segunda-feira, 25 de janeiro de 2021


Jo Ann Callis, 1970

''a violência do consenso''

 Baudrillard

''Quem vive no idêntico, morre no idêntico.''

 Baudrillard

 «As doenças neuronais do século XXI obedecem, também elas, a uma dialética, ainda que não se trate de uma dialética da negatividade. Elas seguem, sim, a dialética da positividade. Estamos perante estados patológicos que têm a ver com um excesso de positividade.»

Byung-Chul HanA Sociedade do Cansaço. Tradução de Gilda Lopes Encarnação. Relógio D' Água. 1ª Edição, Lisboa, 2014., p. 13

profilaxia mental



Mosquitos anófeles

 «A xenofobia é uma reacção imunitária patologicamente sobreacentuada que chega inclusive a ser perniciosa para o desenvolvimento do próprio.»


Byung-Chul Han. A Sociedade do Cansaço. Tradução de Gilda Lopes Encarnação. Relógio D' Água. 1ª Edição, Lisboa, 2014., p. 10/11



self e non-self

sapatos de pele de cobra


 

''Procure ser um homem de valor, não um homem de sucesso.''

Albert Einsten

Push the Sky Away // Nick Cave & The Bad Seeds

I was riding, I was riding home
The sun, the sun, the sun was rising from the field
I got a feeling I just can't shake
I got a feeling that just won't go away
You've got to just keep on pushing
Keep on pushing it
Push the sky away
And if your friends think that you should do it different
And if they think that you should do it the same
You've got to just keep on pushing
Keep on pushing
Push the sky away
And if you feel you got everything you came for
If you got everything and you don't want no more
You've got to just keep on pushing
Keep on pushing
Push the sky away
Some people say it's just rock and roll
Oh but it gets you right down to your soul
You've got to just keep on pushing
Keep on pushing
Push the sky away
You've got to just keep on pushing
Keep on pushing
Push the sky away
Compositores: Nicholas Edward Cave / Warren Ellis

domingo, 24 de janeiro de 2021

 "Antes que o fio de prata se rompa e

a roldana rebente no poço
Antes de tudo isto
Põe uma escada e sobe ao cimo do que vês (p.161)"

Se fores ao centro de ti mesmo
Daniel Faria

Because


 Photo by Linda McCartney

«Então, de repente, lembrei-me de ter ouvido dizer que, levando um punhado de cinza da própria lareira e espalhando-a na lareira estranha, a gente ficava livre de toda a nostalgia.» (p.48)

«- E agora crês que foram as cinzas que te socorreram?» (p.49)

 Selma Lagerlöf. O Livro das Lendas. Tradução de Pepita de Leitão. Livros do Brasil, Lisboa., p. 48/9

 '' o nevoeiro prateado, o luar intenso, a floresta sombria''

 Selma Lagerlöf. O Livro das Lendas. Tradução de Pepita de Leitão. Livros do Brasil, Lisboa., p. 44

galo-da-floresta

''máscula gentileza''

 Selma Lagerlöf. O Livro das Lendas. Tradução de Pepita de Leitão. Livros do Brasil, Lisboa., p. 26

''festa libertária''

sábado, 23 de janeiro de 2021

per.cu.ci.en.te

 «Chora por timidez e enxuga penosamente as lágrimas num lenço amarrotado, como se o não soubesse desdobrar.»

Selma Lagerlöf. O Livro das Lendas. Tradução de Pepita de Leitão. Livros do Brasil, Lisboa., p. 18



Livro Violet Bent Backwards Over the Grass de Lana Del Rey
 


A pátria é triste. Sofro. Estou calmo.
Único honesto, entre desonestos, clarividente,
entre os cegos, a indignação há muito acalmo.
Estou só. Sofro quando alguém sente.
A honestidade – que solidão! A coragem cansa.
Em breve, cadáver que a outros mortos fala,
penso em Atenas, plena de alegria mansa,
e no coração afogo palavras que o pudor cala.
Estou cansado de prever o negro acontecer.
Algo nasce. Algo morre. Com quem perde, estou.
Honestidade é pátria de quem outra não sabe ter.
Ao abismo das causas perdidas, quieto, vou.
Melhor do que ocupar-me da minha pobre vida,
agora que pos pássaros a cantar começam,
na espada pego, com mão há pouco ferida
– o vento rasgo. Percebo que meus pés tropeçam.


[337]

Eugénio Lisboa

ÁFRICA

Em meus lábios grossos fermenta
a farinha do sarcasmo que coloniza minha Mãe África
e meus ouvidos não levam ao coração seco
misturada com o sal dos pensamentos
a sintaxe anglo-latina de novas palavras.

Amam-me com a única verdade dos seus evangelhos
a mística das suas missangas e da sua pólvora
a lógica das suas rajadas de metralhadora
e enchem-me de sons que não sinto
das canções das suas terras
que não conheço.

E dão-me
a única permitida grandeza dos seus heróis
a glória dos seus monumentos de pedra
a sedução dos seus pornográficos Rols-Royce
e a dádiva quotidiana das suas casas de passe.
Ajoelham-me aos pés dos seus deuses de cabelos lisos
e na minha boca diluem o abstracto
sabor da carne de hóstias em milionésimas
circunferências hipóteses católicas de pão.

E em vez dos meus amuletos de garras de leopardo
vendem-me a sua desinfectante benção
a vergonha de uma certidão de filho de pai incógnito
uma educativa sessão de «strip-tease» e meio litro
de vinho tinto com graduação de álcool de branco
exacta só para negro
um gramofone de magaíza
um filme de heróis de carabina a vencer traiçoeiros
selvagens armados de penas e flechas
e o ósculo das suas balas e dos seus gases lacrimogéneos
civiliza o meu casto impudor africano.

