terça-feira, 30 de janeiro de 2024
domingo, 28 de janeiro de 2024
Esgotei o meu mal
Esgotei o meu mal, agora
Queria tudo esquecer, tudo abandonar
Caminhar pela noite fora
Num barco em pleno mar.
Mergulhar as mãos nas ondas escuras
Até que elas fossem essas mãos
Solitárias e puras
Que eu sonhei ter.
Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 06/11/1919 – Lisboa, 02/07/2004)
Poetisa, contista, autora de literatura infantil e tradutora, a 1.ª mulher portuguesa a receber o prémio Camões (1999)
sábado, 27 de janeiro de 2024
O nosso mundo é este
(último poema do “Panfleto contra a paisagem” -1936/37)
O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.
Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.
Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…
Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…
Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.
Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…
O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.
E se soubessem, dariam flor?
Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.
O nosso mundo é este….
( Mas há-de ser outro.)
José Gomes Ferreira
Viver sempre também cansa (1931)
Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens não se transformam
Não cai neve vermelha
Não há flores que voem,
A lua não tem olhos
Ninguém vai pintar olhos à lua
Tudo é igual, mecânico e exato
Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis sempre os mesmos
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à morte!
Pois não era mais humano
Morrer por um bocadinho
De vez em quando
E recomeçar depois
Achando tudo mais novo?
Ah! Se eu pudesse suicidar-me por seis meses
Morrer em cima dum divã
Com a cabeça sobre uma almofada
Confiante e sereno por saber
Que tu velavas, meu amor do norte.
Quando viessem perguntar por mim
Havias de dizer com teu sorriso
Onde arde um coração em melodia
Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
Por uma bagatela
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo.
José Gomes Ferreira
NÃO, NÃO QUEREMOS CANTAR
HERÓICAS
VII
(Junto a minha voz ao coro dos poetas mais novos.
Recuso-me a ter mais de vinte anos.)
Recuso-me a ter mais de vinte anos.)
Não, não queremos cantar
as canções azuis
dos pássaros moribundos.
Preferimos andar aos gritos
para que os homens nos entendam
na escuridão das raízes.
Aos gritos como os pescadores quando puxam as redes
em tardes de fome pitoresca para quadros de exposição.
Aos gritos como os fogueiros que se lançam vivos nas fornalhas
para que os navios cheguem intactos aos destinos dos outros.
Aos gritos como os escravos que arrastaram as pedras no Deserto
para o grande monumento à Dor Humana do Egipto.
Aos gritos como o idílio dum operário e duma operária
a falarem de amor
ao pé duma máquina de tempestade
a soluçar cidades de fome
na cólera dos ruídos...
Aos gritos, sim, aos gritos.
E não há melhor orgulho
do que o nosso destino
de nascer em todas as bocas...
...Nós, os poetas viris
que trazemos nos olhos
as lágrimas dos outros.
as canções azuis
dos pássaros moribundos.
Preferimos andar aos gritos
para que os homens nos entendam
na escuridão das raízes.
Aos gritos como os pescadores quando puxam as redes
em tardes de fome pitoresca para quadros de exposição.
Aos gritos como os fogueiros que se lançam vivos nas fornalhas
para que os navios cheguem intactos aos destinos dos outros.
Aos gritos como os escravos que arrastaram as pedras no Deserto
para o grande monumento à Dor Humana do Egipto.
Aos gritos como o idílio dum operário e duma operária
a falarem de amor
ao pé duma máquina de tempestade
a soluçar cidades de fome
na cólera dos ruídos...
Aos gritos, sim, aos gritos.
E não há melhor orgulho
do que o nosso destino
de nascer em todas as bocas...
...Nós, os poetas viris
que trazemos nos olhos
as lágrimas dos outros.
José Gomes Ferreira
segunda-feira, 22 de janeiro de 2024
domingo, 21 de janeiro de 2024
No Bico Do Mamilo
No metrô
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
No metrô
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Como dói
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No metrô
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Como dói
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
E engoli
Um ovinho de codorna inteiro
Só pra ver se preenchia
Um ovinho de codorna inteiro
Só pra ver se preenchia
Meu sistema estomacal
Estomacal
Meu sistema estomacal
Estomacal
(Meu sistema estomacal)
Estomacal
Meu sistema estomacal
Estomacal
(Meu sistema estomacal)
Óleo, manteiga
Sabão e veja
Suicídio pirata
Espelho manchado
Sabão e veja
Suicídio pirata
Espelho manchado
Óleo, manteiga
Sabão e veja
Suicídio piratas
Espelho manchado
Sabão e veja
Suicídio piratas
Espelho manchado
No metrô
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Como dói
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No metrô
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Eu penso que passo
Num subterrâneo
Perto da tua casa
Como dói
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco
Um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
Um peteleco gelado
No bico do mamilo um peteleco gelado
''As pessoas dão importância a umas coisas que não valem um caracol.''
