sexta-feira, 28 de agosto de 2015
''longas linhas ziguezagueantes''
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 201
«Caminhava na direcção que a memória lhe indicava.»
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 199
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 199
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''Temos de utilizar a água para proteger o coração (...)''
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 199
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«Porque será que a terra parece vingativa, agora, que está morta?»
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 198
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«Lançou água sobre as cicatrizes deixadas pelos pés de Elizabeth ao escorregar.»
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 198
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 198
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«A camisa escurecia-lhe com a transpiração.»
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 197
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 197
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''Os seus olhos seguiram as cicatrizes da água (...)''
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 197
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 197
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FRANCISCO DUARTE MANGAS acerca de CESARE PAVESE
«A memória da luta parece infinita. Tecida na mais íntima matéria perecível, tão frágil, afinal, é de verdade. Sempre que releio Pavese, paro nas colinas: vício absurdo, eu sei.»
[Virá a Morte e Terá os Teus Olhos]
Tu não sabes as colinas
onde se derramou o sangue.
Todos nós fugimos
todos nós largámos
a arma e o nome. Uma mulher
olhava para nós quando fugíamos.
De nós só um
parou de punho cerrado,
olhou para o céu vazio,
inclinou a cabeça e morreu
contra o muro, em silêncio.
Agora é um trapo de sangue
e um nome. Uma mulher
espera-nos nas colinas.
[Virá a Morte e Terá os Teus Olhos]
Tu não sabes as colinas
onde se derramou o sangue.
Todos nós fugimos
todos nós largámos
a arma e o nome. Uma mulher
olhava para nós quando fugíamos.
De nós só um
parou de punho cerrado,
olhou para o céu vazio,
inclinou a cabeça e morreu
contra o muro, em silêncio.
Agora é um trapo de sangue
e um nome. Uma mulher
espera-nos nas colinas.
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A fome apátrida das aves
livro de Francisco Duarte Mangas
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Bonjardim
1.
Uma janela de guilhotina
golfava na rua, vozes
de barítono rouco e contralto
agreste, num vibrato de raivas
do libreto diário, onde há muito
ou há pouco, se teriam amado.
2.
Ao entrar no quiosque
nesta tarde de névoa, para
comprar um jornal qualquer, uma criança
pediu algo que não entendi. Seria
uma moeda para um chiclet? Perguntei
ao homem sentado atrás das
revistas do coração e dos diários
da bola, de quem seria a criança, como
se pudesse ser de alguém, um ser
tão súbito, nascido da genealogia
indecifrável da tarde.
3.
Vindo do Marquês, o autocarro
chiava na curva estreita, soltando
os seus vapores de gasóleo, e
num portal surgia um gato pardo
para o qual me inclinei, sabendo
que fugiria ao contacto
da minha mão, ou apenas ao
esboço de carícia, como fazem
os gatos, tão fugidios na presença
de estranhos. Mas o animal no
instante do recuo, aceitou o
deslizar dos meus dedos,
em troca de amáveis energias. E
uma longa saudade subiu-me pelo
braço, no arquear festivo
daquele pequeno tigre.
Post-Card
(os velhos, os pombos, os gatos)
Alguns habitantes queixam-se dos pombos. Do mal
que fazem às fachadas, às estátuas, à pintura
dos automóveis. Os pombos não voam a gasolina
e têm humaníssimos hábitos como a gula, as
rivalidades do cio, a sede e a urgência
de defecar. Detestam coleiras, gaiolas, amparos
de casota, ausência de jardins
e adornos de penas alheias. E por este divino
despojamento recebem, às vezes,
algum milho displicente dádiva
de crianças para a fotografia, ou de benignos
velhos reformados. Algumas mulheres continuam
a socorrer os antiquíssimos (e terrestres) gatos
vadios. Gatos da minha infância. Dos muros,
das traseiras, dos quintais - o Sindbad, a Pardoca - com
restos de arroz em papéis engordurados. Carinhosas
velhas, atentas à famélica e materna condição
das ninhadas, enquanto os pombos e os velhos
debicam espaços de pedra onde levavam asas
e entre todos assoma, por instantes,
a decaída aliança entre o Céu e a Terra.
