gente perdoa porque são assim meio esquisitos, sabes como ele é, coitado, mas, apesar disso, tem qualidades. Temos medo do novo, do diferente, do que incomoda o sossego. 
A criatividade foi sempre uma ameaça tremenda: e então entronizamos meios-artistas, meios-cientistas, meios-escritores. Claro que há aqueles malucos como Picasso ou Miró e necessitamos de os ter no Zoológico do nosso espírito embora entreguemos o nosso dinheiro a imbecis oportunistas a que chamamos gestores. E, claro, os gestores gastam mais do que gerem, com o seu português horrível e a sua habilidade de vendedores ambulantes: Porquê? Porque nos sossegam. De Gaulle, goste-se dele ou não, inquietava. Eu faria um único teste aos políticos, aos administradores, a essa gentinha. Um teste ao seu sentido de humor. Apontem-me um que o tenha. Um só. Uma criatura sem humor é um ser horrível. Os judeus dizem: os homens falam, Deus ri. E, lendo o que as pessoas dizem, ri-se de certeza às gargalhadas. E daí não sei. Voltando à pergunta de Dumas
– Porque é que há tantas crianças inteligentes e tantos adultos estúpidos?
não tenho a certeza de ser um problema de educação que mais não seja porque os educadores, coitados, não sabem distinguir entre ensino, aprendizagem e educação. A minha resposta a esta questão é outra. Há muitas crianças inteligentes e muitos adultos estúpidos, porque perdemos muitas crianças quando elas começaram a crescer. Por inveja, claro. Mas, sobretudo, por medo."

António Lobo Antunes

 "Quando chega domingo,

faço tenção de todas as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida.

Há quem vá para o pé das águas
deitar-se na areia e não pensar…
E há os que vão para o campo
cheios de grandes sentimentos bucólicos
porque leram, de véspera, no boletim do jornal:
«Bom tempo para amanhã»…
Mas uma maioria sai para as ruas pedindo,
pois nesse dia
aqueles que passeiam com a mulher e os filhos
são mais generosos.

Um rapaz que era pintor
não disse nada a ninguém
e escolheu o domingo para se matar.
Ainda hoje a família e os amigos
andam pensando porque seria.
Só não relacionam que se matou num domingo! 

(...) “

(DOMINGO, por Manuel da Fonseca, in 'Rosa dos Ventos', 1940)

domingo, 20 de novembro de 2022

Requiem in D Minor, K. 626: VIII. Lacrimosa


 

desbragadamente

voyeurismos

''hórrido''

«Bicho, filho de Satanás, peçonha de serpente.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 193

''no branco-sujo das paredes manchadas pela humidade''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 191

''o desacontecer das coisas''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 186

''uma vida desvivida gesto por gesto''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 186

Pois É


Pois é
Fica o dito e o redito por não dito
E é difícil dizer que foi bonito
É inútil cantar o que perdi

Taí
Nosso mais-que-perfeito está desfeito
E o que me parecia tão direito
Caiu desse jeito sem perdão

Então
Disfarçar minha dor eu não consigo
Dizer: somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim

Enfim
Hoje na solidão ainda custo
A entender como o amor foi tão injusto
Pra quem só lhe foi dedicação

Pois é, e então ...


 

''a pobreza monótona dos dias''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 186

 «Quando adoeceu para morrer, ia Novembro perto do fim. As camélias brancas estavam em flor, levemente rosadas, macias, transparentes. Algumas lhe trouxeram ao quarto, apanhadas à beira do roseiral.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 184

'' o azul dos olhos desbotado''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 184

«Não quero amaldiçoar o mundo onde nasci nem acusar o Deus que me criou.»

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 169

''sabia que é no silêncio que se escuta o tumulto''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 169

sexta-feira, 18 de novembro de 2022


 

 «A vida, porém, tem muitas cartas no baralho e não é raro que as jogue quando menos se espera. Ia o elefante no seu passo medido, sem pressa, o passo de quem sabe que para chegar nem sempre é preciso correr.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 210

''O tempo não está de rosas''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 208

«Para bom entendedor até meia palavra sobra.»

