Não há maior devassidão que o pensamento.
É uma frivolidade que, semelhante à erva daninha
polinizada pelo vento, invade o canteiro das margaridas.
Nada é sagrado para quem pensa.
O chamar atrevido das coisas pelo nome,
as análises dissolutas, as sínteses perniciosas,
a perseguição feroz foliã do facto nu e cru,
o apalpar lascivo de assuntos controversos,
a desova das ideias - disso é que eles gostam.
À luz do dia ou pela calada da noite,
encontram-se a dois, em triângulos ou círculos.
Não importa a idade ou o sexo do parceiro.
Os olhos brilham, as faces ardem.
O amigo desencaminha o amigo.
Filhas degeneradas corrompem o pai.
O irmão prostitui a irmã mais jovem.
É-lhes mais doce
o fruto proibido da árvore do conhecimento
do que as nádegas cor-de-rosa das revistas ilustradas,
no fundo, ingénua pornografia.
Os livros que os divertem não têm figuras.
A única variedade está em certas frases
com o lápis ou a unha marcadas.
Wislawa Szymborska. Alguns gostam de poesia. Selecção, introdução e tradução do polaco Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro, Lisboa, 1ª ed. 2004., p. 199