sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O meu destino fecha-se nesta nuvem que se afasta para dentro de um charco -
algures perco a minha alma - ouço os cascos de um cavalo que revolteia
naquele penedo cinzento, uma torre inanimada que chama pelas ruínas.

Não devo nada a ninguém (a não ser a Deus), e amor algum
me pede para ficar nesta multidão. Vejo os futuros anos que me esperam
entre a colmeia das abelhas - o anoitecer dos mortos que ainda sonham.

[ E só aos céus compete despir a casca do nome que somos feitos.]

Prevejo a minha morte, como um aviador que na Guerra
sabe que o seu dia chegará [ o rio segue inquieto pelas margens.]

Estou certo que o mundo que habito é uma guerra permanente
mas em ignorante boa-vontade fazemos do acaso uma comédia
que se vende em jornais de rua. Como se houvesse o propósito
de entreter o pensamento de quem possa ousar pensar.

Basta-nos o sono (bastaria?)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

noboribetsu - 1979


8

A nossa penúltima palavra
será uma palavra de carência extrema
mas, em face da consciência que é mãe,
será uma palavra de beleza.

Porque vai ser imprescindível resumir,
numa só, toda a pujança de um desejo
que nenhum gosto amargo
poderá jamais conter.


Rainer Maria Rilke

in Frutos e Apontamentos
Relógio D´Água, 1996

2

Candeeiro da noite, meu tão sereno confidente,
que nunca me puseste a nu o coração;
(talvez essa nudez nos perdesse); mas o declive
da vertente sul ficou ligeiramente iluminado.

Permaneces, ó candeeiro de estudante,
quem faz o leitor, de tempos a tempos,
parar, admirado, e perturbar-se
com o seu livro, olhando-te.

(Tua simplicidade até pode diluir um Anjo.)

Rainer Maria Rilke
in Frutos e Apontamentos
Relógio D´Água, 1996

Ele desejava que a sua amada estivesse morta

Se fria e morta jazesses,
E a Oeste se fossem apagando as luzes,
Virias até mim, inclinando a cabeça,
E a minha fonte em teu peito repousaria;
Murmurarias ternas palavras,
Perdoando-me, porque estavas morta:
Não te havias de levantar e partir tão apressada,
Ainda que teu seja esse querer de ave selvagem,
Ainda que saibas que o lugar dos teus cabelos
Junto às estrelas e ao sol e à lua:
Desejava, amada minha, que na terra jazesses
Sob as grandes folhas,
Enquanto uma a uma se fossem apagando as luzes.

W. B. Yeats
in Uma Antologia
Assírio & Alvim, 1996

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Conduz a vaga luz aos meus dedos, no secreto e íntimo adorno dos cachos nas vinhas,
enquanto flores brancas são lançadas no leito dos rios;

atravessa-me!, com a espada dos teus olhos, ou, junto destas margens na hora que silencia
o canto dos pássaros, traz-me essa Eternidade que ceia nos pinheirais, nas heras desoladas, que extinguem alento pelos muros; [e, ninguém consegue subir ao cume das planícies, a menos que tenha na alma, a genialidade dos Grandes.]

Mal oiço os passos, desse vulto que se ergue das sombras, depois de uma longa estação triste.
Tocadas pelo vento de Zéfiro, as pálpebras desprendem a música - atracção fértil de um grão de areia que na duna avista o mar...e, lívida a solidão que volve nas antecâmaras onde adormeço os meus sonhos.

De novo voltou, esse relâmpago que com raiva rasga os céus que ilumina;
a minha carne desencantada ondeia a música do teu respirar lagarto estendido ao sol

Dormente o meu gesto, fica parado sonhando saber tocar-te,
e prefere as noites longas de escrita a ter o coração perto da tua boca.
Ser-nos o vislumbre, a cerca que precisamos para abrir as cartas que trazes nos dedos -
ilusão caída - e, é tão urgente ver a vida morrer na mão que prende o seio.
............