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 207

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

'' um vaivém incessante de aves marítimas''

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 168

'' o seu arfar interior de tempestade''

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 167


 

''respiração oceânica''

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 166

«No centro vazio do quarto pode-se dançar.»

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 166

 ''jarra de vidro coalhado azul cheia de cravos''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 166

 

adjetivo
verde-maresverdeado

morder do sal

«(...) porque os vidros entre os caixilhos de madeira estão picados e despolidos pelo morder do sal.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 164

«(...) vê-se a chorina de grossos dedos verdes e de flores amarelas e roxas que cresce no jardim de areia.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 164

''jarra cheia de dálias vermelhas''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 163

Cultura E Civilização

'' o perfume do sal''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 161

 «Cães vadios farejavam o chão dos passeios e rebuscavam os caixotes do lixo tentando agarrar sob as tampas os restos, as cascas, o pescoço da galinha degolada.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 159

''discursos de prudência e cálculo''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 151

''snobonas''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 144

''Vi a carne do sofrimento''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 135

« - Dizei-me onde está o altar do deus que protege os humilhados e os oprimidos, para que eu implore e adore.

     Ao cabo de um longo silêncio, os sacerdotes responderam:

     - Desse deus nada sabemos.»


Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 135

Gal Costa | Nenhuma Dor


 

''Pátria deserdada''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 134

 «Caminhava num país que não era o seu e onde tudo era para ele insegurança e temor.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 132

«(...), e ficarei sentado ao teu lado para desfazer a tua solidão.»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 133

 «A tristeza subia da mais profunda morada da memória e aflorava inteira à tona das pupilas.»


Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 132

''ideograma da fome''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 132

 « Ou terei sempre a mesma sede, a mesma fome, o mesmo desejo dos momentos e dos dias?»

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 132

«Então o seu coração ficou pesado de tristeza.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 132

 « - Num poema não devemos buscar sentido, pois o poema é ele próprio o seu próprio sentido. Assim o sentido de uma rosa é apenas essa própria rosa.»

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 129


 

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

CÃO DAS LÁGRIMAS (JOSÉ SARAMAGO, ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA/ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ)


''Personagem secundária em dois romances de José Saramago, o Cão das Lágrimas é uma figura em que se prolonga e modula a relevância que na ficção saramaguiana é atribuída aos cães, como animais em direta relação com os humanos, com os valores que eles representam e eventualmente degradam.

O Cão das Lágrimas de Ensaio sobre a cegueira (1995) aparece numa cidade cujos habitantes foram afetados por uma suposta epidemia de "cegueira branca". Apenas os animais apelidados de "irracionais" e a personagem "Mulher do Médico" terão conservado a sua visão inalterada. O facto de o ser humano ser o único animal que perde a capacidade de ver, enfatiza o distanciamento, baseado na capacidade de usar a razão, erguido entre esta espécie e todas as outras. Todavia, tal como é exemplificado por Saramago neste romance, a razão nem sempre é aplicada de forma benéfica. É o ser humano, e a sua incapacidade de usar a razão para o bem comum, que Saramago pretende atingir com a edificação deste cenário distópico. Em Ensaio sobre a cegueira, o ser humano perderá o seu lugar cimeiro na hierarquia das espécies e, impossibilitado de usar a tecnologia ou a ciência em seu proveito, será obrigado a recomeçar do zero.

Somos apresentados a esta personagem quando a Mulher do Médico, após ter forçado a sua saída de um supermercado para salvar a comida saqueada, chora sentada no chão enlameado; nesse instante, surge um cão que abandona a sua matilha para lhe lamber as lágrimas. A cena em que um cão "se aproxima de um ser humano em desespero e que, não podendo fazer mais nada, lhe bebe as lágrimas", foi considerada por Saramago como "um dos momentos mais belos que [fez] até hoje" (Saramago et al., 2008). Tal como o escritor sublinha, a descrição deste encontro entre os representantes de duas espécies contém em si uma mensagem que se estende a toda a sua obra (cf. Saramago et al., 2008). Num mundo fortemente tecnologizado, em que a lógica do lucro e a corrida ao poder regem a relação entre seres humanos, esta cena veicula um apelo à compaixão pelo outro.

