Reconhece-se sem ascendência,
sem descendência
e sem paciência para estes dias,
para esta televisão, para este jornalismo,
para esta classe média da democracia,
para este subsídio de Natal,
para esta indevida abundância,
para esta tanta ignorância.
Enfim, problemas de primeiro mundo,
e lembra-se do senhor Feynman
a explicar teoria quântica às prostitutas de Las Vegas.
Não sabe de física quântica,
sabe de corpos e de corações,
de axiomas, de princípios e de intenções,
sabe que até os monarcas obedecem ao corpo.
E pensa em faias, teixos e choupos
e que a verticalidade não é uma qualidade da carne.
Agora que a elasticidade das palavras
ultrapassa todas as figuras de estilo,
se lessem Tolstói e Dostoiévski,
seriam menos filisteus,
seriam menos embusteiros.
Mas gabam-se de fazer negócios da China,
sem conhecer Pequim,
saber uma palavra de mandarim,
saber quem foi Mao Tsé-Tung,
ter visto um dragão,
corpo de tigre, barbas de bode,
barbatanas de carpa e barriga de cobra,
diz a lenda que capaz de cuspir fogo,
convocar o vento, invocar a chuva e voar,
um dragão pode ficar tão grande quanto o céu
ou tão pequeno quanto a cabeça de um alfinete.
Se não tinhas, não vendias!
Pelo que não finjam que não sabem do que está a falar,
pois os ludibriados, como os amantes pretéritos,
guardam as mesmas más memórias.
Poema de Raquel Serejo Martins
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