Cerro os olhos e cai o mundo inteiro Ergo as pálpebras e tudo volta a renascer (Acho que te criei no interior da minha mente)
Saem valsando as estrelas, vermelhas e azuis,
Entra a galope a arbitrária escuridão: Cerro os olhos e cai o mundo inteiro.
Enfeitiçaste-me, em sonhos para a cama, Cantaste-me para a loucura, beijaste-me para a insanidade. (Acho que te criei no interior da minha mente)
Tomba Deus das alturas; abranda-me o fogo do inferno: Retiram-se os serafins e os homens de Satã: Cerro os olhos e cai o mundo inteiro.
Imaginei que voltarias como prometeste Envelheço, porém, e esqueço-me do teu nome. (Acho que te criei no interior da minha mente)
Deveria, em teu lugar, ter amado um falcão Pelo menos, com a Primavera retornam com estrondo. Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro: (Acho que te criei no interior da minha mente.)
“Aprender a colocar-se em primeiro lugar não é
egoísmo, nem orgulho. É Amor Próprio.”
Charles Chaplin
"A nossa mente olha o Eterno e o faz Tempo"
"A nossa mente olha o Vazio e o faz Espaço"
- Agostinho da Silva, Pensamento à Solta, in Textos e Ensaios Filosóficos II, p. 154.
AS ROSAS
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Os Amigos
Voltar ali onde
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga -
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Musa'
CAMINHO DA MANHÃ
Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não são pretos: mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.
Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.
Sophia de Mello Breyner Andresen | "Livro Sexto", 1962
quinta-feira, 15 de abril de 2021
corologia
co.ro.lo.gi.a
kuruluˈʒiɐ
nome feminino
ECOLOGIA ciência que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos na superfície da terra
«Calar e consumir-se, é o maior castigo a que nos podemos condenar. De que me serviu a mim o orgulho, e o não te olhar, e o deixar-te acordada noites e noites? De nada! Serviu para abrasar-me. Porque tu acreditas que o tempo cura e as paredes tapam, e não é verdade, não é verdade! Quando as coisas chegam ao fundo, não há quem as arranque!»
Frederico Garcia Lorca
Alice de Battenberg, mãe do Príncipe Philip de Edimburgo
«Augusto Cunha foi o tipo exacto desse humorista desinteressado, sem cálculo, do comentador, sem ódio nem sequer azedume, dos pequenos ridículos da vida, humorista que fazia rir sem esforço, sem artifício, porque o seu humor era a sua própria respiração, o seu olhar, o estilo da sua inteligência, se bem que fosse um triste como quase todos os autênticos humoristas. A pessoa humana é um mundo de pessoas humanas que vivem no ser exterior e no ser interior, todas autênticas e sinceras, verdade que Pirandello trouxe para o teatro e com a qual revolucionou, nos últimos anos, a dramaturgia do nosso tempo. O autêntico humorista é assim aquele em que o ser interior, profundamente triste, precisa de ser equilibrado constantemente pelo seu ser intelectual, voluntário, que parece, ou é, alegre, fácil, comunicativo.»
António Ferro em prefácio a Contos Escolhidos, de Augusto Cunha Edição póstuma, 23 de Maio de 1956
Wide black trees and a field of froth Bird fly low and you and me and the car are lost Took a wrong turn somewhere Into the old time, into the old time for sure The trees are black and history Has dragged us down to our knees In a cold time Ah, everyone dreams have died Wherever you are, darling, I'm not that far behind I'm not that far behind
By the side of the road is a thing with horns That steps back into the trees and a child is born Upon this trembling earth, displays each day Thrown across the hallucination of your hair A strip of ordinary sun, a biblical sun A colonial sun, an enlightened sun The same sun made always glorious at your head Well, stopping at a motel and go jumping into bed Just like the old time Yeah, wherever you are, darling, I'm not that far behind
A lunatic beauty and a watery moon You're melting by the motel swimming pool By the time I get to Phoenix on the radio Her moon to my shooting star And I'm throwing my bags in the back of the car Just like the old time, just like old time, baby And I'm not coming back this time Ah, like the old days, darling Like the old days, I'm not coming back this time Ah, like the old days, darling, like the old days I'm not coming back this time Like the old time, like the old time Wherever you are, darling, I'm not that far behind
em prefácio a Contos Escolhidos, de Augusto Cunha Edição póstuma, 23 de Maio de 1956
quarta-feira, 14 de abril de 2021
AUGUSTO CUNHA E O HUMORISMO PORTUGUÊS, por António Ferro.
''Vivemos numa época excepcionalmente dramática, e ao mesmo tempo, excepcionalmente superficial, características extremamente ligadas, necessárias uma à outra. É o superficial, na verdade, que procura atenuar, consciente ou inconscientemente, a dramática exasperação da nossa condição humana cada vez mais desumana…
A abundância de magazines, as longas reportagens da vida das estrelas cadentes, dos casamentos cinematográficos, as indiscrições sobre as intimidades dos grandes, as cascatas de imagens fáceis, a vozearia da Rádio, os altifalantes da publicidade, são o álcool que faz ou quer fazer esquecer os perigos que nos rodeiam, a constante sensação da tragédia eminente, a tragédia, sobretudo, de não saber como ser nem como fazer.''