Ária
É belo o tempo de Inverno,
no silêncio, a lenha húmida
das maternas canções da chuva.
Na lentidão de Janeiro
fica mais longe a morte. As aves
habitam nos beirais
como príncipes destronados.
Glenn Gould
a Thomas Bernhard
Procuras o som, a morte de ti mesmo,
centro do teu corpo a percussão que sonhas
límpida,
respiras como as cordas vibram
nessa invenção de vozes
mutuamente perseguidora.
Célere e luminoso expulsas da pauta
os ornatos falsos, os amantes fáceis,
desapossado estás de ti e possuído
pela audível construção impossivelmente perfeita
Steinway Glenn, Glenn Steinway só para Bach.
1.
Uma janela de guilhotina
golfava na rua, vozes
de barítono rouco e contralto
agreste, num vibrato de raivas
do libreto diário, onde há muito
ou há pouco, se teriam amado.
2.
Ao entrar no quiosque
nesta tarde de névoa, para
comprar um jornal qualquer, uma criança
pediu algo que não entendi. Seria
uma moeda para um chiclet? Perguntei
ao homem sentado atrás das
revistas do coração e dos diários
da bola, de quem seria a criança, como
se pudesse ser de alguém, um ser
tão súbito, nascido da genealogia
indecifrável da tarde.
3.
Vindo do Marquês, o autocarro
chiava na curva estreita, soltando
os seus vapores de gasóleo, e
num portal surgia um gato pardo
para o qual me inclinei, sabendo
que fugiria ao contacto
da minha mão, ou apenas ao
esboço de carícia, como fazem
os gatos, tão fugidios na presença
de estranhos. Mas o animal no
instante do recuo, aceitou o
deslizar dos meus dedos,
em troca de amáveis energias. E
uma longa saudade subiu-me pelo
braço, no arquear festivo
daquele pequeno tigre.
Post-Card
(os velhos, os pombos, os gatos)
Alguns habitantes queixam-se dos pombos. Do mal
que fazem às fachadas, às estátuas, à pintura
dos automóveis. Os pombos não voam a gasolina
e têm humaníssimos hábitos como a gula, as
rivalidades do cio, a sede e a urgência
de defecar. Detestam coleiras, gaiolas, amparos
de casota, ausência de jardins
e adornos de penas alheias. E por este divino
despojamento recebem, às vezes,
algum milho displicente dádiva
de crianças para a fotografia, ou de benignos
velhos reformados. Algumas mulheres continuam
a socorrer os antiquíssimos (e terrestres) gatos
vadios. Gatos da minha infância. Dos muros,
das traseiras, dos quintais - o Sindbad, a Pardoca - com
restos de arroz em papéis engordurados. Carinhosas
velhas, atentas à famélica e materna condição
das ninhadas, enquanto os pombos e os velhos
debicam espaços de pedra onde levavam asas
e entre todos assoma, por instantes,
a decaída aliança entre o Céu e a Terra.
Ária
É belo o tempo de Inverno,
no silêncio, a lenha húmida
das maternas canções da chuva.
Na lentidão de Janeiro
fica mais longe a morte. As aves
habitam nos beirais
como príncipes destronados.
Glenn Gould
a Thomas Bernhard
Procuras o som, a morte de ti mesmo,
centro do teu corpo a percussão que sonhas
límpida,
respiras como as cordas vibram
nessa invenção de vozes
mutuamente perseguidora.
Célere e luminoso expulsas da pauta
os ornatos falsos, os amantes fáceis,
desapossado estás de ti e possuído
pela audível construção impossivelmente perfeita
Steinway Glenn, Glenn Steinway só para Bach.
