« - E a Maria Adelaide quem era? A Mata-Hari que o repórter X levou ao cinema?
- Era uma tola que sonhava com toleimas.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 137
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
«As árvores estão nuas e tristes, o rio vai torvo, as árvores não cantam quando o ceú está em luto. Aquilo é inspirativo de fastio e amargura; mas o seu delírio deleitou-lhe magicamente o que dias antes lhe parecia estância de degredo. Não há senão dois criadores: Deus e o amor.»
Camilo Castelo Branco. O Retrato de ricardina. Livros do bolso europa américa, Lisboa, 1971., p. 61/2
domingo, 16 de fevereiro de 2014
«Sentou-se na borda da cama, em silêncio, com aquela indiferença polida dos jovens que não sabem amar generosamente ninguém.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 121
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«E acabava sempre com aquele soluço na garganta, um desejo de amor que a fazia pálida e distraída e cansada.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 112/3
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«Para que alguma coisa ou alguém exerça uma impressão profunda numa mulher é preciso que a economia da dor em que ela aceitou a sua vida sofra uma transformação. A educação duma mulher faz-se no sentido de a tornar pusilânime. Enquanto pusilânime é obediente, sensível e sobretudo lenta na execução de um plano. Um homem aprende que a rapidez da acção abrevia o sofrimento. A mulher, e Maria Adelaide é disso um exemplo, economiza a dor como se ela fosse um património. Leva muito tempo a tomar uma decisão e, quando a toma, é com a ideia de poder voltar atrás. Maria Adelaide quando foi para Santa Comba não pensava pedir o divórcio. Foi preciso que uma dor se mudasse em irritação para proceder assim. As mulheres sofredoras estavam em vias de se tornarem mulheres irritáveis.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 109
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«Eu insurgia-me, porque uma mulher não suporta muito bem ser posta de parte quando se trata de ideais.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 108
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XXI
«A dor não se destina apenas a um sintoma, mas também a estimular as energias vitais do paciente, que é o ser humano em geral. No caso de Maria Adelaide podemos observar as suas queixas desde muito nova e que serviam aos médicos para fazerem um diagnóstico. Desde 1889 que Maria Adelaide sofre de uma depressão profunda motivada provavelmente pela morte do pai, que sucede a 14 de Maio do mesmo ano. Em Setembro ela escreve: ''Chego a parecer doida''. Tem falhas de memória que a surpreendem, fica sem saber como se escrevem palavras que não oferecem qualquer dificuldade. Não consegue fixar a atenção num livro ou num trabalho qualquer. Sai de casa e logo deseja regressar. Colhe flores no jardim e deita-as fora. À mesa, mantém-se calada e desinteressada da conversa das pessoas presentes. Tudo isso no tempo de luto que foi interrompido pelo casamento com o doutor Cunha, casamento prematuro, dado o seu estado depressivo. Nunca chega a remeter-se dessa desordem nervosa e a imagem de Eduardo Coelho afirma-se cada vez mais na sua mente. Em 1903 piora muito. Tem trinta e dois anos e a sua instabilidade faz com que lhe seja atribuída uma neurastenia. ''A neurastenia entra no quadro das enfermidades mentais!'' - dizem os doutores mais eminentes do país. Comprometem-se a declará-la doida e entram sem hesitação na estranha perversidade de a encerrar no manicómio com o fim de ser instruído o processo de interdição.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 101
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urticação
nome feminino
1. acto ou efeito de urticar
2. flagelação da pele para a excitar
3. sensação de ardência, parecida com a que é causada pelas urtigas sobre a pele
Acha que ela sofria?
« - Claro que tinha talento. Só não sabia o que fazer com ele. É a sina das mulheres. Sofrem com isso e usam de todos os meios para se livrarem dessa dor. Usam a fricção, a flagelação, a urticação, e nós somos os parceiros escolhidos. Maria Adelaide usou o cautério para despertar a sensibilidade que tinha perdido. É o método dos remédios dolorosos contra a dor.
-Acha que ela sofria?
-Acho que sim. Era uma mulher extraordinária. A dor decompõe-se a favor da arte numa infinidade de intermediários até ao sentimento mais perto do prazer. Estou a citar.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 99
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«''Um príncipe de ilustração! Infelizmente os príncipes verdadeiros não são assim.'' Ela reconhecia que as mulheres o perdia e que ele ia ter uma carreira fulgurante e breve, porque as mulheres amam os que vão morrer.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 87
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XVII
«Há dois meses que Maria Adelaide estava presa no manicómio por ordem do seu marido. Em princípio ela talvez quisesse agredi-lo, sem um plano formado de levar muito longe aquela desavença conjugal que lhe servia de exército, não sem um toque de sadismo.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 84
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«O senhor Júlio Dantas, que escrevia como um Óscar Wilde falava à mesa, teve a ocasião de assistir a certos sintomas inquietantes em relação a Maria Adelaide. Ela tinha, como a condessa de Ficalho, um vestido de linho branco com botões de coral. Um dia arrancou-lhe os botões, servindo-se de uma faca de sobremesa, e pôs-se a jogar com eles como se fossem berlindes.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 77
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 77
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XV
«Alguém para quem vive uma rotina equivale a uma manipulação do espaço em que vive, o espaço do casamento, só muito tarde se apercebe das transformações de carácter que foram explicadas como alienação mental.