Efígies de Cristo suspendem ao meu pescoço
em rodelas de latão em vez dos meus autênticos
mutovanas de chuva e da fecundidade das virgens
do ciúme e da colheita de amendoim novo.
E aprendo que os homens inventaram
a confortável cadeira eléctrica
a técnica de Buchenwald e as bombas V2
acenderam fogos de artifício nas pupilas
de ex-meninos vivos de Varsóvia
criaram Al Capone, Hollywood, Harlem
a seita Ku-Klux-Klan, Cato Mannor e Sharpeville
e emprenharam o pássaro que fez o choco
sobre os ninhos mornos de Hiroshima e Nagasaki
conheciam o segredo das parábolas de Charlie Chaplin
lêem Platão, Marx, Gandhi, Einstein e Jean-Paul Sartre
e sabem que Garcia Lorca não morreu mas foi assassinado
são os filhos dos santos que descobriram a Inquisição
perverteram de labaredas a crucificada nudez
da sua Joana D’Arc e agora vêm
arar os meus campos com charruas «made in Germany»
mas já não ouvem a subtil voz das árvores
nos ouvidos surdos do pasmo das turbinas
não lêem nos meus livros de nuvens
o sinal das cheias e das secas
e nos seus olhos ofuscados pelos clarões metalúrgicos
extinguiu-se a eloquente epidérmica beleza de todas
as cores das flores do universo
e já não entendem o gorjeio romântico das aves de casta
instintos de asas em bando nas pistas do éter
infalíveis e simultâneos bicos trespassando sôfregos
a infinita côdea impalpável de um céu que não existe.
E no colo macio das ondas não adivinham os vermelhos
sulcos das quilhas negreiras e não sentem
como eu sinto o prenúncio mágico sob os transatlânticos
da cólera das catanas de ossos nos batuques do mar.
E no coração deles a grandeza do sentimento
é do tamanho cow-boy do nimbo dos átomos
desfolhados no duplo rodeo aéreo no Japão.

Mas nos verdes caminhos oníricos do nosso desespero
perdoo-lhes a sua bela civilização à custa do sangue
ouro, marfim, améns
e bíceps do meus povo.

E ao som másculo dos tantãs tribais o Eros
do meu grito fecunda o húmus dos navios negreiros...
E ergo no equinócio da minha Terra
o moçambicano rubi do nosso mais belo canto xi-ronga
e na insólita brancura dos rins da plena Madrugada
a necessária carícia dos meus dedos selvagens
é a tácita harmonia de azagaias no cio das raças
belas como altivos falos de ouro
erectos no ventre nervoso da noite africana.


[40]

José Craveirinha

Lana Del Rey - Ultraviolence

CAFÉ FRIO

Com ninguém reparto meus sentimentos.
Nas cacimbentas manhãs de Inverno
egocêntrico vou digerindo
meu melancólico
café frio.

José Craveirinha


O MEU PREÇO

Eu cidadão anónimo
do País que mais amo sem dizer o nome
se é para me dar de corpo e alma
dou-me todo como daquela vez em Chaimite.
Dou-me em troca de mil crianças felizes
nenhum velho a pedir esmola
uma escola em cada bairro
salário justo nas oficinas
filas de camiões carregados de hortaliças
um exército de operários todos com serviço
um tesouro de belas raparigas maravilhando as praias
e ao vento da minha terra uma grande bandeira sem quinas.
Se é para me dar
dou-me de graça por conta disso.
Mas se é para me vender
vendo-me mas vendo-me muito caro.
Ao preço incondicional
de quanto me pode custar este poema.


[335]


José Craveirinha

MUHÍPITI

É onde deponho todas as armas. Uma palmeira
harmonizando-nos o sonho. A sombra.
Onde eu mesmo estou. Devagar e nu. Sobre
as ondas eternas. Onde nunca fui e os anjos
brincam aos barcos com livros como mãos.
Onde comemos o acidulado último gomo
das retóricas inúteis. É onde somos inúteis.
Puros objectos naturais. Uma palmeira
de missangas com o sol. Cantando.
Onde na noite a Ilha recolhe todos os istmos
e marulham as vozes. A estatuária nas virilhas.
Golfando. Maconde não petrificada.
É onde estou neste poema e nunca fui.
O teu nome que grito a rir do nome.
Do meu nome anulado. As vozes que te anunciam.
E me perco. E estou nu. Devagar. Dentro do corpo.
Uma palmeira abrindo-se para o silêncio.
É onde sei a maxila que sangra. Onde os leopardos
naufragam. O tempo. O cigarro a metralhar
nos pulmões. A terra empapada. Golfando. Vermelha.
É onde me confundo de ti. Um menino vergado
ao peso de ser homem. Uma palmeira em azul
humedecido sobre a fronte. A memória do infinito.
O repouso que a si mesmo interroga. Ouve.
A ronda e nenhum avião partiu. É onde estamos.
Onde os pássaros são pássaros e tu dormes.
E eu vagueio em soluços de sílabas. Onde
Fujo deste poema. Uma palmeira de fogo.
Na Ilha. Incendiando-nos o nome.


[54]
Luís Carlos Patraquim

EIS AS CASAS

Eis as casas. Grutas de sal a céu onde me descubro. E sou nome ou reboco do dia que se extenua ou sonha, vento marítimo que me leva às praias fulgurantes que faltam nos livros. Aqui me deito, peixe, memória, homem, contigo e a chuva e o iodo e o som das casuarinas circulares, teu verde escuro açoitado de desejo. O bosque.
Aqui me ergo, pendurado em panos às janelas, imagens de despudor sem mim. Porque aqui me esqueço do que me querem. Da história que me fizeram e fui. Olhem estas paredes que respiram! Arfam? Olhem onde não me posso esconder, no laborioso percurso das tardes jogando-me, brincando, obsessivo gerúndio doutra estória às avessas da história, onde não me vissem mais, quando me distraio, viandante de mim nos alvéolos iluminados do tempo.


