Alla Venezia trionfante
Passava os dias no café mais antigo do mundo,
sucessor de Goethe, de Casanova, de Proust,
no Verão ainda era menino para pedir um sorvete.
Passava os dias a ver passar pedreiros e outros artistas,
as floristas abriam pontualmente as lojas,
o barulho das portas, das persianas,
das janelas, das varandas, dos sinos,
os bandos de pombos na praça,
às vezes gaivotas,
a melodia dos cheiros, das águas,
e comovia-se com esta azáfama diária.
Porém a falência das floristas,
a decadência da cortesia,
a vulgaridade da violência
e a invulgaridade da ternura,
sabe como o sexo é fácil e o amor difícil,
e talvez essa seja a razão mor da sua tristura.
Flaubert dizia que a tristeza é um vício,
sabe o que é um vício,
como ao Campos, “a vida sabe-lhe a tabaco louro,
nunca fez mais do que fumar a vida”,
sabe que só os poetas levam o mundo a sério
e só lamenta as palavras de amor que nunca disse.
Passava os dias no café mais antigo do mundo,
viu crescer o trânsito de gôndolas e vaporettos
até que os turistas começaram a fotografar sem tréguas,
viu até que deixou de se confundir com a cidade.
Agora lagarto ao sol apesar das novas nuvens,
consta que se retirou para um T1 em Balmoral,
já ninguém sabe a sua idade,
ouvem-se rumores sobre a sua sanidade
e raramente é visto fora dos limites da sua propriedade.
Raquel Serejo Martins
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