As grandes florestas do mundo são virgens
Os grandes silêncios são bárbaros.
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terça-feira, 25 de maio de 2010
segunda-feira, 10 de maio de 2010
quinta-feira, 29 de abril de 2010
terça-feira, 27 de abril de 2010
Violentíssimo degrau alto que espera pelo pezinho pequeno. Quando crescerá o homem?
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(pendant la nuit),
Beatriz Agulha
domingo, 6 de dezembro de 2009
# 1
Havia uma casa com raízes numa montanha de granito. Uma casa sem vizinhos, meia perdida entre o caminho que corta por entre urzes e o riacho. Por detrás dessa casa, havia um estábulo de madeira; era aí criado um menino - que fora trazido pela época das chuvas -, como um animal.
Os caseiros, ambos já velhos, eram avessos a ter uma criança sentada à mesma mesa que eles. Não suportavam ter o encargo de a educar. Por não a conseguirem deixar ao abandono, à espera da morte, colocaram-na perto dos animais, e passados uns meses, esse menino de olhos negros como a sombra, viria a estar no mesmo espaço onde se movia a vaca, os bois, e as galinhas.
O velho, um homem de feições rudes e de maldade crepitante nos cantos da boca, traz ao nascer do sol, comida para abastecer o gado. Depois de colocada uma braçada de feno, que empilha na manjedoura, revira os olhos para aquele corpo petiz sem nome.
-Vá, come! - resmunga o velho.
Atira-lhe feno para o rosto e pão duro para o chão, que este, se apressa a agarrar para trincar. Com o tempo, como que, uma propensão para o mal puxa ainda pela raíz mais funda, deixou de lhe dar comida. O menino, dormia em cima do feno, esperneando-se todas as noites com dor: dor de fome, que queimava como ferro no estômago. Horas e horas de sede e para a boca encontrou na erva fresca vinda dos pastos, o engano para a fome; começou como o boi, a ruminar.
Alguns dias depois, em que, não aguentava na barriga o sentimento vivo desse azedume - enquanto a mão levava à boca o verde das ervas -, o menino, fixou os olhos da vaca - tristes, como que gravados numa escultura - e, dela veio a permissão, o chamamento; moveu-se a criança esfaimada até às tetas - aí pôs-se a beber o leite, agarrando-as com sofreguidão, para as sugar . A caseira, uma velhota, ainda que, mais afável que o homem, quando começou a dar pela falta do leite, levou abóboras e frutas para o estábulo. Elas chegavam, tão frescas na cor, que era vê-lo atirar-se para roer o que houvesse. A isto, tudo assistiam, as aranhas recolhidas entre as grandes névoas de teia, que cobriam o tecto de madeira podre.
O velho, num dia de tédio, em que o suor lhe escorria da fronte e, uma inquietante e contínua impressão na artéria do peito, se lhe apertava cada vez mais, perdeu as estribeiras, ao olhar aquela criatura, ali, tão obediente e passiva, ao lado dos animais.
- Meu grandessíssimo filho da puta! - berrou, e a seguir atirou-lhe com um balde de água à cabeça. Seguiram-se pontapés na barriga e, pegando numa correia dum chicote pendurado ao pé das forquilhas, deixou-o com o corpo e a alma marcada, como se, por ali tivesse passado o diabo. Foi a vaca, que lhe lambeu o sangue das feridas abertas, bebeu-lhe a infecção - o pus -,enxotando as moscas com o movimento incessante do rabo. No dia seguinte, o velho ao confrontar-se com o menino todo batido, fruto das suas mãos loucas, não abrandou, e desceu mais fundo: chicoteou-o ainda com mais força. De instinto animalesco, o menino agora educado como uma fera, agarrou-se-lhe à perna, e, só alimentado de sementes e pasto, cravou os dentes na carne, até a rasgar, até correr sangue no estábulo cheio de esterco. Os gritos do velho, trouxeram a caseira, e com ela, a súbita consciência, de que eram responsáveis pelo comportamento desse animal que criaram.