[133]

Luís Carlos Patraquim


                                                                    Bianca Jagger

T̲alking H̲e̲ads - R̲e̲main In L̲ight (Full Album) 1980



ELEGIA DO NILO

à Odete e ao Amioto

Azul e branco e o deus crocodilo na margem
Diante das ruínas de Karnak,
como sobes, visto daqui, das águas obscuras
Onde Ogum verteu suas lágrimas e cantou
O sulco vindouro, persistente e duro caminhante
De sul para norte sobre as areias, rasgando a volúvel pele
Dos deuses.

Reis e templos, em tuas margens ordenaram o mundo
Entre cada ciclo solar, suspensos do fim;
E louvo a cidade dos que partiram, o fluxo da pedra
que ainda sustém a geometria do eterno
emergindo da tua indiferença; Tu, que escondes os gatos
imóveis e os sabes para sempre espíritos soltos, eriçados; e te deleitas,
vendo-os na ronda dos desenhos enigmáticos, anichando-os junto aos
Sarcófagos que extrapolam de Ti, como se o teu leito derramado
Tivesse soerguido, da solidão granular, o perfil oblongo
Da cabeça de Nefertiti e Te espojasses na beleza efémera
Dos esponsais da Carne;

Ó matéria perecível que as ânforas guardam, aguardam,
Nós que perdemos o divino selo das libações inaugurais e salmodiamos,
No medo litúrgico da palavra esquecida, o simulacro do Livro
E a salvação dos mortos;
O que sabia deles, extirpadas as vísceras, iluminados pelo ouro e a água
De que eras a substância!

Desceram as noites e o desmundo bebeu nas tuas margens
Enquanto Tu cantavas e era de ti o canto
Moldando a forma, lacerando as cidades e erguendo-as,
Com nossos pés descalços sobre a erva, acocorados
E breves, uma inscrição de sangue diluindo-se
Até ao mar.


[142]


Luís Carlos Patraquim
JOSÉ CRAVEIRINHA

Do meu amigo chegarão as flores
e os vaticínios

a dog starv’d at his master’s gate
predicts the ruin of the State

Tanjarinas!

E de mulheres mil
Um Nome,

Ou a pátria,
Rendilhada cortina
Que a usura pui,
E o cós da angústia
No blazer que a Noite em verbo nua
anverso da máscara
Convocando Xipokwés e géiseres e
as aprazíveis praias onde Ulisses
Aportou,

Do meu amigo chegarão as flores
Ai, deus, e u é?

[321]

Luís Carlos Patraquim

A CANÇÃO DE ZEFANIAS SFORZA (excerto/ 3)


Todas as cidades têm as suas entranhas e estranhezas. Apesar de Maputo não ter muito de labiríntico, e digo isto se exceptuarmos os chamados subúrbios, anverso do cimento, não se lhe conhecem túneis nem grutas como em Nápoles, ou Roma, para só citar dois nomes.

Desenhada a régua e esquadro, aqui um quase boulevard que sai da Praça junto ao porto e sobe, em suave inclinação, até ao Conselho Executivo, a baixa e a alta espraiam-se, regra geral, em quarteirões que as paralelas e as perpendiculares demarcam. Uma e outra sinuosidade, alguns gavetos, pátios interiores, numa arquitectura monótona. Há excepções, a que é preciso estar atento. Outras impõem-se. Outras, ainda, ruíram.


[327]


Luís Carlos Patraquim

ALEGORIA

Em Inhaminga, meu amor,
estão as armas apontadas para o céu
mas só há pássaros.

E como as armas pensam no canudo do seu cérebro
que as aves são inofensivos passarinhos
estes aproveitam a confusão
dos pára-quedistas já cansados.

Por isso cada pássaro que voa pelo céu
(luminoso como uma palavra boa)
deixa cair melancolicamente
o seu depósito de agradecimento
sobre as armas
e a estupidez dos generais.

Vorazmente, meu amor,
o destino da terra passa
e cria-se entre o ventre das armas
e o círculo da esquadrilha voadora
o futuro desta terra
que alarga e fermenta.

Tudo isto em Inhaminga,
com o tamanho deste país,
meu amor.


[245]

Heliodoro Baptista
POEMA DA INFÂNCIA DISTANTE
A Rui Guerra

Quando eu nasci na grande casa à beira-mar,
era meio-dia e o sol brilhava sobre o Índico.
Gaivotas pairavam, brancas, doidas de azul.
Os barcos dos pescadores indianos não tinham regressado ainda
arrastando as redes pejadas.
Na ponte, os gritos dos negros dos botes
chamando as mamanas amolecidas de calor,
de trouxas à cabeça e garotos ranhosos às costas
soavam com um ar longínquo,
longínquo e suspenso na neblina do silêncio.
E nos degraus escaldantes,
mendigo Mufasini dormitava, rodeado de moscas.

Quando eu nasci...
- Eu sei que o ar estava calmo, repousado (disseram-me)
e o sol brilhava sobre o mar.
No meio desta calma fui lançada ao mundo,
já com meu estigma.
E chorei e gritei – nem sei porquê.
Ah, mas pela vida fora,
minhas lágrimas secaram ao lume da revolta.
E o Sol nunca mais brilhou como nos dias primeiros
da minha existência,
embora o cenário brilhante e marítimo da minha infância,
constantemente calmo como um pântano,
tenha sido quem guiou meus passos adolescentes,
- meu estigma também.
Mais, mais ainda: meus heterogéneos companheiros
de infância.

Meus companheiros de pescarias
por debaixo da ponte,
com anzol de alfinete e linha de guita,
meus amigos esfarrapados de ventres redondos como cabaças,
companheiros de brincadeiras e correrias
pelos matos e praias da Catembe
unidos todos na maravilhosa descoberta de um ninho de tutas,
na construção de uma armadilha com nembo,
na caça aos gala-galas e beija-flores,
nas perseguições aos xitambelas sob um sol quente de Verão...
- Figuras inesquecíveis da minha infância arrapazada,
solta e feliz:
meninos negros e mulatos, brancos e indianos,
filhos da mainata, do padeiro,
do negro do bote, do carpinteiro,
vindos da miséria do Guachene
ou das casas de madeira dos pescadores,
Meninos mimados do posto,
meninos frescalhotes dos guardas-fiscais da Esquadrilha
- irmanados todos na aventura sempre nova
dos assaltos aos cajueiros das machambas,
no segredo das maçalas mais doces,
companheiros na inquieta sensação do mistério da “Ilha dos navios perdidos”
- onde nenhum brado fica sem eco.

