quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

mau-olhado


«Estava só, talvez já há três horas. Não dormia. Esquecera-se do sono e do tempo: «Nós os velhos, dormimos pouco, quase nunca. Por vezes, quase dormitamos, mas nunca deixamos de pensar. É a única coisa que me falta fazer.»

Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 136

«O tutano dos nossos ossos convertido em lume e as veias do nosso sangue feitas fios de fogo, fazendo-nos dar gritos de inacreditável dor: nunca apaziguado; sempre atiçado pela ira do Senhor.
 «Ele aninhava-me entre os seus braços. Dava-me amor.»



Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 132

«Quisera adivinhar os seus pensamentos e ver a batalha daquele coração para rejeitar as imagens que ele semeara dentro dela. Olhou-a nos olhos e ela devolveu-lhe o olhar. E pareceu-lhe ver os seus lábios esboçarem um sorriso.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 132


«Tenho a boca cheia de ti, da tua boca. Os teus lábios apertados, duros como se mordessem, oprimindo os meus lábios...»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 131


« - Viu os seus olhos apertados como quando se sente uma dor interna; a boca húmida, entreaberta, e os lençóis percorridos por mãos inconscientes até mostrar a nudez do seu corpo que começou a retorcer-se em convulsões.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 128

"O silêncio é a minha maior tentação. As palavras, esse vício ocidental, estão gastas, envelhecidas, envilecidas. Fatigam, exasperam. E mentem, separam, ferem. Também apaziguam, é certo, mas é tão raro! Por cada palavra que chega até nós, ainda quente das entranhas do ser, quanta baba nos escorre em cima a fingir de música suprema! A plenitude do silêncio só os orientais a conhecem".


 Eugénio de Andrade
“Tudo existe dentro da nossa intimidade comovida. O nosso amor é um mar onde mergulham e flutuam todas as coisas… Esta auréola sentimental que nos envolve, exala-se do nosso coração e expande-se no infinito espaço, e a expansão é indefinida…
[… ]
Amar alguém não é, de algum modo, ser esse alguém?”



 Teixeira de Pascoaes,“A Caridade”, in “O Homem Universal e outros escritos, Lisboa, Assírio & Alvim, 1993, pp.146-147
"Não te poderás considerar um verdadeiro intelectual se não puseres a tua vida ao serviço da justiça; e sobretudo se te não guardares cuidadosamente do erro em que se cai no vulgo: o de a confundir com a vingança. A justiça há-de ser para nós amparo criador, consolação e aproveitamento das forças que andam desviadas; há-de ter por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a distinguiremos do amor"

Agostinho da Silva, “Pelos vencidos”, Considerações [1944], in Textos e Ensaios Filosóficos I, p. 112.

The Wild Child


« - É verdade que a noite está cheia de pecados,  Justina?
-Sim, Susana.
-E é verdade?
-Deve ser, Susana.
-E o que é que tu pensas que a vida é, Justina, senão um pecado? Não ouves? Não ouves como a Terra range?
 - Não, Susana, não consigo ouvir nada. A minha sorte não é tão grande como a tua.
 -Ficarias assustada. Digo-te que ficarias assustada se ouvisses o que eu ouço.
  Justina continuou a pôr ordem no quarto. Passou uma e outra vez o pano pelas tábuas húmidas do chão. Limpou a água da jarra partida. Recolheu as flores. Pôs os vidros no balde cheio de água.
-Quantos pássaros mataste tu na vida, Justina?
-Muitos, Susana.
-E não sentiste tristeza?
-Sim, Susana.
-Então, estás à espera de quê para morreres?
-Da morte. Susana.
-Se é disso, não tardará. Não te preocupes.
Susana San Juan estava sentada na cama, recostada nas almofadas. Os olhos inquietos, olhando para todos os lados. As mãos sobre o ventre, presas ao ventre como uma concha protectora. Havia leves zumbidos que se cruzavam como asas por cima da sua cabeça. E o barulho das roldanas na nora. O rumor das pessoas ao acordar.
-Tu acreditas no Inferno, Justina?
-Sim, Susana. E também no Céu.
-Eu só acredito no Inferno - disse. E fechou os olhos.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 127

«Sentiu desfilar diante dele o trote de cavalos escuros, confundidos com a noite. O suor e o pó; o tremor de terra. Quando viu os pirilampos novamente a luzir, deu-se conta de que todos os homens tinham partido. Ficava ele, só, como um tronco duro que começava a desgastar-se por dentro.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 126

«Mais tarde teve de tirar a camisa de noite porque a noite começou a ficar quente...»

Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 124

«Era uma dessas luas tristes que ninguém olha, de que ninguém faz caso. Ali esteve, algum tempo, desfigurada, sem dar luz alguma, e depois foi esconder-se atrás dos cerros.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 122/3

''amargos de boca''



«Oh, porque não chorei e me desfiz então em lágrimas para aliviar a minha angústia.»

Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 118

Então fundo-me nele, inteira.


«Então fundo-me nele, inteira. Entrego-me a ele no seu forte bater, no seu suave possuir, sem lhe negar nada.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 113/4
«- É como se fosses um ''pico feio'', um entre mmuitos - disse-me. - Gosto mais de ti à noite, quando estamos os dois na mesma almofada, debaixo dos lençóis, na escuridão.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 113

«Se ao menos soubesse o que a maltratava por dentro, o que a fazia revolver-se destapada, como se a despedaçassem até a inutilizarem.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 1112

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015


«- A luz acende gotas de suor nos seus lábios.»

Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 109

« - Que fizemos nós? Porque nos apodreceu a alma?»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 102

Boy with pet owls, circa 1911


''rezando terços intermináveis''

«As suas pestanas já quietas; quieto já o seu coração.»

Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 94

  «Eu devia ter gritado; as minhas mãos deveriam ter-se despedaçado, esmagando o seu desespero.»

Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 93

sacristia

«(...) o sabor a sangue na língua.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 92

«- Vou andar um pouco, Ana. Para ver se arejo.
-Sente-se mal?
-Mal não, Ana. Mau. Um homem mau. É isso que sinto que sou.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 90

«-Eu sou um pobre homem disposto a humilhar-se, enquanto sentir o impulso para o fazer.»



Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 83

Vinho de sabugueiro

«Descansei o vício dos meus remorsos.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 83

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Doença Dos Ossos de Vidro

Osteogénese imperfeita

O guião é o princípio de um processo visual e não o final de um processo literário.
O romancista escreve enquanto o guionista trama, narra e descreve.


(Jean-Claude Carrière)
"O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta."
Agostinho da Silva, Entrevista

ENTRE DUAS MEMÓRIAS
"Se fosse possível distinguir o amor verdadeiro do falso como se distinguem os bons dos maus cogumelos. Para estes é tão simples. Bast polvilhá-los com sal, pô-los de lado e esperar. Mas no que diz respeito ao amor, logo que descobrimos qualquer coisa que de longe se lhe assemelhe, estamos absolutamente certos não de que é um especimen autêntico, mais ainda de que é talvez o único cogumelo verdadeiro ainda por colher. E é necessário um número terrível de cogumelos venenosos para nos convencermos de que a vida não é toda ela um imenso cogumelo comestível."
-"Diário"
- Katherine Mansfield
"Morreremos sem conhecer uma fracção grande de nós. E isto apenas porque ela não teve oportunidade de se manifestar. Eis porque, por exemplo, nem todos sabem de si que são heróis, ou cobardes"
- Vergílio Ferreira

POETA NU


"Que sabe um rio dos seus afluentes? E os afluentes dos subafluentes? E estes dos pequenos regatos da montanha? Os rios não têm memória. (Embora digam que a memória é um rio.)
Têm água. E nós sede."
-"O Poeta Nu"
- Jorge de Sousa Braga 

DESPEÇO-ME


"E só tu sobressais entre as demais
mulher eterna com a luz na fronte
e dominante agora em todo o horizonte
Humano mesmo se demasiado humano
povoam-me cidades sossegadas
de sonhos que semeiam as semanas
onde só o silêncio é soberano
Dobra-se a brisa à mão do meio-dia
a fantasia é fértil em verdade
e do presente obscuro português
algum futuro há-de enfim nascer
Do salmo lúgubre da luz final do dia
que já há quatro séculos se entoa
hã-de rasgar a noite portuguesa
as raparigas da cidade de lisboa
E eu hei-de voar ao vento do momento"

-"Despeço-me da Terra da Alegria"
- Ruy Belo 
"sente-se a lentidão, o peso,
minarem cada gesto; e antes
do gesto, a ideia de o fazer;
dançam agora dois a dois,
reconstituem a unidade
cindida ainda há pouco; os pares
mortais; a vocação
de transformar o tempo em rostos;
somam-se duas mortes,
e obtém-se uma criança; ela, sim:
resistirá, crescendo,
ao desgaste do dia,
procurará na outra noite
o corpo que define o seu;
protege-a a espuma, a máscara,
até de madrugada; e então,"

-"Entre Duas Memórias"
- Carlos de Oliveira 
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