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Vítimas
O gato reinava no terraço
entre hidrângeas, sardinheiras e
muros, silencioso e súbito
na ferida que rasgaria
algum gorjeio. Muitas mortes de asa
incauta, na cobiça de larvas ou insectos
em sucessivos Maios, justificaram
o fulgor das garras, o espinho
certeiro entre veludos. Agora
que se foi o vivaz caçador, na garra
letal dos anos, novos bandos
de pardias inundam
o terraço sem gato.
Cantiga
O gosto irrecuperável dos frutos secos nos invernos da infância,
o estalido das cascas
quando partíamos
aquelas pulsações de madeira,
sarcófagos mais que perfeitos
arrancados a
algum coração de árvore.
Remorso
Durante a leitura nocturna
descia, às vezes, as escadas
e procurava no escuro, dentro
de um cesto, uma forma
redonda. Na quadra iluminada
do quarto, mordia depois a maçã
vermelha escura. Era enorme o ruído
dos dentes, no silêncio dessa hora
tardia e irremediável a culpa
de ter destruído aquela polpa húmida
de onde pendia o descarnado pé
no íntimo saber de pequenas sementes
que podia perfeitamente
ter apodrecido em paz.
As Tristes Claridades
O Verão expulsa o húmido alento
das casas. Desertas desfazem
o tépido novelo que as habita
em refúgio. Pastoras dos sentidos
estão agora de olhos cerrados. Ficará
algum pequeno insecto, predador
de ausências, até que alguma
lâmpada, de súbito acesa
lhe ilumine o corpo ressequido. Cinzas
que não voltam ao mar.
Prado do Repouso
Adoece os olhos este bric-à-brac marmóreo, os
esmaltes, as jarras, a caótica
cenografia dos jazigos, hoje
que todos garantem a sua última
propriedade horizontal. Habitamos
um corpo, tão fácil de ferir, túnica
de sangue, escudo de água, para
o fulgor da vida foi-nos dada
esta veste, não se sabe
para que perecível eternidade.
O gato reinava no terraço
entre hidrângeas, sardinheiras e
muros, silencioso e súbito
na ferida que rasgaria
algum gorjeio. Muitas mortes de asa
incauta, na cobiça de larvas ou insectos
em sucessivos Maios, justificaram
o fulgor das garras, o espinho
certeiro entre veludos. Agora
que se foi o vivaz caçador, na garra
letal dos anos, novos bandos
de pardias inundam
o terraço sem gato.
Cantiga
O gosto irrecuperável dos frutos secos nos invernos da infância,
o estalido das cascas
quando partíamos
aquelas pulsações de madeira,
sarcófagos mais que perfeitos
arrancados a
algum coração de árvore.
Remorso
Durante a leitura nocturna
descia, às vezes, as escadas
e procurava no escuro, dentro
de um cesto, uma forma
redonda. Na quadra iluminada
do quarto, mordia depois a maçã
vermelha escura. Era enorme o ruído
dos dentes, no silêncio dessa hora
tardia e irremediável a culpa
de ter destruído aquela polpa húmida
de onde pendia o descarnado pé
no íntimo saber de pequenas sementes
que podia perfeitamente
ter apodrecido em paz.
As Tristes Claridades
O Verão expulsa o húmido alento
das casas. Desertas desfazem
o tépido novelo que as habita
em refúgio. Pastoras dos sentidos
estão agora de olhos cerrados. Ficará
algum pequeno insecto, predador
de ausências, até que alguma
lâmpada, de súbito acesa
lhe ilumine o corpo ressequido. Cinzas
que não voltam ao mar.
Prado do Repouso
Adoece os olhos este bric-à-brac marmóreo, os
esmaltes, as jarras, a caótica
cenografia dos jazigos, hoje
que todos garantem a sua última
propriedade horizontal. Habitamos
um corpo, tão fácil de ferir, túnica
de sangue, escudo de água, para
o fulgor da vida foi-nos dada
esta veste, não se sabe
para que perecível eternidade.