Ah, meus companheiros acocorados na roda maravilhada
e boquiaberta de “Karingana wa karingana”
das histórias da cocuana do Maputo,
em crepúsculos negros e terríveis de tempestades
(o vento uivando no telhado de zinco,
o mar ameaçando derrubar as escadas de madeira da varanda
e casuarinas, gemendo, gemendo,
oh inconsolavelmente gemendo,
acordando medos estranhos, inexplicáveis
das nossas almas cheias de xituculumucumbas desdentadas
e reis Massingas virados jibóias...)
Ah, meus companheiros me semearam esta insatisfação
dia a dia mais insatisfeita.

Eles me encheram a infância do sol que brilhou
no dia em que nasci.
Com a sua camaradagem luminosa, impensada,
sua alegria radiante,
seu entusiasmo explosivo diante
de qualquer papagaio de papel feito asa
no céu de um azul tecnicolor,
sua lealdade sem código, sempre pronta,
- eles encheram minha infância arrapazada
de felicidade e aventuras insquecíveis.

Se hoje o sol não brilha como do dia
em que nasci, na grande casa,
à beira do Índico,
não me deixo adormecer na escuridão.
Meus companheiros me são seguros guias
na minha rota através da vida.
Eles me provaram que “fraternidade” não é mera palavra bonita
escrita a negro no dicionário da estante:
ensinaram-me que “fraternidade” é um sentimento belo, e possível,
mesmo quando as epidermes e a paisagem circundante
são tão diferentes.

Por isso eu CREIO que um dia
o sol voltará a brilhar, calmo, sobre o Índico.
Gaivotas pairarão, brancas, doidas de azul
e os pescadores voltarão cantando,
navegando sobre a tarde ténue.

E este veneno de lua que a dor me injectou nas veias
em noite de tambor e batuque
deixará para sempre de me inquietar.

Um dia,
o sol iluminará a vida.
E será como uma nova infância raiando para todos.


(29/4/50)

Noémia de Sousa

 Reynaldo Arenas

 Cabrera Infante 

 Enrique Vila Matas

 

                           Lucky Spot in Daisy Field. Sussex, 1985 © Paul McCartney / Photographer: Linda McCartney

in.cu.ri.a.li.da.de

The Beatles - Help!


I need somebody
(Help!) not just anybody
(Help!) you know I need someone
Help!
I never needed anybody's help in any way
But now these days are gone, I'm not so self assured (but now these days are gone)
(And now I find) Now I find I've changed my mind and opened up the doors
Help me if you can, I'm feeling down
And I do appreciate you being 'round
Help me get my feet back on the ground
Won't you please, please help me?
And now my life has changed in oh so many ways (and now my life has changed)
My independence seems to vanish in the haze
But every now and then I feel so insecure (I know that I)
I know that I just need you like I've never done before
Help me if you can, I'm feeling down
And I do appreciate you being 'round
Help me get my feet back on the ground
Won't you please, please help me
When I was younger, so much younger than today
I never needed anybody's help in any way
But now these days are gone, I'm not so self assured (but now these days are gone)
(And now I find) now I find I've changed my mind and opened up the doors
Help me if you can, I'm feeling down
And I do appreciate you being 'round
Help me get my feet back on the ground
Won't you please, please help me, help me, help me, ooh
Compositores: John Lennon / Paul McCartney

Dilúvio literário

Why not?

“uma má metáfora é imortal”

Poeta Polaco Tadeusz Rozewicz

o ensombramento

Umberto Eco dizia, “a literatura é como uma máquina, o escritor constrói uma máquina e deixa-a na página, depois é preciso que alguém a meta a funcionar, e esse alguém é o leitor”
“e por que manténs fechadas/as pernas no poema?”

Pedro Mbate. Debaixo do Silêncio que Arde, Índico, 2015

''leão morto''


 

o "clash" geracional

''Depois do gozo das primeiras letras partilhadas há muitos que ficam saciados e desistem. No seu caso, em que momento brotou a consciência de estar condenado a escrever?


Foi um percurso um bocado sonâmbulo. Era como a imaginação, não a controlávamos, aceitávamos a torrente e íamos sentados no lugar ao lado do condutor. Agora tenho evidentemente outra consciência dos processos, na altura era uma menina virgem entontecida pelo fulgor dos desejos. Olhe, e era o que admiravamos no White, aquele jorro, um improvisador nato, às vezes um bocadinho desagradável…mas tinha a centelha. Tudo isto é um bocado romântico, e acalmou, e ­às vezes dá saudade… São fases.''

Execto da entrevista de António Cabrita ao Poeta Pedro Mbate, na Revista Caliban


do mal o menos


 

Mbate Pedro

“O mel amargo” (AEMO, 2006)

“Minarete de medos e outros poemas” (Índico, 2009) ''

''Debaixo do silêncio que arde” (Índico, 2015)

Vácuos (Cavalo do Mar, 2017) 

Os Crimes Montanhosos (Cavalo do Mar, 2018),

''Debaixo do silêncio que arde”

Mbate Pedro

 Fernando Pessoa

Levas uma rosa ao peito

Levas uma rosa ao peito

Levas uma rosa ao peito

E tens um andar que é teu...

Antes tivesses o jeito

De amar alguém, que sou eu.

s.d.

Quadras ao Gosto Popular. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido e prefaciado por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1965. (6ª ed., 1973). 

 - 42.