Adília Lopes. Bandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 53
BICHOS
A minha mãe era bióloga. Dizia «O que mata bichos mata pessoas.» As pessoas esquecem-se de que são bichos.
19/5/15
Adília Lopes. Bandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 32
sábado, 20 de janeiro de 2024
Sérgio Godinho - Etelvina
Etelvina com seis meses já se tinha de pé
Foi deixada num cinema depois da matuinée
Com um recado na lapela que dizia assim
Quem tomar conta de mim
Quem tomar conta de mim
Saiba que fui vacinada
Saiba que sou malcriada
Com um recado na lapela que dizia assim
Quem tomar conta de mim
Quem tomar conta de mim
Saiba que fui vacinada
Saiba que sou malcriada
Etelvina com dezasseis anos já conhecia
Todos os reformatórios da terra onde vivia
Entregaram-na a uma velha que ralhava assim
Ai menina sem juizo
Nem mereces um sorriso
Vais acabar num bueiro
Sem futuro nem dinheiro
Todos os reformatórios da terra onde vivia
Entregaram-na a uma velha que ralhava assim
Ai menina sem juizo
Nem mereces um sorriso
Vais acabar num bueiro
Sem futuro nem dinheiro
"Eu durmo sozinha à noite
Vou dormir à beira rio à noite, à noite
Acocorada com o frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite"
Vou dormir à beira rio à noite, à noite
Acocorada com o frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite"
Etelvina era da rua como outros são do campo
Sua cama era um caixote sem paredes nem tampo
Sua janela uma ponte que dizia assim:
Dentro das minhas cidades
Já não sei quem é ladrão
Se um que anda fora de grades
Se outro que está na prisão
Sua cama era um caixote sem paredes nem tampo
Sua janela uma ponte que dizia assim:
Dentro das minhas cidades
Já não sei quem é ladrão
Se um que anda fora de grades
Se outro que está na prisão
Etelvina só gostava era de andar pela cidade
A semear desacatos e a colher tempestades
A meter-se c'os ricaços, a dizer assim:
Você que passa de carro
Ferre aqui a ver se eu deixo
Venha cá que eu já o agarro
Dou-lhe um pontapé no queixo
A semear desacatos e a colher tempestades
A meter-se c'os ricaços, a dizer assim:
Você que passa de carro
Ferre aqui a ver se eu deixo
Venha cá que eu já o agarro
Dou-lhe um pontapé no queixo
"Eu durmo sozinha à noite
Vou dormir à beira rio à noite, à noite
Acocorada com o frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite"
Vou dormir à beira rio à noite, à noite
Acocorada com o frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite"
Etelvina já cansada de viver sem ninguém
A não ser de vez em quando amores de vai e vem
Pôs um anúncio no jornal que dizia assim:
Mulher desembaraçada
Quer viver com alma irmã
De quem não seja criada
De quem não seja mamã
A não ser de vez em quando amores de vai e vem
Pôs um anúncio no jornal que dizia assim:
Mulher desembaraçada
Quer viver com alma irmã
De quem não seja criada
De quem não seja mamã
Etelvina já sabia que não ia encontrar
Nem um príncipe encantado nem um lobo do mar
Só alguém com quem pudesse dizer assim:
O amor já não é cego
Abre os olhinhos à gente
Faz lutar com mais apego
A quem quer vida diferente
Nem um príncipe encantado nem um lobo do mar
Só alguém com quem pudesse dizer assim:
O amor já não é cego
Abre os olhinhos à gente
Faz lutar com mais apego
A quem quer vida diferente
O seu homem encontro-o à noite
A dormir à beira rio, à noite, à noite
Acocorado com frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite
A dormir à beira rio, à noite, à noite
Acocorado com frio à noite, à noite, à noite, à noite, à noite
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De Coração E Raça
Canção de Sergio Godinho
Sou português de coração e raça
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Agora vamos é ser donos do nosso trabalhar
Em vez de andar para alugar
Com escritos na camisa
E o dinheiro que desliza do salário prá despesa
Compro cama vendo mesa deito contas à pobreza
Em vez de andar para alugar
Com escritos na camisa
E o dinheiro que desliza do salário prá despesa