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I Will kiss thy mouth
Do fundo da cisterna
a tua voz eleva-se e nenhuma
masmorra abafa este ardor
por ela aceso, no derradeiro véu,
a minha pele. Nem as proféticas
maldições, nem o teu repúdio,
nem a luxúria do tetrarca
me impedem de cumprir
o mandamento primeiro
da paixão: a colheita
da tua face.
Última véspera
Agora que um longo inverno se aproxima
com os seus labirintos de sombra,
regresso àquela véspera
de onde se parte sempre,
acesos os afluentes da espera
ou as fulvas crateras da guerrilha.
Agora que as asas do silêncio
se insinuam, na crescente mancha
dos espelhos, recebo os teus olhos
como um recém-nascido, vulnerável
e combalido pela luz recente, recebe
a água do seu primeiro banho.
Miramar
Acender um cigarro na praia, proteger
o difícil estertor da pequena chama. Anular
o vento na manga do teu casaco. Reter
preso entre os dedos o princípio breve
dessa efémera combustão.
Vagas
A colcha da cama desfeita é agora mais leve e mais clara.
As sandálias brancas enviaram
ao armário, a sombra
impermeável das botas. No lugar
do gorro de lã, demora-se hoje
um leve chapéu de palha. Algumas
plantas secaram, mas o calor dos
corpos libertou os lençóis
da sua humilde tarefa, lançando-os
longe como vagas de Agosto.
Do fundo da cisterna
a tua voz eleva-se e nenhuma
masmorra abafa este ardor
por ela aceso, no derradeiro véu,
a minha pele. Nem as proféticas
maldições, nem o teu repúdio,
nem a luxúria do tetrarca
me impedem de cumprir
o mandamento primeiro
da paixão: a colheita
da tua face.
Última véspera
Agora que um longo inverno se aproxima
com os seus labirintos de sombra,
regresso àquela véspera
de onde se parte sempre,
acesos os afluentes da espera
ou as fulvas crateras da guerrilha.
Agora que as asas do silêncio
se insinuam, na crescente mancha
dos espelhos, recebo os teus olhos
como um recém-nascido, vulnerável
e combalido pela luz recente, recebe
a água do seu primeiro banho.
Miramar
Acender um cigarro na praia, proteger
o difícil estertor da pequena chama. Anular
o vento na manga do teu casaco. Reter
preso entre os dedos o princípio breve
dessa efémera combustão.
Vagas
A colcha da cama desfeita é agora mais leve e mais clara.
As sandálias brancas enviaram
ao armário, a sombra
impermeável das botas. No lugar
do gorro de lã, demora-se hoje
um leve chapéu de palha. Algumas
plantas secaram, mas o calor dos
corpos libertou os lençóis
da sua humilde tarefa, lançando-os
longe como vagas de Agosto.
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Rua de Camões
A minha infância
cheira a soalho esfregado a piaçaba
aos chocolates do meu pai aos Domingos
à camisa de noite de flanela
da minha mãe
Ao fogão a carvão
à máquina a petróleo
ao zinco da bacia de banho
Soa a janelas de guilhotina
a desvendar meia rua
surgia sempre o telhado
sustentáculo da mansarda
obstáculo da perspectiva
Nele a chuva acontecia
aspergindo ocres mais vivos
empapando ervas esquecidas
cantando com as telhas liquidamente
percutindo folhetas e caleiras
criando manchas tão incoerentes nas paredes
de onde podia emergir qualquer objecto
E havia a Dona Laura
senhora distinta
e a sua criada Rosa
que ao nosso menor salto
lesta vinha avisar
que estavam lá em baixo
as pratas a abanar no guarda-louça
O caruncho repicava nas frinchas
alongava as pernas
a casa envelhecia
Na rua das traseiras havia um catavento
veloz nas turbulências de Inverno
e eu rejeitava da boneca
a imutável expressão
A minha mãe fazia-me as tranças
antes de ir para a escola
e dizia-me muitas vezes
Não olhes para os rapazes
que é feio.