-Santo Deus! - disse, sem quase haver ar no peito para respirar.
O menino ao vê-la, parou, subitamente assustadiço. Afastou-se para um canto. Agarrou em folhas de milho e pôs-se a trincá-las para tirar da boca, o sabor do sangue humano. A mulher arrastou o velho, dali para fora, e ele nunca mais voltou. Passou a vir sempre ela, com passo lento, na sujidade do chão de pedra. Deitava o milho às galinhas, ordenhava a vaca, e deixava latas de conserva de feijão e carne para o menino. Com os meses, deu-lhe um nome. Chamava-o e quando o menino deixava que o tocasse, dáva-lhe sementes de abóbora, o seu banquete preferido. Depois começou a cantar-lhe canções, que só do coração lhe tinham saído, quando criara as suas crias - agora ausentes, lá nas cidades de fumo negro. Ensinou-lhe depois as palavras, a este ser, que aprendera a imitar os grunhidos dos animais; e, quando se sentou na escada da casa na colina, e o céu se abriu entre as nuvens de Inverno, ela, a mulher do caseiro matou a maldade, e sentou o menimo à mesa.
Os caseiros, ambos já velhos, eram avessos a ter uma criança sentada à mesma mesa que eles. Não suportavam ter o encargo de a educar. Por não a conseguirem deixar ao abandono, à espera da morte, colocaram-na perto dos animais, e passados uns meses, esse menino de olhos negros como a sombra, viria a estar no mesmo espaço onde se movia a vaca, os bois, e as galinhas.
O velho, um homem de feições rudes e de maldade crepitante nos cantos da boca, traz ao nascer do sol, comida para abastecer o gado. Depois de colocada uma braçada de feno, que empilha na manjedoura, revira os olhos para aquele corpo petiz sem nome.
-Vá, come! - resmunga o velho.
Atira-lhe feno para o rosto e pão duro para o chão, que este, se apressa a agarrar para trincar. Com o tempo, como que, uma propensão para o mal puxa ainda pela raíz mais funda, deixou de lhe dar comida. O menino, dormia em cima do feno, esperneando-se todas as noites com dor: dor de fome, que queimava como ferro no estômago. Horas e horas de sede e para a boca encontrou na erva fresca vinda dos pastos, o engano para a fome; começou como o boi, a ruminar.
Alguns dias depois, em que, não aguentava na barriga o sentimento vivo desse azedume - enquanto a mão levava à boca o verde das ervas -, o menino, fixou os olhos da vaca - tristes, como que gravados numa escultura - e, dela veio a permissão, o chamamento; moveu-se a criança esfaimada até às tetas - aí pôs-se a beber o leite, agarrando-as com sofreguidão, para as sugar . A caseira, uma velhota, ainda que, mais afável que o homem, quando começou a dar pela falta do leite, levou abóboras e frutas para o estábulo. Elas chegavam, tão frescas na cor, que era vê-lo atirar-se para roer o que houvesse. A isto, tudo assistiam, as aranhas recolhidas entre as grandes névoas de teia, que cobriam o tecto de madeira podre.
O velho, num dia de tédio, em que o suor lhe escorria da fronte e, uma inquietante e contínua impressão na artéria do peito, se lhe apertava cada vez mais, perdeu as estribeiras, ao olhar aquela criatura, ali, tão obediente e passiva, ao lado dos animais.
- Meu grandessíssimo filho da puta! - berrou, e a seguir atirou-lhe com um balde de água à cabeça. Seguiram-se pontapés na barriga e, pegando numa correia dum chicote pendurado ao pé das forquilhas, deixou-o com o corpo e a alma marcada, como se, por ali tivesse passado o diabo. Foi a vaca, que lhe lambeu o sangue das feridas abertas, bebeu-lhe a infecção - o pus -,enxotando as moscas com o movimento incessante do rabo. No dia seguinte, o velho ao confrontar-se com o menino todo batido, fruto das suas mãos loucas, não abrandou, e desceu mais fundo: chicoteou-o ainda com mais força. De instinto animalesco, o menino agora educado como uma fera, agarrou-se-lhe à perna, e, só alimentado de sementes e pasto, cravou os dentes na carne, até a rasgar, até correr sangue no estábulo cheio de esterco. Os gritos do velho, trouxeram a caseira, e com ela, a súbita consciência, de que eram responsáveis pelo comportamento desse animal que criaram.