 

Fonte: http://arquivopessoa.net/textos/2451

MOÇA DAS DOCAS
A Duarte Galvão

Somos fugitivas de todos os bairros de zinco e caniço,
Fugitivas das Munhuanas e dos Xipamanines,
viemos do outro lado da cidade
com nossos olhos espantados,
nossas almas trancadas,
nossos corpos submissos escancarados.
De mãos ávidas e vazias,
de ancas bamboleantes lâmpadas vermelhas se acendendo,
de corações amarrados de repulsa,
descemos atraídas pelas luzes da cidade,
acenando convites aliciantes
como sinais luminosos na noite,

Viemos...
Fugitivas dos telhados de zinco pingando cacimba,
do sem sabor do caril de amendoim quotidiano,
do doer de espádua todo o dia vergadas
sobre sedas que outros exibirão,
dos vestidos desbotados de chita,
da certeza terrível do dia de amanhã
retrato fiel do que passou,
sem uma pincelada verde forte
falando de esperança,

Viemos...
E para além de tudo,
por sobre Índico de desespero e revoltas,
fatalismos e repulsas,
trouxemos esperança.
Esperança de que a xituculumucumba já não virá
em noites infindáveis de pesadelo,
sugar com seus lábios de velha
nossos estômagos esfarrapados de fome,
E viemos....
Oh sim, viemos!
Sob o chicote da esperança,
nossos corpos capulanas quentes
embrulharam com carinho marítimos nómadas de outros portos,
saciaram generosamente fomes e sedes violentas...
Nossos corpos pão e água para toda a gente.

Viemos...
Ai mas nossa esperança
venda sobre nossos olhos ignorantes,
partiu desfeita no olhar enfeitiçado de mar
dos homens loiros e tatuados de portos distantes,
partiu no desprezo e no asco salivado
das mulheres de aro de oiro no dedo,
partiu na crueldade fria e tilintante das moedas de cobre
substituindo as de prata,
partiu na indiferença sombria da caderneta...

E agora, sem desespero nem esperança,
seremos em breve fugitivas das ruas marinheiras da cidade...

E regressaremos,
Sombrias, corpos floridos de feridas incuráveis,
rangendo dentes apodrecidos de tabaco e álcool,
voltaremos aos telhados de zinco pingando cacimba,
ao sem sabor do caril de amendoim
e ao doer do corpo todo, mais cruel, mais insuportável...

Mas não é a piedade que pedimos, vida!
Não queremos piedade
daqueles que nos roubaram e nos mataram
valendo-se de nossas almas ignorantes e de nossos corpos macios!
Piedade não trará de volta nossas ilusões
de felicidade e segurança,
não nos dará os filhos e o luar que ambicionávamos.
Poedade não é para nós.

Agora, vida, só queremos que nos dês esperança
para aguardar o dia luminoso que se avizinha
quando mãos molhadas de ternura vierem
erguer nossos corpos doridos submersos no pântano,
quando nossas cabeças se puderem levantar novamente
com dignidade
e formos novamente mulheres!


[73]

Noémia da Sousa

''infância disfórica''

prefaciador

“Os Ângulos da Casa”


Poetisa 
Hirondina Joshua

Manifestações periféricas

comunicados políticos

BAYETE
para Rui Knopfli

Ergueste uma capela e ensinaste-me a temer a Deus e a ti.
Vendeste-me o algodão da minha machamba
pelo dobro do preço por que mo compraste,
estabeleceste-me tuas leis
e minha linha de conduta foi por ti traçada.
Construíste calabouços
para lá me encerrares quando não te pagar os impostos,
deixaste morrer de fome meus filhos e meus irmãos,
e fizeste-me trabalhar dia após dia, nas tuas concessões.
Nunca me construíste uma escola, um hospital,
nunca me deste milho ou mandioca para os anos de fome.
E prostituíste minhas irmãs,
e as deportaste para S. Tomé...

- Depois de tudo isto,
não achas demasiado exigir-me que baixe a lança e o escudo
e, de rojo, grite à capulana vermelha e verde
que me colocaste à frente dos olhos: BAYETE?


[76]

Noémia de Sousa
SE ME QUISERES CONHECER
Para Antero

Se me quiseres conhecer,
estuda com olhos bem de ver
esse pedaço de pau preto
que um desconhecido irmão maconde
de mãos inspiradas
talhou e trabalhou
em terras distantes lá do Norte.

Ah, essa sou eu:
órbitas vazias no desespero de possuir vida,
boca rasgada em feridas de angústia,
mãos enormes, espalmadas,
erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
pelos chicotes da escravatura...
Torturada e magnífica,
altiva e mística,
África da cabeça aos pés,
- ah, essa sou eu

Se quiseres compreender-me
vem debruçar-te sobre minha alma de África,
nos gemidos dos negros no cais
nos batuques frenéticos dos muchopes
na rebeldia dos machanganas
na estranha melancolia se evolando
duma canção nativa, noite dentro...

E nada mais perguntes,
se é que me queres conhecer...
Que não sou mais que um búzio de carne,
onde a revolta de África congelou
seu grito inchado de esperança.


[83]

Noémia de Sousa

 NEGRA

Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos
para elas só de mistérios profundos,
de delírios e feitiçarias...
Teus encantos profundos de Africa.
Mas não puderam.
Em seus formais e rendilhados cantos,
ausentes de emoção e sinceridade,
quedas-te longínqua, inatingível,
virgem de contactos mais fundos.
E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,
jarra etrusca, exotismo tropical,
demência, atracção, crueldade,
animalidade, magia...
e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.
Em seus formais cantos rendilhados
foste tudo, negra...
menos tu.
E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,
a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE


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A BILLIE HOLIDAY, CANTORA

Era de noite e no quarto aprisionado em escuridão
apenas o luar entrara, sorrateiramente,
e fora derramar-se no chão.
Solidão. Solidão. Solidão.

E então,
tua voz, minha irmã americana,
veio do ar, do nada nascida da própria escuridão...
Estranha, profunda, quente,
vazada em solidão.

E começava assim a canção:
“Into each heart some rain must fall...”
Começava assim
e era só melancolia
do princípio ao fim,
como se teus dias fossem sem sol
e a tua alma aí, sem alegria...