Estendais
Em alguns invernos mais chuvosos,
em Miragaia que foi a Madragoa de
Pedro Homem de Mello, o Douro
salta a margem e entra pelos arcos
onde se demora no rés-do-chão
das casas, por duas madrugadas.
Mas são os estendais, à janela
agitados pelo vento nas abertas da chuva,
que nos trazem a urgência e a constância
dos corpos, nas mangas pendentes
de camisas, camisolas ou na roupa
interior, última margem dos íntimos rios,
onde os poliesteres aboliram os felpos, os linhos
as cambraias. Só a cor branca dos lençóis teima
lá no alto, a abrir velas ao desejo do sol
e à memória de obscuras lavadeiras, que faziam
heróicas barrelas na espuma inocente do sabão.
Ícaro
Um cão pertence mais á Terra,
aos seus limites, até ao último
rio. Mas ao que vive na casa
em frente, foi dado este nome
volátil. Quando só, ele constrói,
como quase todos os cães,
aquele som agudo de sobrevoar
ausências, que faz do regresso
de qualquer lazarento dono,
o latido solar da alegria.
Satélite
Os meus olhos acolhem um bando
de reflexos, invisíveis a horas
mais sombrias, na luz aberta
deste fim de Junho. Vêm ao meu
encontro os grandes plátanos do
jardim, ameaçados pelas
prováveis escavações do Metro.
Por ora ainda matizam os rostos
dos passantes e a penumbra das
janelas. No passeio das paragens
de autocarro para Ermesinde,
Areosa e outros debruns urbanos,
o volume dos corpos recorta-se
quadriculado pela luz. Seios e
estômagos transferem-me para
um estranho país de aleitamento e
digestões. Sigo num culpado
exílio a dobrar a esquina e inclino
os passos para o Satélite,onde
regresso ao aroma navegável
do cimbalino.
Guilhermina Suggia
(variações sobre um retrato)
1.
No escarlate do vestido
entre os joelhos avulta
o versátil companheiro
que em voz grave lhe responde
desde esse Porto marítimo
da infância, muito antes
da era dos petroleiros e
da boçalidade dos banhistas.
2.
O arco descreve
o intenso itinerário
de Leipzig a Paris,
de Berlim a Varsóvia,
o fascínio dos palcos, o
secretismo dos camarins,
na arritmia do pulso
que o fulgor persegue.
3.
Num crescendo vibrátil
desenha o andamento,
seus motivos ascendentes de
harmónica tensão. E na pausa
final, que um ímpeto antecede
o arco se suspende
augúrio e êxtase.
4.
No atelier londrino
de Mallord Street,
o pintor fixa o instante
de uma metamorfose.
Na tela cresce a silhueta
unida ao Stradivarius,
num corpo mútuo
de exótica mariposa,
olhos cerrados no meridional
abraço. Nem Pablo,
o virtuoso, nem qualquer outro
amante, desatará jamais
esse abraço sem fim.
A minha infância
cheira a soalho esfregado a piaçaba
aos chocolates do meu pai aos Domingos
à camisa de noite de flanela
da minha mãe
Ao fogão a carvão
à máquina a petróleo
ao zinco da bacia de banho
Soa a janelas de guilhotina
a desvendar meia rua
surgia sempre o telhado
sustentáculo da mansarda
obstáculo da perspectiva
Nele a chuva acontecia
aspergindo ocres mais vivos
empapando ervas esquecidas
cantando com as telhas liquidamente
percutindo folhetas e caleiras
criando manchas tão incoerentes nas paredes
de onde podia emergir qualquer objecto
E havia a Dona Laura
senhora distinta
e a sua criada Rosa
que ao nosso menor salto
lesta vinha avisar
que estavam lá em baixo
as pratas a abanar no guarda-louça
O caruncho repicava nas frinchas
alongava as pernas
a casa envelhecia
Na rua das traseiras havia um catavento
veloz nas turbulências de Inverno
e eu rejeitava da boneca
a imutável expressão
A minha mãe fazia-me as tranças
antes de ir para a escola
e dizia-me muitas vezes
Não olhes para os rapazes
que é feio.