-Santo Deus! - disse, sem quase haver ar no peito para respirar.
O menino ao vê-la, parou, subitamente assustadiço. Afastou-se para um canto. Agarrou em folhas de milho e pôs-se a trincá-las para tirar da boca, o sabor do sangue humano. A mulher arrastou o velho, dali para fora, e ele nunca mais voltou. Passou a vir sempre ela, com passo lento, na sujidade do chão de pedra. Deitava o milho às galinhas, ordenhava a vaca, e deixava latas de conserva de feijão e carne para o menino. Com os meses, deu-lhe um nome. Chamava-o e quando o menino deixava que o tocasse, dáva-lhe sementes de abóbora, o seu banquete preferido. Depois começou a cantar-lhe canções, que só do coração lhe tinham saído, quando criara as suas crias - agora ausentes, lá nas cidades de fumo negro. Ensinou-lhe depois as palavras, a este ser, que aprendera a imitar os grunhidos dos animais; e, quando se sentou na escada da casa na colina, e o céu se abriu entre as nuvens de Inverno, ela, a mulher do caseiro matou a maldade, e sentou o menimo à mesa.
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Beatriz Agulha,
quando fico na aldeia dá-me para isto
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Devora-me, luz que gritas na sombra!
Devora-me, luz que gritas na sombra!
Ilumina-me estas mãos feitas de pedra;
sangra os meus versos de amor e, tão
somente neles, deita-te para dormir.
Seguirei por estas linhas tortas,
para dançar junto à tua cintura;
dar-te-ei uma maçã, para abrirmos
num dia de Sol, e fecharei
todas as portas que a Morte abre
para receber o teu corpo.
Ilumina-me estas mãos feitas de pedra;
sangra os meus versos de amor e, tão
somente neles, deita-te para dormir.
Seguirei por estas linhas tortas,
para dançar junto à tua cintura;
dar-te-ei uma maçã, para abrirmos
num dia de Sol, e fecharei
todas as portas que a Morte abre
para receber o teu corpo.
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
o som das botas que descem as ruas, a fome que saliva dentro da boca
e, por entre as fachadas das sombras, oiço o grito dos mortos em pleno dia;
há um pai que chega tarde, e pousa a mão no calcanhar da mulher - que sofre de solidão
e a oeste, o vento desce pelas montanhas bravias até à aldeia,
onde cantam os pássaros (que fogem do ar das cidades negras).
Perto do mar os pescadores de caranguejos acordam antes do sol se pôr
lá longe, na abóbada do horizonte.
E a minha infância é um conto de migalhas de pão que dou aos pombos -, que ali,
em frente aos meus pés, pedem que me revele:
ah, meu pai!, connosco não estiveste para dividir o peixe,
connosco não estiveste para pôr toalhas brancas nas mesas de madeira velha;
desde o nascer. desde que os olhos viram o mundo. desde que, pela primeira vez disse uma palavra
e, ali não estiveste
pai ausente.
e, por entre as fachadas das sombras, oiço o grito dos mortos em pleno dia;
há um pai que chega tarde, e pousa a mão no calcanhar da mulher - que sofre de solidão
e a oeste, o vento desce pelas montanhas bravias até à aldeia,
onde cantam os pássaros (que fogem do ar das cidades negras).
Perto do mar os pescadores de caranguejos acordam antes do sol se pôr
lá longe, na abóbada do horizonte.
E a minha infância é um conto de migalhas de pão que dou aos pombos -, que ali,
em frente aos meus pés, pedem que me revele:
ah, meu pai!, connosco não estiveste para dividir o peixe,
connosco não estiveste para pôr toalhas brancas nas mesas de madeira velha;
desde o nascer. desde que os olhos viram o mundo. desde que, pela primeira vez disse uma palavra
e, ali não estiveste
pai ausente.
