quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Conto
Aborrecia-se um Príncipe porque apenas se dedicara ao aperfeiçoamento das
generosidades vulgares. Do amor, ele esperava espantosas revoluções, e suspei-
tava de que as suas mulheres podiam dar-lhe mais do que uma complacência
coroada de céu e luxo. Queria ver a verdade, a hora do desejo e da satisfação
essenciais. Fosse ou não fosse, isto, uma aberração mística, ele assim o quis.
Dispunha, pelo menos, de largos poderes humanos.
Todas as mulheres que possuíra foram assassinadas. Que estrago no jardim da
beleza! Sob o sabre, elas abençoaram-no. Não encomendou novas mulheres. - As
mulheres reapareceram.
Matou todos aqueles que o seguiam quando vinha da caça ou das libações . -
Todos o seguiam.
Divertiu-se a degolar animais raros. Mandava incendiar os palácios. Precipi-
tava-se sobre as pessoas e cortava-as às postas. - A multidão, os tectos de ouro,
os belos animais subsistiam.
Podemos extasiar-nos na destruição, rejuvenescer na crueldade! O povo não
murmurou. Ninguém ofereceu o concurso de uma opinião.
Uma noite, galopava ele altivamente, saiu-lhe ao caminho um Génio de uma
beleza inefável, inconfessável, até!Da sua fisionomia e do seu porte nascia a
promessa de um amor complexo e múltiplo, de uma felicidade inexprimível,
insuportável, até! O Príncipe e o Génio aniquilaram-se provavelmente na saú-
de primordial. Como poderiam ter sobrevivido? Juntos, tiveram de morrer.
Mas o Príncipe faleceu no seu palácio, muitos anos depois. O Príncipe era o
Génio. O Génio era o Príncipe.
Falta ao nosso desejo música sábia.
Jean-Arthur Rimbaud
in Iluminações
Estúdios Cor
generosidades vulgares. Do amor, ele esperava espantosas revoluções, e suspei-
tava de que as suas mulheres podiam dar-lhe mais do que uma complacência
coroada de céu e luxo. Queria ver a verdade, a hora do desejo e da satisfação
essenciais. Fosse ou não fosse, isto, uma aberração mística, ele assim o quis.
Dispunha, pelo menos, de largos poderes humanos.
Todas as mulheres que possuíra foram assassinadas. Que estrago no jardim da
beleza! Sob o sabre, elas abençoaram-no. Não encomendou novas mulheres. - As
mulheres reapareceram.
Matou todos aqueles que o seguiam quando vinha da caça ou das libações . -
Todos o seguiam.
Divertiu-se a degolar animais raros. Mandava incendiar os palácios. Precipi-
tava-se sobre as pessoas e cortava-as às postas. - A multidão, os tectos de ouro,
os belos animais subsistiam.
Podemos extasiar-nos na destruição, rejuvenescer na crueldade! O povo não
murmurou. Ninguém ofereceu o concurso de uma opinião.
Uma noite, galopava ele altivamente, saiu-lhe ao caminho um Génio de uma
beleza inefável, inconfessável, até!Da sua fisionomia e do seu porte nascia a
promessa de um amor complexo e múltiplo, de uma felicidade inexprimível,
insuportável, até! O Príncipe e o Génio aniquilaram-se provavelmente na saú-
de primordial. Como poderiam ter sobrevivido? Juntos, tiveram de morrer.
Mas o Príncipe faleceu no seu palácio, muitos anos depois. O Príncipe era o
Génio. O Génio era o Príncipe.
Falta ao nosso desejo música sábia.
Jean-Arthur Rimbaud
in Iluminações
Estúdios Cor
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
O que poderia o teu sorriso impor-me
que a Noite me não desse, ela que aqui quase com
mas assim esforço o coração, corro torrencial, e nunca
o espaço tem bastante.
in Esboços, Fragmentos e Primeiras
Versões das Elegias de Duíno
Editorial Inova Limitada
que a Noite me não desse, ela que aqui quase com
[começo tímido na minha face
começa e acaba - onde? onde? Em ti eu cessaria;mas assim esforço o coração, corro torrencial, e nunca
o espaço tem bastante.
[ Paris, Março de 1913.] (392)
in Esboços, Fragmentos e Primeiras
Versões das Elegias de Duíno
Editorial Inova Limitada
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poesia,
poetas alemães,
Rainer Maria Rilke
terça-feira, 22 de setembro de 2009
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Frases
Quando o mundo estiver reduzido a
um só bosque negro para os nossos quatro
olhos espantados - a uma praia para duas
crianças fiéis - a uma casa musical para
a nossa clara simpatia - encontrar-vos-ei.
Quando só haja aqui um velho solitário,
belo e calmo, rodeado de um «luxo
inaudito» - a vossos pés estarei.