''Quem poderá gabar-se de não ter, uma vez pelo menos, censurado nos outros, os seus próprios defeitos?''
«Vai fundar-se a Associação dos Humoristas, segundo ideia de Augusto Cunha e perfilhada pelo «Sempre Fixe»: Isto hoje vai a sério: Vai fundar-se a Associação dos Humoristas. A ideia teve-a o nosso distinto colaborador Augusto Cunha. Teve-a e abandonou-a, expô-la na roda… de amigos com quem conversa habitualmente, e o «Sempre Fixe», condoído da pobre exposta, perfilhou-a, recolheu-a no seu seio e propõe-se ser a sua ama seca, porque o Fixe a não pode ser de leite, apesar do deleite com que o lêem todos os seus amigos. Da nova Associação farão parte todas as pessoas engraçadas de Portugal e, por uma transigência especial, todos aqueles que caírem em graça e tudo isto de graça, porque na associação dos Humoristas não haverá cotas. Cada um dos associados dará apenas a sua quota-parte de graça e com isso ficará quite".»
''Augusto Cunha era um homem triste de rosto simpático e voz acolhedora; tinha as mãos estendidas para a dor e o seu coração era um mundo de afectos.''
Marques Gastão, em «O Dia». 23 de Julho de 1988.
Ravensbrück: campo de concentração nazista para mulheres
''(...) não sair da cepa torta e enrolarmo-nos na conversa fiada de tornar o capitalismo tolerável.»
Mário Tomé
''Os mais ousados e revolucionários propõem mesmo que devemos “erodir o capitalismo”, ou seja, armados de uma brossa ou, vá lá, um berbequim atirarmo-nos à muralha da China!
Todo este labor, todo este entusiasmo em “substituir este sistema actual parasitário por um tipo de capitalismo mais sustentável, mais simbiótico, e que beneficie toda a gente” é inspirador.
Claro que cá estamos em pleno terreno do que deseja a nostálgica e auto-idealizada social-democracia. Daí que, quando olhamos para o capitalismo, armados duma brossa ou de um berbequim, nos contentemos com a beleza inquestionável da possibilidade de tornar o mundo melhor mesmo que nos limitemos afinal, contra vontade e sob protesto, a pertencermos ao exército dos que o tornam pior.''
''O vertiginoso desenvolvimento das novas tecnologias em especial da informática, da inteligência artificial e das comunicações permitiu o domínio absoluto da finança sobre a vida das nações e dos povos em todo o planeta, autêntica “deusa” ex-maquina, no controlo dos cidadãos quer directamente pelo tentacular big brother quer pelos meios democráticos que estruturam a ideologia dominante, relembrando o quase meio esquecido aparelho ideológico do estado (Althusser, Sweezi, Marcuse) desde a necessidade de segurança, o direito, a representação democrática, a escola, a religião, a imprensa, a própria família…''
''Ravensbrück: a história do campo de concentração nazista para mulheres é um relato incrível do que uma sobrevivente chamou de “heroísmo, tenacidade sobre-humana e excepcional força de vontade de sobreviver”. Em uma manhã de maio de 1939, oitocentas mulheres - donas de casa, médicas, cantoras de ópera, políticas, prostitutas - foram postas em marcha pelas florestas, a 80 quilômetros ao norte de Berlim. Chicoteando e chutando-as estavam inúmeras guardas alemãs. A destinação era um campo de concentração especificamente feminino concebido por Heinrich Himmler, arquiteto primário do genocídio nazista. No fim da guerra, 130 mil mulheres de mais de vinte países europeus foram prisioneiras lá, incluindo nomes proeminentes como a sobrinha do general De Gaulle e a irmã do prefeito de Nova York durante a guerra.Poucas daquelas mulheres eram judias. Originalmente, Ravensbrück era um local destinado às marginais, ciganas, inimigas políticas, resistentes estrangeiras, doentes, deficientes e “loucas” - mulheres classificadas como “inferiores”, e que, segundo os nazistas, deveriam ser extirpadas da sociedade.Ao longo de mais de seis anos, as prisioneiras foram submetidas a espancamentos, tortura, trabalho escravo, fome, experimentos médicos e execuções aleatórias. Nos meses finais da guerra, Ravensbrück tornou-se um campo de extermínio; em 1945, entre 30 e 50 mil mulheres tinham sido assassinadas lá. Por décadas, essa história ficou escondida por trás da cortina de ferro, e até hoje é pouco conhecida. Usando testemunhos desenterrados desde o fim da Guerra Fria e entrevistas com sobreviventes que nunca antes haviam falado, Sarah Helm foi ao coração do campo, demonstrando, com minuciosos detalhes, o quão fácil e rapidamente o terror evoluiu.Inspirador, arrepiante e profundamente comovedor, o livro Ravensbrück: a história do campo de concentração nazista para mulheres é um trabalho revolucionário de investigação histórica. Lembra-nos da capacidade do ser humano tanto para a crueldade bestial quanto para a coragem e resistência contra todas as possibilidades.''