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
O homem de mãos tristes
O homem de mãos tristes há muitos anos que trabalhava na gruta: a arrancar pedras, a martelar nas paredes, a amontoar os quartzos, granitos e sílicas; por vezes, a talho de foice, um corte, um rasgo profundo nas veias; as mãos doíam: trabalhavam arduamente. Os olhos, esses, habituados à escuridão e a ver os morcegos - cegam quando encontram a luz do dia. É quase um homem primitivo. Percorre como ninguém os labirínticos caminhos, por entre bifurcações, nessas curvas e meandros das cavernas; porém, quando sai desses lugares recônditos, tem dificuldade em regressar a casa: costuma perder-se.
Uma vez houve, em que debaixo de um sol abrasador, andou horas a fio, sem conseguir acertar direcção com a bússola. Os sapatos gastos, já quase rotos, ficaram na estrada de pó de tanto caminhar e, só os pés (em sangue) o arrastaram até a uma taberna ao pé de umas casas pintadas de cores pálidas.
O homem de mãos tristes tinha sede, muita sede. Sentou-se e agarrou no copo de vidro. As mãos pareciam um coração aos gritos, pedindo socorro e, a sofreguidão era tanta, que, não medindo a força, desfizeram o copo (ficando em estilhaços em cima da mesa de madeira) antes sequer, de a sede ser saciada. Ouviu-se, no silêncio atónito dos olhos dos aldeões agarrados aos copos do vinho, um velhote (habitualmente calado) dizer: «Arreda, demónio!»
O homem de mãos tristes, engoliu em seco e fixou os olhos na pele, nos dedos encardidos e nas unhas duras e sujas; essas mãos que, estiveram muitos anos debaixo de pó, não encontraram Deus e, dos dedos, nasceram apenas oliveiras bravias. No rosto enrugado, nasceu mais uma ruga de tristeza nesse momento. O velhote (habitualmente calado) reparou no suspiro, na golfada de ar que, por entre, os lábios ligeiramente separados, revelou uma boca sem dentes. Apesar de não ter muitas memórias, o homem de mãos tristes, sabia porque perdera os dentes - fora de tanto os ranger, quando as dores entravam pelos ossos das mãos-, esses vinte e sete ossos principais, já quase desfeitos.
Partira a mão direita em Maio dos anos oitenta, a rachar lenha, num inverno rigoroso. Passou toda a estação das chuvas, enfiado em casa. Acompanhava-o, sem ele saber, um grilo macho sentado ao pé da lareira - ficava quieto no seu lugar em silêncio; era um animal mas pressentia o perigo, e sabia, de alguma forma, que tinha de manter as asas quietas - para que não roçassem uma na outra e produzissem sons que denunciassem a sua presença. Tornou-se um grilo doméstico, não fugia, mantinha-se ali, mesmo quando pela fresta da janela, após a caída da chuva,o cheiro das fêmeas lhe seduzisse o canto.Algumas vezes, aventurou-se a seguir, nesse Inverno, esse homem. Viu-lhe as mãos - como eram dotadas de formas específicas de fazer as coisas: curavam as próprias feridas hasteadas em pus; enchiam as florestas de sons -quando, com um machado golpeava o casco de mais um tronco de uma árvore.As mãos sabiam o que faziam e, raramente o sorriso nelas se reflectia - estendiam-se fios de desassossego na corrente sanguínea; o miolo das sementes de algodão, embebido nesse sangue quando encontravam o fogo na lareira, ardiam de súbito, como se possuísem álcool etílico.
O homem de mãos tristes nunca morre. Não tem sombra. Quando se move, dizem que traz o sol pendurado atrás da cabeça, e, um menino quando o sente passar, sorri: «Olha, um pássaro vestido de homem!»