Quando eu assumir a vossa ânsia
toda - seja eu aquela que vos estran-
gula - e estrangular-vos-ei.
um só bosque negro para os nossos quatro
olhos espantados - a uma praia para duas
crianças fiéis - a uma casa musical para
a nossa clara simpatia - encontrar-vos-ei.
Quando só haja aqui um velho solitário,
belo e calmo, rodeado de um «luxo
inaudito» - a vossos pés estarei.
Quando eu assumir a vossa ânsia
toda - seja eu aquela que vos estran-
gula - e estrangular-vos-ei.
------
Quando somos muito fortes - quem
foge?muito alegres - quem cai no ridí-
culo? Quando somos muito maus, que
fariam de nós?
Alindai-vos, dançai, desatai a rir.- Eu
nunca poderia atirar o Amor pela janela.
(...)
Jean-Arthur Rimbaud
in Iluminações
Estúdios Cor
Tradução Mário Cesariny
Quando somos muito fortes - quem
foge?muito alegres - quem cai no ridí-
culo? Quando somos muito maus, que
fariam de nós?
Alindai-vos, dançai, desatai a rir.- Eu
nunca poderia atirar o Amor pela janela.
(...)
Jean-Arthur Rimbaud
in Iluminações
Estúdios Cor
Tradução Mário Cesariny
sábado, 19 de setembro de 2009
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
18
Água apressada que corre - sem memória -,
que a terra distraída bebe,
duvida, só por um instante, na minha mão vazia,
lembra-te!
Claro e rápido amor, indiferença,
quase ausência que corre,
entre teu excesso de ficar e de partir,
tem arrepios de permanência.
Rainer Maria Rilke
in Frutos e Apontamentos
Relógio D´Água, 1996
que a terra distraída bebe,
duvida, só por um instante, na minha mão vazia,
lembra-te!
Claro e rápido amor, indiferença,
quase ausência que corre,
entre teu excesso de ficar e de partir,
tem arrepios de permanência.
Rainer Maria Rilke
in Frutos e Apontamentos
Relógio D´Água, 1996
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Rainer Maria Rilke
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
(a influência da poesia sobre a nossa vida interior)
"Ela pode nos tornar de tempos em tempos mais conscientes dos sentimentos profundos e anónimos que constituem o substrato de nosso ser no qual penetramos raramente, porque nossas vidas são sobretudo, uma evasão constante de nós mesmos."
Thomas Stearns Eliot
Thomas Stearns Eliot
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Thomas Stearns Eliot
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
A Máscara
«Tira essa máscara de ouro ardente
E olhos de esmeralda.»
«Oh não, meu amor, atreves-te demasiado
A ver se um coração é selvagem e sábio,
Sem ser frio.»
«Só quero ver o que houver para ver,
O amor ou o engano.»
«Foi a máscara o que ocupou a tua mente,
E fez bater o teu coração,
Não o que está por detrás.»
«Mas a não ser que sejas minha inimiga
Devo inquirir.»
«Oh não, meu amor, deixa tudo ser como é;
Que importa, se entretanto houver fogo
Em ti e em mim?»
W. B. Yeats
in Uma Antologia
Assírio & Alvim, 1996
E olhos de esmeralda.»
«Oh não, meu amor, atreves-te demasiado
A ver se um coração é selvagem e sábio,
Sem ser frio.»
«Só quero ver o que houver para ver,
O amor ou o engano.»
«Foi a máscara o que ocupou a tua mente,
E fez bater o teu coração,
Não o que está por detrás.»
«Mas a não ser que sejas minha inimiga
Devo inquirir.»
«Oh não, meu amor, deixa tudo ser como é;
Que importa, se entretanto houver fogo
Em ti e em mim?»
W. B. Yeats
in Uma Antologia
Assírio & Alvim, 1996
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poesia,
William Butler Yeats
Princípios de Novembro de 1910
«Mas esquecer não é a palavra que convém aqui...A memória deste homem não sofreu mais do que a sua força de imaginação. Quanto a remover montanhas, nem a sua memória nem a sua imaginação o podem; este homem, é necessário reconhecê-lo, mantém-se fora do nosso povo, fora da nossa humanidade, não cessa de ser esfomeado, só o instante lhe pertence, o instante ininterrupto da calamidade, instante que não é seguido de nenhuma faísca, de nenhum momento de reconforto;há apenas sempre uma mesma coisa: as suas dores, mas no mundo inteiro nenhuma outra coisa que se possa fazer passar por remédio, não há mais solo do que aquele que podem cobrir as suas mãos, tem portanto menos do que o trapezista do Music- Hall, para o qual se tomou o cuidado de estender uma rede acima do solo».
Franz Kafka
in Antologias De Páginas Íntimas
Guimarães Editores
sábado, 12 de setembro de 2009
O meu olhar escurece sempre que fechas a porta,
a mais sombria partida que o meu coração não aguenta.
a mais sombria partida que o meu coração não aguenta.