Unpublished letters detail famed soprano’s painful relationships with husband, mother and Aristotle Onassis
Her mother blackmailed her, her husband Giovanni Battista Meneghini stole from her, and shipping magnate Aristotle Onassis was violent and abandoned her for Jackie Kennedy. Soprano Maria Callas was adored by audiences worldwide but she never knew real love offstage, and her life was even more tragic than previously realised, according to research.
In writing a new biography, Lyndsy Spence was given access to Callas’s previously unpublished correspondence and other material, which casts light on the torment of her marriage, the abuse to which Onassis subjected her and sexual harassment by the director of one of the world’s foremost conservatoires.
Spence said that the letters relating to Onassis reveal the terrifying ordeal she suffered, especially when, in 1966, his physical violence threatened her life: “There is also disturbing information from the diary of one of her close friends detailing how Onassis drugged her, mostly for sexual reasons – today we would class that as date rape.”
Writing to her secretary, Callas confided: “I wouldn’t want him [Onassis] to phone me and start again torturing me.”
On the pain of her marriage to Meneghini, Callas despaired: “My husband is still pestering me after having robbed me of more than half my money by putting everything in his name since we were married … I was a fool … to trust him.” She described him as “a louse”, lamenting that he “passes for a millionaire when he hasn’t got a dime”.
One letter refers to the then president of the Juilliard School of music in New York, a married man, turning the faculty against her and stopping her coming back for another term after she rejected his advances. She wrote to her godfather: “Peter Mennin fell in love with me. So, naturally, as I did not feel so towards him, he is against me.”
Callas, who was born in New York to impoverished Greek immigrants in 1923, was one of opera’s most revered singers. Her performances of Tosca at Covent Garden have been described as among the greatest opera experiences of all time.
Spence said: “I was given access to three enormous collections which were bequeathed to various archives in 2019 and, until now, have never been published. Among the papers were Callas’s letters revealing her innermost thoughts.”
The new revelations include the truth about Callas’s harrowing childhood in Europe. “Callas resented her mother, who worked as a prostitute during the war, for trying to pimp her out to Nazi soldiers,” said Spence.
Later, Callas’s mother sold stories to the press and blackmailed her to keep her mouth shut, writing to her daughter: “You know what cinema artists of humble origins do as soon as they become rich? In the first month they spend their first money to make a home for their parents and spoil them with luxuries… What have you got to say, Maria?”
Callas confided: “If she was a real mother to me a long while ago, I would [have] cherished her.”
Nor was her father better, Spence said: “He wrote her a letter, pretending he was dying in a pauper’s hospital in an attempt to get money from her. In fact, he had a minor ailment.”
Callas wrote: “I am fed up with my parents’ egoism and indifference toward me … I want no more relationship. I hope the newspapers don’t catch on. Then I’ll really curse the moment I had any parents at all.”
The material also casts light on her great soprano rival, Renata Tebaldi, whom she had denigrated in likening their respective voices to champagne and Coca-Cola, while Tebaldi had accused Callas of lacking a heart. But they each dismissed their prima donna duel of the 1950s as a myth made up by the media. Callas insisted that she had actually said cognac not Coca-Cola, telling one interviewer that she wished she had Tebaldi’s voice, and Tebaldi described Callas’s voice as “the best”.
Now denials of their feud are contradicted by a previously unpublished letter in which Callas wrote of Tebaldi: “She’s as nasty and as sly as they come.”
That same letter, dated 1957, reveals that the American-Greek’s loathing for the Italian singer led to Callas accusing her of finding fame through “being my rival” and of using Tebaldi’s mother’s reported heart attack to further her career in cancelling her appearance at the Metropolitan Opera. Callas wrote: “Her mother had nothing special wrong with her. Not even a heart attack … Do you think it’s publicity or maybe Renata did not feel well and [maybe] her mother had the flu and that was a perfect excuse for her not singing… and to have a triumphant poor Renata on her first performance.”
She continued: “I’m surely fed up with all this nauseating poor Renata business … God does not like such methods for publicity and weapons against me.”
Callas died in 1977 aged 53. The unpublished material also gives new insights into her health problems, which affected her performances in the 1960s, and her dependence on drugs. She lost her voice several times.
Spence said: “I tracked down the neurologist who treated her before her death. Callas suffered from a neuromuscular disorder whose symptoms began in the 1950s, but she was dismissed by doctors as ‘crazy’. It also explains the loss of her singing voice, which cut her career short.
“The death of Callas is a harrowing tale. Alone in her Parisian apartment, she relied on her estranged sister, Jackie, and companion, Vasso Devetzi, to supply her with [a sedative]. Her life was full of tragedy, but I wanted to give her her voice.”