Tua voz irmã, no seu trágico sentimentalismo,
descendo e subindo,
chorando para logo, ainda trémula, começar rindo,
cantando no teu arrastado inglês crioulo
esses singulares “blues”, dum fatalismo
rácico que faz doer
tua voz, não sei porque estranha magia,
arrastou para longe a minha solidão...

No quarto às escuras, eu já não estava só!
Com a tua voz, irmã americana, veio
todo o meu povo escravizado sem dó
por esse mundo fora, vivendo no medo, no receio
de tudo e de todos...
O meu povo ajudando a erguer impérios
e a ser excluído na vitória...
A viver, segregado, uma vida inglória,
de proscrito, de criminoso...

O meu povo transportando para a música, para a poesia,
os seus complexos, a sua tristeza inata, a sua insatisfação...

Billie Holiday, minha irmã americana,
continua cantando sempre, no teu jeito magoado
os “blues” eternos do nosso povo desgraçado...
Continua cantando, cantando, sempre cantando,
até que a humanidade egoísta ouça em ti a nossa voz,

e se volte enfim para nós,
mas com olhos de fraternidade e compreensão!

(Fonte: borboletasdejade.blogspot.com, onde o poema é empregado para uma homenagem a Billie Holiday)
B. Holiday: "One for My Baby (and One More for the Road)"

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Beco das Forçadas

SÓLIDO, LÍQUIDO, GASOSO

sólido líquido gasoso
Eva ângelo


Este objeto artístico parte dos registos vídeo e áudio realizados para as instalações apresentadas em LU.GAR.OCULTO [2018], neste caso, # 1 "Ilusões de futuro, pesadelos do presente" e # 2 "Memórias das águas", alem do uso dos arquivos realizados em 2018 prevêem-se ainda novas recolhas de som, foley's a ser produzidos no decurso deste trabalho, agora centrado na montagem. Partindo do tema "água", dos conhecimentos da natureza e memoria dos lugares este trabalho propõe, essencialmente, uma experiência imersiva e sensorial a partir do vídeo numa abordagem formal exploratória em torno da ideia dos "estados da matéria" procurando para além das "forças de coesão" sugeridas pelas formas e escuta atenta, o resgate da "memória" e "consciência ecológica", discussões/experiências que ambas instalações já propunham.


Imagem, realização e montagem
Eva Ventura Ângelo

Som adicional e música
Ana Maria Ktupenski

''memória insepulta''

''A velocidade com que vivemos impede-nos de viver'

O Aqui e o Agora

''Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais.
Precisamente porque temos de nos desdobrar e multiplicar, necessitamos de reaprender o aqui e o agora da presença, de reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o uno. Mesmo tendo perdido o estatuto nas nossas sociedades modernas e ocidentais, a lentidão continua a ser um antídoto contra a rasura normalizadora. A lentidão ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o meramente funcional e utilitário; escolhe mais vezes conviver com a vida silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão íntimo.''

José Tolentino Mendonça, in 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas'
''É que não se envelhece para morrer. Penso no modo extraordinário e preciso como o livro do Génesis descreve a caminhada do patriarca Abraão. “Abraão expirou... velho e saciado de dias” (Gen 25:8). Sim, não se envelhece para morrer. Envelhecemos para nos saciarmos de vida e desse modo sentir que, mesmo escassa ou vacilante, a vida é o milagre mais espantoso, mais indescritível e pródigo que nos tocou em sorte. Com razão, James Hilmann escreveu: “Envelhecendo eu revelo o meu carácter, não a minha morte.” A velhice é um laboratório de vida presente e não só passada, uma escola onde se aprofunda o significado da esperança e do amor. Quando estes sentimentos, despidos já das contaminações do cálculo, distantes do enganador afã dos objetivos que lhe colocámos, revelam finalmente a sua natureza. O que é o amor em si, o que é a esperança sem mais — os velhos sabem-no melhor.''

José Tolentino Mendonça


 

Cidade pós-narrativa

 '' A causa e o propósito''

Vítor Cotovio



 '' a dialéctica entre o mel e o fel''

Vítor Cotovio

 A Senhora Língua

turpilóquio

bardolatria

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

The Hill We Climb: the Amanda Gorman poem that stole the inauguration show.


“The Hill We Climb”
Amanda Gorman

''When day comes we ask ourselves, where can we find light in this never-ending shade? The loss we carry, a sea we must wade. We’ve braved the belly of the beast, we’ve learned that quiet isn’t always peace and the norms and notions of what just is, isn’t always justice. And yet the dawn is ours before we knew it, somehow we do it, somehow we’ve weathered and witnessed a nation that isn’t broken but simply unfinished.

We, the successors of a country and a time where a skinny black girl descended from slaves and raised by a single mother can dream of becoming president only to find herself reciting for one. And, yes, we are far from polished, far from pristine, but that doesn’t mean we are striving to form a union that is perfect, we are striving to forge a union with purpose, to compose a country committed to all cultures, colors, characters and conditions of man.

So we lift our gazes not to what stands between us, but what stands before us. We close the divide because we know to put our future first, we must first put our differences aside. We lay down our arms so we can reach out our arms to one another, we seek harm to none and harmony for all.

Let the globe, if nothing else, say this is true: that even as we grieved, we grew, even as we hurt, we hoped, that even as we tired, we tried, that we’ll forever be tied together victorious, not because we will never again know defeat but because we will never again sow division.

Scripture tells us to envision that everyone shall sit under their own vine and fig tree and no one should make them afraid. If we’re to live up to our own time, then victory won’t lie in the blade, but in in all of the bridges we’ve made.

That is the promise to glade, the hill we climb if only we dare it because being American is more than a pride we inherit, it’s the past we step into and how we repair it. We’ve seen a force that would shatter our nation rather than share it. That would destroy our country if it meant delaying democracy, and this effort very nearly succeeded. But while democracy can periodically be delayed, but it can never be permanently defeated.