Compro cama vendo mesa deito contas à pobreza
Sou português de coração e raça
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Agora vamos é ser donos do nosso produzir
Em vez de ter que partir
Com escritos numa mala e a idade que resvala
Do nascimento pra morte
Vou pra leste perco o norte e o meu corpo é passaporte
Em vez de ter que partir
Com escritos numa mala e a idade que resvala
Do nascimento pra morte
Vou pra leste perco o norte e o meu corpo é passaporte
Sou português de coração e raça
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Agora vamos é ser donos do nosso trabalhar
Em vez de andar para alugar
Com escritos na camisa
E o dinheiro que desliza do salário prá despesa
Compro cama vendo mesa deito contas à pobreza
Em vez de andar para alugar
Com escritos na camisa
E o dinheiro que desliza do salário prá despesa
Compro cama vendo mesa deito contas à pobreza
Sou português de coração e raça
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha-cha-cha-cha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Meio século comido pela traça
Mantidos numa caixa e agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha-cha-cha-cha
E agora ou vai ou racha
E agora ou vai ou racha
Assim Como Um Postal Para O Canadá
Canção de Sergio Godinho
Foi a sede, foi a neve
E a falta de alguém
Que me trouxe ao consolo
De quem o tem
E a falta de alguém
Que me trouxe ao consolo
De quem o tem
Já vou, meu amor, eu já venho
Se o despertador tocar
Estarei contigo ao jantar
Se o despertador tocar
Estarei contigo ao jantar
Rapariga, mulher fácil
De compreender
Teu palácio onde a chuva
Não tem dizer
De compreender
Teu palácio onde a chuva
Não tem dizer
Já estou com o cabelo enxuto
E a roupa a secar no forno
E os lábios num caldo morno
E a roupa a secar no forno
E os lábios num caldo morno
O correio hoje à tarde
Trouxe um embrulho
Agitei-o para ver
Se fazia barulho
Trouxe um embrulho
Agitei-o para ver
Se fazia barulho
Abri-o e era um par de luvas
E um metro de um bom riscado
Estou pronto para o noivado
E um metro de um bom riscado
Estou pronto para o noivado
Passa um carro a guinchar
Dentro da cidade
Segue a multa por excesso
De velocidade
Dentro da cidade
Segue a multa por excesso
De velocidade
E eu aqui à janela
Esmagando as moscas de verão
Com o corpo a dizer que não
Esmagando as moscas de verão
Com o corpo a dizer que não
Telefonaste a dizer
Que estás atrasada
Foi a sede que me fez
Voltar para a estrada
Que estás atrasada
Foi a sede que me fez
Voltar para a estrada
Mas tudo o que quis dizer
Fica aqui no gravador
O medo, a alegria e a dor
Fica aqui no gravador
O medo, a alegria e a dor
Liberdade
Abaixo o pão, habitação
Saúde e educação
Abaixo o pão, habitação
Saúde e educação
Saúde e educação
Abaixo o pão, habitação
Saúde e educação
Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Aí
Só há liberdade a sério
Quando houver
Só há liberdade a sério
Quando houver
A paz, o pão, habitação
Saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir
E quando pertencer ao povo o que o povo produzir
Saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir
E quando pertencer ao povo o que o povo produzir
Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Aí
Só há liberdade a sério
Quando houver
Só há liberdade a sério
Quando houver
A paz, o pão, habitação, saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir
E quando pertencer ao povo o que o povo produzir
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir
E quando pertencer ao povo o que o povo produzir
Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
E a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Aí
Só há liberdade a sério
Quando houver
Só há liberdade a sério
Quando houver
A paz, o pão, habitação, saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir
E quando pertencer ao povo o que o povo produzir
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir
E quando pertencer ao povo o que o povo produzir
A paz, o pão, habitação, saúde, educação...