O carácter de uma pessoa não é imutável. Ele sofre alterações nas diversas idades da vida; às vezes certos períodos bastam para fixar um comportamento oposto ao que até ali era tido por normal.»
Agustina Bessa-Luís. Doidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 76
«(...) e agora como gosto eu de reflectir, para libertar o meu sonho desta roupagem.»
Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 55
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Stéphane Mallarmé
«além do bater de asas absurdas de um qualquer habitante assustado da noite, ferido pela claridade no seu sono pesado e prolongado a sua indefinida sombra.»
Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 52
Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 52
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«IGITUR. Igitur, ou a Loucura de Elbehnon: título estranho de uma obra estranha. Ensina-nos Rolland de Renéville que em hebreu El behnon significa «o filho dos Elohim», quer dizer «anjos», quer dizer «astros», e o advérbio-substantivo Igitur teria sido tirado do primeiro versículo do segundo capítulo do Génesis: Igitur perfecti sunt coeli et terra et omnis ornatus eorum. Igitur seria, pois, o filho de uma raça de anjos, o último rebento, a última consequência («igitur») de uma raça de puros espíritos cujo destino, a «loucura» se quisermos, é ele manter-se no plano do espírito puro, no plano das essências eternas e imutáveis libertando-se do presente, do acaso, da individualidade. Atrás do rosto desta personagem, Mallarmé pinta-se a ele próprio, o último descendente dos altos poetas e herdeiro espiritual dos grandes filósofos, no qual deve resumir-se.»
Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 30
sábado, 15 de fevereiro de 2014
«Queixa-se do peito, de um sistema nervoso «feito num oito», e descobre-se incapaz de pronunciar a mais simples frase. Durante esses invernos terríveis vive sempre numa espécie de beatitude de sonâmbulo, uma vez que os seus excessos de reflexão sobre si o ajudaram a reduzir-se ao estado de verdadeira sombra, e procura-se, inquieto, no reflexo dos espelhos para não se reconhecer. Bem sabe, porém, que esta dura ascese é necessária para dar oportunidade às «belas coisas» com que sonha obstinadamente e que devem desabrochar «na Vida - ou na Morte» (Corr., 226)
Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 22/23
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Stéphane Mallarmé
«Para Hegel, o pensamento do pensamento é a reflexão que representa, na dialéctica da Enciclopédia, a passagem necessária do pensamento em si ao pensamento para si. E esta reflexão, ao atingir o nível do Absoluto, faz-se a própria reflexão do ser no pensamento, ao mesmo tempo que o pensamento se faz o pensamento do ser.»
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«De resto confesso, mas só a ti, que os insultos do meu triunfo foram de tal forma grandes, ao ponto de ainda sentir necessidade de me olhar nesse espelho para pensar, e até voltaria a ser o Nada se acaso ele não estivesse à frente da mesa onde te escrevo esta carta. É isto dizer-te que agora sou impessoal, e não mais o Stéphane que conheceste - mas uma aptidão que o Universo espiritual tem para se ver e desenvolver através daquilo que eu fui. (Corr., 240-242)
Stéphane Mallarmé. IGITUR ou A Loucura de Elbehnon. Tradução de Carlos Valente. Lisboa, Hiena Editora, 1990., p. 20
A sua verdadeira tragédia
«A sua verdadeira tragédia (começava a entender) residia na incapacidade de comunicar aos outros o conhecimento que tinha da existência de um outro mundo, um mundo para além da ignorância e da fragilidade, para além do riso e das lágrimas.»
Henry Miller. O Sorriso aos Pés da Escada. Tradução de Célia Henriques e Vítor Silva Tavares. Literatura ASA, 1ª edição: Maio de 1992, p. 49
«Agora sei quem sou, o que sou, e o que devo fazer. É isto a realidade. O que vocês chama realidade não passa de serradura; esboroa-se, escapa-se entre os dedos.»
Henry Miller. O Sorriso aos Pés da Escada. Tradução de Célia Henriques e Vítor Silva Tavares. Literatura ASA, 1ª edição: Maio de 1992, p. 46/7
Henry Miller. O Sorriso aos Pés da Escada. Tradução de Célia Henriques e Vítor Silva Tavares. Literatura ASA, 1ª edição: Maio de 1992, p. 46/7
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