In this truth, in this faith, we trust, for while we have our eyes on the future, history has its eyes on us, this is the era of just redemption we feared in its inception we did not feel prepared to be the heirs of such a terrifying hour but within it we found the power to author a new chapter, to offer hope and laughter to ourselves, so while once we asked how can we possibly prevail over catastrophe, now we assert how could catastrophe possibly prevail over us.

We will not march back to what was but move to what shall be, a country that is bruised but whole, benevolent but bold, fierce and free, we will not be turned around or interrupted by intimidation because we know our inaction and inertia will be the inheritance of the next generation, our blunders become their burden. But one thing is certain: if we merge mercy with might and might with right, then love becomes our legacy and change our children’s birthright.

So let us leave behind a country better than the one we were left, with every breath from my bronze, pounded chest, we will raise this wounded world into a wondrous one, we will rise from the golden hills of the West, we will rise from the windswept Northeast where our forefathers first realized revolution, we will rise from the lake-rimmed cities of the Midwestern states, we will rise from the sunbaked South, we will rebuild, reconcile, and recover in every known nook of our nation in every corner called our country our people diverse and beautiful will emerge battered and beautiful, when the day comes we step out of the shade aflame and unafraid, the new dawn blooms as we free it, for there is always light if only we’re brave enough to see it, if only we’re brave enough to be it.''

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

xurreira

''mata de sicómoros''

 Gustave Flaubert. Salambô. Texto Integral. Tradução de F. da Silva Vieira. Editorial Minerva. Lisboa., p. 5


 

''sombrio desgosto''

 Selma Lagerlöf. O Livro das Lendas. Tradução de Pepita de Leitão. Livros do Brasil, Lisboa., p. 17

A RAPARIGA DO BREJO GRANDE

 Selma Lagerlöf. O Livro das Lendas. Tradução de Pepita de Leitão. Livros do Brasil, Lisboa., p. 17

Ela diz que não sonha.

« Ela diz que não sonha. Mas, no entanto, deve sonhar. O que sucede é que os sonhos não a perturbam, ou então perturbam-na de tal maneira que os esquece antes de acordar. Gosta de dormir, e o sono faz-lhe bem. Queria ser como ela. Luto contra o sono e  desejo-o com ânsia.»

 John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 47

sacrossantos

tau.ma.tur.go

« - O Senhor-Sabe-Tudo não pensa senão numa coisa: esmagar as pessoas.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 42

Fontaines D.C. - Oh Such a Spring

 Down by the docks

The weather was fine
The sailors were drinking American wine
And I wished I could go back to spring again
Now they're all gone
That's life moving on
Some stay behind to get drunk on the sun
They wish they could go back to spring again
Oh, such a spring
Oh, such a spring
Oh, such a spring
The noise of the town
The salt in the air
It plays all around
But I no longer care
And I wish I could go back to spring again
Oh, such a spring
Oh, such a spring
Oh, such a spring
They try words
And down through the years
It all turns to tears
They don't know
But they try anyway
The clouds cleared up
The sun hit the sky
I watched all the folks go to work
Just to die
And I wished I could go back to spring again
Compositores: Grian Alexander Chatten / Carlos Ramos O'Connell / Conor Patrick Deegan / Conor Patrick Curley / Thomas Patrick Coll


 The bride: Lana Del Rey

The video: “Ultraviolence,” 2014

Panchão

''Um panchão é um cartucho de pólvora, revestido por papel vermelho. É um elemento típico da China, sendo tradicionalmente queimado para cumprir um dos rituais do Ano Novo Chinês.''

 « - O dia está sombrio.

- Não. As cortinas é que estão caídas.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 34

Nightshade Flower

Deadly nightshade

 (Atropa belladonna)

 «No terceiro dedo da mão esquerda trazia um volumoso olho de gato engastado num anel de ouro.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 32

´
Fotografia Bárbara Fonte

 

«Quando um homem se casa, está arrumado.»

 John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 28

''claridade azul, fantasmagórica''

 John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 28

fantasistas

 « E, depois de terem troçado d'Ele, tiraram-lhe a túnica e arrastaram-n'O para pô-lo na cruz.»

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 27

rapariguinhas

 «Ela era uma devastadora, uma caçadora, uma Artemisa para tudo quanto fosse calças. O velho capitão Hawley teria dito que ela tinha um «olhar vadio».

John Steinbeck. O Inverno do Nosso Descontentamento. Tradução de João Belchior Viegas. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1962., p. 25


 

Lana Del Rey - Chemtrails Over The Country Club

 Obituário | José Dinis, o dentista da carrinha Gulbenkian que pôs várias gerações a ler (1933-2021)


''José Joaquim Cesar da Cruz Dinis, figura marcante da cultura na região na última metade do século XX, morreu no passado dia 11 de janeiro, aos 87 anos, em Coimbra, mas só hoje a sua morte foi revelada publicamente. Dentista de profissão num consultório que herdou do pai, ficou conhecido para lá das fronteiras do concelho de Abrantes, onde nasceu e viveu, por ser encarregado de uma biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian durante mais de 30 anos.

A sua carrinha Citroën tinha o número 32 e ficou gravada na memória de várias gerações de Abrantes, Sardoal, Mação, Vila de Rei, Ponte de Sor e Gavião, que começou a visitar a partir de 1963. O percurso que fazia todos os meses por vários concelhos da região era decorado pelos miúdos e ansiado de igual forma pelos mais velhos. Quando a carrinha da Gulbenkian estacionava tinha sempre já uma fila de gente à espera. Era o mundo que chegava sobre rodas, sobretudo nos anos 60, 70 e 80, quando a televisão só tinha dois canais, a oferta cultural era escassa e os livros um bem raro na maioria das casas portuguesas.

Muita gente aprendeu a ler com os livros recomendados por José Dinis, centenas de crianças descobriram as bandas desenhadas e as histórias de aventuras que iriam moldar a sua infância, jovens namoradeiros trocaram os primeiros bilhetinhos dentro dos livros que ele passava de mão em mão, cúmplice desses amores.