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dedicatória,
Liliana Jasmim Gonçalves,
poesia
Desço o Oriente até encontrar o poente do sol nos teus olhos,
bordo a febre que me habita o coração, perco os dias só neste cansaço.
[ A minha mão que escreve começou a tremer há dias...]
Descrente e enforcado no meu corpo doente,
tornei-me poeta sonâmbulo, e, aqui tenho notado que já não espero alento.
Tudo o que me rodeia entristece o meu peito, e o revólver que aperto entre os dedos
é um desassossego dentro do meu monólogo de acesos tambores
espero...
por uma certa quantidade de atrito.
Ocupo-me com o absurdo das horas vagas.
Não mudo o braço direito para o meu lado esquerdo
onde o chá de barbas de milho arrefece ao pé da lareira
quase apagada - e, diz-me quem sabe, que o tempo
é uma aragem: passa e só tardiamente damos conta que passou.
Acendo o cigarro que se alimenta do fumo dessas comédias dos mortos vivos.
Oiço no café, as explosões da segunda guerra mundial, cristalizada nos olhos dentados de vazio -
negrume aflição - e, são tantas as estátuas de mármore sentadas à espera de movimento;
por dentro, quem sabe o que choram, o que dizem,
o que gritam? Sabê-lo arruinaria a minha alma cansada de aspirar cansaço...
Deito-me na nuvem da noite e finjo encontrar a luz saciada de lugares.
No estreito desfiladeiro, analiso os homens miseráveis até ao fundo
e, por isso, a minha mão que escreve começou a tremer há dias...
caiu o lenço que conhecia a lágrima de esperança.
bordo a febre que me habita o coração, perco os dias só neste cansaço.
[ A minha mão que escreve começou a tremer há dias...]
Descrente e enforcado no meu corpo doente,
tornei-me poeta sonâmbulo, e, aqui tenho notado que já não espero alento.
Tudo o que me rodeia entristece o meu peito, e o revólver que aperto entre os dedos
é um desassossego dentro do meu monólogo de acesos tambores
espero...
por uma certa quantidade de atrito.
Ocupo-me com o absurdo das horas vagas.
Não mudo o braço direito para o meu lado esquerdo
onde o chá de barbas de milho arrefece ao pé da lareira
quase apagada - e, diz-me quem sabe, que o tempo
é uma aragem: passa e só tardiamente damos conta que passou.
Acendo o cigarro que se alimenta do fumo dessas comédias dos mortos vivos.
Oiço no café, as explosões da segunda guerra mundial, cristalizada nos olhos dentados de vazio -
negrume aflição - e, são tantas as estátuas de mármore sentadas à espera de movimento;
por dentro, quem sabe o que choram, o que dizem,
o que gritam? Sabê-lo arruinaria a minha alma cansada de aspirar cansaço...
Deito-me na nuvem da noite e finjo encontrar a luz saciada de lugares.
No estreito desfiladeiro, analiso os homens miseráveis até ao fundo
e, por isso, a minha mão que escreve começou a tremer há dias...
caiu o lenço que conhecia a lágrima de esperança.
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Liliana Jasmim Gonçalves,
poesia
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
O meu destino fecha-se nesta nuvem que se afasta para dentro de um charco -
algures perco a minha alma - ouço os cascos de um cavalo que revolteia
naquele penedo cinzento, uma torre inanimada que chama pelas ruínas.
Não devo nada a ninguém (a não ser a Deus), e amor algum
me pede para ficar nesta multidão. Vejo os futuros anos que me esperam
entre a colmeia das abelhas - o anoitecer dos mortos que ainda sonham.
[ E só aos céus compete despir a casca do nome que somos feitos.]
Prevejo a minha morte, como um aviador que na Guerra
sabe que o seu dia chegará [ o rio segue inquieto pelas margens.]
Estou certo que o mundo que habito é uma guerra permanente
mas em ignorante boa-vontade fazemos do acaso uma comédia
que se vende em jornais de rua. Como se houvesse o propósito
de entreter o pensamento de quem possa ousar pensar.
Basta-nos o sono (bastaria?)
algures perco a minha alma - ouço os cascos de um cavalo que revolteia
naquele penedo cinzento, uma torre inanimada que chama pelas ruínas.
Não devo nada a ninguém (a não ser a Deus), e amor algum
me pede para ficar nesta multidão. Vejo os futuros anos que me esperam
entre a colmeia das abelhas - o anoitecer dos mortos que ainda sonham.
[ E só aos céus compete despir a casca do nome que somos feitos.]
Prevejo a minha morte, como um aviador que na Guerra
sabe que o seu dia chegará [ o rio segue inquieto pelas margens.]
Estou certo que o mundo que habito é uma guerra permanente
mas em ignorante boa-vontade fazemos do acaso uma comédia
que se vende em jornais de rua. Como se houvesse o propósito
de entreter o pensamento de quem possa ousar pensar.
Basta-nos o sono (bastaria?)
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Liliana Jasmim Gonçalves,
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