Estendais
Em alguns invernos mais chuvosos,
em Miragaia que foi a Madragoa de
Pedro Homem de Mello, o Douro
salta a margem e entra pelos arcos
onde se demora no rés-do-chão
das casas, por duas madrugadas.
Mas são os estendais, à janela
agitados pelo vento nas abertas da chuva,
que nos trazem a urgência e a constância
dos corpos, nas mangas pendentes
de camisas, camisolas ou na roupa
interior, última margem dos íntimos rios,
onde os poliesteres aboliram os felpos, os linhos
as cambraias. Só a cor branca dos lençóis teima
lá no alto, a abrir velas ao desejo do sol
e à memória de obscuras lavadeiras, que faziam
heróicas barrelas na espuma inocente do sabão.
Ícaro
Um cão pertence mais á Terra,
aos seus limites, até ao último
rio. Mas ao que vive na casa
em frente, foi dado este nome
volátil. Quando só, ele constrói,
como quase todos os cães,
aquele som agudo de sobrevoar
ausências, que faz do regresso
de qualquer lazarento dono,
o latido solar da alegria.
Satélite
Os meus olhos acolhem um bando
de reflexos, invisíveis a horas
mais sombrias, na luz aberta
deste fim de Junho. Vêm ao meu
encontro os grandes plátanos do
jardim, ameaçados pelas
prováveis escavações do Metro.
Por ora ainda matizam os rostos
dos passantes e a penumbra das
janelas. No passeio das paragens
de autocarro para Ermesinde,
Areosa e outros debruns urbanos,
o volume dos corpos recorta-se
quadriculado pela luz. Seios e
estômagos transferem-me para
um estranho país de aleitamento e
digestões. Sigo num culpado
exílio a dobrar a esquina e inclino
os passos para o Satélite,onde
regresso ao aroma navegável
do cimbalino.
Guilhermina Suggia
(variações sobre um retrato)
1.
No escarlate do vestido
entre os joelhos avulta
o versátil companheiro
que em voz grave lhe responde
desde esse Porto marítimo
da infância, muito antes
da era dos petroleiros e
da boçalidade dos banhistas.
2.
O arco descreve
o intenso itinerário
de Leipzig a Paris,
de Berlim a Varsóvia,
o fascínio dos palcos, o
secretismo dos camarins,
na arritmia do pulso
que o fulgor persegue.
3.
Num crescendo vibrátil
desenha o andamento,
seus motivos ascendentes de
harmónica tensão. E na pausa
final, que um ímpeto antecede
o arco se suspende
augúrio e êxtase.
4.
No atelier londrino
de Mallord Street,
o pintor fixa o instante
de uma metamorfose.
Na tela cresce a silhueta
unida ao Stradivarius,
num corpo mútuo
de exótica mariposa,
olhos cerrados no meridional
abraço. Nem Pablo,
o virtuoso, nem qualquer outro
amante, desatará jamais
esse abraço sem fim.
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quinta-feira, 27 de agosto de 2015
« - sangue nas mãos duma estátua, a emoção da história duma tortura antiga -, o dar ou tirar sangue no acto da cópula.»
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 185
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 185
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sangue
«Isso tudo são palavras para vestir uma coisa nua; e essa coisa, vestida, torna-se ridícula.»
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 184
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 184
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'' o mar andou escuro e danado''
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 181
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“[…] tanto na religião como no amor, o crente aspirará a uma beatitude sem limites; devora-o uma apetência de imortalidade, queima-o uma ânsia de fusão total unificadora, de transformação ou liquefacção do amante no amado.