Em Ensaio sobre a cegueira, todos os cães mantiveram a visão e percorrem agora a cidade divididos em matilhas, tornando-se em eficazes predadores. Sem ninguém para cuidar deles, estes regressaram a um período anterior à domesticação e são inclusive obrigados a alimentar-se dos cadáveres que cobrem as ruas da cidade. Os seres humanos, por seu turno, são reduzidos a animais, "pior ainda, [a] animais cegos" (Saramago, 1995: 134) que vivem entre excrementos e que perdem gradualmente a memória das mais elementares regras de convivência social. Tal como os animais irracionais, eles são reduzidos aos seus instintos básicos e lutam unicamente pela sobrevivência. Segundo o narrador de Ensaio sobre a cegueira, "quando a aflição aperta, quando o corpo se nos desmanda de dor e angústia, então é que se vê o animalzinho que somos" (243).

Ainda que nada se saiba sobre o passado do Cão das Lágrimas, o narrador sublinha que este "não anda ao cheiro de carne morta, acompanha uns olhos que ele bem sabe estarem vivos" (233). Este cão conserva o hábito de seguir o ser humano quando todos os outros fiéis amigos parecem ter abandonado esta espécie. Até ao final da narrativa, o Cão das Lágrimas acompanha o grupo de sete personagens encabeçado pela Mulher do Médico. Ele é descrito pelo narrador como o "animal dos humanos" e o "cão de rebanho, com ordem de não perder nenhuma ovelha" (256). Contudo, quando não existem lágrimas para secar, este torna-se "áspero e intratável" (230).

Após algumas desavenças com membros desta espécie, Saramago chegou a ter medo de cães. Porém, acabaria por abrir as portas de sua casa a Pepe, Greta e Camões e a dedicar parte do seu "trabalho de escritor a criar, a inventar, a modelar figuras de cão, como se, já que temia os outros, estivesse na sua mão corrigir os erros da natureza» (Saramago, 2012). E assim nasceram, por exemplo, Achado que faz parte do livro Caverna (2000), «Constante de Levantado do chão, o cão do fio de lã azul da Jangada de pedra» e «um cão em que palpitava o coração do melhor dos humanos": o Cão das Lágrimas (Saramago, 2012).

No romance Ensaio sobre a lucidez (2004) o "cão compassivo" (Saramago, 2017: 295) de Ensaio sobre a cegueira assume igualmente o nome Constante. Talvez porque a sua função de apagar lágrimas será novamente requisitada, esta personagem acaba, contudo, por manter o epíteto "cão das lágrimas". Em Ensaio sobre a cegueira, o narrador advertiu que "o mal deste cão foi ter-se chegado tanto aos humanos" e que, por isso, "vai acabar por sofrer como eles" (Saramago, 1995: 295). Tal como todas as outras personagens, também ele será vítima da crueldade e irracionalidade humanas.

Ao sorver as lágrimas de um rosto, o cão das lágrimas parece tentar subtrair o sofrimento do seu hospedeiro. De facto, sempre que a dor sentida pela mulher do médico atinge um nível insuportável, o Cão das Lágrimas projeta um uivo dilacerante. Em Ensaio sobre a lucidez, onde a população é ameaçada por uma nova epidemia (desta vez do voto em branco), este uivo adquire um sentido particular. Neste ensaio, o Cão das Lágrimas não terá afinal lágrimas para secar. A epígrafe "Uivemos, disse o cão" é um grito definitivo de indignação contra um sistema político corrompido que, ao invés de servir os cidadãos, aciona todos os seus mecanismos para manter o statu quo. Para Saramago, "os cães somos nós. É hora de começar a uivar" (Saramago e Machado, 2004).

O Cão das Lágrimas surge em Blindness, realizado por Fernando Meirelles (2008), com Julianne Moore no papel de Mulher do Médico.''´


Texto aqui.