O homem não conhece as margens do rio, são as mãos tristes, que lutam, são o ar debaixo da montanha. Manejam o uso hábil de venenos- que fecundos, extraem a ferrugem dos corpos e inebriam mulheres desconsoladas com a vida. O homem das mãos tristes fez nascer uma escultura da árvore derrubada, ainda com os frutos de cores vivas nos ramos. Uma mulher atraída pelo espírito da morte, veio beber dos frutos o sumo fértil desse veneno doce. No útero, espécies férteis começaram a ser geradas. A barriga desatou a crescer, com o veneno a entupir as artérias,e os frutos verdes pesavam no pomar desse útero forrado de sombras. O homem com as mãos frias espancou-lhe com os olhos esse ninho,e, ela, fugiu para as florestas arrastando-se em sangue, que caía pela terra, em todos os lugares por por onde pés deixaram a marca.Nasceram, como que marcando um mapa, árvores de frutos venenosos.
Durante anos, meninos cheios de fome, vinham arrastados até encontrarem o odor sumarento dos néctares e, traídos pelas abelhas que zonzeavam por ali, morriam amontoados junto das silvas, do carreiro das formigas, que passavam por cima da carne em petrufação. Os frutos, tinham no interior o sangue venenoso, que fazia parar o coração de quem tinha fome. Quem se sentasse numa árvore, para saciar a dor da alma, grotescamente provava o sémen do homem de mãos tristes. Esse, alheio à morte, continua a trabalhar arduamente na gruta; redime-se pela dor que ataca estas mãos: é a única prova que tem de que ainda está vivo.
Antes de sair da taberna, lavou as mãos com sabão azul, sorriu no espelho fusco da casa de banho e, tirou das calças um saco com algumas moedas de ouro que abandonou junto do copo estilhaçado. Pediu umas botas. Uma rapariga virgem, limpou-lhe o sangue dos pés numa tina de água límpida - e o homem partiu na névoa da noite, como um vulto, que não voltará a regressar. Procura de novo, uma caverna onde se possa esconder da luz do sol e, trabalhar com as mãos que Deus lhe deu: até que a morte se lembre da sua existência.
Uma vez houve, em que debaixo de um sol abrasador, andou horas a fio, sem conseguir acertar direcção com a bússola. Os sapatos gastos, já quase rotos, ficaram na estrada de pó de tanto caminhar e, só os pés (em sangue) o arrastaram até a uma taberna ao pé de umas casas pintadas de cores pálidas.
O homem de mãos tristes tinha sede, muita sede. Sentou-se e agarrou no copo de vidro. As mãos pareciam um coração aos gritos, pedindo socorro e, a sofreguidão era tanta, que, não medindo a força, desfizeram o copo (ficando em estilhaços em cima da mesa de madeira) antes sequer, de a sede ser saciada. Ouviu-se, no silêncio atónito dos olhos dos aldeões agarrados aos copos do vinho, um velhote (habitualmente calado) dizer: «Arreda, demónio!»
O homem de mãos tristes, engoliu em seco e fixou os olhos na pele, nos dedos encardidos e nas unhas duras e sujas; essas mãos que, estiveram muitos anos debaixo de pó, não encontraram Deus e, dos dedos, nasceram apenas oliveiras bravias. No rosto enrugado, nasceu mais uma ruga de tristeza nesse momento. O velhote (habitualmente calado) reparou no suspiro, na golfada de ar que, por entre, os lábios ligeiramente separados, revelou uma boca sem dentes. Apesar de não ter muitas memórias, o homem de mãos tristes, sabia porque perdera os dentes - fora de tanto os ranger, quando as dores entravam pelos ossos das mãos-, esses vinte e sete ossos principais, já quase desfeitos.