Ambos os amorosos vivem alheios de si próprios, “mortos” para eles mesmos porque “vivos” respectivamente um no outro. O amor religioso acompanha-se dos mesmos sacrifícios ascéticos que o amor profano, e crepita nos mesmos transportes extáticos. A expressão verbal ou literária dum é a expressão verbal ou literária do outro”
«Querias-me?», perguntou ele.
«Queria, sim querido. Não dormi o bastante, mas queria falar contigo antes de tornar a adormecer. Podia esquecer-me do que te quero dizer. Tens de te lembrar por mim.»
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 128
John Steinbeck. A um deus desconhecido. Tradução de Manuel do Carmo. Publicações Europa-América., p. 128
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domingo, 23 de agosto de 2015
Born To Die
Feet don't fail
me now
Take me to the finish line
All my heart it breaks every step that I take
But I'm hoping that the gates
They'll tell me that you're mine
Walking through the city streets
Is it by mistake or desire?
I feel so alone on a friday night
Can you make it feel like home
If I tell you you're mine
It's like I told you honey
Don't make me sad, don't make me cry
Sometimes love's not enough
When the road gets tough
I don't know why
Keep making me laugh,
Let's go get high
Road's long, we carry on
Try to have fun in the meantime
Come and take a walk on the wild side
Let me kiss you hard in the pouring rain
You like your girls insane
Choose your last words
This is the last time
Cause you and I
We were born to die
Lost but now I am found
I can see but once I was blind
I was so confused as a little child
Tried to take what I could get
Scared that I couldn't find
All the answers honey
Don't make me sad, don't make me cry
Sometimes love's not enough
When the road gets tough
I don't know why
Keep making me laugh
Let's go get high
Road's long, we carry on
Try to have fun in the meantime
Come and take a walk on the wild side
Let me kiss you hard in the pouring rain
You like your girls insane
Choose your last words,
This is the last time
Cause you and I
We were born to die
We were born to die
We were born to die
Come and take a walk on the wild side
Let me kiss you hard in the pouring rain
You like your girls insane
Don't make me sad, don't make me cry
Sometimes love's not enough
When the road gets tough
I don't know why
Keep making me laugh,
Let's go get high
Road's long, we carry on
Try to have fun in the meantime
Come and take a walk on the wild side
Let me kiss you hard in the pouring rain
You like your girls insane
Choose your last words
This is the last time
Cause You and I
We were born to die
We were born to die
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sexta-feira, 21 de agosto de 2015
O CAÇADOR
(...)
«E até reles serventes torna os cães.»
António Osório. A ignorância da morte. Colecção forma.Editorial Presença, Lisboa., p. 33
«E até reles serventes torna os cães.»
António Osório. A ignorância da morte. Colecção forma.Editorial Presença, Lisboa., p. 33
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É-me doloroso falar, mas calar-me também
o é; quer fale, quer me cale, para mim só
há dor.
Prometeu agrilhoado, Esquilo
o é; quer fale, quer me cale, para mim só
há dor.
Prometeu agrilhoado, Esquilo
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DIZERES
Apodrecer é simples: basta
ceder do coração apenas
a parte mais sombria.
Guardar o resto para inúteis
coisas que não acontecem.
Alberto Soares. Escrito para a noite. Gota de Água. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 25
ceder do coração apenas
a parte mais sombria.
Guardar o resto para inúteis
coisas que não acontecem.
Alberto Soares. Escrito para a noite. Gota de Água. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 25
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Adágio
«Não é tranquilo o coração dos lobos
fazem mau uso da morte e da ternura.»
Alberto Soares. Escrito para a noite. Gota de Água. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 21
fazem mau uso da morte e da ternura.»
Alberto Soares. Escrito para a noite. Gota de Água. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 21
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