 

Referências

MEIRELLES, Fernando (dir.) (2008). Blindness. Rhombus Media: Japão, Brasil e Canadá.

SARAMAGO, José (1995). Ensaio sobre a cegueira. Lisboa: Caminho.

____ (2012). "Entra, encontraste a tua casa", disponível em https://caderno.josesaramago.org/158715.html (consultado em 09/01/2020)

____ (2017). Ensaio sobre a lucidez. Lisboa: Caminho.

SARAMAGO, José e Cassiano Elek MACHADO (2004). "José Saramago combate “cegueira” com votos em branco", disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ folha/ilustrada/ult90u42623.shtml (consultado a 9/01/2020).

SARAMAGO, José et al. (2008). "Entrevista de José Saramago ao jornal Público e à Rádio Renascença", disponível em https://www.josesaramago.org/entrevista-de-jose-saramago-ao-jornal-publico-e-a-radio-renascenca/ (consultado a 09/01/2020).

este país dói-me

“Este país (Portugal) preocupa-me, este país dói-me. E aflige-me a apatia, aflige-me a indiferença, aflige-me o egoísmo profundo em que esta sociedade vive. De vez em quando, como somos um povo de fogos de palha, ardemos muito, mas queimamos depressa.” 

José Saramago

Kendrick Lamar - The Heart Part 5


The Heart Part 5

As I get a little older
I realize life is perspective
And my perspective may differ from yours
I wanna say thank you to everyone that's been down with me
All my fans, all my beautiful fans
Anyone who's ever gave me a listen
All my people

I come from a generation of pain, where murder is minor
Rebellious and Margielas'll chip you for designer
Belt buckles and clout, overzealous if prone to violence
Make the wrong turn, be it will or the wheel alignment
Residue burned, mist of the inner-city
Miscommunication to keep homi' detective busy
No protection is risky
Desensitized, I vandalized pain, covered up and camouflaged
Get used to hearing arsenal rain
Analyze, risk your life, take the charge
Homies done fucked your baby mama once you hit the yard
That's culture
Twenty-three hour lockdown, then somebody called
Said your lil nephew was shot down, the culture's involved
I done seen niggas do seventeen, hit the halfway house
Get out and get his brains blown out, looking to buy some weed
Car wash is played out, new GoFundMe accounts'll proceed
A brand-new victim'll shatter those dreams, the culture

(I want, I want, I want, I want)
But I want you to want me too (I want, I want, I want, I want)
I want the hood to want me back (I want, I want, I want, I want)
I want the hood

Look what I done for you (look what I done for you)
Look what I done for you

I said I do this for my culture
To let y'all know what a nigga look like in a bulletproof Rover
In my mama's sofa was a doo-doo popper
Hair trigger, walk up closer, ain't no Photoshopping
Friends bipolar, grab you by your pockets
No option if you froze up, always play the offense
Niggas going to work and selling work, late for work
Working late, praying for work, but he on paperwork
That's the culture, point the finger, promote ya
Remote location, witness protection, they gon' hold ya
The streets got me fucked up
Y'all can miss me
I wanna represent for us
New revolution was up and moving
I'm in Argentina wiping my tears full of confusion
Water in between us, another peer's been executed
History repeats again
Make amends, then find a nigga with the same skin to do it

But that's the culture, crack a bottle
Hard to deal with the pain when you're sober
By tomorrow we forget the remains, we start over
That's the problem
Our foundation was trained to accept whatever follows

domingo, 13 de novembro de 2022

estupidificação

 Life changes in the instant.

The ordinary instant.

– Joan Didion



Povo Que Lavas No Rio

sábado, 12 de novembro de 2022

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
 

 De Alguma poesia (1930)
 
 

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

«O poema não se refere áquilo que é, mas sim àquilo que não é.»

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 129

«E começou o tempo da solidão.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 126

 « Os muito pobres, os muito envergonhados, os muito humilhados, não ousam apresentar-se. Eles eram como uma raça à parte, pois a pobreza era olhada como o estigma que marcava aqueles que o Bezerro não amava. No fundo das suas almas tão humilhadas que mal ousavam pensar o seu próprio pensamento, os muito pobres, os muito envergonhados esperavam outro deus.»