Partira a mão direita em Maio dos anos oitenta, a rachar lenha, num inverno rigoroso. Passou toda a estação das chuvas, enfiado em casa. Acompanhava-o, sem ele saber, um grilo macho sentado ao pé da lareira - ficava quieto no seu lugar em silêncio; era um animal mas pressentia o perigo, e sabia, de alguma forma, que tinha de manter as asas quietas - para que não roçassem uma na outra e produzissem sons que denunciassem a sua presença. Tornou-se um grilo doméstico, não fugia, mantinha-se ali, mesmo quando pela fresta da janela, após a caída da chuva,o cheiro das fêmeas lhe seduzisse o canto.Algumas vezes, aventurou-se a seguir, nesse Inverno, esse homem. Viu-lhe as mãos - como eram dotadas de formas específicas de fazer as coisas: curavam as próprias feridas hasteadas em pus; enchiam as florestas de sons -quando, com um machado golpeava o casco de mais um tronco de uma árvore.As mãos sabiam o que faziam e, raramente o sorriso nelas se reflectia - estendiam-se fios de desassossego na corrente sanguínea; o miolo das sementes de algodão, embebido nesse sangue quando encontravam o fogo na lareira, ardiam de súbito, como se possuísem álcool etílico.
O homem de mãos tristes nunca morre. Não tem sombra. Quando se move, dizem que traz o sol pendurado atrás da cabeça, e, um menino quando o sente passar, sorri: «Olha, um pássaro vestido de homem!»
O homem não conhece as margens do rio, são as mãos tristes, que lutam, são o ar debaixo da montanha. Manejam o uso hábil de venenos- que fecundos, extraem a ferrugem dos corpos e inebriam mulheres desconsoladas com a vida. O homem das mãos tristes fez nascer uma escultura da árvore derrubada, ainda com os frutos de cores vivas nos ramos. Uma mulher atraída pelo espírito da morte, veio beber dos frutos o sumo fértil desse veneno doce. No útero, espécies férteis começaram a ser geradas. A barriga desatou a crescer, com o veneno a entupir as artérias,e os frutos verdes pesavam no pomar desse útero forrado de sombras. O homem com as mãos frias espancou-lhe com os olhos esse ninho,e, ela, fugiu para as florestas arrastando-se em sangue, que caía pela terra, em todos os lugares por por onde pés deixaram a marca.Nasceram, como que marcando um mapa, árvores de frutos venenosos.
Durante anos, meninos cheios de fome, vinham arrastados até encontrarem o odor sumarento dos néctares e, traídos pelas abelhas que zonzeavam por ali, morriam amontoados junto das silvas, do carreiro das formigas, que passavam por cima da carne em petrufação. Os frutos, tinham no interior o sangue venenoso, que fazia parar o coração de quem tinha fome. Quem se sentasse numa árvore, para saciar a dor da alma, grotescamente provava o sémen do homem de mãos tristes. Esse, alheio à morte, continua a trabalhar arduamente na gruta; redime-se pela dor que ataca estas mãos: é a única prova que tem de que ainda está vivo.
Antes de sair da taberna, lavou as mãos com sabão azul, sorriu no espelho fusco da casa de banho e, tirou das calças um saco com algumas moedas de ouro que abandonou junto do copo estilhaçado. Pediu umas botas. Uma rapariga virgem, limpou-lhe o sangue dos pés numa tina de água límpida - e o homem partiu na névoa da noite, como um vulto, que não voltará a regressar. Procura de novo, uma caverna onde se possa esconder da luz do sol e, trabalhar com as mãos que Deus lhe deu: até que a morte se lembre da sua existência.
sexta-feira, 3 de julho de 2009
in-so-lú-veis as mãos que cobrem o rosto, e deformam as linhas suaves das faces rosadas. O fogo
em redor da boca entreaberta reduz-se a uma morte quebrada; a navalha cortante, chega como uma serpente, desliza até ao oceano, acaricia a embriaguez da saliva - e, no deserto do porvir da paixão - pergunta-me «acaso tentas assemelhar-te ao solstício de verão?».
em redor da boca entreaberta reduz-se a uma morte quebrada; a navalha cortante, chega como uma serpente, desliza até ao oceano, acaricia a embriaguez da saliva - e, no deserto do porvir da paixão - pergunta-me «acaso tentas assemelhar-te ao solstício de verão?».
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