Sérgio Godinho
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https://www.dn.pt/opiniao/cavaco-e-a-sua-arte-de-nos-fazer-esquecer-como-governou-16980923.html/
quinta-feira, 18 de janeiro de 2024
"Eu contei pro papi que gosto muito de ser lambida, mas parece que ele nem me escutou, e se eu pudesse eu ficava muito tempo na minha caminha com as pernas abertas mas parece que não pode porque faz mal, e porque tem isso da hora. É só uma hora, quando é mais, a gente ganha mais dinheiro, mas não é todo mundo que tem tanto dinheiro assim pra lamber".
Trecho do livro O caderno rosa de Lori Lamby
Escritora e poeta Hilda Hilst.
'' As coisas avançaram evidentemente, mas o fascismo está sempre a espreitar uma ocasião, um buraquinho, um sítio, um país, um ser humano. Está sempre ali para saltar em cima. Nós, portugueses e brasileiros, que já passamos por fascismos, sabemos que eles estão por aí. E, pior, agora estão por aí a olhar para nós com suásticas tatuadas nos braços.''
Entrevista, Maria Teresa Horta
Poetisa
''Eu gosto muito dessa palavra poetisa. Várias vezes os poetas e os críticos me disseram: 'Você é uma grande poeta'. E eu sempre disse que isso é mau português. Eu não sou um, sou uma. Faz toda a diferença.''
Maria Teresa Horta
King Crimson - Epitaph
The wall on which the prophets wrote
Is cracking at the seams
Upon the instruments of death
The sunlight brightly gleams
Is cracking at the seams
Upon the instruments of death
The sunlight brightly gleams
When every man is torn apart
With nightmares and with dreams
Will no one lay the laurel wreath
When silence drowns the screams
With nightmares and with dreams
Will no one lay the laurel wreath
When silence drowns the screams
Confusion will be my epitaph
As I crawl a cracked and broken path
If we make it we can all sit back and laugh
But I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
As I crawl a cracked and broken path
If we make it we can all sit back and laugh
But I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Between the iron gates of fate
The seeds of time were sown
And watered by the deeds of those
Who know and who are known
The seeds of time were sown
And watered by the deeds of those
Who know and who are known
Knowledge is a deadly friend
If no one sets the rules
The fate of all mankind I see
Is in the hands of fools
If no one sets the rules
The fate of all mankind I see
Is in the hands of fools
The wall on which the prophets wrote
Is cracking at the seams
Upon the instruments of death
The sunlight brightly gleams
Is cracking at the seams
Upon the instruments of death
The sunlight brightly gleams
When every man is torn apart
With nightmares and with dreams
Will no one lay the laurel wreath
When silence drowns the screams?
With nightmares and with dreams
Will no one lay the laurel wreath
When silence drowns the screams?
Confusion will be my epitaph
As I crawl a cracked and broken path
If we make it we can all sit back and laugh
But I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
As I crawl a cracked and broken path
If we make it we can all sit back and laugh
But I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Crying
Crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Crying
Crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Yes, I fear tomorrow I'll be crying
Crying
quarta-feira, 17 de janeiro de 2024
Exílio
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
Sophia de Mello Breyner Andresen
Explicação do País de Abril
aís de Abril é o sítio do poema.
Não fica nos terraços da saudadenão fica nas longas terras. Fica exactamente aqui
tão perto que parece longe.
Tem pinheiros e mar tem rios
tem muita gente e muita solidão
dias de festa que são dias tristes às avessas
é rua e sonho é dolorosa intimidade.
Não procurem nos livros que não vem nos livros
País de Abril fica no ventre das manhãs
fica na mágoa de o sabermos tão presente
que nos torna doentes sua ausência.
País de Abril é muito mais que pura geografia
é muito mais que estradas pontes monumentos
viaja-se por dentro e tem caminhos veias
- os carris infinitos dos comboios da vida.
País de Abril é uma saudade de vindima
é terra e sonho e melodia de ser terra e sonho
território de fruta no pomar das veias
onde operários erguem as cidades do poema.
Não procurem na História que não vem na História.
País de Abril fica no sol interior das uvas
fica à distância de um só gesto os ventos dizem
que basta apenas estender a mão.
País de Abril tem gente que não sabe ler
os avisos secretos do poema.
Por isso é que o poema aprende a voz dos ventos
para falar aos homens do País de Abril.
Mais aprende que o mundo é do tamanho
que os homens queiram que o mundo tenha:
o tamanho que os ventos dão aos homens
quando sopram à noite no País de Abril.
Manuel Alegre
Abril de sim, Abril de Não
Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.
Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.
Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.
Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer.
Manuel Alegre
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.
Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.
Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.
Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer.