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 124/5


 

Gal Costa - LEGAL - 1970

«E os céus parecem desertos e vazios sobre as cidades escuras.»

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 122

''corpo comido pela fome''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 120

 «Palavras que chamavam pelas coisas, que eram o nome das coisas. Palavras brilhantes como as escamas de um peixe, palavras grandes e desertas como praias.»

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 119

 «(...), eram tuberculosos cuspindo sangue nos seus trapos, eram mães escanzeladas de filhos quase verdes, eram velhas curvadas e chorosas com as pernas incrivelmente inchadas, eram rapazes novos mostrando as chagas, braços torcidos, mãos cortadas, lágrimas e desgraça.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 117


 

« Daqui em diante o mar não é mais navegável.»

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 113

  «Pois era o princípio da vida e nada ainda nos tinha acontecido. Ainda nada era grave, trágico, nu e sangrento.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio & Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 110

''sua alma é como um grande deserto sem sombra''

  Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 110

''humidade das invernias''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 109

 «(...), só a deus pertence, vivamos sós o dia de hoje, que o de amanhã nunca se sabe.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 204


 

 

nome feminino
GEOGRAFIA estudo descritivo das montanhas

luteranismo

« (...), palavras que já correram milhões de páginas e de bocas antes que chegasse a nossa vez de as utilizar, palavras cansadas, exaustas de tanto passarem de mão em mão e deixarem em cada uma parte da sua substância vital.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 201

«Às árvores pintadas não caem as folhas.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 200

«Como já deveríamos saber, a representação mais exata, mais precisa, da alma humana é o labirinto. Com ela tudo é possível.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 198

 «Diz-se, depois de que primeiro o tivesse dito tolstoi, que as famílias felizes não têm história.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 195


 

''crenças fatalistas''

'' o fruto doentio de uma imaginação culpada''

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 186

«Têm razão os céticos quando afirmam que a história da humanidade é uma interminável sucessão de ocasiões perdidas.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 185

« Montado na nuca de solimão, apanhado em cheio na cara a fustigação da neve que vinha arrojada pela incessante ventania, fritz não está na melhor das situações para elaborar e desenvolver pensamentos elevados.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 185

« Também o frio, quando nasce, é para todos, diz-se, mas nem todos apanham nos lombos com a mesma porção dele.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 184

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

«(...), dormir à la belle étoile, maneira lírica que têm os franceses de dizer relento, palavra, esta portuguesa, também imprópria, pois relento não é senão uma humidade noturna, um orvalho, uma cacimba, ninharias meteorológicas se as comparamos com este nevão dos alpes que bem terá justificado a designação de manto alvinitente, leito acaso mortal.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 179

Gal Costa, 1969

''E tudo em redor, é neve e solidão.''

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 176

''talvez porque poucas coisas na vida doam mais do que a consciência de haver traído os ideais da juventude''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 166

''pungente melancolia''

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 166

« No fim de contas, como dirá henrique quarto de frança num futuro que não vem longe, paris vale bem uma missa.»

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 166

 

nome feminino
cargo ou emprego rendoso e de pouco trabalho

 ''elogio em boca própria é vitupério''

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 158


 

«(...), não porque maximiliano segundo da áustria esteja particularmente curioso de amores que não são seus, »

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 156

 ''nomes de caruncho ou carcoma''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 156

 

nome masculino
1.
cheiro característico do bode não castrado
2.
pejorativo cheiro forte e desagradável da transpiração de animais ou humana
3.
pejorativo qualquer mau cheiro forte
4.
cheiro e sabor do sebo, na carne de carneiro
5.
cheiro enjoativo da louça mal lavada
calão, pejorativo meter bedum
causar nojo ou asco

''(...) para sua ambição de viver uma existência sossegada dar o menos possível nas vistas do vulgo.''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 155

mimosear

''gravíssimo anacronismo''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 152


 

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