José Luís Peixoto foi um dos seus fiéis “clientes” quando aprendia as primeiras letras no concelho de Ponte de Sor, onde nasceu. “Uma vez por mês, ao fim da tarde, a carrinha Citroën chegava ao terreiro de Galveias, calhava-nos as quartas-feiras. Ficava estacionada em frente da cooperativa. Depois do 25 de Abril, o clube dos ricos passou a sede da cooperativa. Quando eu chegava, vindo dos lados do São João, já havia outros rapazes e raparigas à volta da carrinha”, recordou num artigo publicado na revista Visão, em 2014. “Impressionava-me a quantidade de livros. Precisava de me esticar para chegar às prateleiras mais altas e, por isso, parecia-me que não tinham fim. O senhor Dinis conduzia a carrinha, recebia os papéis preenchidos com os códigos dos livros que requisitávamos. Levávamos sempre a quantidade máxima de livros. Líamos muito depressa os que tínhamos e, depois, íamos trocando entre nós até ao regresso da biblioteca no mês seguinte.”

O leitor tornou-se escritor, e muito por “culpa” daquele homem, que lhe aguçou a curiosidade pelas emoções que vivem escondidas em cada página. “Às vezes dou por mim a falar nisso perante uma plateia que me olha como se estivesse a dar notícias de um mundo meio real, meio imaginário”, diz Peixoto. Mas sim, a realidade mágica das bibliotecas itinerantes foi palpável durante quase 50 anos – e ainda perdura na memória de todos os que se cruzavam com elas.

A Fundação Calouste Gulbenkian criou o programa em 1958, para “promover e desenvolver o gosto pela leitura e elevar o nível cultural dos cidadãos, assentando a sua prática no princípio do livre acesso às estantes, empréstimo domiciliário e gratuitidade do serviço”. Poetas como Herberto Hélder e Alexandre O’Neill trabalharam nas bibliotecas itinerantes enquanto jovens – o nível de cultura exigido aos encarregados era bastante elevado, e muitos recordam precisamente a imensa cultura de José Dinis, que tinha sempre resposta pronta para as muitas perguntas que lhe faziam (quase como se fosse um “petite Larousse”).

Depois da Gulbenkian ter terminado este projeto em 2002, surgiram outras bibliotecas itinerantes, como projetos municipais. A sua missão estava longe de estar cumprida, como prova por exemplo a Bibliomóvel de Proença-a-Nova, que acaba de vencer o prémio de Boas Práticas Públicas da Direção-Geral de Arquivos e Bibliotecas.

Créditos: Arquivo Gulbenkian

Carismático e sempre gentil, é como muitos o recordam. Ninguém se sentia menorizado perante as prateleiras da sua pequena-grande biblioteca, e todos respeitavam o livro emprestado de forma quase reverencial, manuseando-os com cuidado para os poder devolver sem qualquer estrago adicional.

“Os livros saíam como pão quente, e qual milagre da multiplicação dos pães, voltavam intactos como se não tivessem sido comidos. Os livros saíam e entravam, e isso era o nascimento, o sangue de um novo Portugal, amassado com um fermento, a curiosidade.” Quem o diz é José Tavares, médico abrantino que entrevistou José Dinis por diversas vezes, ao longo dos anos, para escrever um livro que fixasse a memória que aquele homem tinha das gentes e das terras por onde passou. A obra “A Biblioteca Ambulante” recebeu uma menção honrosa no Prémio Literário do Médio Tejo em 2017, na categoria de não-ficção, mas a edição é garantida apenas ao primeiro classificado – no caso, “O Arneiro, 100 anos depois da guerra”, um ensaio fotográfico de Paulo Jorge de Sousa –, tendo havido posteriores tentativas de avançar com a publicação, travadas entretanto pela chegada da pandemia de covid-19.

“Não seria maravilhoso o mundo se as bibliotecas fossem mais importantes do que os bancos?”, perguntou um dia Felipe à revolucionária Mafalda desenhada por Quino. Sim, seria. Nesse mundo haveria livros sem fim, e filas de gente a encher de vida as livrarias e as bibliotecas, sempre com um José Dinis à porta, a sorrir-nos e a dar-nos um bom conselho.

“O Sr. Dinis representou para mim a primeira ideia do que era um sábio. Ele conhecia os autores e até as personagens de todos os livros no ventre mágico da carrinha. As leituras que me recomendou ampliaram o meu mundo e acabaram-me com muitos medos. Na verdade, sem elas eu não era o mesmo.”
Francisco Lopes, diretor da Biblioteca Municipal António Botto, em Abrantes

“Passados estes anos, acho que a primeira pessoa sábia e muito culta que conheci nesta terra que piso [Abrantes] foi o senhor José Dinis, quando a seguir a 74 nos levava os livros a trote numa biblioteca itinerante da Gulbenkian. Parava ali em Santo António e tinha leituras para sugerir a todos os meninos e meninas que acorriam à carrinha dos livros uma vez por semana. Ainda não tínhamos consciência de que a liberdade estava a passar por ali e muitos de nós só conhecíamos os livros da escola. O senhor Dinis nunca esboçava um sorriso, mas falava. Falava que se desunhava a ensinar-nos outras coisas que não aprendíamos nem na escola, nem em casa. Deu-nos mundo através dos livros que levávamos para casa.”
Fernanda Mendes, técnica de comunicação na Câmara Municipal de Abrantes

“Até sempre, GRANDE ZÉ DINIS! Quando me juntar a ti já nao vou ter vergonha de te pedir livros para levar para casa, do teu enorme CITROEN, em Cardigos, de onde me lembro de ti. OBRIGADO pela tua grande INSATISFAÇÃO. Pegou-se, fica descansado.”
António Colaço, artista plástico, ex-assessor de imprensa do grupo parlamentar do Partido Socialista''

Fonte

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

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