Manuel Alegre
Abril
Havia uma lua de prata e sangue
em cada mão.
Era Abril.
Havia um vento
que empurrava o nosso olhar
e um momento de água clara a escorrer
pelo rosto das mães cansadas.
Era Abril
que descia aos tropeções
pelas ladeiras da cidade.
Abril
tingindo de perfume os hospitais
e colando um verso branco em cada farda.
Era Abril
o mês imprescindível que trazia
um sonho de bagos de romã
e o ar
a saber a framboesas.
Abril
um mês de flores concretas
colocadas na espoleta do desejo
flores pesadas de seiva e cânticos azuis
um mês de flores
um mês.
Havia barcos a voltar
de parte nenhuma
em Abril
e homens que escavavam a terra
em busca da vertical.
Ardiam as palavras
Nesse mês
e foram vistos
dicionários a voar
e mulheres que se despiam abraçando
a pele das oliveiras.
Era Abril que veio e que partiu.
Abril
a deixar sementes prateadas
germinando longamente
no olhar dos meninos por haver.
José Fanha, Lisboa, Portugal
(Do livro "Tempo azul")
Não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas, embora encondam tudo
e me queiram cego e mudo,
não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Jorge de Sena
(1919-1978)
terça-feira, 16 de janeiro de 2024
Reconhece-se sem ascendência,
sem descendência
e sem paciência para estes dias,
para esta televisão, para este jornalismo,
para esta classe média da democracia,
para este subsídio de Natal,
para esta indevida abundância,
para esta tanta ignorância.
Enfim, problemas de primeiro mundo,
e lembra-se do senhor Feynman
a explicar teoria quântica às prostitutas de Las Vegas.
Não sabe de física quântica,
sabe de corpos e de corações,
de axiomas, de princípios e de intenções,
sabe que até os monarcas obedecem ao corpo.
E pensa em faias, teixos e choupos
e que a verticalidade não é uma qualidade da carne.
Agora que a elasticidade das palavras
ultrapassa todas as figuras de estilo,
se lessem Tolstói e Dostoiévski,
seriam menos filisteus,
seriam menos embusteiros.
Mas gabam-se de fazer negócios da China,
sem conhecer Pequim,
saber uma palavra de mandarim,
saber quem foi Mao Tsé-Tung,
ter visto um dragão,
corpo de tigre, barbas de bode,
barbatanas de carpa e barriga de cobra,
diz a lenda que capaz de cuspir fogo,
convocar o vento, invocar a chuva e voar,
um dragão pode ficar tão grande quanto o céu
ou tão pequeno quanto a cabeça de um alfinete.
Se não tinhas, não vendias!
Pelo que não finjam que não sabem do que está a falar,
pois os ludibriados, como os amantes pretéritos,
guardam as mesmas más memórias.
Poema de Raquel Serejo Martins
Alla Venezia trionfante
Passava os dias no café mais antigo do mundo,
sucessor de Goethe, de Casanova, de Proust,
no Verão ainda era menino para pedir um sorvete.
Passava os dias a ver passar pedreiros e outros artistas,
as floristas abriam pontualmente as lojas,
o barulho das portas, das persianas,
das janelas, das varandas, dos sinos,
os bandos de pombos na praça,
às vezes gaivotas,
a melodia dos cheiros, das águas,
e comovia-se com esta azáfama diária.
Porém a falência das floristas,
a decadência da cortesia,
a vulgaridade da violência
e a invulgaridade da ternura,
sabe como o sexo é fácil e o amor difícil,
e talvez essa seja a razão mor da sua tristura.
Flaubert dizia que a tristeza é um vício,
sabe o que é um vício,
como ao Campos, “a vida sabe-lhe a tabaco louro,
nunca fez mais do que fumar a vida”,
sabe que só os poetas levam o mundo a sério
e só lamenta as palavras de amor que nunca disse.
Passava os dias no café mais antigo do mundo,
viu crescer o trânsito de gôndolas e vaporettos
até que os turistas começaram a fotografar sem tréguas,
viu até que deixou de se confundir com a cidade.
Agora lagarto ao sol apesar das novas nuvens,
consta que se retirou para um T1 em Balmoral,
já ninguém sabe a sua idade,
ouvem-se rumores sobre a sua sanidade
e raramente é visto fora dos limites da sua propriedade.
Raquel Serejo Martins
segunda-feira, 15 de janeiro de 2024
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