Se pudesse encarnar e tirar agora do meu seio
aquilo quem em mim é mais profundo, se pudesse saciar
com palavras estes meus pensamentos, e assim exprimir
alma, coração, e espírito, paixões e todos os sentimentos,
ah, tudo o que poderia ter desejado, e desejo,
sofro, conheço e sinto, sem que morra, numa só palavra
- e que essa palavra fosse «Relâmpago!» - eu a diria;
mas não, vivo e morro voltado para o silêncio apenas,
com sufocadas vozes que guardo como uma espada...

Byron
in Poesia Romântica Inglesa (Byron, Shelley, Keats)
Relógio D'Água, 1992
Qui n´a plus qu´un moment à vivre
N´a plus rien à dissimuler.

Quinault, Atys

Guns N` Roses - November Rain

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

«Se te tivesses batido como um homem, não te enforcariam como um cão.» (pp.30)

Jorge Luis Borges
in História Universal da Infâmia
(1935)
o som das botas que descem as ruas, a fome que saliva dentro da boca
e, por entre as fachadas das sombras, oiço o grito dos mortos em pleno dia;

há um pai que chega tarde, e pousa a mão no calcanhar da mulher - que sofre de solidão
e a oeste, o vento desce pelas montanhas bravias até à aldeia,
onde cantam os pássaros (que fogem do ar das cidades negras).

Perto do mar os pescadores de caranguejos acordam antes do sol se pôr
lá longe, na abóbada do horizonte.

E a minha infância é um conto de migalhas de pão que dou aos pombos -, que ali,
em frente aos meus pés, pedem que me revele:

ah, meu pai!, connosco não estiveste para dividir o peixe,
connosco não estiveste para pôr toalhas brancas nas mesas de madeira velha;

desde o nascer. desde que os olhos viram o mundo. desde que, pela primeira vez disse uma palavra

e, ali não estiveste

pai ausente.
Capa da edição de 1609 dos
"Sonetos de Shakespeare"

Soneto 17

Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Às vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.

William Shakespeare

The Legendary Tiger Man : masquerade

sábado, 5 de setembro de 2009

Amorosa anticipación

Ni la intimidad de tu frente clara como una fiesta
ni la costumbre de tu cuerpo, aún misterioso y tácito y de niña,
ni la sucesión de tu vida asumiendo palabras o silencios
serán favor tan misterioso
como el mirar tu sueño implicado
en la vigilia de mis brazos.
Virgen milagrosamente otra vez por la virtud absolutoria del sueño,
quieta y resplandeciente como una dicha que la memoria elige,
me darás esa orilla de tu vida que tú misma no tienes,
Arrojado a quietud
divisaré esa playa última de tu ser
y te veré por vez primera, quizá,
como Dios ha de verte,
desbaratada la ficción del Tiempo
sin el amor, sin mí.

Jorge Luis Borges
in Luna de Enfrente, (1925)

Jactancia De Quietud

Escrituras de luz embisten la sombra, más prodigiosas que meteoros.
La alta ciudad inconocible arrecia sobre el campo.
Seguro de mi vida y de mi muerte, miro los ambiciosos y quisiera entenderlos.
Su día es ávido como el lazo en el aire.
Su noche es tregua de la ira en el hierro, pronto en acometer.
Hablan de humanidad.
Mi humanidad está en sentir que somos voces de una misma penuria.
Hablan de patria.
Mi patria es un latido de guitarra, unos retratos y una vieja espada,
la oración evidente del sauzal en los atardeceres.
El tiempo está viviéndome.
Más silencioso que mi sombra, cruzo el tropel de su levantada codicia.
Ellos son imprescindibles, únicos, merecedores del mañana.
Mi nombre es alguien y cualquiera.
Paso con lentitud, como quien viene de tan lejos que no espera llegar.

Jorge Luis Borges
in Luna de Enfrente, (1925)

Nirvana- come as you are

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Just a little more

Just a little more
And we shall see the almond trees in blossom
The marbles shining in the sun
The sea, the curling waves.

Just a little more
Let us rise just a little higher.


Giórgos Seféris

Fear is a porch...

Fear is a porch where winds
slide thru in the North
A face at the Window that
becomes a leaf
An eagle sensing its disaster
But soaring gracefully above
A rabbit shining in the night


Jim Morrison

terça-feira, 1 de setembro de 2009


Writer Niven Busch Lying on Sofa with Newspaper over His Face as He Takes Nap from Screenwriting
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